Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JAIME FERREIRA | ||
Descritores: | APELIDO EX-CÔNJUGE USO AUTORIZAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 07/10/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL DE FAMÍLIA E MENORES DE COIMBRA – 1º JUÍZO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 1677º, Nº 1 E 1677º-B DO C.CIVIL. | ||
Sumário: | I – Na providência a que se reporta o art. 1677º-B/1 e 3 do CC – Autorização de Uso dos Apelidos do ex-Cônjuge -, nos termos arts. 5º a 10º do DL 272/01, de 13-10, não está em discussão o direito ao nome do Requerente, tal como este está previsto no artº 72º do C. Civil e 26º da Constituição da República – enquanto direito a ter um nome próprio, identificador da pessoa e da sua família (biológica ou adoptiva), e de não poder ser dele privada, além de o poder e dever defender e de impedir que outrem o utilize indevidamente ou abusivamente. II - Sendo o casamento uma das fontes das relações jurídicas familiares – artºs 1576º e 1577º do C. Civil e 36º, nº 1 da Constituição -, cujos efeitos estão previstos nos artºs. 1671º e seg.s do C. Civil, como fruto desse vínculo está a possibilidade de cada um dos cônjuges acrescentar aos seus próprios apelidos (do seu nome de nascimento ou de adopção) os apelidos do outro e até ao máximo de dois – artº 1677º, nº 1 do C. Civil (portanto é apenas uma possibilidade, não uma obrigatoriedade ou imposição legal). III - No caso de haver divórcio (em que se dissolve o casamento – artº 1788º CC), o ex-cônjuge que tenha acrescentado os apelidos do outro apenas os pode conservar se este der o seu consentimento ou o tribunal assim o autorizar, pelo que o efeito imediato do divórcio é a perda desses apelidos – artº 1677º-B, nºs 1, 2ª parte, e 2 do CC. IV – Porém, o motivo, ou os motivos invocados para tal terão de ser ponderosos, enquanto reveladores de um interesse real na manutenção dos apelidos. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I Na Conservatória do Registo Civil de Coimbra, A…, divorciada, residente na Rua …, instaurou a providência a que se reporta o art. 1677º-B/1 e 3 do CC – Autorização de Uso dos Apelidos do ex-Cônjuge -, nos termos arts. 5º a 10º do DL 272/01, de 13-10, contra o seu ex-cônjuge B…, com residência em …, pedindo que lhe sejam mantidos ou conservados os apelidos de casada “C…” e que constavam do seu nome enquanto foi casada com o Requerido e que perdeu em consequência do seu divórcio, ocorrido em 23/06/2010. Alegou, para o efeito e em síntese, que aquando do divórcio ocorrido por mútuo consentimento entre a Requerente e o Requerido perdeu os apelidos “C…”. Que por se tratar de um grave prejuízo à sua identidade individual e familiar - manifesta distinção entre o seu nome de família e o nome das filhas havidos da união dissolvida -, bem como à sua vida profissional, política e académica - mormente enquanto autora de várias publicações nacionais e internacionais e ao desenvolvimento da sua Tese de Doutoramento em curso -, pretende a Requerente manter o nome de casada, com os referidos apelidos. Juntou vários documentos. II O Requerido apresentou oposição onde alega, também em síntese, que não só não dá o seu consentimento ao uso dos seus apelidos (C…) pela sua ex-cônjuge e Requerente, como se opõe veementemente a tal, uma vez que inexiste qualquer motivo atendível por parte da Requerente que o justifique, tendo o divórcio já sido decretado há mais de 3 anos, já não pertencendo a mesma à família cujo nome denegriu com o seu comportamento adúltero e com as afirmações injuriosas e difamatórias que proferiu antes e depois do divórcio contra o contestante. Que a Requerente renunciou à manutenção do uso dos apelidos do Requerido em sede do processo de partilhas havido entre as partes, assim como também o fez junto do Banco... Que a perda pela Requerente dos apelidos “C…” não lhe causa prejuízos profissionais, sendo que esse uso até lesaria o Requerido e sua respectiva família. Que o divórcio dissolveu o casamento entre as partes, o que implica a eliminação de todo o tipo de relações pessoais e patrimoniais entre os ex-cônjuges. Além de que a Requerente há muito que deixou de ser considerada como membro da família “C…” por todos quantos a conhecem, sendo público o divórcio havido entre as partes. Entende que deve ser indeferida a pretensão da Requerente, o que requer. Juntou 3 documentos. III Designada data para a tentativa de conciliação a que alude o art. 7º/4 do DL 272/01, de 13-10, não foi possível, em tal diligência, qualquer acordo entre as partes, que mantiveram as respectivas posições defendidas nos articulados. Foram, então, as partes notificadas para alegarem e requererem a junção de novos meios de prova, nos termos do art. 8º do aludido DL 272/01, nada de novo tendo sido requerido ou junto, para além da apresentação do rol de testemunhas pelo requerido. Remetido o processo ao Tribunal de Família e Menores de Coimbra, foi aí proferido despacho saneador, no qual se afirmou a validade e a regularidade da instância, tendo sido identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova, que não mereceram qualquer censura. A requerente ainda juntou 5 documentos. Foi designado dia para a audiência de julgamento, o qual se realizou, como melhor consta da respectiva acta, tendo ambas as partes prestado declarações e sido inquiridas 3 testemunhas, cujos depoimentos se encontram gravados em suporte “CD”. Seguiu-se a prolação da respectiva sentença, cujo teor se transcreve: “… II – FUNDAMENTAÇÃO Os presentes autos destinam-se a aferir se existem motivos ponderosos que levem o Tribunal a autorizar a conservação dos apelidos comuns pelo ex-cônjuge, recusado que foi o consentimento para a sua manutenção pelo outro. 2 - Ao casal nasceram duas filhas: …; 10 - Em artigo publicado pela revista da Universidade …, a requerente identificou-se com o nome de A…; IV Desta sentença interpôs recurso a Autora, em cujas alegações formula as seguintes conclusões: …V Contra-alegou o Recorrido, onde, muito em resumo, sustenta que não assiste … VI Nesta Relação foi aceite o recurso interposto, tal como foi admitido em 1ª instância (como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo), nada obstando a que se conheça do seu objecto. Esse objecto passa pela apreciação da pretendida alteração da matéria de facto, designadamente pela alteração do ponto 11 dessa matéria e pelo aditamento de outros factos, ditos provados documentalmente nos autos – questão A; e pela reapreciação da decisão de mérito, já que a Recorrente insiste na satisfação da sua pretensão, requerendo a revogação da sentença proferida – questão B. Nada impede que esta Relação aprecie a referida impugnação, dado o cumprimento, pela Recorrente, do disposto no artº 640º, nº 1, als. a) e b) do NCPC e tendo presente o disposto no artº 662º do mesmo código. … *** Prosseguindo com a questão B – reapreciação da decisão de mérito -, cumpre, antes de mais, salientar que não está aqui em apreciação ou sequer em causa o direito ao nome da Requerente, que, como a própria refere logo no seu requerimento inicial deste processo, é o de “A…”. Este é o seu nome desde que nasceu e que vigorou até que casou em 28/09/1985. Isto para dizer que não está em discussão o seu direito ao seu nome, tal como este está previsto no artº 72º do C. Civil e 26º da Constituição da República – enquanto direito a ter um nome próprio, identificador da pessoa e da sua família (biológica ou adoptiva), e de não poder ser dele privada, além de o poder e dever defender e de impedir que outrem o utilize indevidamente ou abusivamente. O que sucede é que sendo o casamento uma das fontes das relações jurídicas familiares – artºs 1576º e 1577º do C. Civil e 36º, nº 1 da Constituição -, cujos efeitos estão previstos nos artºs. 1671º e seg.s do C. Civil, como fruto desse vínculo está a possibilidade de cada um dos cônjuges acrescentar aos seus próprios apelidos (do seu nome de nascimento ou de adopção) os apelidos do outro e até ao máximo de dois – artº 1677º, nº 1 do C. Civil (portanto é apenas uma possibilidade, não uma obrigatoriedade ou imposição legal). Note-se que na redacção anterior do artº 1675º do C. Civil (anterior ao Dec. Lei nº 496/77, de 25/11) apenas se previa que “a mulher tem o direito de usar os apelidos do marido até ser proferido divórcio ou, em caso de viuvez, até passar a segundas núpcias”. Donde resulta que, em geral, os “cônjuges” apenas podem usar os apelidos um do outro e enquanto tal situação jurídica (casamento) se mantiver. Daí que o cônjuge que tenha acrescentado ao seu nome apelidos do outro os possa conservar apenas em caso de viuvez – artº 1677º-A do C. Civil. Já no caso de divórcio (em que se dissolve o casamento – artº 1788º CC), o ex-cônjuge que tenha acrescentado os apelidos do outro apenas os pode conservar se este der o seu consentimento ou o tribunal assim o autorizar, pelo que o efeito imediato do divórcio é a perda desses apelidos – artº 1677º-B, nºs 1, 2ª parte, e 2 do CC. No caso presente, como a própria Requerente reconhece e expressamente refere, tendo em 23/06/2010 sido decretado o seu divórcio do Requerido, por sentença em processo de divórcio por mútuo consentimento, logo perdeu os apelidos que antes tinha “adquirido” do seu ex-marido – ver ponto 3 supra. O que sucede é que mais de 3 anos após esse divórcio a Requerente vem requerer que o Tribunal a autorize a “continuar” a usar os apelidos que antes também foram seus por efeito do seu casamento com o Requerido, uma vez que este nunca lhe consentiu tal uso e até se opõe ao dito uso. É a possibilidade prevista nos artº 1677º-B, nºs 1, parte final, e 3, “tendo-se em atenção os motivos invocados”. Portanto, temos como assente que desde 23/06/2010 que a Requerente deixou de ter os apelidos que antes “importou” do nome do seu ex-cônjuge – “C…” -, em consequência do divórcio decretado nessa data. Será que tem alguma razão de ser esta pretensão da Requerente, deduzida mais de 3 anos após essa “privação”? Vejamos: O facto de existirem duas filhas do ex-casal em nada colide ou afecta a Requerente pelo facto de ter ficado privada desses apelidos, já que nos nomes dessas filhas constam os apelidos da Requerente, como mãe – ... Está, pois, mais do que estabelecida, em tais nomes, a relação filial das filhas à mãe, pelo que em nada fica esta (e mesmo as filhas) afectada(s) pelo facto de ter ficado ela privada dos apelidos do ex-marido. Donde, com o devido respeito, não podermos dar qualquer valor ou significado às declarações de fls. 4 e 5 dos autos, subscritas pelas ditas filhas do ex-casal, pelo manifesto absurdo/incompreensão que tais declarações representam. Basta até pensar que a Requerente podia não ter sequer adoptado os apelidos do ex-marido, como sucede em muitos casamentos, para daí se concluir que não são os apelidos do “outro” que permitem estabelecer “termos identitários familiares”. Depois, sendo do inteiro conhecimento da Requerente que ficou privada (perdeu) dos apelidos do ex-marido na data do seu divórcio, todo o uso que possa ter feito desses apelidos desde então é, no mínimo, abusivo e ilegal, já que nunca teve o consentimento expresso para fazer esse uso – artº 1677º-B, nº 2 do C. Civil. Donde, até, ter-se socorrido do presente processo, volvidos mais de 3 anos desde a data do seu divórcio. Razão pela qual qualquer uso desses apelidos pela Requerente desde então não possa nem deva ser considerado na apreciação que fazemos, sob pena de estarmos a considerar usos manifestamente ilegais e abusivos. Donde se reputar como ilegal o uso do apelido “C…” que a Requerente usou nos trabalhos científicos referidos na listagem de fls. 7, pois todos eles são posteriores ao seu divórcio. O uso do apelido “C…” que terá também mantido junto da … foi igualmente abusivo desde a data do seu divórcio. E não se diga que o Requerido consentiu nesse uso, pois que nada revela que tenha sabido desse uso abusivo, além de que esse consentimento tem de ser formal – artº 1677º-B, nº 2 CC. Repare-se que com a contestação do Requerido até foram juntos documentos que revelam que a Requerente deixou de usar os apelidos do ex-cônjuge em diversas circunstâncias e do conhecimento deste, como é o caso da “Acta de Conferência de Interessados” havida no Inventário/Partilha de Bens nº …, entre as partes deste processo, onde a aqui Requerente está identificada apenas como “A…” e onde até foi efectuada uma transacção entre as partes, mas sendo nela a Requerente identificada como tal (sem apelidos do ex-cônjuge). Mais, na sentença homologatória dessa partilha consta a identificação da aqui Requerente “sem apelidos do ex-cônjuge”. Mas não só: no doc. de fls. 51 a 54 – Alteração ao Contrato de Empréstimo com Hipoteca Celebrada em 2004/05/28 com o Banco …, com o nº …” e posterior à data do divórcio entre as partes na presente acção -, a Requerente está identificada como “A…”, divorciada, e assim assinou tal documento, tal como o fez o Requerido. Donde não se poder dizer que o Requerido alguma vez tenha consentido que a Requerente usasse os seus apelidos que lhe foram anteriormente consentidos por efeito do casamento entre ambos. Os trabalhos da Requerente que constituem fls. 101 a 110 e fls. 114 a 133 são trabalhos recentes, já de 2014, como a própria Requerente refere a fls. 96 e 97. Donde retirarmos a conclusão de que nada, mas mesmo nada, permite ao Tribunal atender o pedido da Requerente, já que os motivos invocados não justificam o pedido formulado, uma vez que desde a data de 23/06/2010 que a Requerente está efectivamente privada de usar os apelidos do seu ex-marido, tendo efectivamente deixado de os usar em circunstâncias relevantes, como antes assinalado, e uma vez que o uso que deles fez desde então não teve o consentimento do Requerido e foi manifestamente abusivo e sem qualquer justificação. Nem se entende que volvidos mais de 3 anos desde a data do divórcio venha a Requerente pretender “continuar a usar os apelidos do ex-cônjuge”, quando não o fez e/ou não o pode fazer durante esses mais de 3 anos. *** Elabora-se o seguinte sumário:
I - Na providência a que se reporta o art. 1677º-B/1 e 3 do CC – Autorização de Uso dos Apelidos do ex-Cônjuge -, nos termos arts. 5º a 10º do DL 272/01, de 13-10, não está em discussão o direito ao nome do Requerente, tal como este está previsto no artº 72º do C. Civil e 26º da Constituição da República – enquanto direito a ter um nome próprio, identificador da pessoa e da sua família (biológica ou adoptiva), e de não poder ser dele privada, além de o poder e dever defender e de impedir que outrem o utilize indevidamente ou abusivamente. II - Sendo o casamento uma das fontes das relações jurídicas familiares – artºs 1576º e 1577º do C. Civil e 36º, nº 1 da Constituição -, cujos efeitos estão previstos nos artºs. 1671º e seg.s do C. Civil, como fruto desse vínculo está a possibilidade de cada um dos cônjuges acrescentar aos seus próprios apelidos (do seu nome de nascimento ou de adopção) os apelidos do outro e até ao máximo de dois – artº 1677º, nº 1 do C. Civil (portanto é apenas uma possibilidade, não uma obrigatoriedade ou imposição legal). III - No caso de haver divórcio (em que se dissolve o casamento – artº 1788º CC), o ex-cônjuge que tenha acrescentado os apelidos do outro apenas os pode conservar se este der o seu consentimento ou o tribunal assim o autorizar, pelo que o efeito imediato do divórcio é a perda desses apelidos – artº 1677º-B, nºs 1, 2ª parte, e 2 do CC. VII Decisão:Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o presente recurso, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pela Apelante. Tribunal da Relação de Coimbra, em 10/07/2014
Jaime Carlos Ferreira (Relator) Jorge Arcanjo Teles Pereira
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