Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2243/20.1T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: PRAZO DE PRESCRIÇÃO
LIVRANÇA EM BRANCO
INCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE COMUNICAÇÃO/INFORMAÇÃO PREVISTA NO DL 204/2008
DE 14/10
RESPONSABILIDADE DOS BANCOS OU DAS SOCIEDADES DE TITULARIZAÇÃO DE CRÉDITOS
Data do Acordão: 03/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: S
Legislação Nacional: ARTIGOS 7.º; 8.º; 542.º, 1 E 2 E 703.º, 1, C), DO CPC
ARTIGO 3.º, N.º 2 DO DL 204/2008, DE 14/10
ARTIGOS 70.º E 77.º DA LULL
ARTIGOS 236.º; 289.º, 1; 334.º; 342.º, 1; 483.º, 1 E 623.º 1 E 2, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. Se não há violação do pacto de preenchimento, numa livrança em branco, o prazo de prescrição de três anos previsto no art.º 70º (ex vi do art.º 77º), da LULL, conta-se a partir da data de vencimento que venha a ser aposta no título pelo respetivo portador, coincida ou não com o incumprimento do contrato (vencimento da obrigação) subjacente.

2. A responsabilidade dos Bancos ou das Sociedades de Titularização de Créditos derivada do mau cumprimento da obrigação de comunicação/informação prevista no DL 204/2008, de 14.10, deve ser apreciada à luz do instituto da responsabilidade civil aquiliana previsto nos art.ºs 483º a 498º, do Código Civil.

3. A litigância de má fé não se confunde com a manifesta improcedência da pretensão formulada pela parte, para isso antes se exige que a sua conduta processual seja dolosa, ou pelo menos gravemente negligente.

Decisão Texto Integral:
Apelação 2243/20.1T8CBR.C1
Relator: Fonte Ramos
Adjuntos: Alberto Ruço
                  Vítor Amaral

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(…)

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            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

            I. Em 12.6.2020, AA e mulher BB, intentaram a presente ação declarativa comum contra Banco 1..., S. A. (1ª Ré) e A..., S. A. (2ª Ré), pedindo que se declare que os AA. nada devem à 1ª Ré, pelo que esta não podia transmitir a 2º Ré qualquer crédito sobre aqueles, relativamente ao contrato de mútuo referido nos autos, condenando-se as Rés a reconhecer que nada lhes é devido pelos AA. no que a esse contrato se refere [a)][1] e condenando-se, ainda, a 2ª Ré a retirar a comunicação que fez à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal referida nos “documentos 11 a 17” [b)] e, as Rés, a pagar solidariamente aos AA. a indemnização por danos não patrimoniais por eles sofridos e a sofrer em consequência da referida comunicação e enquanto esta se mantiver, no montante de € 10 000 para cada um dos AA. [c)].

            Alegaram, em síntese: no contrato junto à petição inicial (p. i.) como documento n.º 1, apenas intervieram na qualidade de avalistas em livrança entregue ao Banco como caução do integral pagamento de todas as responsabilidades emergentes desse contrato de abertura de crédito, livrança essa que o Banco já lhes devolveu e que até já destruíram, sendo também certo que qualquer obrigação derivada da mesma já se encontra prescrita pelo decurso do prazo de três anos a contar do seu vencimento e do momento em que o Banco estava autorizado ao seu preenchimento, ou seja, 01.8.2009; nada lhes pode ser exigido enquanto avalistas da referida livrança, motivo pelo qual é falsa a comunicação que a 2ª Ré tem vindo a fazer para efeitos de inclusão no ficheiro da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, situação essa – reporte indevido, inexato e falso à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal – que é suscetível de lhes causar prejuízos e já lhes causou vários danos não patrimoniais merecedores da tutela do direito e que geram, para as Rés, a obrigação de os indemnizar.

            As Rés contestaram, concluindo pela improcedência da ação e tendo a 1ª pedido a condenação dos AA. como litigantes de má fé.

            Foi proferido despacho saneador que firmou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova.

            Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo, por sentença de 10.9.2022, julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo as Rés do pedido, e condenou os AA. como litigantes de má fé na multa de 3 UC.

Inconformados, os AA. apelaram formulando as seguintes conclusões:

1ª - Para fundamentar o pedido formulado na al. c) do petitório, ou seja, que os réus fossem condenados a pagar solidariamente aos autores a indemnização por danos não patrimoniais por eles sofridos e a sofrer em consequência da comunicação referida à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal e enquanto esta se mantiver, no montante de € 10 000 para cada um dos autores, como indemnização mínima, justa, legal e equitativa de todos esses danos não patrimoniais, alegaram os autores diversos factos constantes dos artigos 30º a 37º da p. i., mas a sentença recorrida não considerou provados alguns que se provaram.

            2ª - Assim, deve ser alterado o facto 23, no sentido dele constar que “Exerce desde 29.5.2019, o cargo de Presidente do Conselho de Gerência”, como resulta do depoimento da testemunha CC.

            3ª - Do mesmo modo, deve ser ampliado o facto 24, no sentido de ser dado como provado que “por virtude da informação constante da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal o autor viveu ansioso, nervoso, preocupado e envergonhado por ter tido necessidade de comunicar esse facto aos gestores da sua clínica, o que levou ao seu afastamento consensual e de facto da assinatura de documentos da sociedade e das suas reuniões”, como refere a citada testemunha.

            4ª - Também deve ser aditado um facto provado novo - Facto 25 -, onde seja considerado provado que “os autores eram cumpridores das suas obrigações, incluindo bancárias e eram pessoas consideradas e de respeito como cidadãos e o autor também, como profissional da área médica”, como refere a testemunha DD.

            5ª - Por isso, devem ser alterados os factos 23 e 24 e aditado o facto 25, com a redação que se deixa proposta, com fundamento na prova gravada que se invoca, com a procedência da presente impugnação da matéria de facto.

            6ª - A decisão de direito, tem antes de mais de ser limitada pelo pedido formulado e esse pedido não é o que foi formulado na p. i., mas sim o que resultou da redução do pedido feito pelos autores no seu requerimento de 18.11.2021, com a redução do pedido da alínea a), pelo que o objeto da presente ação corresponde ao seguinte petitório: a) Declarar-se que os autores nada devem ao 1º Réu, a título de avalistas de uma livrança em branco subscrita por EE para garantia de um contrato de abertura de crédito por conta corrente, por ela celebrada em 1 de Agosto de 2006 com o 1º Réu, pelo que este não podia transmitir ao 2º Réu qualquer crédito sobre os autores, relativamente ao referido contrato de mútuo constante do documento 1 junto com a presente petição, condenando-se ambos os réus a reconhecer que nada lhes é devido pelos autores no que ao aval dado nesse contrato se refere, sendo que a referida redução do pedido foi admitida conforme consta da sentença ora recorrida.

            7ª - Além disso, conforme consta de requerimento apresentado pela Ré A..., em 19.02.2021 foi informado nos autos que “cessou a comunicação do saldo referente aos Autores à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, bem como procedeu à eliminação do histórico de comunicações” e este requerimento/informação corresponde à satisfação do pedido formulado na alínea b) do petitório desde a p. i., que corresponde à confissão desse pedido pela Ré A..., mas não existe a mais leve referência na sentença final.

            8ª - Nessa parte ação procedeu com a confissão do pedido.

            9ª - Quanto ao pedido da al. a), entendem os AA. que a sua responsabilidade como avalistas na garantia do crédito concedido pelo 1º Réu a sua Tia EE e titulado pelo CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO POR CONTA CORRENTE, com o limite de € 80 000 e destinado pela mutuária a apoio de tesouraria (facto provado n.º 1) já cessou.

            10ª - Desse contrato é relevante, por um lado, que os AA. intervieram como garantes, por meio de caução, nos termos definidos na cláusula 8ª desse contrato (facto provado n.º 2), como consta da citada cláusula 8ª (facto provado n.º 3) que “Para caução do integral pagamento de todas as responsabilidades emergentes da presente abertura de crédito, designadamente reembolso de capital, pagamento de juros e outros encargos a liquidar nos termos deste contrato, BENEFICIÁRIO e GARANTES, respetivamente, subscreve e avalizam uma livrança em branco, a qual desde já autorizam o seu preenchimento pelo BANCO pelo valor que estiver em dívida e a sua imediata apresentação a pagamento, se na data de vencimento de qualquer das prestações convencionadas as mesmas não foram integralmente pagas.”

  11ª - A referida cláusula 8ª contém o acordo de entrega ao banco credor da livrança e a autorização para o seu preenchimento e a primeira conclusão a extrair desta cláusula é a de que a garantia dos AA. era apenas de aval da livrança e não qualquer fiança à dívida contratada, como resulta do teor da mesma, onde expressamente se refere que “para caução do integral pagamento de todas as responsabilidades emergentes da presente abertura de crédito, designadamente reembolso de capital, pagamento de juros e outros encargos a liquidar nos termos deste contrato, BENEFICIÁRIO e GARANTES, respetivamente, subscreve (no singular) e avalizam (no plural) uma livrança em branco.

            12ª - “Havendo pacto de preenchimento, tal pacto deve ser objecto de interpretação à luz dos critérios previstos no artigo 236º e seg. do Código Civil” e qualquer declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, como os AA., só podiam deduzir do comportamento do declarante e do texto da cláusula que os mesmos AA., apenas eram garantes através da avalização da letra entregue.

            13ª - Relativamente ao preenchimento da livrança em branco, especialmente quando devia ser preenchida e qual o prazo de vencimento da mesma a ser nela inscrito, deve ser por interpretação dessa cláusula, segundo os mesmos critérios do art.º 236º, n.º 1 do Código Civil (CC), que deve ser encontrada a resposta e nessa cláusula 8ª consta que a beneficiária e os avalistas “desde já autorizam o seu preenchimento pelo BANCO pelo valor que estiver em dívida e a sua imediata apresentação a pagamento, se na data de vencimento de qualquer das prestações convencionadas as mesmas não foram integralmente pagas.”

            14ª - Do texto referido na alínea anterior resulta que existe a obrigação para o Banco de proceder ao seu imediato preenchimento e a sua imediata apresentação a pagamento, na data de vencimento de qualquer das prestações convencionadas, pois da declaração constante do contrato resulta para um declaratário normal que o Banco assume a obrigação de preenchimento imediato da livrança com a falta de pagamento de qualquer das prestações convencionadas, ao mesmo tempo que é acordado que a data relevante para esse pagamento é a data de vencimento dessas prestações não pagas tempestivamente.

            15ª - Não resulta dos autos, qualquer outra interpretação e é possível retirar do contexto em que o acordo de preenchimento é celebrado - e, sobretudo, da sua remissão para o evento que legitima o portador a completar o título - um limite temporal, que uma vez ultrapassado, tome o preenchimento abusivo porque desconforme à vontade objetivamente manifestada pelo subscritor em branco.

            16ª - O ponto nevrálgico da solução a adotar é fornecido pelo evento – tipicamente, o incumprimento e/ou a resolução do contrato fundamental -, cuja superveniência legitima o portador a preencher o título, sendo que da Lei Uniforme de Letras e Livranças (LULL), resulta até uma valoração legislativa de que o credor cambiário exerça a rapidamente o seu direito (no prazo de um ano a contar do protesto, contra sacador e endossantes; no prazo de três anos a contar do vencimento, contra o aceitante – art.º 70º II e I LU).

            17ª - Atento o teor da cláusula 8ª, existia uma obrigação de preenchimento por parte do banco credor, da livrança, nela apondo como data de vencimento a data em que deixaram de ser pagas as prestações ou em que o banco resolveu o contrato, respetivamente 01/8/2009 e 29/01/2010, como se alcança do doc. 6 junto com a p. i..

            18ª - Além disso, não pode subsistir a obrigação cartular para além da destruição da livrança, que foi entregue aos AA. pelo banco credor, pelo que, nos termos do art.º 39º da LULL, “o sacado que paga uma letra pode exigir que ela lhe seja entregue com a respetiva quitação” e a entrega da livrança equivale à desoneração da garantia da obrigação que com a mesma se pretende acautelar o pagamento da obrigação principal, sendo que a obrigação principal subsiste, apesar da extinção da garantia da mesma, porque o que se extingue é a obrigação cartular.

            19ª - Tem de considerar prescrita a obrigação cartular, mesmo sem ter havido preenchimento da livrança, pois que, como se referiu, atento o teor da cláusula 8ª, existia uma obrigação de preenchimento por parte do banco credor, da livrança, nela apondo a data de vencimento a data em que deixaram de ser pagas as prestações ou em que o banco resolveu o contrato, respetivamente 01/8/2009 e 29/01/2010, e tendo decorrido o prazo de 3 anos sobre a data que o Banco estava obrigado a colocar na livrança em branco que lhe foi entregue, como data de vencimento, nos termos do art.º 70º, aplicado ex vi do art.º 77º da LULL, encontra-se prescrita a obrigação cartular.

            20ª - Mesmo que ainda existisse a livrança, o seu preenchimento com outra data que não fosse como data de vencimento a data em que deixaram de ser pagas as prestações ou em que o Banco resolveu o contrato, respetivamente 01/8/2009 e 29/01/2010, era sempre suscetível de impugnação por preenchimento abusivo, com a consequente declaração da prescrição.

            21ª - Tendo sido extinta a obrigação cartular, não pode essa livrança servir de quirógrafo contra o avalista, pois que extinta a obrigação cartular, pela entrega do título ao avalista ou pela prescrição dessa obrigação nos termos que deixam expostos, “fica extinta a obrigação cambiária resultante do aval e, portanto, de nada serve o quirógrafo contra o avalista pois este garantiu apenas o cumprimento da extinta obrigação cartular e não o cumprimento da obrigação do subscritor/emitente que tem a sua fonte na relação subjacente”, como já decidiu o Ac. da RC de 12.6.2018-Proc. 3224/17.8CBR.C1.

            22ª - Como consta do requerimento apresentado pela Ré A..., em 19/02/2021, foi informado nos autos que “cessou a comunicação do saldo referente aos AA. à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, bem como procedeu à eliminação do histórico de comunicações” e esta comunicação corresponde à satisfação do pedido formulado na alínea b) do petitório desde a p. i., sendo assim uma confissão desse pedido pela Ré A....

            23ª - Essa confissão demonstra claramente que a Ré A... reconheceu a ilicitude do seu acto, pelo que existe a obrigação de ela indemnizar os AA. pelos danos não patrimoniais que lhe causou.

            24ª - Devendo ser considerado provado que “por virtude da informação constante da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal o autor viveu ansioso, nervoso, preocupado e envergonhado por ter tido necessidade de comunicar esse facto aos gestores da sua clínica, o que levou ao seu afastamento consensual e de facto da assinatura de documentos da sociedade e das suas reuniões” (nova redação do facto provado 24), têm os AA., em especial o A., o direito de ser indemnizado pela referida Ré.

            25ª - É que os AA. eram cumpridores das suas obrigações, incluindo bancárias e eram pessoas consideradas e de respeito como cidadãos e o A. também, como profissional da área médica (facto 25 que se requer aditamento), os danos patrimoniais por ele sofridos, assumem a gravidade necessária para merecerem a tutela do direito.

            26ª - Tendo a ação procedido nessa parte, com a confissão do pedido da al. b), tem a Ré A... ser condenada a indemnizar os AA., ou pelo menos, o A. pelos danos não patrimoniais sofridos e o valor da indemnização pedida de € 10 000 é um valor que equitativamente justo e legal, que não apagando os danos sofridos, em especial pelo A., o compensa, mitigando esses danos, devendo a Ré A... ser condenada no pagamento da indemnização pedida.

            27ª - É absolutamente injusta e ilegal a condenação dos AA. como litigantes de má fé, pois apenas defendem que a título de avalistas nada devem por força da livrança que avalizaram, como resulta da redução do pedido da alínea a) por eles feita no seu requerimento de 18/11/2021, pelo que, como se referiu, o objecto da presente ação corresponde à declaração de que os AA. nada devem ao 1º Réu, a título de avalistas de uma livrança em branco subscrita por EE para garantia de um contrato de abertura de crédito por conta corrente, por ela celebrada em 01.8.2006 com o 1º Réu.

            28ª - Como resulta da cláusula 8ª do contrato de abertura de crédito, os AA. apenas eram avalistas e dessa cláusula resulta a obrigação de o Banco, autorizado a preencher a livrança entregue em branco pelo valor que estiver em dívida e a sua imediata apresentação a pagamento, se na data de vencimento de qualquer das prestações convencionadas as mesmas não foram integralmente pagas.

            29ª - Atento o teor dessa cláusula 8ª, existia uma obrigação de preenchimento por parte do Banco credor, da livrança, nela apondo a data de vencimento a data em que deixaram de ser pagas as prestações ou em que o banco resolveu o contrato, respetivamente 01/8/2009 e 29/01/2010, como se alcança do doc. 6 junto com a p. i..

            30ª - Por isso, podem os AA. ser condenados[2] como litigantes de má fé, por terem uma interpretação da cláusula 8ª referida diferente da adotada na sentença e, por terem, com base nessa interpretação, proposto a presente ação, pelo que deve ser revogada também nessa parte a sentença recorrida.

            31ª - Face ao que se deixa exposto, deve a presente ação ser julgada totalmente procedente e provada, considerando-se a redução do pedido feita pelos AA., revogando-se a sentença recorrida, incluindo a injusta condenação dos AA., como litigantes de má fé, por violar o disposto nos art.ºs 236º, n.º 1 do CC, art.º 39º e art.º 70º, aplicado ex vi do art.º 77º da LULL, entre outros, bem como o art.º 542º do Código de Processo Civil (CPC).

             A 1ª Ré respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir: a) impugnação da decisão sobre a matéria de facto (erro na apreciação da prova); b) decisão de mérito (máxime, se existe o/um crédito das Rés ou se, pelo contrário, vinga a perspetiva dos AA; condenação por litigância de má fé).         


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            II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:[3]

            1) Em 01.8.2006, o primeiro Réu celebrou com EE, solteira, maior, um Contrato de Abertura de Crédito por Conta Corrente, com o limite de € 80 000 e destinado pela mutuária a apoio de tesouraria.

            2) Nesse contrato, os AA. intervieram como garantes, por meio de caução, nos termos definidos na cláusula 8ª desse contrato.

            3) Consta do referido contrato – cláusula 8ª – o seguinte:

            “Para caução do integral pagamento de todas as responsabilidades emergentes da presente abertura de crédito, designadamente reembolso de capital, pagamento de juros e outros encargos a liquidar nos termos deste contrato, BENEFICIÁRIO e GARANTES, respetivamente, subscreve e avalizam uma livrança em branco, a qual desde já autorizam o seu preenchimento pelo BANCO pelo valor que estiver em dívida e a sua imediata apresentação a pagamento, se na data de vencimento de qualquer das prestações convencionadas as mesmas não foram integralmente pagas.

            4) EE veio a falecer em ..., no dia 03.01.2008.

            5) Na sequência do falecimento da mutuária, o empréstimo não foi pago e na relação de bens foi relacionado tal empréstimo, como dívida passiva da respetiva herança, na parte que faltava pagar, cerca de € 70 000, como dívida da herança.

            6) Conforme missiva junta pelos AA., com a p. i., como documento n.º 4, o Banco denunciou o referido contrato de empréstimo.[4]

            7) Tendo sido citado para os termos do processo de inventário, como titular de uma dívida passiva da herança, em determinada altura, o Banco 1... (1ª Ré) resolveu pagar-se dessa quantia com as quantias que a mesma senhora tinha aplicadas nesse Banco.

            8) A mutuária dispunha, junto do Banco, de vários depósitos e aplicações financeiras, os quais eram compostos de valores adequados e suficientes à integral liquidação do valor em dívida (cf. relação de bens junta como “documento n.º 3”), motivo pelo qual, em 13.5.2010, o Banco remeteu carta de interpelação a todos os 23 herdeiros (carta junta como “documento n.º 6”) para que procedessem ao pagamento do valor em dívida e para, bem assim, autorizarem que fossem utilizadas, para esse efeito, os referidos fundos.

            9) Com base no clausulado (concretamente na cláusula 7ª), em 02.11.2011, o Banco liquidou o valor em dívida (verba n.º 2 do passivo) com a aplicação Fundo de Investimento ... (verba n.º 9 do activo Títulos de Crédito) e com o depósito à ordem n.º ...20 (verba n.º 17 do activo Títulos de Crédito).

            10) Após a referida liquidação o Banco procedeu à entrega da livrança aos avalistas.

            11) Tal entrega do título – livrança – não foi feita de forma espontânea pelo Banco, antes foi resposta a uma solicitação pelos mesmos formulada.[5]

            12) Depois deste pagamento, os herdeiros, usando da sua possibilidade de não aprovar o passivo, fizeram-no e a magistrada que presidia ao processo ordenou ao Banco que devolvesse o dinheiro que havia retirado, o que o Banco (1ª Ré) veio a fazer em outubro de 2014.[6]

            13) Interessados esses que incluíram o A.[7] e isto numa altura em que o mesmo já tinha na sua posse a livrança caução que garantia a dívida que, entretanto, havia sido liquidada.

            14) E isto também depois do A., que, durante algum tempo, ainda suportou os juros vencidos do empréstimo, ter vindo, a dado momento, declarar ao Banco que não mais o faria, precisamente porque o crédito do Banco estava garantido pelos depósitos e pelas aplicações existentes.[8]

            15) Após esta decisão a 1ª Ré interpôs um recurso, que não foi admitido naquele momento, e não veio a interpor recurso depois de notificada da sentença.

            16) O Banco 1... cedeu em 16.11.2018, à 2ª Ré, a titularidade do crédito com a referência ...00[9], decorrente do incumprimento definitivo do crédito associado ao Contrato de Abertura de Crédito por Conta Corrente, celebrado em 01.8.2006, pelo montante de € 80 000, entre o Banco 1..., EE (entretanto falecida) e os AA. (na qualidade de avalistas).

            17) Após a cessão de créditos, a Ré A... iniciou a gestão do crédito, gestão que passou a ser efetuada por entidade terceira contratada para efeito – B....

            18) A Ré A... comunicou o saldo referente ao crédito sub judice ao Banco de Portugal.

            19) Desde outubro de 2019, o A. tem o seu nome indicado no ficheiro da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, como tendo entrado em incumprimento em 24.4.2015 e relativamente à quantia de € 70 000.[10]

            20) Essa informação que se mantém nos meses seguintes até ao passado mês de abril de 2020 resulta de informação prestada pela 2ª Ré.[11]

            21) Os AA. dirigiram à 2ª Ré, a carta datada de 27.5.2020, cuja cópia consta de fls. 32.[12]

            22) O A., sendo médico, é sócio da sociedade C..., Lda., com sede na Rua ..., na cidade ....

            23) Exerce desde 29.5.2019 o cargo de gerente.

            24) Por virtude da informação constante da Central de Responsabilidades de Crédito o A. vive preocupação.

            2. E deu como não provado:

            a) Da p. i.: o mais alegado em 10º (o A. foi chamado ao Banco…tendo-lhe sido dito que a quantia estava paga, tendo sido emitido recibo dessa entrega), o alegado em 11º (o fazer espontaneamente), o alegado em 33º, 34º, 35º, o mais alegado em 36º e o alegado em 38º.

            b) Da contestação da ré A...: o alegado nos artigos 9º a 11º.

            3. Cumpre apreciar e decidir.

            a) Os AA., considerados os factos que dizem alegados nos 30º a 37º da p. i. e a prova pessoal produzida em audiência de julgamento, concluem que “a sentença recorrida não considerou provados alguns que se provaram” e pugnam pela alteração do teor dos pontos de facto 23) e 24) e o aditamento de um novo facto, com a redação indicada sob as “conclusões 2ª a 4”, ponto I. supra.

            b) Importa atender à prova pessoal que se invoca, conjugando-a com a prova documental.

c) Pese embora a maior dificuldade na apreciação da prova (pessoal) em 2ª instância, designadamente, em razão da não efetivação do princípio da imediação[13], afigura-se, no entanto, que, no caso em análise, tal não obstará a que se verifique se os depoimentos foram apreciados de forma razoável e adequada.

            Também se dirá que na reapreciação do material probatório disponível por referência à factualidade em causa, releva igualmente o entendimento de que a afirmação da prova de um certo facto representa sempre o resultado da formulação de um juízo humano e, uma vez que este jamais pode basear-se numa absoluta certeza, o sistema jurídico basta-se com a verificação de uma situação que, de acordo com a natureza dos factos e/ou dos meios de prova, permita ao tribunal a formação da convicção assente em padrões de probabilidade[14], capaz de afastar a situação de dúvida razoável.

d) Partindo da motivação da decisão de facto e tendo em atenção o objeto do recurso, destacamos os seguintes excertos:

            «(...) Os documentos 11 a 17 da petição evidenciam que o saldo respeitante ao crédito em causa foi comunicado pela A... ao Banco de Portugal e que essa informação se manteve até abril de 2020. Tal informação constante dos autos respeita apenas ao autor. / (...) / O documento 22 da pi (fls. 34 e ss.) evidencia que o autor é sócio e gerente da C...[15]. / Quanto ao mais o tribunal teve em consideração os depoimentos prestados na parte em que estes se revelaram importantes ao esclarecimento dos factos na sua consonância com os demais elementos documentais juntos aos autos. / DD, reformado, bancário no Banco 1... onde trabalhou até 2015, em ..., no centro ..., confirmou a troca de comunicações com o autor que constitui o documento 1 da contestação do Banco 1.... (...)[16]

            Procedeu à restituição da livrança. Fê-lo porque recebeu instruções para a entregar ao cliente e está por isso convencido que a dívida se encontrava liquidada. Refere também que o autor tinha bom nome quer na sua área quer no que respeita a cumprimento de obrigações bancárias. Esclareceu que não constituía prática do banco proceder à restituição de livranças mesmo que liquidadas. Só o faziam quando tal era solicitado. (...) / O depoimento da testemunha não deixa de ser claro a esse respeito, mas o dito documento não deixa margem para dúvidas no que respeita ao facto de ter sido o autor a solicitar “a devolução das livranças e mais documentos relacionados com a caução” (...)[17] / CC, médico neurologista, amigo e colega do autor, teve conhecimento do assunto em discussão através do próprio autor, disse que este é presidente do conselho de ´gerência` da C..., entenderam que face à comunicação à Central de Responsabilidade e para não criar à clínica problemas com os bancos não seria bom aquele estar envolvido nos assuntos bancários. Notou no comportamento do autor ansiedade e preocupação por causa deste assunto. Referindo embora relativamente à sua relação com a autora que “de vez em quando cruzamo-nos” afirma que aquela mostrou também preocupação com o assunto. / FF, bancário, no Banco 1... onde é gestor de recuperações desde agosto de 2012, tomou contacto com o processo quando o mandatário que representava o banco no inventário lhe pediu informações sobre a dívida em 2/5/2014, apurou através de consulta do processo bancário que a dívida tinha sido liquidada na área comercial. Obteve informação junto do balcão no sentido de que a dívida tinha sido liquidada em 2/11/2011. Posteriormente o banco foi notificado de despacho judicial que ordenava a restituição do dinheiro à herança. Por isso foi repristinada a dívida. Posteriormente o banco cedeu os seus créditos. Apurou que o contrato tinha sido denunciado em 30/12/2009 e foram interpelados os devedores e os herdeiros. A operação era garantida por livrança-caução que terá sido entregue ao autor a pedido deste junto da área comercial, designadamente no balcão ... e mais concretamente junto do colega GG. Esclareceu ainda que a devolução de livranças após liquidação não corresponde à prática normal do banco e só acontece a pedido dos interessados. (...)»

            e) Quanto à prova pessoal, visto o objeto da impugnação, atente-se no que de essencial foi dito:

            - Testemunha CC (fls. 134 verso):

            O A. “é o Presidente do Conselho de Gerência; (...) na altura entendemos e no fim conversámos todos que seria muito bom o Sr. Dr. AA não estar envolvido em alguma das atividades da Clínica em termos bancários e em termos de contratos. Aquelas gestões corriqueiras. E não era bom aparecer o nome dele até para não criar problemas com os bancos, nomeadamente e não haver nenhuma complicação;          (...) somos 4 elementos e tem que assinar 3, mas na maior parte das vezes era sempre bom que o Presidente do Conselho de Gerência assinasse para uma questão de imagem da Clínica. Entendemos que não devia assinar. (...) notava-se no seu dia-a-dia, nervoso, ansioso, enfim. É natural, não é? (...) Não trabalhamos diretamente juntos, em termos de clínicos porque somos de especialidades diferentes, mas percebi que andava nervoso, ansioso, irritado com a situação, preocupado. (...) não é bem de vergonha, mas é preocupado, quer dizer, uma pessoa não dá boa imagem. Fica preocupado com uma situação desta, que não é agradável. Desconfortável. (...) o Conselho de gerência não é um conselho que faz a gestão direta da Clínica corriqueira no dia-a-dia, mas que reúne todas as semanas e que no fundo supervisiona a gestão da Clínica e no fundo obriga a Clínica a apor as assinaturas em todos os atos que ela faz. Mas essas pessoas também tiveram de ter conhecimento disto, não é? Portanto, evidentemente que não é fácil dizer a uma pessoa que tem o nome colocado numa lista dessas seja correta ou incorretamente. O certo é que o nome está lá. (...) Houve ali um certo mau estar porque a partir daí o próprio Prof. AA se afastou das próprias reuniões do Conselho de Gerência, não é? Reduziu muito as presenças nas reuniões do Conselho de Gerência.

            Relativamente à A., “acha” que ficou perturbada com esta situação – “(...) acho que ficou. Por conversas que tivemos; quer dizer, não temos uma ligação direta, diária, semanal, mas de vez em quando cruzamo-nos e, acho que sim.”

            - Testemunha DD (fls. 134):

            “(...) a esposa (A.) não tenho o prazer de conhecer, mas o Dr. AA é da maior idoneidade”.

            Questionado sobre a reputação do A., se o mesmo tinha “um bom nome na praça”, mormente quanto ao “cumprimento das operações bancárias”, respondeu: “Completamente. Não só como cidadão, mas como também, profissional da área dele. De operações bancárias, excelente.”

            f) Da conjugação da certidão permanente da sociedade C..., Lda., com os documentos dos autos de inventário, juntos aos autos, decorre, ainda, nomeadamente, que um dos gerentes, filho do A., foi legatário do estabelecimento de Farmácia mencionado nos autos.[18]

            4. Tendo presente o alegado na p. i., a descrita prova pessoal e a dita prova documental, na parcial procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, introduz-se a seguinte alteração (diferente redação e aditamento):

            Ponto de facto 23): Exerce desde 29.5.2019, o cargo de Presidente do Conselho de Gerência.

            Ponto de facto 24): Por virtude da informação constante da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal o A. viveu ansioso e preocupado.

            Ponto de facto 25): O A. é considerado pessoa cumpridora das suas obrigações.

            5. A questão fundamental do recurso, ou, talvez melhor, a que aparenta ter maior relevância e que, inequivocamente, mais se discute, prende-se com a existência/permanência da garantia especial da obrigação (caução) que devia “reforçar”, em benefício do credor (numa primeira “fase”, a 1ª Ré) e no contrato aludido em II. 1. 1) e 2), supra, a garantia constituída pelo património do aí obrigado (beneficiário do crédito).

            No seu sentido corrente, a caução designa a entrega feita por uma das partes à outra de certa quantidade de coisas móveis (fungíveis – como o dinheiro ou os títulos ao portador; não fungíveis – como joias, títulos nominativos, etc.), para garantia da cobertura do dano proveniente do não cumprimento de determinada obrigação.

            No seu sentido legal, a caução tem um objeto mais amplo, pois abrange também, como decorre da simples leitura dos n.ºs 1 e 2 do art.º 623º do CC[19], tanto a hipoteca como a própria fiança (bancária ou não bancária).[20]

            O aspeto processual das cauções (o seu interesse para o processo civil) consiste em saber por que processo se constitui, se modifica ou se extingue uma caução.[21]

            6. Vejamos os factos.

            a) Em 01.8.2006, a 1ª Ré celebrou com EE, tia do A., um Contrato de Abertura de Crédito por Conta Corrente, com o limite de € 80 000, destinado pela mutuária a apoio de tesouraria, intervindo os AA. como garantes, por meio de caução, prestando o seu aval numa livrança em branco e autorizando o seu preenchimento pela 1ª Ré “pelo valor que estiver em dívida e a sua imediata apresentação a pagamento, se na data de vencimento de qualquer das prestações convencionadas as mesmas não foram integralmente pagas”.

            b) EE veio a falecer no dia 03.01.2008.

            c) O empréstimo continuou a ser pago até outubro de 2009, altura em que o A. comunicou à 1ª Ré  que, havendo sido citada para reclamar o crédito no processo de inventário por óbito da sua referida tia - relacionado como verba n.º 2 do passivo” (dívida passiva, na parte que faltava pagar/cerca de € 70 000) - e assegurados que estavam os direitos do Banco pelas diferentes aplicações que nele existiam em nome da sua falecida tia, deixava de pagar as subsequentes prestações (capital e juros), devendo o Banco reclamar todos os seus eventuais créditos naquele inventário.

            d) Por missivas datadas de 30.12.2009, dirigidas à beneficiária e aos garantes/avalistas, a 1ª Ré denunciou o referido contrato de empréstimo.

            e) Por carta datada de 04.8.2010, a 1ª Ré interpelou os AA. para o pagamento da quantia ainda em dívida decorrente do contrato dito em a).

            f) Em 02.11.2011, como titular de uma dívida passiva da herança, a 1ª Ré resolveu pagar-se com as quantias que EE tinha aplicadas no Banco, sendo que, em 13.5.2010, remetera carta de interpelação a todos os herdeiros para que procedessem ao pagamento do valor em dívida, autorizando que fossem utilizados, para o efeito, os fundos (aplicações financeiras e depósitos) existentes no Banco.
            g) Na sequência da troca de comunicações de julho de 2012 entre o A. e a 1ª Ré, foi entregue / “devolvida” ao A., a solicitação deste, «a Livrança (original) que serviu de caução».

            h) Na conferência de interessados, de 02.6.2014, os interessados presentes (entre os quais, o A.) não aprovaram o passivo; a magistrada que presidia ao processo, por despacho de 20.6.2014 (transitado em julgado), ordenou à 1ª Ré que procedesse “à reposição das verbas n.ºs 9 e 17, do ativo, porquanto o seu crédito (descrito na verba n.º 2) não foi aprovado, sendo tido como litigioso”, reposição que viria a ocorrer em outubro de 2014.

             i) A 1ª Ré cedeu, em 16.11.2018, à 2ª Ré, a titularidade do crédito decorrente do incumprimento definitivo do crédito associado ao Contrato de Abertura de Crédito mencionado em a).

            j) No âmbito da gestão desse crédito, a 2ª Ré comunicou o “saldo” correspondente ao Banco de Portugal.

            k) Desde outubro de 2019 e até data não anterior a abril/2020, o A. teve o seu nome indicado no ficheiro da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, como tendo entrado em incumprimento em 24.4.2015 e relativamente à quantia de € 70 000.

            l) Em 19.02.2021, a 2ª Ré informou nos autos «que cessou a comunicação do saldo referente aos Autores à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, bem como procedeu à eliminação do histórico de comunicações.»

            m) Os AA. dirigiram à 2ª Ré carta datada de 27.5.2020, aludindo à comunicação referida em k) e afirmando que se tratava de informação “falsa, pois não eram devedores à 2ª Ré de qualquer quantia.

            n) Em virtude do circunstancialismo descrito em c), f), g) e h), a mencionada livrança não foi preenchida (pela 1ª Ré), desconhecendo-se o “destino” que o A. lhe deu.

            7. Nos presentes autos não se questiona a forma/processo como a 2ª Ré procedeu às comunicações à Central de Responsabilidade de Crédito, assegurada pelo Banco de Portugal, conforme prevê o DL n.º 204/2008, de 14.10 (trata-se de reunir os elementos informativos respeitantes ao risco da concessão e aplicação de créditos, de que carecem as instituições de crédito e as sociedades financeiras, para avaliarem corretamente os riscos das suas operações).

            De acordo com o art.º 3º, n.º 2 daquele DL, há uma obrigação dos Bancos enviarem mensalmente ao Banco de Portugal todos os créditos e respetivas situações, o que permite uma atualização mensal da informação constante de tal Central de Responsabilidades, da responsabilidade das entidades que a tenham transmitido, cabendo exclusivamente a estas proceder à sua alteração ou retificação.

            Os AA./recorrentes questionam, apenas, a verificação dos pressupostos que determinaram tal comunicação, pela simples razão de que não se consideram devedores, pelo menos, na sua qualidade de avalistas/garantes.

            Esta, como vimos, a principal problemática.

            8. Salvo o devido respeito por entendimento contrário, afigura-se correto o enquadramento traçado pelo Mm.º Juiz do Tribunal a quo, pois que, nas apontadas circunstâncias, foi incumprido o contrato de abertura de crédito e dada sem efeito a “liquidação” da quantia devida.

            Desconhece-se, contudo, nomeadamente, a razão de ser daquela posição unânime dos interessados do inventário, bem como da atuação, aparentemente, assaz contraditória, do próprio A., também herdeiro/interessado.

            Repristinada a situação anterior ao imbróglio da liquidação/pagamento que não se quis sancionar (fazendo ressurgir a dívida na esfera jurídica da 1ª Ré e relegando a sua discussão para os meios comuns), o que constituiu verdadeira anulação deste procedimento, parece-nos que se imporia a total repristinação das coisas ao seu estado anterior, cabendo, pois, aos AA. devolver/restituir a livrança à entidade credora!

            Daí, como na 1ª instância, poder-se-á concluir que a 1ª Ré passou, novamente, a ser titular de um direito de crédito emergente do contrato firmado, crédito esse garantido, precisamente, pela livrança avalizada pelos AA..

            Assim se responde aos interesses em presença, numa leitura dos factos simples e clara, e atendendo a elementares princípios do direito civil (aplicando, por analogia, v. g., o disposto no art.º 289º, n.º 1 do CC[22]).

            9. Ante o pedido dos AA., o princípio geral da responsabilidade civil extracontratual (art.º 483º, n.º 1 do CC - «Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação»), e seus pressupostos -  facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano -, bem como a supra mencionada factualidade, o Mm.º Juiz do Tribunal a quo veio a concluir pela improcedência da ação, por considerar que, subsistindo o crédito, como aliás ainda hoje subsiste, não havia qualquer impedimento à cessão de crédito a terceiro, como de facto ocorreu já no ano de 2018,  e que a 2ª Ré, enquanto sociedade de titularização de créditos, estava obrigada  a efetuar a comunicação ao Banco de Portugal, verificados que estavam os respetivos pressupostos (previstos no DL n.º 204/2008, de 14.10).

            Daí que nada seja de imputar à atuação da 2ª Ré, não se verificando os requisitos da responsabilidade civil extracontratual.

            10. O indicado raciocínio antolha-se inteiramente correto.

            E, salvo o devido respeito por entendimento contrário, não se poderá atender ao aduzido, e reiterado, no recurso.

            Assim, e nomeadamente:

            - A circunstância de a 2ª Ré ter cessado a comunicação do saldo referente aos AA. à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, eliminando do histórico de comunicações - e ainda que possamos concluir pela “satisfação” do pedido formulado na “alínea b)” (ponto I., supra) -, não permite concluir por uma efetiva “confissão” daquele segmento do pedido ou sequer que a 2ª Ré esteja efetivamente conformada com uma tal resposta àquele concreto diferendo das partes, reconhecendo a ilicitude da sua pretérita atuação;[23]

            - Pelas razões expostas, não foi efetivamente afastada a responsabilidade dos AA. como avalistas na garantia do aludido crédito concedido pela 1ª Ré, crédito esse que nada nos diz tenha deixado de existir;

            - A mencionada livrança em branco não foi preenchida; a 1ª Ré estava autorizada a efetuar o preenchimento, conforme se previa na citada “cláusula 8ª”, mas não obrigada a fazê-lo logo que verificado qualquer incumprimento das prestações convencionadas (quiçá, sem prévia interpelação para o pagamento em falta...);

            - Ademais, antolha-se evidente a razão de ser do não preenchimento da livrança e da entrega da mesma ao A., a pedido deste..., pelo que não se poderá afirmar um qualquer “prazo de vencimento” (e de apresentação a pagamento) e a prescrição das obrigações cambiárias (nos termos do art.º 70º, ex vi do art.º 77º da LULL), prazo de prescrição que começa a correr após a data do seu vencimento; 

            - Os AA. podem ter destruído a livrança, mas, no fundo, nada os afastou/desvinculou da relação jurídica baseada no contrato referido em II. 1. a), supra, subsistindo a obrigação cartular;

            - Naturalmente, mesmo que extinta a obrigação cartular, não estariam arredadas as demais possibilidades decorrentes da lei civil substantiva e adjetiva [cf., v. g., art.º 703º, n.º 1, alínea c), do CPC], sendo que, pelo menos o A., assume a dupla qualidade de avalista e herdeiro; subsistindo o crédito, na sequência da sua repristinação, o seu titular sempre poderá lançar mão de uma ação para cobrança do mesmo, respondendo cada herdeiro na proporção da quota que lhe couber na partilha (tendo por limite o valor do quinhão recebido), realidade que terá levado os AA. à redução do pedido da “alínea a)[24].

 11. A respeito da denominada limitação temporal ao preenchimento da letra ou livrança emitida em branco, concretamente a questão de saber se existe ou deve existir um limite temporal ao preenchimento do título em branco por parte do respetivo portador (com a eventual prescrição em função da data que deveria ter sido indicada como vencimento), é indiscutível o entendimento de que o nosso legislador não consagrou, ao contrário do que sucede noutros ordenamentos jurídicos, um limite temporal a esse preenchimento.

E a jurisprudência nacional, depois de numa primeira fase ter perfilhado o entendimento de que a ausência de previsão legal quanto a tal limitação implicava a estrita validade da data de vencimento que o portador viesse a incluir no título, tem vindo a entender, de forma unânime, que o prazo prescricional previsto no art.º 70º da LULL corre a partir do dia do vencimento inscrito pelo portador desde que não se mostre infringido o pacto de preenchimento, sendo que o preenchimento da data de vencimento não pode prescindir do que foi pactuado entre as partes e do que ambas podiam objetivamente deduzir ou interpretar a partir do assim pactuado, o que há-de resultar da aplicação ao pacto outorgado das regras de interpretação previstas no art.º 236º do CC.

A questão de saber se o início de contagem do prazo de prescrição de três anos, previsto no art.º 70º, 1º parágrafo, ex vi do art.º 77º da LULL (que preceitua: “Todas as ações contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento.”), se afere em função da data de vencimento inscrita na livrança ou com base no vencimento da obrigação causal, tem sido respondida em sentido afirmativo da primeira proposição pela jurisprudência reiterada dos Tribunais Superiores, não havendo razões justificativas para nos afastarmos desta orientação consolidada.[25]

            12. Na situação em análise, sempre se poderia questionar se (existindo o direito...) a demonstrada actuação dos AA. é ou não suscetível de corporizar abuso do direito (art.º 334º do CC), sendo certo que, como tem sido afirmado pela jurisprudência, o mero decurso do prazo, sem mais, não permite ao devedor invocar uma legítima confiança na renúncia por parte do credor ao exercício dos direitos que lhe assistem.[26]

            13. A 2ª Ré usou da diligência necessária e procedeu à comunicação ao Banco de Portugal, conforme se prevê no DL n.º 204/2008, de 14.10, num caso de incumprimento das obrigações decorrentes de um contrato de concessão de crédito.

            Assim, a atuação da 2ª Ré ao proceder à comunicação, verificados os necessários pressupostos, foi sem dúvida lícita, agindo em conformidade com os elementos de que dispunha no âmbito da cessão de créditos.

            Concluindo: estando os AA./recorrentes incumbidos de fazer a prova de todos os factos constitutivos do seu (pretenso) direito, de acordo com o princípio geral do ónus da prova previsto no art.º 342º, n.º 1, do CC, a verdade é que não o fizeram, com a consequente improcedência da ação.[27]

            14. Nos termos do art.º 542º, n.º 1, do CPC, tendo litigado de má fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir; segundo o n.º 2, do mesmo art.º, diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não podia ignorar [alínea a)] ou tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa [alínea b)].

O instituto, mormente na indicada vertente substantiva/material, não tutela interesses ou posições privadas e particulares, antes acautelando um interesse público de “respeito pelo processo, pelo tribunal e pela justiça”, destinando-se a assegurar “a moralidade e eficácia processual”, com reforço da soberania dos tribunais, respeito pelas suas decisões e prestígio da justiça.[28]

As partes deverão litigar com a devida correção, ou seja, no respeito dos princípios da boa fé e da verdade material e, ainda, na observância dos deveres de probidade e cooperação expressamente previstos nos art.ºs 7º e 8º do CPC, para assim ser obtida, com eficácia e brevidade, a realização do direito e da justiça no caso concreto.

A condenação como litigante de má fé deverá afirmar a reprovação e censura dos comportamentos da parte que, de forma dolosa ou, pelo menos, gravemente negligente[29], pretendeu convencer o tribunal de pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar; a afirmação da litigância de má fé depende da análise da situação concreta, devendo o processo fornecer elementos seguros para por ela se concluir.

15. A figura nítida do litigante de má fé ocorre nos casos em que o litigante sabe que não tem razão e, apesar disso, litiga (v. g., pretendendo exigir o que não é devido!); esta actuação merece censura e condenação. O autor faz um pedido a que conscientemente sabe não ter direito - usa de dolo ou má fé para obter decisão de mérito que não corresponde à verdade e à justiça.[30]

Em tais casos, a má fé representa uma modalidade do dolo processual que consiste na utilização maliciosa e abusiva do processo.[31]

16. Salvo o devido respeito por opinião em contrário, afigura-se que a situação em análise não se enquadra em qualquer dos casos atrás descritos, na medida em que os AA. pretenderam questionar, principalmente, a sua responsabilidade enquanto avalistas, mormente por efeito da invocada prescrição da obrigação cartular.

E se também os AA./recorrentes estabeleceram um evidente “nexo/ligação” entre o frustrado/aparente “pagamento/liquidação” da livrança e a subsequente (mas que se revelou indevida...) entrega do título [cf., nomeadamente, II. 1. 9), 10) e 11), supra], parece-nos, contudo, que não deixaram de defender, com alguma razoabilidade (na interpretação que fizeram da mencionada “cláusula 8ª” e consequente entendimento de que nada devem por força da livrança que avalizaram), a perspetiva de que a obrigação cartular estaria prescrita[32], subsistindo, apenas, a eventual responsabilidade do A. como herdeiro, limitada pelo valor do respetivo quinhão hereditário.[33]

Os elementos disponíveis apontam, com suficiente clareza (usando, talvez, de alguma “bonomia” ...), para a possibilidade de os AA. haverem admitido que a sua pretensão não era destituída de fundamento e, assim, merecia a tutela jurisdicional.

Tanto basta, cremos, para não considerar preenchida qualquer das modalidades da litigância de má fé na previsão do art.º 542º do CPC, pelo que os AA./recorrentes não deverão ser condenados na multa a que se refere o art.º 542º, n.º 1 do CPC, com a consequente revogação do decidido na sentença.

17. Procedem, assim, parcialmente, as “conclusões” da alegação de recurso.


*

III. Pelo exposto, na parcial procedência da apelação, decide-se alterar a decisão de facto conforme se indica em II. 4., supra, e revogar a condenação dos AA. como litigantes de má fé (cf. ponto II. 16, supra), mantendo-se o demais decidido.

Custas, nas instâncias, pelos AA. e a 1ª Ré, na proporção de 9/10 e 1/10, respetivamente.


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14.3.2023


           


[1] Por requerimento de 18.11.2021, os AA. “reduziram” o pedido formulado na al. a) nos termos seguintes: «a) Declarar-se que os autores nada devem ao 1º réu, ´a título de avalistas de uma livrança em branco subscrita por EE para garantia de um contrato de abertura de crédito por conta corrente, por ela celebrada em 01.8.2006 com o 1º Réu`, pelo que este não podia transmitir ao 2º Réu qualquer crédito sobre os autores, relativamente ao referido contrato de mútuo constante do documento 1 junto com a presente petição, condenando-se ambos os réus a reconhecer que nada lhes é devido pelos autores no que ao aval dado nesse contrato se refere.»
[2] Existe lapso manifesto, como decorre, por exemplo, da conjugação com a conclusão seguinte.
[3] Sublinhado do Mm.º Juiz do Tribunal a quo.
[4] Missivas datadas de 30.12.2009, dirigidas à beneficiária e aos garantes/avalistas (cf. fls. 15 e 16). 
   Por carta datada de 04.8.2010, reportando-se a carta anterior, a 1ª Ré interpelou os AA. para o pagamento da quantia ainda em dívida decorrente do contrato de abertura de crédito em análise, mencionando, ainda, que o mesmo estava caducado desde 01.8.2009 e que a quantia em dívida ascendia a € 70 000 a título de capital (cf. fls. 17).
[5] Consta do “documento n.º 1” junto com a contestação da 1ª Ré (relativo a troca de comunicações entre o A. e a testemunha DD, a 26.7.2012), reproduzido, por colagem, na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto: «Bom dia, Sr. Prof. AA / Só para informar que já tenho na minha posse a Livrança (original) que serviu de caução à C/C/C da Farmácia, liquidada em Novembro, p. p.. / Tenho muito gosto em entregá-la pois reconheço quanto importância lhe atribui. / Como o Sr. Prof. sabe amanhã será o meu último dia de trabalho antes de férias e presumo que do Sr. Prof. também. / Amanhã não prevejo sair do Centro todo o dia e hoje só não estarei entre as 14.00H e as 16.00H. / De qualquer modo a minha colega, (...), tem acesso à Livrança caso o Sr. Prof. venha ao Centro e eu não esteja. (...)»
   Na sessão da audiência de julgamento de 04.11.2021, a 1ª Ré juntou aos autos documento reproduzindo comunicação eletrónica de 20.7.2012 que o A. dirigiu à mesma testemunha, do seguinte teor: «(...) AA e BB, vêm solicitar ao Banco 1... a devolução das livranças e mais documentos relacionados com a caução, liquidada em 02/11/11, da conta corrente caucionada em nome de EE (...)»
[6] Foi ordenado à 1ª Ré que procedesse “à reposição das verbas n.ºs 9 e 17, do ativo, porquanto o seu crédito (descrito na verba n.º 2) não foi aprovado, sendo tido como litigioso, pelo que, por ora, neste processo, não pode ser pago, podendo tal instituição utilizar os meios legais adequados para poder ser pago desse valor do passivo.” (cf. documento de fls. 20).
[7] Assim decorre da ata de conferência de interessados, de 02.6.2014, reproduzida a fls. 18.
[8] Trata-se da missiva datada de 29.10.2009, reproduzida a fls. 71, com o seguinte teor: «(...) Tenho vindo a suportar desde Agosto passado o pagamento de juros e amortizações das prestações devidas por um empréstimo que a minha tia D.ª EE, entretanto falecida, havia contraído junto do Balcão da Rua ... do Banco 1... e que entretanto se haviam vencido. / Sucede que, pende (...) um inventário (...) por óbito da minha referida tia, no qual foi relacionado a referida dívida como verba n.º 2 do passivo e no qual já foi o Banco 1..., S. A. citado (...) no passado dia 23/10/2009. / Por isso, assegurados que estão os direitos do Banco 1..., S. A. - que sempre estavam assegurados pelas diferentes aplicações que nele existiam em nome da minha falecida tia -, venho comunicar que não procederei a partir da presente data a mais qualquer depósito, devendo o Banco 1..., S. A. reclamar todos os seus eventuais créditos naquele mencionado inventário, nomeadamente perante a respetiva cabeça-de-casal. (...)» (no texto original, os referidos sublinhados encontram-se a Negrito e a Itálico, respetivamente)
[9] Cf. doc. de fls. 90 e seguintes.
[10] Assim decorre dos documentos juntos a fls. 23 e seguintes (referentes ao período de outubro/2019 a abril/2020).

   Porém, por requerimento apresentado pela 2ª Ré, em 19.02.2021 (ou seja, cerca de 5 meses após a apresentação da sua contestação), foi informado nos autos: «Mais informa que cessou a comunicação do saldo referente aos Autores à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, bem como procedeu à eliminação do histórico de comunicações.»
[11] Cf. “nota” anterior.
[12] Onde se refere, designadamente: «(...) Constatámos que, por participação vossa, consta da Central de Riscos do Banco de Portugal, desde Outubro de 2019, que entrámos em incumprimento em 24-4-2015 e relativamente à quantia de € 70 000. / Essa informação é falsa, pois não somos devedores à vossa empresa de qualquer quantia (...). / Essa informação manteve-se nos meses seguintes até ao passado mês de Abril de 2020, o que causa ofensa ao nosso bom nome e à nossa capacidade de crédito, pelo que se não for retirada no prazo de 5 dias úteis após a recepção da presente carta, avançaremos com uma acção para tribunal. /Nessa acção iremos pedir uma indemnização por todos os prejuízos (...) que a inserção dessa comunicação na informação da Central de Riscos do Banco de Portugal nos causa. (...)”

[13] Vide, entre outros, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 284 e 386 e Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, 4ª edição, 2004, págs. 266 e seguinte.
[14] Refere-se no acórdão da RP de 20.3.2001-processo 0120037 (publicado no “site” da dgsi): A prova, por força das exigências da vida jurisdicional e da natureza da maior parte dos factos que interessam à administração da justiça, visa apenas a certeza subjetiva, a convicção positiva do julgador. Se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação da justiça.   
[15] Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto.
[16] Reproduziu-se, por colagem, o 1º documento aludido na “nota 5”, supra.
[17] Idem (2º documento).
[18] Cf. documentos de fls. 34 e seguintes, 149 verso e seguintes e 153 (declarações de cabeça de casal de 16.9.2009).
[19] Que assim reza: Se alguém for obrigado ou autorizado por lei a prestar caução, sem se designar a espécie que ela deve revestir, pode a garantia ser prestada por meio de depósito de dinheiro, títulos de crédito, pedras ou metais preciosos, ou por penhor, hipoteca ou fiança bancária (n.º 1). Se a caução não puder ser prestada por nenhum dos meios referidos, é lícita a prestação de outra espécie de fiança, desde que o fiador renuncie ao benefício da excussão (n.º 2).
[20] Vide Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, reimpressão da 7ª edição, Almedina, págs. 471 e seguinte.
[21] Vide J. Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. II, 3ª edição (reimpressão), Coimbra Editora, 1981, pág. 141.
[22] Que estabelece: “Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.”

[23] Como bem se escreve na resposta à alegação de recurso, “a opção da co-Ré A... de eliminar o reporte à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal não corresponde a qualquer confissão do pedido da al. b) e, muito menos, ao reconhecimento de qualquer ilicitude da comunicação.”
[24] Cf. “nota 1”, supra.

[25] Cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 20.10.2015-processo 60/10.6TBMTS.P1.S1, 19.10.2017-processo 1468/11.5TBALQ-B.L1.S1, 19.6.2019-processo 1025/18.5T8PRT.P1.S1 (que reproduziu e confirmou o acórdão da RP de 07.01.2019), 04.7.2019-processo 4762/16.5T8CBR-A.C1.S1 e 24.10.2019-processo 1418/14.7TBPVZ-B.P2.S2; da RG de 24.9.2020-processo 7754/17.3T8VNF-B.G1, da RP de 19.01.2015-processo 7460/10.0TBMTS-A.P2, 07.01.2019-processo 1025/18.5T8PRT.P1 e 11.5.2020-processo 56/19.2T8LOU-B.P1 e da RC de 04.10.2018-processo 19570/16.5T8LSB.L1-8, 16.10.2018-processo 2793/16.4T8ACB-A.C1, 07.10.2020-processo 95/18.0T8VLF-A.C1 (subscrito pelo relator e pelo 1º adjunto do presente acórdão) e 14.12.2020-processo 4161/18.4T8PBL-A.C1 [do mesmo coletivo; consta do sumário: “3. O nosso legislador não consagrou um limite temporal ao preenchimento do título em branco. 4. Se não há violação do pacto de preenchimento, numa livrança em branco, o prazo de ´prescrição` de três anos previsto no art.º 70º (´ex vi` do art.º 77º), da LULL, conta-se a partir da data de vencimento que venha a ser aposta no título pelo respetivo portador, coincida ou não com o incumprimento do contrato (vencimento da obrigação) subjacente.”], publicados no “site” da dgsi.

   Contra este entendimento, sufragado na jurisprudência, tem-se manifestado a Prof.ª Carolina Cunha, Manual de Letras e Livranças, Almedina, 2016, designadamente, a pág. 205: “(…) o direito cambiário emergente de um título em branco torna-se exercitável a partir do momento em que o respetivo portador está legitimado a preenchê-lo - tipicamente, a partir da ocorrência do incumprimento e subsequente resolução do contrato fundamental. Ou seja, a verificação do pressuposto a que o preenchimento está submetido faculta-nos a determinação da data de vencimento que deve ser aposta no título e, assim, acaba, reflexamente, por traçar um limite factual taxativo ao exercício da faculdade de preenchimento: pode ocorrer até ao final do prazo de prescrição cambiária. (...)”.

[26] E não será excessivo dizer que “o não preenchimento e a posterior destruição da livrança ocorreram em virtude do comportamento adotado pelos AA./recorrentes” (cf. resposta à alegação de recurso).

[27] Sobre a matéria, cf., de entre vários, o acórdão da RC de 28.01.2014-processo 1776/11.5T2AVR.C1 [assim sumariado: “1. Decorre do DL 204/2008 de 14/10 uma obrigação dos Bancos de enviarem mensalmente ao Banco de Portugal todos os créditos e respetivas situações, sendo responsáveis pelas comunicações efetuadas, o que permite uma atualização mensal da informação constante de tal Central de Responsabilidades. 2. O automatismo dessa comunicação e as consequências que dela nascem para o cliente impõem um reforço do cuidado e da diligência por forma a evitar o erro e as suas consequências. 3. A responsabilidade dos Bancos derivada do mau cumprimento dessa obrigação deve ser apreciada à luz do instituto da responsabilidade civil aquiliana previsto nos artigos 483º a 498º, do Código Civil.”], publicado no “site” da dgsi.  

[28] Vide Pedro de Albuquerque, Responsabilidade Processual Por Litigância de Má fé, Abuso de Direito e Responsabilidade Civil em Virtude de Actos Praticados no Processo, Almedina, págs. 55 e seguinte.
[29] No intuito de moralizar a actividade judiciária, o art.º 542º, n.º 2 do CPC, oriundo da revisão de 1995, alargou o conceito de má fé à negligência grave, enquanto que, anteriormente, a condenação como litigante de má fé pressupunha uma actuação dolosa, isto é, com consciência de se não ter razão, motivo pelo qual a conduta processual da parte está, hoje, sancionada, civilmente, desde que se evidencie, por manifestações dolosas ou caracterizadoras de negligência grave (lides temerárias e comportamentos processuais gravemente negligentes) - cf., de entre vários, o acórdão da RG de 10.5.2018-processo 27/15.8T8TMC.G1, publicado no “site” da dgsi.
  Apontando (já) para tal “equiparação”, no domínio do anterior quadro normativo, veja-se o ensinamento de Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 358, nota (2).
[30] Vide Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. II, cit., págs. 262 e 263.
[31] Vide Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 356.
[32] Entendimento que encontrará algum acolhimento, pelo menos, na doutrina - cf. “nota 25”, 2ª parte, supra.
   Acresce que, na base dos factos descritos, existem diversos períodos de tempo, não claramente computáveis... [cf., principalmente, II. 1. 6), 9), 11), 12) e 14) e, por exemplo, “notas 4 e 7”, que, não obstante as conhecidas e concretas vicissitudes, suscitam ainda a dúvida sobre tal realidade temporal - por exemplo, o teor daquelas “notassugere um período/dilação porventura inferior a três anos...].
[33] Nesse sentido, também, cremos, a redução do pedido operada em 18.11.2021.