Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
791/13.9TMCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME FERREIRA
Descritores: APELIDO
EX-CÔNJUGE
USO
AUTORIZAÇÃO
Data do Acordão: 07/10/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE FAMÍLIA E MENORES DE COIMBRA – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 1677º, Nº 1 E 1677º-B DO C.CIVIL.
Sumário: I – Na providência a que se reporta o art. 1677º-B/1 e 3 do CC – Autorização de Uso dos Apelidos do ex-Cônjuge -, nos termos arts. 5º a 10º do DL 272/01, de 13-10, não está em discussão o direito ao nome do Requerente, tal como este está previsto no artº 72º do C. Civil e 26º da Constituição da República – enquanto direito a ter um nome próprio, identificador da pessoa e da sua família (biológica ou adoptiva), e de não poder ser dele privada, além de o poder e dever defender e de impedir que outrem o utilize indevidamente ou abusivamente.

II - Sendo o casamento uma das fontes das relações jurídicas familiares – artºs 1576º e 1577º do C. Civil e 36º, nº 1 da Constituição -, cujos efeitos estão previstos nos artºs. 1671º e seg.s do C. Civil, como fruto desse vínculo está a possibilidade de cada um dos cônjuges acrescentar aos seus próprios apelidos (do seu nome de nascimento ou de adopção) os apelidos do outro e até ao máximo de dois – artº 1677º, nº 1 do C. Civil (portanto é apenas uma possibilidade, não uma obrigatoriedade ou imposição legal).

III - No caso de haver divórcio (em que se dissolve o casamento – artº 1788º CC), o ex-cônjuge que tenha acrescentado os apelidos do outro apenas os pode conservar se este der o seu consentimento ou o tribunal assim o autorizar, pelo que o efeito imediato do divórcio é a perda desses apelidos – artº 1677º-B, nºs 1, 2ª parte, e 2 do CC.

IV – Porém, o motivo, ou os motivos invocados para tal terão de ser ponderosos, enquanto reveladores de um interesse real na manutenção dos apelidos.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I

            Na Conservatória do Registo Civil de Coimbra, A…, divorciada, residente na Rua …, instaurou a providência a que se reporta o art. 1677º-B/1 e 3 do CC – Autorização de Uso dos Apelidos do ex-Cônjuge -, nos termos arts. 5º a 10º do DL 272/01, de 13-10, contra o seu ex-cônjuge B…, com residência em …, pedindo que lhe sejam mantidos ou conservados os apelidos de casada “C…” e que constavam do seu nome enquanto foi casada com o Requerido e que perdeu em consequência do seu divórcio, ocorrido em 23/06/2010. 
Alegou, para o efeito e em síntese, que aquando do divórcio ocorrido por mútuo consentimento entre a Requerente e o Requerido perdeu os apelidos “C…”.
Que por se tratar de um grave prejuízo à sua identidade individual e familiar - manifesta distinção entre o seu nome de família e o nome das filhas havidos da união dissolvida -, bem como à sua vida profissional, política e académica - mormente enquanto autora de várias publicações nacionais e internacionais e ao desenvolvimento da sua Tese de Doutoramento em curso -, pretende a Requerente manter o nome de casada, com os referidos apelidos.
Juntou vários documentos.

II

            O Requerido apresentou oposição onde alega, também em síntese, que não só não dá o seu consentimento ao uso dos seus apelidos (C…) pela sua ex-cônjuge e Requerente, como se opõe veementemente a tal, uma vez que inexiste qualquer motivo atendível por parte da Requerente que o justifique, tendo o divórcio já sido decretado há mais de 3 anos, já não pertencendo a mesma à família cujo nome denegriu com o seu comportamento adúltero e com as afirmações injuriosas e difamatórias que proferiu antes e depois do divórcio contra o contestante.

            Que a Requerente renunciou à manutenção do uso dos apelidos do Requerido em sede do processo de partilhas havido entre as partes, assim como também o fez junto do Banco...

            Que a perda pela Requerente dos apelidos “C…” não lhe causa prejuízos profissionais, sendo que esse uso até lesaria o Requerido e sua respectiva família.

            Que o divórcio dissolveu o casamento entre as partes, o que implica a eliminação de todo o tipo de relações pessoais e patrimoniais entre os ex-cônjuges.

            Além de que a Requerente há muito que deixou de ser considerada como membro da família “C…” por todos quantos a conhecem, sendo público o divórcio havido entre as partes.   

Entende que deve ser indeferida a pretensão da Requerente, o que requer.

Juntou 3 documentos.

III

Designada data para a tentativa de conciliação a que alude o art. 7º/4 do DL 272/01, de 13-10, não foi possível, em tal diligência, qualquer acordo entre as partes, que mantiveram as respectivas posições defendidas nos articulados. 
Foram, então, as partes notificadas para alegarem e requererem a junção de novos meios de prova, nos termos do art. 8º do aludido DL 272/01, nada de novo tendo sido requerido ou junto, para além da apresentação do rol de testemunhas pelo requerido. 
Remetido o processo ao Tribunal de Família e Menores de Coimbra, foi aí proferido despacho saneador, no qual se afirmou a validade e a regularidade da instância, tendo sido identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova, que não mereceram qualquer censura.
A requerente ainda juntou 5 documentos.
Foi designado dia para a audiência de julgamento, o qual se realizou, como melhor consta da respectiva acta, tendo ambas as partes prestado declarações e sido inquiridas 3 testemunhas, cujos depoimentos se encontram gravados em suporte “CD”.
Seguiu-se a prolação da respectiva sentença, cujo teor se transcreve:
“…
II – FUNDAMENTAÇÃO

                Os presentes autos destinam-se a aferir se existem motivos ponderosos que levem o Tribunal a autorizar a conservação dos apelidos comuns pelo ex-cônjuge, recusado que foi o consentimento para a sua manutenção pelo outro.
A - De facto
                Instruída e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos, com suficiente relevância para a sua boa decisão:
                1 - A requerente e requerido contraíram casamento em 28-09-1985, tendo nessa altura a primeira adoptado os apelidos C… do segundo;

                2 - Ao casal nasceram duas filhas: …;
                3 - Em 23-06-2010, por sentença deste Juízo e Tribunal, foi decretado o divórcio por mútuo consentimento entre a requerente e o requerido, tendo aquela, por efeito do divórcio, perdido os apelidos adoptados pelo casamento; 
                4 - Inexiste qualquer outra família com o apelido C… em …;
5 - Em editorial da Revista …, a requerente, como Membro do Conselho Editorial, assinou com o nome de A…
6 - Ao registar a sua tese de doutoramento junto da Faculdade de … em Junho de 2013, conducente ao grau de Doutor em …, a requerente identificou-se como A…;
7 - Como membro da Assembleia …, a requerente esteve presente em sessão de 24-07-2013, sendo identificada com o nome de A…;
8 - Em artigo publicado no diário …, a requerente identificou-se com o nome de A…;
9 - Em artigo da Revista …, a requerente assinou com o nome de A…;

10 - Em artigo publicado pela revista da Universidade …, a requerente identificou-se com o nome de A…;
11 - Como trabalhadora da …, em 4 de Fevereiro de 2013 a requerente é identificada como A… (este ponto será parcialmente alterado abaixo);
12 - Igualmente a requerente, como Técnica Superior da …, identifica-se com o nome de A…; 
13 - Em artigo publicado no diário …, a requerente identificou-se com o nome de A…;
14 - Em artigo publicado no …, é feita referência ao livro de A... sobre …, onde a requerente aparece com o nome de A...
B - De direito
Assentes os factos, importa, seguidamente, subsumi-los ao DIREITO aplicável e decidir do mérito da causa.
No plano extra-jurídico, podemos, com Manuel Vilhena de Carvalho (in “O Nome das Pessoas e o Direito”, Almedina, 1989, pág. 11) definir o nome como “o sinal ou a rubrica através do qual se designam e individualizam as pessoas, quer consideradas isoladamente, quer em referência à família a que pertencem”, sendo que, entre nós, o nome completo deve ser composto no máximo por seis vocábulos gramaticais simples, dos quais só dois podem corresponder ao nome próprio (nome particular que se aplica exclusivamente a uma pessoa) e quatro a apelidos (vd. art. 103º/2 do CRC).
Já no plano jurídico, dispõe o art. 72º/1 do Código Civil (doravante, tão só CC), que “Toda a pessoa tem o direito a usar o seu nome, completo ou abreviado, e opôr-se a que outrém o use ilicitamente para sua identificação ou outros fins”. Por via de tal disposição legal, facilmente se infere que o nosso legislador concebeu o direito ao nome, como um verdadeiro direito de personalidade.
Assim, com o nascimento completo e com vida de cada um de nós, e a aquisição de personalidade jurídica (art. 66º do CC), logo surge, juntamente com todos os outros direitos integrantes da personalidade de cada um, o direito ao nome, que, no fundo, se traduz no direito que cada um de nós tem à sua identidade, à sua identificação.
Direito que tem por fim a identificação das pessoas e por objecto mediato os vocábulos que contém, e cuja inclusão, ao lado dos demais direitos de personalidade, é perfeitamente legítima, uma vez que a identidade (afirmar-se um homem como certo homem) é um dos aspectos morais da personalidade.
De facto, o nome, como elemento de individualização e reconhecimento social e pessoal da pessoa a quem se refere, no seio da comunidade que habita, revestiu desde sempre uma importância fundamental. A própria história nos dá exemplo disso, sendo que as diferentes sociedades, conforme o contexto histórico e espacial em que se desenvolviam, foram estabelecendo diferentes regras quanto à composição e conteúdo do nome, regras que frequentemente fornecem elementos preciosos sobre a sociedade que as ditou.
Ora, desde há muito que os laços familiares desempenham um importante papel no nome a atribuir a cada uma das pessoas que nascem. E tal não deixa de ter uma (óbvia) justificação. É que a família em que cada um se integra (ou as famílias de que provém) assume particular relevo, como não pode deixar de ser, na identificação de cada um, traduzindo as suas raízes, biológicas e históricas, e estabelecendo, também, como que um elemento de ligação entre os diferentes parentes, reforçando aquela unidade familiar, que em tempos idos assumiu tão grande importância.
E, estas razões de tal forma mantiveram a sua validade, que nenhum dos três principais sistemas de atribuição do nome conhecidos, as esqueceram.
Assim, no sistema árabe e eslavo, ao lado da designação individual da pessoa e de outras que representam as suas qualidades e procedência, não se esquece a filiação; no sistema europeu (seguido pela generalidade dos países), ao nome próprio de cada um segue-se o apelido paterno (em geral único e obrigatório); e, no sistema peninsular (adoptado por Portugal, Espanha e alguns países africanos e sul-americanos), vai-se ainda mais longe, acrescentando-se ao nome próprio apelidos das linhas paterna e materna.
Daí que o CC disponha, no seu art. 1875º (inserido no Capítulo dedicado aos “Efeitos da Filiação”), que “O filho usará apelidos do pai e da mãe ou só de um deles” (nº 1) e que “Se a maternidade ou a paternidade forem estabelecidas posteriormente ao registo de nascimento, os apelidos do filho poderão ser alterados nos termos dos números anteriores” (nº 3).
Ora, o nome, como já se disse, é o principal elemento de individualização de cada um, permitindo a cada pessoa distinguir-se das demais (sendo que, inclusivamente, na sua génese, o nome ou apelido se baseou, entre nós, em qualidades, defeitos, na aparência ou proveniência do seu portador), desempenhando, assim, uma importante função a título privado, que justifica que o direito ao nome seja visto como um direito de personalidade.
Mas, ao lado desta vertente privada, há também uma vertente pública, que se traduz no interesse do Estado em ter cada um dos seus cidadãos perfeitamente identificados e individualizados em relação aos demais, para poder desempenhar de forma cabal as suas funções, na certeza, ou, pelo menos, segurança, de que cada um exerce os deveres que lhe compete, e goza os direitos de que dispõe no seio da sociedade.
Daí que, ao lado do direito ao nome, exista, também, a obrigação do seu uso, e a impossibilidade de, por regra e arbitrariamente, o alterar. Assim, pode dizer-se que duas das características fundamentais do nome residem na sua obrigatoriedade e imutabilidade.
No entanto, a vertente privatistica do direito ao nome permite que em alguns casos tais alterações sejam consentidas, embora só nos casos e mediante os processos previstos na lei. E uma dessas situações, decorrente dos efeitos do casamento, é a que vem prevista no art. 1677º do CC: “1. Cada um dos cônjuges conserva os seus próprios apelidos, mas pode acrescentar-lhes apelidos do outro até ao máximo de dois”.
Os efeitos do casamento quanto ao nome patronímico, ou seja, aos apelidos dos cônjuges estão regulados nos arts. 1677º e 1677º-C, os quais, em conformidade com o novo princípio da igualdade, introduziram substanciais alterações ao regime que o Código de 1966 estabelecera. Sendo a regra fundamental a supra referida do art. 1677º, segundo a qual cada um dos cônjuges conserva os seus próprios apelidos mas pode acrescentar-lhes apelidos do outro, até ao máximo de dois.
Mantiveram-se, pois, as soluções tradicionais no nosso direito, de que o casamento não faz perder a qualquer dos cônjuges os seus apelidos de solteiro, e de que, por outro lado, nenhum deles tem obrigação de juntar apelidos do outro cônjuge aos seus, podendo, inclusivamente, renunciar em qualquer momento aos apelidos adoptados [art. 104º/2, d) do CRC].
O cônjuge que tenha adoptado apelidos do outro conserva-os em caso de viuvez e se o declarar até à celebração do novo casamento, mesmo depois de segundas núpcias (art. 1677º-A), não podendo, neste caso, porém, acrescentar apelidos do segundo cônjuge (art. 1677º/2). Se contrair segundas núpcias e não fizer a referida declaração até à data em que as contrair, o viúvo ou viúva perde os apelidos do primeiro cônjuge, que tenha adoptado (art. 1677º-A, 2ª parte, a contrario), podendo então acrescentar apelidos do segundo cônjuge aos seus, nos termos gerais do art. 1677º/1.
O caso de separação judicial de pessoas e bens está previsto na 1ª parte do nº 1 do art. 1677º-B, segundo o qual, decretada a separação, e tal como no caso de viuvez, cada um dos cônjuges conserva os apelidos do outro que porventura tenha adoptado. Nada o impede, porém, de renunciar aos apelidos do outro cônjuge, nos termos gerais do já referido art. 104º/2, d) do CRC.
Regime diferente vale no caso de divórcio, em que, em princípio, cada um dos cônjuges perde os apelidos do outro que tenha adoptado; nos termos do art. 1677º-B/1, 2ª parte, pode todavia conservá-los se o ex-cônjuge der o seu consentimento, por algum dos modos previstos no nº 2 do preceito, ou for autorizado a usá-los tendo em atenção os motivos invocados. Podendo estes motivos ser os mais diversos: foi com o nome do marido que a mulher se tornou conhecida no meio comercial, literário ou artístico; o tribunal confiou-lhe a guarda dos filhos menores, que usam o nome do pai; etc. (vd. P. Coelho e G. Oliveira, Curso do Direito da Família, I, 3ª, p. 399 e ss.).
No mesmo sentido, A. Varela, RLJ 114º-323, entendeu que, entre os motivos capazes de explicar o consentimento do ex-cônjuge na conservação dos apelidos comuns pelo outro ou de justificar a autorização do tribunal, no caso de recusa, se destaca o de a(o) divorciada(o) tendo usado os apelidos do seu consorte na formação de qualquer firma (ou denominação) de estabelecimento ou sociedade comercial, manifestar na altura do divórcio compreensível interesse económico ou social em não mudar de apelido. Como motivo atendível pelo tribunal, A. Varela, Família, 2ª, 1982, p. 300, formula a hipótese de se ter radicado, na praça, a firma da sociedade com o nome que o sócio adoptara após o casamento.
Aludindo a jurisprudência, entre nós, a motivos ponderosos, a apurar em cada caso, para fundamentar a autorização judicial, na situação de recusa do uso de apelidos após a dissolução do casamento (STJ, 3-7-1986: BMJ 359º-718).
Abordada a questão em termos teóricos, vejamos agora o caso concreto.
Temos que, aquando do decretamento do divórcio entre a requerente e o requerido, o que ocorreu em 23-06-2010, nada tendo sido dito, aquela perdeu os apelidos adoptados pelo casamento. O que faz todo o sentido, uma vez que deixara de pertencer à família a que diziam respeito. Nem isso foi então questionado. Porém, verifica-se que a requerente, que perdera os apelidos C…, continuou a utilizar pelo menos um deles – C… – ou pontualmente ambos – C… –, quando em termos profissionais tinha que se identificar. Sendo certo que não utiliza sempre o mesmo nome, fazendo-o de forma diferente: A… ou, tão só, A…. Não se conhecendo publicações da requerente anteriores ao divórcio, constata-se que a mesma passou a identificar-se com apelidos que já não tinha, uma vez que os perdera quando foi decretado o divórcio. Jamais podendo agora prevalecer-se de um facto por si criado para, passados 3 anos, vir invocar motivo ponderoso. Sempre sendo difícil de sustentar um motivo ponderoso decorridos 3 anos, desde logo quando não se invoca qualquer motivo entretanto ocorrido para justificar a oportunidade da pretensão.
Eram dois os grupos de motivos que a requerente invocou como fundamento para a sua pretensão: 1) a identidade individual e familiar; e, 2) a vida profissional, política e académica.
Sendo certo que os alegados motivos da identidade individual e familiar são relevantes para si, em termos subjectivos, não é menos certo que têm de claudicar perante os motivos de não consentimento do requerido, que radicam na mesma identidade individual e familiar, isto é, o direito a opôr-se a que outrém use ilicitamente o seu nome para sua identificação. E é em relação a estes últimos que se tem que dar prevalência, enquanto defesa do direito ao nome, dado estar em causa um direito de personalidade como supra exposto.
Outrossim, os invocados motivos da vida profissional, política e académica da requerente, a impor a conservação dos apelidos passados 3 anos depois de os ter perdido é incompreensível, a menos que este hiato temporal tivesse sido utilizado para criar uma justificação para a sua necessidade. E neste caso a sua pretensão não pode merecer qualquer tutela. Ademais, identificando-se presentemente a requerente com diferentes nomes, onde em comum apenas existe A…, não se vislumbra que o nome em si mereça tutela autónoma, de forma a evitar prejuízos ou danos que a sua não utilização possam originar, como ocorre quando o nome já ganhou uma dimensão distinta da pessoa. É o que ocorre no caso do nome artístico, em que o apelido aparece associado à actividade do seu detentor. O que não é o caso[1]
Termos em que, face à ausência de motivos ponderosos, inexiste justificação para a autorização do tribunal para que a requerente possa conservar o uso dos apelidos comuns adoptados pelo casamento. 
O que se decidirá.
E não há má-fé (art. 542º do CPC).
III – DECISÃO
Nestes termos, julgando improcedente a acção, por não provada, absolvo o Rdº do pedido formulado por A... 
Custas pela Requerente.
Valor da causa: € 30.000,01.”.

IV
            Desta sentença interpôs recurso a Autora, em cujas alegações formula as seguintes conclusões: …

V

            Contra-alegou o Recorrido, onde, muito em resumo, sustenta que não assiste …

VI

            Nesta Relação foi aceite o recurso interposto, tal como foi admitido em 1ª instância (como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo), nada obstando a que se conheça do seu objecto.

            Esse objecto passa pela apreciação da pretendida alteração da matéria de facto, designadamente pela alteração do ponto 11 dessa matéria e pelo aditamento de outros factos, ditos provados documentalmente nos autos – questão A; e pela reapreciação da decisão de mérito, já que a Recorrente insiste na satisfação da sua pretensão, requerendo a revogação da sentença proferida – questão B.

            Nada impede que esta Relação aprecie a referida impugnação, dado o cumprimento, pela Recorrente, do disposto no artº 640º, nº 1, als. a) e b) do NCPC e tendo presente o disposto no artº 662º do mesmo código.


***

            Prosseguindo com a questão B – reapreciação da decisão de mérito -, cumpre, antes de mais, salientar que não está aqui em apreciação ou sequer em causa o direito ao nome da Requerente, que, como a própria refere logo no seu requerimento inicial deste processo, é o de “A…”.

            Este é o seu nome desde que nasceu e que vigorou até que casou em 28/09/1985.

            Isto para dizer que não está em discussão o seu direito ao seu nome, tal como este está previsto no artº 72º do C. Civil e 26º da Constituição da República – enquanto direito a ter um nome próprio, identificador da pessoa e da sua família (biológica ou adoptiva), e de não poder ser dele privada, além de o poder e dever defender e de impedir que outrem o utilize indevidamente ou abusivamente.

            O que sucede é que sendo o casamento uma das fontes das relações jurídicas familiares – artºs 1576º e 1577º do C. Civil e 36º, nº 1 da Constituição -, cujos efeitos estão previstos nos artºs. 1671º e seg.s do C. Civil, como fruto desse vínculo está a possibilidade de cada um dos cônjuges acrescentar aos seus próprios apelidos (do seu nome de nascimento ou de adopção) os apelidos do outro e até ao máximo de dois – artº 1677º, nº 1 do C. Civil (portanto é apenas uma possibilidade, não uma obrigatoriedade ou imposição legal).

            Note-se que na redacção anterior do artº 1675º do C. Civil (anterior ao Dec. Lei nº 496/77, de 25/11) apenas se previa que “a mulher tem o direito de usar os apelidos do marido até ser proferido divórcio ou, em caso de viuvez, até passar a segundas núpcias”.

            Donde resulta que, em geral, os “cônjuges” apenas podem usar os apelidos um do outro e enquanto tal situação jurídica (casamento) se mantiver.

            Daí que o cônjuge que tenha acrescentado ao seu nome apelidos do outro os possa conservar apenas em caso de viuvez – artº 1677º-A do C. Civil.

            Já no caso de divórcio (em que se dissolve o casamento – artº 1788º CC), o ex-cônjuge que tenha acrescentado os apelidos do outro apenas os pode conservar se este der o seu consentimento ou o tribunal assim o autorizar, pelo que o efeito imediato do divórcio é a perda desses apelidos – artº 1677º-B, nºs 1, 2ª parte, e 2 do CC.

            No caso presente, como a própria Requerente reconhece e expressamente refere, tendo em 23/06/2010 sido decretado o seu divórcio do Requerido, por sentença em processo de divórcio por mútuo consentimento, logo perdeu os apelidos que antes tinha “adquirido” do seu ex-marido – ver ponto 3 supra.

            O que sucede é que mais de 3 anos após esse divórcio a Requerente vem requerer que o Tribunal a autorize a “continuar” a usar os apelidos que antes também foram seus por efeito do seu casamento com o Requerido, uma vez que este nunca lhe consentiu tal uso e até se opõe ao dito uso.

            É a possibilidade prevista nos artº 1677º-B, nºs 1, parte final, e 3, “tendo-se em atenção os motivos invocados”.

            Portanto, temos como assente que desde 23/06/2010 que a Requerente deixou de ter os apelidos que antes “importou” do nome do seu ex-cônjuge – “C…” -, em consequência do divórcio decretado nessa data.

            Será que tem alguma razão de ser esta pretensão da Requerente, deduzida mais de 3 anos após essa “privação”?

            Vejamos:

            O facto de existirem duas filhas do ex-casal em nada colide ou afecta a Requerente pelo facto de ter ficado privada desses apelidos, já que nos nomes dessas filhas constam os apelidos da Requerente, como mãe – ...

            Está, pois, mais do que estabelecida, em tais nomes, a relação filial das filhas à mãe, pelo que em nada fica esta (e mesmo as filhas) afectada(s) pelo facto de ter ficado ela privada dos apelidos do ex-marido.

            Donde, com o devido respeito, não podermos dar qualquer valor ou significado às declarações de fls. 4 e 5 dos autos, subscritas pelas ditas filhas do ex-casal, pelo manifesto absurdo/incompreensão que tais declarações representam.

            Basta até pensar que a Requerente podia não ter sequer adoptado os apelidos do ex-marido, como sucede em muitos casamentos, para daí se concluir que não são os apelidos do “outro” que permitem estabelecer “termos identitários familiares”.

            Depois, sendo do inteiro conhecimento da Requerente que ficou privada (perdeu) dos apelidos do ex-marido na data do seu divórcio, todo o uso que possa ter feito desses apelidos desde então é, no mínimo, abusivo e ilegal, já que nunca teve o consentimento expresso para fazer esse uso – artº 1677º-B, nº 2 do C. Civil.

            Donde, até, ter-se socorrido do presente processo, volvidos mais de 3 anos desde a data do seu divórcio.

            Razão pela qual qualquer uso desses apelidos pela Requerente desde então não possa nem deva ser considerado na apreciação que fazemos, sob pena de estarmos a considerar usos manifestamente ilegais e abusivos.

            Donde se reputar como ilegal o uso do apelido “C…” que a Requerente usou nos trabalhos científicos referidos na listagem de fls. 7, pois todos eles são posteriores ao seu divórcio.

            O uso do apelido “C…” que terá também mantido junto da … foi igualmente abusivo desde a data do seu divórcio.

            E não se diga que o Requerido consentiu nesse uso, pois que nada revela que tenha sabido desse uso abusivo, além de que esse consentimento tem de ser formal – artº 1677º-B, nº 2 CC.

            Repare-se que com a contestação do Requerido até foram juntos documentos que revelam que a Requerente deixou de usar os apelidos do ex-cônjuge em diversas circunstâncias e do conhecimento deste, como é o caso da “Acta de Conferência de Interessados” havida no Inventário/Partilha de Bens nº …, entre as partes deste processo, onde a aqui Requerente está identificada apenas como “A…” e onde até foi efectuada uma transacção entre as partes, mas sendo nela a Requerente identificada como tal (sem apelidos do ex-cônjuge).

            Mais, na sentença homologatória dessa partilha consta a identificação da aqui Requerente “sem apelidos do ex-cônjuge”.      

                Mas não só: no doc. de fls. 51 a 54 – Alteração ao Contrato de Empréstimo com Hipoteca Celebrada em 2004/05/28 com o Banco …, com o nº …” e posterior à data do divórcio entre as partes na presente acção -, a Requerente está identificada como “A…”, divorciada, e assim assinou tal documento, tal como o fez o Requerido.

            Donde não se poder dizer que o Requerido alguma vez tenha consentido que a Requerente usasse os seus apelidos que lhe foram anteriormente consentidos por efeito do casamento entre ambos.

            Os trabalhos da Requerente que constituem fls. 101 a 110 e fls. 114 a 133 são trabalhos recentes, já de 2014, como a própria Requerente refere a fls. 96 e 97.

            Donde retirarmos a conclusão de que nada, mas mesmo nada, permite ao Tribunal atender o pedido da Requerente, já que os motivos invocados não justificam o pedido formulado, uma vez que desde a data de 23/06/2010 que a Requerente está efectivamente privada de usar os apelidos do seu ex-marido, tendo efectivamente deixado de os usar em circunstâncias relevantes, como antes assinalado, e uma vez que o uso que deles fez desde então não teve o consentimento do Requerido e foi manifestamente abusivo e sem qualquer justificação.

            Nem se entende que volvidos mais de 3 anos desde a data do divórcio venha a Requerente pretender “continuar a usar os apelidos do ex-cônjuge”, quando não o fez e/ou não o pode fazer durante esses mais de 3 anos.
Razão ou razões pelas quais entendemos que bem se escreve na sentença recorrida quando aí se diz: “Não se conhecendo publicações da requerente anteriores ao divórcio, constata-se que a mesma passou a identificar-se com apelidos que já não tinha, uma vez que os perdera quando foi decretado o divórcio. Jamais podendo agora prevalecer-se de um facto por si criado, para passados 3 anos vir invocar motivo ponderoso. Sempre sendo difícil de sustentar um motivo ponderoso decorridos 3 anos, desde logo quando não se invoca qualquer motivo entretanto ocorrido para justificar a oportunidade da pretensão.”.
Neste mesmo sentido e concluindo de igual modo, em circunstâncias idênticas à supra exposta, pode ver-se o Ac. do STJ de 10/12/1998, Proc.º nº 98B920, disponível em www.dgsi.pt/JSTJ, também citado pelo Recorrido nas suas alegações recursivas, onde, além do mais, se escreve: “O motivo, ou os motivos, terão de ser ponderosos, enquanto reveladores de um interesse real na manutenção dos apelidos”.
Concluindo, reputamos como correcta a aplicação que na sentença proferida foi feita da lei ao caso concreto, pelo que improcede o presente recurso, o que se decide.

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            Elabora-se o seguinte sumário:

I - Na providência a que se reporta o art. 1677º-B/1 e 3 do CC – Autorização de Uso dos Apelidos do ex-Cônjuge -, nos termos arts. 5º a 10º do DL 272/01, de 13-10, não está em discussão o direito ao nome do Requerente, tal como este está previsto no artº 72º do C. Civil e 26º da Constituição da República – enquanto direito a ter um nome próprio, identificador da pessoa e da sua família (biológica ou adoptiva), e de não poder ser dele privada, além de o poder e dever defender e de impedir que outrem o utilize indevidamente ou abusivamente.

II - Sendo o casamento uma das fontes das relações jurídicas familiares – artºs 1576º e 1577º do C. Civil e 36º, nº 1 da Constituição -, cujos efeitos estão previstos nos artºs. 1671º e seg.s do C. Civil, como fruto desse vínculo está a possibilidade de cada um dos cônjuges acrescentar aos seus próprios apelidos (do seu nome de nascimento ou de adopção) os apelidos do outro e até ao máximo de dois – artº 1677º, nº 1 do C. Civil (portanto é apenas uma possibilidade, não uma obrigatoriedade ou imposição legal).

III - No caso de haver divórcio (em que se dissolve o casamento – artº 1788º CC), o ex-cônjuge que tenha acrescentado os apelidos do outro apenas os pode conservar se este der o seu consentimento ou o tribunal assim o autorizar, pelo que o efeito imediato do divórcio é a perda desses apelidos – artº 1677º-B, nºs 1, 2ª parte, e 2 do CC.
IV – Porém, o motivo, ou os motivos invocados para tal terão de ser ponderosos, enquanto reveladores de um interesse real na manutenção dos apelidos.

VII
            Decisão:
            Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o presente recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
            Custas pela Apelante.
                                               Tribunal da Relação de Coimbra, em 10/07/2014

                  

Jaime Carlos Ferreira (Relator)

Jorge Arcanjo

Teles Pereira


          [1] Como decidido no Ac. do STJ de 10-12-1998 (QUIRINO SOARES, P. nº 98B920) [I - O divórcio implica a eliminação das relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges, salvo, é claro a relação de liquidação do património comum e daquelas que, não sendo já relações matrimoniais, constituem um tributo a um estado tão profundamente marcante na vida das pessoas (alimentos pós-divórcio, poder paternal conjunto, direito ao uso dos apelidos). II - Só ponderosos motivos, a avaliar caso a caso, relevando tanto interesses materiais como morais, poderão justificar manter-se o direito ao uso dos apelidos do ex-cônjuge. III - A integridade do nome é valor prevalente perante uma obra de autor, científica, literária, artística, de renome, consolidada e autónoma, mas não o será quando a obra constitui o resultado, directo ou indirecto, do exercício de funções de serviço público, para que, mais que o nome da pessoa que as realiza ou ocupa, conta o título, o cargo, a função em que está investida.], disponível em www.dgsi.pt/jstj.