Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
166/17.0GBLSA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE FRANÇA
Descritores: AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
INIMPUTABILIDADE
Data do Acordão: 02/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DA LOUSÃ, J-1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 351.º DO CPP
Sumário: A mera referência, em audiência de julgamento, às circunstâncias de o arguido estar sujeito ao tratamento da sua dependência relativamente ao álcool desde, pelo menos, o ano de 2009 e de ter sido encaminhado para consulta de psicologia - por haver notícia de ter reiniciado o consumo daquela substância nos últimos meses, com manifestação de um comportamento depressivo -, não consubstancia motivo gerador de fundadas dúvidas acerca da sua imputabilidade.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA


No Juízo de Competência Genérica da Lousã, J-1, da Comarca de Coimbra, correram termos os autos de Processo Sumário nº 166/17.0GBLSA, nos quais o arguido A... foi submetido a julgamento, acusado pela prática, em autoria material e em concurso efectivo, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelos art.ºs 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, e de um crime de violação de proibições, p.p pelo art.º 353.º, do Código Penal.

            Efectuado o julgamento, viria a ser proferida sentença, decidindo nos seguintes termos (transcrição):

Em face do exposto, o tribunal decide:

A) Condenar o arguido A... pela prática, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelos art.ºs 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos com motor por um período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses.

B) Condenar o arguido A... pela prática, como autor material, de um crime de violação de proibições, p.p pelo art.º 353.º, do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão.

C) Operando o cúmulo jurídico das referidas penas de prisão condenar o arguido A... na pena única de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão efectiva, ao que acresce a pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos com motor por um período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses.

D) Advertir o arguido de que, decorrido o período de 30 dias necessário para se aferir do trânsito em julgado da sentença, dispõe do prazo de 10 dias para entregar na secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial, que os remeterá àquela, todos os títulos que possua e que o habilitam a conduzir quaisquer veículos com motor (cfr. art.ºs 69.º, n.º 3, do Código Penal, e 500.º, n.º 2, do Código de Processo Penal), sob pena de, não o fazendo, incorrer na prática de um crime de desobediência, previsto e punível pelo art.º 348.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, de que durante o período de execução da pena acessória de proibição de conduzir que lhe foi imposta não pode conduzir qualquer tipo de veículos com motor, sob pena de cometer um crime de violação de proibições, previsto e punível pelo art.º 353.º, do Código Penal, não contando para o prazo da proibição o tempo em que estiver privado da liberdade, nos termos do disposto no art.º 69.º, n.º 6, do Código Penal, e de que os seus títulos de condução que já se encontram apreendidos no processo n.º 165/16.0GBLSA, findo o cumprimento da pena acessória que nesse processo lhe foi aplicada, permanecerão apreendidos para cumprimento da pena acessória em que foi condenado no processo n.º 155/17.5GBLSA e após para cumprimento da pena acessória em que foi condenado no presente processo, caso os referidos títulos de condução continuem apreendidos aquando do trânsito em julgado das sentenças.

E) Condenar, ainda, o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC (uma unidade de conta).

Proceda ao depósito.

Comunique, desde já, a presente sentença ao processo sumário n.º 155/17.5GBLSA, cuja sentença foi também proferida no dia de hoje, e ao processo sumário n.º 165/16.0GBLSA.

Remeta boletim ao registo criminal.

Comunique à ANSR e ao IMT (art.º 500.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).

            Inconformado, o arguido interpôs o presente recurso, que motivou, formulando as seguintes conclusões:

1. Tendo em conta os factos dados provados transcritos na motivação do presente recurso, entende o Recorrente que a Sentença recorrida enferma de vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

2. Atendeu a Sentença recorrida, na decisão da matéria de facto, às “certidões juntas aos autos extraídas dos processos sumários n.ºs 165/16.0GBLSA e 155/17.5GBLSA, de onde resultam os factos referentes aos mesmos, e os relatórios sociais de fls. 67 a 86, “de onde se extrai o tratamento da dependência alcoólica do arguido, mais ali constando que o arguido foi encaminhado para consultas de psicologia pelo facto de haver notícia de que teria reiniciado o consumo de bebidas alcoólicas nos últimos meses”.

3. Quanto ao testemunho da companheira do Arguido, também constante das certidões juntas aos autos extraídas dos processos sumários n.ºs 165/16.0GBLSA e 155/17.5GBLSA, considerou-se “que o facto da companheira do arguido achar que o mesmo manifesta um comportamento depressivo não permite concluir que o arguido tem problemas psiquiátricos, ou sequer uma depressão, pela evidente falta de razão de ciência da companheira, a qual não é médica” e que “ainda que assim fosse, tal apenas adviria da aludida notícia de reinício do consumo de bebidas alcoólicas e da referida convecção da companheira, a qual, como já se disse, não tem competências para tanto”.

4. Por outro lado, e tendo em conta os já mencionados relatórios sociais de fls. 78 a 86, bem como com os próprios factos a ser julgados, entende-se que uma “pessoa centrada, válida e responsável” não conduz um veículo automóvel, depois de se colocar em estado de embriaguez.

5. Muito menos, o faz diversas vezes e, ainda mais, depois de ser julgado e punido por tal prática.

6. Não resulta também das regras da experiência comum que “pessoa centrada válida e responsável” houvesse praticado um crime de incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas.

7. Ora, não decorre das regras da experiência comum que pessoas que se encontrem em estado de embriaguez possuam discernimento suficiente para atuar de forma consciente e valorar adequadamente as suas ações.

8. Segundo os factos dados como provados, o arguido tem tido algum acompanhamento no tratamento desta dependência, parte dele, imposto por decisão judicial.

9. Não se pode, pois, ignorar que tal dependência existe, sendo certo que, por um lado, resulta dos factos provados que terá existido essa mesma dependência em momentos anteriores e, por outro lado, não resulta dos mesmos que tal dependência já não se verifica.

10. Ou seja, não se provou que tal dependência estaria já ultrapassada.

11. Por outro lado, a Sentença de que ora se recorre, ao afirmar que “o cometimento dos factos em causa nestes autos por parte do arguido tão só um dia após ter estado presente em audiência de julgamento, na sequência de mais uma vez ter sido acusado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez”, acaba por reconhecer a existência de dependência alcoólica contemporânea à prática dos factos.

12. Todavia, a questão que ficou por colocar passa por saber se dessa dependência resulta alguma “anomalia psíquica” ou “anomalia psíquica grave” e, se, em caso afirmativo, a anomalia psíquica de que padece o arguido, em relação aos efeitos que produz sobre o seu intelecto e a sua vontade, foi causal do comportamento que lhe é imputado e produziu, no momento da prática dos factos, um efeito psicológico suscetível de o incapacitar para avaliar a ilicitude do mesmo e de se determinar de acordo com essa avaliação.

13. Ora, uma vez que o conceito de “anomalia psíquica” e de “anomalia psíquica grave”, para efeitos de aplicação do disposto no Art. 20.º do Código Penal, não está legalmente prevista, apesar de caber, sem sombra de dúvida, ao Douto Tribunal a quo responder a esta última questão, a verdade é que só através de perícia se poderia averiguar se se verifica alguma anomalia psíquica, proveniente, ou correlacionada, da dependência do álcool.

14. Neste sentido, adianta o Ac. do TRE, de 20.05.2010, proc. n.º 401/07.3GDSTB-A.E1, que teve como relator o Venerando Desembargador António João Latas, que “Para efeitos da decisão sobre a inimputabilidade em razão de anomalia psíquica, nos termos do art. 20.º, nº1 do C. Penal, a prova da anomalia psíquica e sua caracterização constitui facto probando necessariamente objecto de prova pericial, pois trata-se da percepção, avaliação e caracterização de factos que apenas pode ser feita por peritos de psiquiatria forense, sendo-lhe aplicável o disposto no art. 163.º do CPP”.

15. Assim, estando em causa a prova da anomalia psíquica para efeitos da aplicação – ou não – do disposto no Art. 20.º do Código Penal, exige-se um juízo técnico ou científico, que se subtrai, nos termos do disposto no Art. 163.º do Código de Processo penal, à livre apreciação do julgador.

16. Com a ressalva de, em caso de divergência entre aquele juízo e esta livre apreciação, valer a última, desde que fundamentada a divergência.

17. No caso sub judice, não se pode ignorar que os factos provados, ainda que de forma indiciária, contrariam o entendimento de que não se suscita a questão da inimputabilidade.

18. O que resulta da factualidade apurada é que se está perante um indivíduo que, claramente, se encontra num estado de dependência do álcool e, em virtude dessa dependência, já foi o mesmo condenado pela prática de vários crimes.

19. O arguido foi anteriormente condenado pela prática de três crimes de condução de veículo em estado de embriaguez e de um crime de incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas e todas estas condenações do arguido estão relacionadas com a dependência de álcool.

20. Mesmo na condenação pela prática de um crime de incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas, que, à partida, poderia não estar relacionado, foi o arguido submetido a regime de prova que incluiu a sujeição a acompanhamento médico com vista à manutenção do seu estado de abstinência, o que, por si só, revela que já à data desta condenação – 19.11.2007 – se debatia o arguido por combater a sua adição, alternando períodos de abstinência com períodos de consumo de álcool.

21. Foi, ainda, dado como provado que o arguido está sujeito a tratamento da sua dependência alcoólica desde, pelo menos, 2009, sendo, por demais evidente, que tal tratamento não tem tido resultados definitivos.

22. Verifica-se, pois, um quadro de degradação da personalidade do arguido, que demonstra, não uma indiferença perante o ordenamento jurídico e as normas vigentes, bem como perante as penas aplicadas – como é mencionado na ora recorrida sentença, quando se diz que o arguido revela “uma conduta completamente temerária e de total indiferença perante a perseguição criminal” –, mas a incapacidade de evitar determinados comportamentos, nomeadamente a incapacidade de evitar pôr-se num estado de embriaguez tal, em que acaba por perder a consciência da ilicitude das suas condutas.

23. Resulta da experiência comum que o consumo de álcool em quantidades excessivas, como é o caso do arguido, que apresentou uma taxa de álcool no sangue de 2,32 g/l, provoca alterações no estado de consciência e na capacidade de avaliação cognitiva.

24. É também certo que essas alterações tendem a intensificar-se e a tornarem-se mais frequentes num quadro de dependência.

25. Perante este quadro de degradação da personalidade do arguido é, então, forçoso concluir que existem (e existiam) fundadas dúvidas sobre a inimputabilidade do arguido.

26. Ora, no caso sub judice, como já foi referido, não só decorre da matéria de facto provada que o arguido sofre de dependência alcoólica e que essa dependência está relacionada com a prática de factos ilícitos, como resulta a incapacidade do arguido de, por motivos que se desconhecem, abandonar essa mesma dependência.

27. Por fim, sabe-se, também, que, por norma, a dependência de álcool está relacionada com outros problemas a ela intrínsecos e mais profundos, que poderão ser a sua causa ou ser por ela provocados.

28. Perante este quadro, e perante as dúvidas que o mesmo levanta sobre a existência ou não de “anomalia psíquica”, da sua gravidade, bem como da capacidade do arguido de avaliar a ilicitude dos factos, à data da sua prática, e de este se determinar por essa avaliação, os factos apurados são insuficientes para a decisão de direito, na medida em que surge como solução a verificação de inimputabilidade ou imputabilidade diminuída em razão de anomalia psíquica, circunstância relevante para a aplicação e determinação da pena, tendo-se o Tribunal a quo abstido de apurar a existência de anomalia psíquica, apesar de a mesma ter importância para a boa decisão da causa.

29. Existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, o que determina o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do disposto nos Arts 426.º e 426.º- A do Código de Processo Penal.

Termos em que, deve o presente recurso ser julgado inteiramente procedente e provido e, em consequência, ser ordenado o reenvio do processo para novo julgamento, parcial, restrito à determinação do estado psíquico do ora Recorrente, nos termos do disposto nos Arts 426.º e 426-A do Código de Processo penal.

Assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA,

            Respondeu o MP, em primeira instância, retirando dessa sua peça as seguintes conclusões:

1 – O recorrente A... , por sentença datada de 14/07/2017 foi condenado, como autor material e na forma consumada, pela prática de:

a) Um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292º, nº1 e 69º, nº1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de um de 1 (um) ano de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos com motor por um período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses.

b) Um crime de violação de proibições previsto e punido pelo artigo 353º do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão.

c) Em cúmulo jurídico na pena única de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão efectiva, ao que acresce a pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos com motor por um período de 2 (dois) anos e 6 (seis meses).

2- Não se conformando com a sentença proferida, o recorrente dela interpôs recurso, invocando em síntese que:

a) Que a sentença enferma de vício de insuficiência para a decisão a matéria de factos provada, porquanto no entender do recorrente, os factos provados, ainda que de forma indiciária colocava fundadas dúvidas sobre a inimputabilidade ou inimputabilidade diminuída em razão e anomalia psíquica do arguido, motivo pelo qual o Tribunal a quo deveria ter ordenado oficiosamente perícia ao arguido.

b) Existindo insuficiência da matéria de facto provada, deverá ser ordenado o reenvio do processo para novo julgamento, parcial e restrito à determinação do estado psíquico do arguido, nos termos do disposto nos artigos 426 e 426-A do Código de Processo Penal.

3 - Concatenados os factos e a motivação subjacente ao recurso do arguido, bem como os factos e a fundamentação da sentença recorrida, cremos não assistir qualquer razão ao ora recorrente.

4- O recurso apresentado pugna pela existência de um vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto, alegando o recorrente que, em face dos factos dados como provados, devia a Mm.ª Juiz a quo ter determinado oficiosamente uma perícia com vista a apurar a eventual inimputabilidade ou imputabilidade diminuída por anomalia psíquica do arguido.

5- Resulta da matéria de facto dada como provada nos pontos 15 e 16 que o arguido está sujeito a tratamento da sua dependência desde, pelo menos o ano de 2009, e que no âmbito do referido tratamento, o arguido chegou a ser sujeito a, pelo menos, dois internamentos para desintoxicação, o último dos quais de 12.12.2016 a 31.12.2016.

6 - Mais resultando do ponto 17 da matéria de facto dada como provada que “pelo facto de haver notícia de que o arguido teria reiniciado o consumo de bebidas alcoólicas nos últimos meses e de, segundo a companheira do mesmo, manifestar um comportamento depressivo, o arguido foi encaminhado para consultas de psicologia”.

7 - Relativamente a tais factos resulta da fundamentação da decisão de facto da sentença proferida que a mesma se baseou, para além do mais, nas “(…) certidões juntas aos autos extraídas dos processos sumários n.ºs 165/16.0GBLSA e 155/17.5GBLSA, de onde resultam os factos referentes aos mesmos, e os relatórios sociais de fls. 67 a 86, de onde se extrai o tratamento da dependência alcoólica do arguido, mais ali constando que o arguido foi encaminhado para consultas de psicologia pelo facto de haver notícia de que teria reiniciado o consumo de bebidas alcoólicas nos últimos meses e de, segundo a companheira do mesmo, manifestar um comportamento depressivo, sempre se anotando que o facto da companheira do arguido achar que o mesmo manifesta um comportamento depressivo não permite concluir que o arguido tem problemas psiquiátricos, ou sequer uma depressão, pela evidente falta de razão de ciência da companheira, a qual não é médica, mais sendo certo que nos relatórios sociais não se menciona sequer que o arguido tenha sido encaminhado para consultas de psiquiatria, além de que, ainda que assim fosse, tal apenas adviria da aludida notícia de reinício do consumo de bebidas alcoólicas e da referida convicção da companheira, a qual, como já se disse, não tem competências para tanto. Deu também conta o arguido da sua situação de vida e declarou, em sede de audiência de julgamento, aceitar submeter-se a tratamento médico de alcoologia, com internamento, se necessário.”

8 - Assim, o único elemento que poderia, em abstracto, na óptica da defesa, perspectivar a necessidade de elaboração de perícia seria o facto de a companheira do arguido referir que o mesmo reiniciou o consumo de álcool, e que teria um comportamento depressivo.

9 - Ora, salvo devido respeito por opinião contrária, tal facto concatenado com os demais elementos constantes dos autos, não cria a dúvida sobre a inimputabilidade ou imputabilidade diminuída por anomalia psíquica do arguido, pois como bem refere a sentença em crise “(…) tal facto, por si só, não permite concluir ou sequer instalar a dúvida de que o mesmo padeça de anomalia psíquica. Ao que acresce, dos relatórios sociais juntos aos autos resulta que o arguido fez vários tratamentos ao consumo de bebidas alcoólicas, mas não se mencionada sequer que o arguido tenha sido encaminhado para consultas de psiquiatria.

10 - Isto posto, da prova produzida não existe dúvidas que o arguido é imputável, pois o facto de o mesmo ter conduzido várias vezes com álcool não exige que o mesmo seja sujeito a perícia para apurar da eventual inimputabilidade ou imputabilidade por anomalia psíquica, porquanto em concreto não resulta dos autos facto objectivo concreto que fizesse suscitar a dúvida no Tribunal a quo que o mesmo padecesse de alguma anomalia psíquica.

11 - Mais se diga que, tal perícia também não foi requerida pela defesa do arguido durante a audiência de discussão e julgamento, sendo apenas requerida em sede de recurso.

12 - Ora, se nem a defesa requereu a realização de tal perícia em momento prévio ao recurso, afigura-se-nos que tal facto é indiciador claro que efectivamente tal dúvida não se suscitou da prova produzida, e por tal facto não cumpria ao Tribunal a quo determinar a realização da perícia oficiosamente.

13 - A sentença proferida pelo tribunal “a quo” ao dar como provados os factos constantes da sentença proferida, baseou-se, e bem no nosso entender, na conjugação de todos os elementos fornecidos pelo acervo probatório coligido e analisado em sede de audiência de discussão e julgamento os quais eram suficientes para o Tribunal a quo se pronunciar sobre os factos imputados ao arguido, e sobre a imputabilidade do mesmo.

14 - Efectivamente da prova produzida dúvidas não existe quanto à prática dos factos pelo arguido e pelos quais o mesmo foi condenado, nem quanto à imputabilidade do mesmo.

15 - Carece, pois, de qualquer suporte factual a posição da recorrente, não estando a mesma demonstrada nos autos nem resulta da audiência de discussão e julgamento, sendo irrepreensível a matéria de facto fixada como provada na sentença recorrida.

16 -Efectivamente o que o recorrente pretende, apenas alicerçado nas declarações da sua companheira, as quais são proferidas sem qualquer razão de ciência para tal, e sem serem corroboradas com qualquer outro elemento de prova, é que tais declarações sejam valoradas em detrimento da demais prova produzida e sem qualquer correspondência na concatenação da demais prova, e que tais declarações determinem a realização de uma perícia ao arguido, perícia essa que nem a defesa requereu durante a audiência de discussão e julgamento, mas que em sede de recurso vem alegar que o Tribunal a quo oficiosamente devia ter determinado.

17 -Mais cumpre referir que o facto dos vários tratamentos do arguido à dependência do álcool não terem tido resultados definitivos no que concerne à abstinência do consumo de álcool, não tem a virtualidade de suscitar a dúvida sobre se tal facto conduz à inimputabilidade ou imputabilidade diminuída por anomalia psíquica do arguido.

18 - Mais acrescendo que o arguido, mesmo no âmbito do acompanhamento que tem sido feito pela DGRSP no regime de prova das penas de prisão suspensas em que já foi anteriormente condenado, não existe qualquer referência a eventual anomalia psíquica do arguido, mas apenas e tão só à dependência do álcool.

19- Ora, conforme resulta do que se vem de expor, da prova produzida não se suscitou, em nosso entender, qualquer estado de dúvida sobre a imputabilidade do arguido, pelo que, não se impunha determinar oficiosamente a realização de perícia.

20 - Pelo que, entendemos não ser de atender aos fundamentos do recurso apresentado, pois face à análise conjunta dos vários elementos probatórios e atendendo às regras de experiência comum, em nosso entender, não poderia ser outra a decisão sobre a matéria de facto dada como provada e não provada, nem a mesma padece de vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto, pelo que, a sentença proferida pelo Tribunal não merece qualquer reparo.

21 - Em face do que antecede, entendemos que a sentença proferida pelo Tribunal “a quo” não merece reparo, propugnando-se a sua manutenção.

Por todo o exposto, deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida que condenou a recorrente nos seus precisos termos.

V. Ex.as, porém, e como sempre, farão Justiça!

            Nesta Relação, a Ex.ma PGA emitiu douto parecer, no qual, acompanhando a resposta apresentada em primeira instância, se pronuncia pelo não provimento do recurso.

            Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

FACTOS PROVADOS:

1 No dia 12 de Julho de 2017, pelas 18H.39M., o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula X (...) na via pública, mais concretamente na EN 342, em Vilarinho, Lousã.

2 O arguido foi submetido, por Militares da GNR da Lousã, a exame de pesquisa de álcool no ar expirado teste através do aparelho DRAGER, modelo 7110 MK III-P, com o n.º ARAA - 0086, em que se apurou que o arguido conduzia, nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, o aludido veículo automóvel com uma taxa de álcool no sangue de 2,32 g/l.

3 Deduzido o erro máximo admissível, apurou-se que o arguido conduzia, nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, o aludido veículo com uma taxa de álcool no sangue de 2,204 g/l.

4 O arguido declarou não pretender contraprova.

5 Por sentença datada de 8 de Junho de 2016 (tratando-se de manifesto lapso de escrita a referência ao ano de 2017 constante da acusação) proferida nos autos de Processo Sumário n.º 165/16.0GBLSA, do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra - Juízo de Competência Genérica da Lousã – J1, transitada em julgado, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, para além do mais, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período de 14 meses.

6 O arguido, para cumprimento do período de proibição fixado na referida sentença, procedeu à entrega da sua licença de condução n.º LSA00300261, neste Juízo, no dia 08.07.2016 (tratando-se de manifesto lapso de escrita a referência ao ano de 2017 constante da acusação).

7 No dia 11.07.2017, no âmbito dos autos de processo sumário n.º 155/17.5GBLSA pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por o arguido ter na sua posse a carta de condução n.º C – 381697, entre o mais, foi ordenada, em sede de audiência de julgamento daquele processo, a respectiva apreensão à ordem do aludido processo n.º 165/16.0GBLSA.

8 Não obstante ter ficado ciente de que, nesse período, não poderia conduzir veículos motorizados e de saber que violava uma proibição imposta por sentença criminal, caso o fizesse, o arguido conduziu veículo motorizado no dia, hora e local supra mencionados.

9 O arguido sabia que não podia conduzir veículos motorizados por se encontrar para tanto proibido por ordem que sabia ser formal e substancialmente legitima e emanada de autoridade competente.

10 E conduziu veículo motorizado bem sabendo que violava uma proibição imposta por sentença criminal a título de pena acessória.

11 Mais sabia o arguido que não podia conduzir veículos a motor na via pública com aquela taxa de álcool no sangue, mas, apesar desse conhecimento, não se coibiu de ingerir antes da condução bebidas alcoólicas suficientes para o levarem a acusar aquela taxa de alcoolemia.

12 Agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei.

13 O arguido foi condenado:

- por acórdão datado de 19.11.2007, transitado em julgado a 07.01.2008, pela prática de um crime de incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas, cometido a 14.07.2002, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova, a incluir a condição de se dedicar ao trabalho com carácter de regularidade e de se submeter a acompanhamento médico com vista à manutenção do seu estado de abstinência e a uma vigilância cuidadosa e discreta pelas autoridades policiais competentes durante o verão, já extinta ao abrigo do art.º 57.º, do Código Penal;

- por sentença datada de 15.04.2009, transitada em julgado a 04.05.2009, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, cometido a 27.02.2009, na pena de 60 dias de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, com regime de prova, a incluir a condição de se dedicar ao trabalho com carácter de regularidade e de se submeter a acompanhamento médico com vista ao despiste de alcoolismo e ao tratamento adequado, já extinta ao abrigo do art.º 57.º, do Código Penal, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses, que cumpriu;

- por sentença datada de 10.09.2012, transitada em julgado a 02.10.2012, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, cometido a 08.09.2012, na pena de 7 meses de prisão, a cumprir em dias livres, tendo-se determinado o cumprimento em regime contínuo do remanescente da pena de prisão, por despacho de 11.10.2013, transitado em julgado a 22.11.2013, cumprimento esse que terminou a 20.10.2014, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 12 meses, que cumpriu;

- por sentença datada de 08.06.2016, proferida no processo sumário n.º 165/16.0GBLSA, transitada em julgado a 11.07.2016, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, cometido a 26.05.2016, na pena de 12 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, a incluir o tratamento da dependência alcoólica do arguido, se necessário com internamento em instituição adequada, o acompanhamento psicológico/psiquiátrico com consultas regulares visando evitar a repetição de comportamentos semelhantes, a consciencialização do arguido da gravidade dos seus comportamentos e a procura activa de colocação profissional, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 14 meses, na sequência do que o arguido entregou a sua licença de condução LSA00300261, mas não entregou a sua carta de condução C-381697, carta esta cuja apreensão à ordem do aludido processo foi determinada em sede de audiência de julgamento do processo sumário n.º 155/17.5GBLSA.

14 O arguido declarou, em sede de audiência de julgamento, aceitar submeter-se a tratamento médico de alcoologia, com internamento, se necessário.

15 O arguido está sujeito a tratamento da sua dependência alcoólica desde, pelo menos, o ano de 2009.

16 No âmbito do referido tratamento, o arguido chegou a ser sujeito a, pelo menos, dois internamentos para desintoxicação, o último dos quais de 12.12.2016 a 31.12.2016.

17 Pelo facto de haver notícia de que o arguido teria reiniciado o consumo de bebidas alcoólicas nos últimos meses e de, segundo a companheira do mesmo, manifestar um comportamento depressivo, o arguido foi encaminhado para consultas de psicologia.

18 O arguido vive com a sua companheira, há cerca de dois anos, a qual presta serviços de limpeza.

19 O arguido é servente de pedreiro, auferindo o ordenado mínimo nacional.

20 Tem o 6.º ano de escolaridade incompleto.

DECIDINDO:

Analisadas as conclusões que o recorrente retira da motivação do seu recurso, logo se constata que são as seguintes as questões que, através delas, coloca à nossa apreciação censória:

- em primeiro lugar se o decurso da audiência denotou um quadro subjectivo do arguido que justificasse o accionamento do mecanismo previsto no artº 351º, 1 e 2 do CPP (tendo também em consideração o prescrito no artº 340º, 1, do mesmo CPP);

- se o não accionamento desses mecanismos determina a ocorrência do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

            Com efeito, o recorrente, nas suas prolixas conclusões (não respeitou o ónus de síntese, que lhe era imposto pelo artº 412º, 1, CPP!) afirma, essencialmente, o seguinte (transcrição parcial):

12. Todavia, a questão que ficou por colocar passa por saber se dessa dependência resulta alguma “anomalia psíquica” ou “anomalia psíquica grave” e, se, em caso afirmativo, a anomalia psíquica de que padece o arguido, em relação aos efeitos que produz sobre o seu intelecto e a sua vontade, foi causal do comportamento que lhe é imputado e produziu, no momento da prática dos factos, um efeito psicológico suscetível de o incapacitar para avaliar a ilicitude do mesmo e de se determinar de acordo com essa avaliação.

28. Perante este quadro, e perante as dúvidas que o mesmo levanta sobre a existência ou não de “anomalia psíquica”, da sua gravidade, bem como da capacidade do arguido de avaliar a ilicitude dos factos, à data da sua prática, e de este se determinar por essa avaliação, os factos apurados são insuficientes para a decisão de direito, na medida em que surge como solução a verificação de inimputabilidade ou imputabilidade diminuída em razão de anomalia psíquica, circunstância relevante para a aplicação e determinação da pena, tendo-se o Tribunal a quo abstido de apurar a existência de anomalia psíquica, apesar de a mesma ter importância para a boa decisão da causa.

A primeira questão a analisar prende-se com a não realização de diligências tendentes a averiguar se o arguido se encontrava numa situação de inimputabilidade. O que seja esta forma de irresponsabilização criminal, resultante da inimputabilidade do agente, em razão de anomalia psíquica, há-de retirar-se do disposto no artº 20º do CP: traduzir-se-á, ao fim e ao cabo na ocorrência de anomalia psíquica determinante da incapacidade para o agente de, no momento da prática do facto, avaliar a ilicitude deste ou, apesar de ser capaz de tal, de se determinar de acordo com essa avaliação.

            Tudo tem a ver com a capacidade de dolo, e assim de culpa do sujeito, com a voluntariedade absoluta da sua conduta.

            Nas sábias palavras de Thiago Sinibaldi, (“Elementos de Filosofia”, Vol. II, pag. 158) «um acto para ser voluntário deve derivar não só de uma deliberação da vontade, mas também de um prévio conhecimento da inteligência; de modo que o acto da vontade contém tanta bondade ou malícia, quanta foi conhecida pela inteligência. – Por isso, se a inteligência, por qualquer causa ou acidente, for perturbada a ponto de não poder apreciar a bondade ou a malícia do acto, este não é voluntário, e quem o praticou não é responsável por ele, nem deve ser punido».

            Integrado no Livro VII (Do julgamento), Titulo II (Da audiência), Capítulo III (Da produção da prova), surge a norma do artº 351º do CPP, submetido à epígrafe ‘Perícia sobre o estado psíquico do arguido’, prescrevendo, no seu nº 1: «Quando, na audiência se suscitar fundadamente a questão da inimputabilidade do arguido, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, ordena a comparência de um perito para se pronunciar sobre o estado psíquico daquele».

            Em primeiro lugar, a norma dirige-se directamente aos casos em que tal incapacidade apenas se revela no decurso da audiência de julgamento, já que o incidente de alienação mental em causa pode [e deve] ser suscitado em qualquer fase processual, nos termos gerais dos artºs 151º e seg.s do CPP.

            Esta regra mostra-se estatuída considerando duas perspectivas: ou a inimputabilidade do arguido é patente ou se revelou no decurso da audiência: no primeiro caso o tribunal tem o poder-dever de, oficiosamente ou a requerimento, dar andamento a tal procedimento; ou não o é e, então, deve resultar de outros elementos dos quais resulte suscitado, de forma ‘fundada’ tal incidente.

            O caso em análise cai, precisamente, nesta segunda situação, pois que o recorrente o afirma nas suas conclusões.

            Se o quadro assim traçado denota comportamentos aditivos relativamente ao consumo de álcool, não vemos em que medida o mesmo possa denotar, de forma patente e fundada, um qualquer estado de inimputabilidade total ou parcial, suscitada em audiência. O tribunal deu eco a tais situações nos pontos provados em 14 a 17, da forma que aí consta.

            Ou seja, a mera referência à circunstância de o arguido estar sujeito ao tratamento da sua dependência desde pelo menos o ano de 2009 e ter sido encaminhado para consulta de psicologia, por haver notícia de que teria reiniciado o consumo de álcool nos últimos meses e, nas palavras da sua companheira, manifestar um comportamento depressivo, de modo algum é, só por si, motivo para determinar fundadas dúvidas acerca da sua capacidade penal. Com efeito, se averiguássemos a percentagem de cidadãos nacionais que frequentam tal tipo de consultas e a comparássemos com aquelas outras referentes a arguidos declarados penalmente inimputáveis, logo concluiríamos que não existe qualquer tipo de correspondência entre uma e outra situação. Assim, a circunstância de ter sido «encaminhado» para consulta de psicologia, de forma alguma é índice de que o paciente padece de uma qualquer diminuição da sua capacidade penal. (Neste sentido, v. Carlos Suárez-Mira Rodríguez, in ‘Manual de Derecho Penal. Tomo I. Parte General, pag. 233: «En cualquier caso, el dato decisivo en ordem a reconocer la inimputabilidade viene dado por el efecto psicológico, y no tanto por una base biopatológica que no e sen absoluto precisa (en contra de lo que en el passado se há sostenido mayoritariamente). Evidentemente, la base patológica tampoco es condicion suficiente per se para estimar que el sujeto sea inimputable, como así há venido reiterando constantemente el Tribunal Supremo».

            Daqui se retira que, perante um arguido aparentemente dotado da necessária capacidade penal, presente na audiência, diante do julgador e dos demais intervenientes, não bastará, para pôr fundadamente em causa essa capacidade, a alegação de que ele tinha sido sinalizado pela sua dependência alcoólica e orientado para consultas de psicologia. Deveriam ter sido reveladas em julgamento concretas circunstâncias de tal determinantes. A assim não ser, estaríamos postos perante a situação da necessidade de elaboração de uma perícia sobre o estado psíquico do arguido em todos os casos em que fosse referida aquela sinalização e encaminhamento. E, isso está bom de ver, aconteceria em grande percentagem dos processos.

            No nosso caso, face ao quadro resultante dos diversos elementos de prova disponíveis no processo, seria exigível para que se considerasse fundada a denúncia da incapacidade penal do agente, a verificação de outros factos ou circunstâncias denotadoras dessa diminuição; mas nada disso aconteceu, limitando-se o recorrente a invocar índices que, só por si, não são conclusivos.

            No nosso caso, porque não revelada em julgamento uma qualquer situação que denotasse eventual irresponsabilidade criminal do arguido, não se pode falar em violação das referidas normas processuais. Com efeito, não se manifestou a ocorrência de um quadro subjectivo do arguido que justificasse o accionamento do mecanismo previsto no artº 351º, 1 e 2 do CPP (tendo também em consideração o prescrito no artº 340º, 1, do mesmo CPP).

            Não têm qualquer pertinência as afirmações tecidas pelo recorrente de que uma «pessoa centrava válida e responsável» não conduz sob o efeito do álcool.

            Esse tipo de argumentação, com efeito, poderia ser extrapolado do caso presente e aplicado em todos os casos em que está em causa a prática de crimes da natureza daquele praticado pelo arguido: e, assim, em todos os casos haveria que suscitar o incidente em causa!

            Mais pretende o recorrente que o não accionamento desses mecanismos determina a ocorrência do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

Todos os vícios referidos no nº 2 do artº 410º, para serem atendíveis, devem resultar «do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum». Ou seja, o vício há-de ressaltar do próprio contexto da sentença, não sendo lícito, neste pormenor, o recurso a elementos externos – que não as referidas regras da experiência - de onde esse vício se possa evidenciar.

O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada traduzir-se-á, afinal, na falta de elementos fácticos que permitam a integração na previsão típica criminal, seja por falência de matéria integrante do seu tipo objectivo ou do subjectivo ou, até, de uma qualquer circunstância modificativa agravante ou atenuante, considerada no caso. Em termos sintéticos, este vício ocorre quando, com a matéria de facto dada como assente na sentença, aquela condenação não poderia ter lugar ou, então, não poderia ter lugar naqueles termos.

            Como se diz no acórdão do STJ de 13/2/1991 (Maia Gonçalves, CPP Anotado, pag. 825) «o fundamento a que se refere a al. a) do nº 2 do artº 410º do CPP é a insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, que não se confunde com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida, coisa bem diferente».

            O vício do artº 410º, 2, a) há-de, assim, traduzir-se na falta de um qualquer elemento típico do crime, devendo essa circunstância resultar, literalmente, da decisão recorrida.

            Todavia, analisando a fundamentação da sentença impugnada e confrontando-a com a decisão, logo se constata que – em termos literais e formais – esse vício não ocorre; com efeito, a factualidade dada como provada integra as previsões típicas e é suficiente para a decisão.

            Não se vislumbra, pois, em que medida se possa falar na ocorrência de um vício de tal natureza (que é da sentença), quando o que a pretensão do recorrente denota é desacordo face ao decurso da produção da prova, ocorrida em momento anterior.

            Aliás, a sentença impugnada, em sede de fundamentação probatória, e a propósito dos elementos de prova considerados para efeitos de formação da sua convicção, concluiu que deles «se extrai o tratamento da dependência alcoólica do arguido, mais ali constando que o arguido foi encaminhado para consultas de psicologia pelo facto de haver notícia de que teria reiniciado o consumo de bebidas alcoólicas nos últimos meses e de, segundo a companheira do mesmo, manifestar um comportamento depressivo, sempre se anotando que o facto da companheira do arguido achar que o mesmo manifesta um comportamento depressivo não permite concluir que o arguido tem problemas psiquiátricos, ou sequer uma depressão, pela evidente falta de razão de ciência da companheira, a qual não é médica, mais sendo certo que nos relatórios sociais não se menciona sequer que o arguido tenha sido encaminhado para consultas de psiquiatria, além de que, ainda que assim fosse, tal apenas adviria da aludida notícia de reinício do consumo de bebidas alcoólicas e da referida convicção da companheira, a qual, como já se disse, não tem competências para tanto.»

           

Termos em que, nesta Relação, se acorda em negar provimento ao recurso, confirmando na íntegra a douta decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 4 UC’s.

Coimbra, 7 de Fevereiro de 2018

Jorge França (relator)

Alcina da Costa Ribeiro (adjunta)