Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
53/10.3TBPNH.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INDEMNIZAÇÃO
CRITÉRIOS
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS FUTUROS
Data do Acordão: 12/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE PINHEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 494º, EX-VI DO ARTº 493º, 1ª PARTE, E 496º, Nº 3, 1ª PARTE, DO CÓDIGO CIVIL.
Sumário: I) Na determinação do quantum da indemnização do dano não patrimonial, a lei aponta nitidamente para uma valoração casuística, orientada por critérios de equidade.

II) O dano estético é, em regra, simplesmente uma espécie particular de dano não patrimonial, cuja valoração deste dano deve relevar fundamentalmente da aplicação de critérios objectivos, sem prejuízo, porém, da ponderação da apreciação íntima e, portanto, subjectivizante do lesado, quanto à sua repercussão.

III) A perda relevante de capacidades funcionais, ainda que não imediata e totalmente reflectida nos rendimentos auferidos pelo lesado, constitui um dano que deve ser objecto de adequada reparação.

IV) A indemnização devida por danos futuros deve corresponder a um capital produtor de um rendimento que se extinga na data previsível da vida activa da vítima e garanta as prestações periódicas equivalentes à respectiva perda de ganho.

V) O critério referido em IV, devidamente reconformado, é aplicável ao cômputo da indemnização do dano que decorre de um défice ou de uma incapacidade permanente embora compatível com o exercício de uma actividade profissional.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório.
C… e J… pediram ao Sr. Juiz de Direito do Tribunal Judicial da Comarca de Pinhel que condenasse G…, S.p.a. a pagar ao último a quantia de € 7.500,00, pela perda total do veículo e juros à taxa legal de 4%, e à primeira as quantias de:

a) € 2.500,00, emergente de internamento hospitalar pelo período de 15 dias e operações cirúrgicas ocorridas no mesmo lapso de tempo;

b) € 75.000,00, pelas ofensas à integridade física e psíquica, quantum doloris e prejuízo de afirmação pessoal;

c) € 27.500,00, emergentes de dano estético;

d) € 1.765,65, emergentes das despesas suportadas pela autora em consequência das lesões sofridas no acidente;

e) € 85.000,00, emergentes dos danos patrimoniais futuros e incapacidade permanente que exige da 1ª autora esforços acrescidos na sua actividade profissional;

f) Juros de mora à taxa de 4%, desde a citação até integral pagamento.
Fundamentaram esta pretensão no dano patrimonial e não patrimonial que sofreram em consequência do embate, ocorrido no dia 24 de Janeiro de 2008, na EN nº 226, em Cerejo, Pinhel, entre o veículo automóvel ligeiro de passageiros …-PN, conduzido por B…, seguro na ré, e o veículo, da mesma categoria, …-FR, conduzido pela autora, C…, propriedade do autor J…, imputável a uma culpa negligente da primeira que, subitamente, saiu da sua faixa de rodagem, invadiu totalmente a faixa em que circulava o veículo …-FR, causando a colisão entre ambos.
Oferecido o articulado de contestação – no qual a ré aceitou a dinâmica do sinistro apresentada pelos autores mas recusou a imputabilidade de todos os danos ao sinistro e os valores indemnizatórios pedidos – e instruída, discutida e julgada a causa, a sentença final, julgando a acção parcialmente procedente:
1. Condenou a demandada a pagar:
a) Ao autor J… a quantia de € 6.000, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a citação e até integral pagamento;
b) À autora C… a quantia de € 30.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, quantia actualizada à presente data, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a presente decisão e até integral pagamento;
c) À autora C… a quantia de € 35.000,00, a título de indemnização por danos patrimoniais futuros, quantia actualizada à presente data, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a presente decisão e até integral pagamento;
d) À autora C… o montante de € 1.705,65, a título de indemnização pelos demais danos patrimoniais já verificados, acrescido de juros de mora à taxa legal em vigor desde a citação e até integral pagamento.

 2. Absolveu a demandada do demais peticionado pelos autores J… e C...
É esta sentença que os autores e a ré impugnam através do recurso ordinário de apelação, principal e subordinado, respectivamente.
Os autores – que pedem no seu recurso a condenação da ré por danos não patrimoniais e por danos futuros na quantia de € 102.500,00 – remataram a sua alegação com estas conclusões:

Por sua vez a ré – que pede, no seu recurso, a modificação do quantum indemnizatório, a título de danos patrimoniais futuros e de danos não patrimoniais para valores inferiores aos sentenciados – extraiu da sua alegação estas conclusões:

Nenhum das partes respondeu ao recurso da outra.
2. Factos provados: …
3. Fundamentos.

3.1. Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

O âmbito objectivo do recurso é delimitado, desde logo, pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao recorrente (artº 684 nº 2, 2ª parte do CPC). A restrição objectiva do âmbito do recurso pode, no entanto, ainda ser feita pelo proprio recorrente, tanto no requerimento de interposição do recurso, como nas conclusões da alegação (artº 684 nº 2, 1ª parte, e 684 nº 3 do CPC).

Os recorrentes pediram, na instância recorrida, com fundamento numa responsabilidade delitual, a condenação da apelada no dever de os indemnizar do dano patrimonial e não patrimonial que suportaram em consequência de facto civilmente ilícito e culposo, inteiramente imputável ao condutor do veículo automóvel …-PN, cuja responsabilidade, decorrente da sua circulação, por danos causados a terceiros, foi contratualmente transferida para a demandada.
Os recorrentes C… e J… desdobraram o quantum da obrigação de indemnização, que julgam ser devida a cada um deles, nas parcelas seguintes: ao último, quantia de € 7.500,00, pela perda total do veículo e juros à taxa legal de 4%, e à primeira as quantias de:

a) € 2.500,00, emergente de internamento hospitalar pelo período de 15 dias e operações cirúrgicas ocorridas no mesmo lapso de tempo;

b) € 75.000,00, pelas ofensas à integridade física e psíquica, quantum doloris e prejuízo de afirmação pessoal;

c) € 27.500,00, emergentes de dano estético;

d) € 1.765,65, emergentes das despesas suportadas pela autora em consequência das lesões sofridas no acidente;

e) € 85.000,00, emergentes dos danos patrimoniais futuros e incapacidade permanente que exige da 1ª autora esforços acrescidos na sua actividade profissional;

f) Juros de mora à taxa de 4%, desde a citação até integral pagamento.
A sentença impugnada desamparou largamente a pretensão indemnizatória da recorrente principal, C…, tendo-se limitado a condenar a demandada a pagar-lhe as quantias de € 1.705,65, a título de indemnização pelos demais danos patrimoniais já verificados, de € 30.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, e a de € 35.000,00, a título de indemnização por danos patrimoniais futuros.

Os recorrentes principais abrem a sua alegação com a declaração de que o seu recurso, no que concerne ao respectivo âmbito, incidirá unicamente sobre a matéria de facto. Mas esta afirmação é prontamente desmentida pelo conjunto da alegação mesma dos autores e pelas conclusões com que a encerraram.

Patentemente, o descontentamento dos recorrentes principais não tem por objecto a decisão da matéria de facto – mas unicamente a questão de direito. Realmente, a discordância dos autores relativamente à sentença impugnada não se dirige contra a decisão da questão de facto – mas contra a subsunção da matéria de facto averiguada à norma jurídica aplicada. No seu ver, a sentença apelada incorreu num erro sobre a estatuição - i.e., num erro respeitante à aplicação ao caso concreto da consequência jurídica definida pela norma escolhida para enquadrar esse mesmo caso – dado que, no tocante à fixação da indemnização devida pelos danos não patrimoniais e pelos danos futuros, aquela sentença – de harmonia com a sua alegação - violou as normas jurídicas dispostas na lei substantiva para o cômputo da reparação de uma e de outra espécie de danos.

De resto, caso se devesse entender que, realmente, a impugnação dos autores tinha por objecto a questão de facto, então seria irremissível a rejeição do recurso, dado que é ostensivo que aqueles recorrentes não satisfizeram o ónus de impugnação daquela matéria a que lei claramente os vincula: a especificação dos pontos de facto que consideram erroneamente julgados e das provas que, na sua perspectiva, foram incorrectamente valoradas (artº 695-B nºs 1 e 2 do CPC).

Numa palavra: o controlo sobre a sentença proferida na 1ª instância, pedido a esta Relação pelos recorrentes principais – e pela recorrente subordinada – tem por objecto - exclusivamente – a matéria de direito.

Os recorrentes principais afirmam na sua alegação que pediram, logo na petição inicial, a condenação da demandada a pagar-lhes por danos não patrimoniais e por danos futuros a quantia de € 102.500,00. Uma leitura, ainda que meramente obliqua, daquele articulado mostra, á evidência, que também esta afirmação não é exacta.

Naquele articulado, a autora C… pediu a título de danos patrimoniais futuros e de incapacidade permanente que lhe exige esforços acrescidos, a quantia de € 85.000,00, e, a título de ofensas à integridade física e psíquíca, quantum doloris e prejuízos de afirmação pessoal e de dano estético, a condenação da demandada a pagar-lhe as quantias de € 75.000,00 e de € 27.500,00, respectivamente. Uma simples operação aritmética mostra que a quantia de € 102.500,00 se refere aos valores da indemnização pedidos a título de danos não patrimoniais e de dano estético, e que as quantias pedidas, por aquela autora, a título de danos não patrimoniais e de danos futuros ascendem a € 160.000,00.

Seja como for – e abstraindo destas inconsistências da alegação dos recorrentes principais - no julgamento do recurso deve ter-se presente que os limites da condenação, ditados pelo princípio da disponibilidade objectiva, se entendem referidos ao pedido global e não às parcelas em que, para a determinação do quantum indemnizatório, há que desdobrar o cálculo do dano (artº 661 nº 1 do CPC de 1961 e 609 nº 1 do NCPC)[1], e que a proibição da reformatio in mellius – que é um simples consequência da vinculação do tribunal ad quem à impugnação do recorrente, que vincula a que esse tribunal não possa conceder a essa parte mais do que ela pede no recurso interposto – não seja violada pela circunstância de o tribunal de recurso confirmar a procedência do quantitativo total do pedido do autor, ainda que com diferentes montantes de cada uma das parcelas. Se, por exemplo, o autor pede uma determinada indemnização para pagamento dos vários prejuízos decorrentes de um acidente de viação, o tribunal de recurso pode considerar a acção totalmente procedente, ainda que faça uma diferente avaliação de cada um desses prejuízos. Identicamente, o tribunal ad quem pode julgar o recurso procedente, quantificando diferentemente os diversos danos que devem ser reparados ou compensados.

A discordância de todos os recorrentes relativamente à sentença impugnada tem por objecto ao valor da indemnização nela arbitrada à autora C… para lhe reparar o dano não patrimonial e o dano patrimonial futuro: esta recorrente acha que aquela indemnização é avara; diferentemente, a apelante subordinada sustenta que o valor dessa indemnização peca por prodigalidade.

E um maior esforço de concretização, mostra que o dissentimento de todos os recorrentes, no tocante à indemnização arbitrada a título de reparação de danos futuros, nem sequer compreende toda a condenação correspondente. Realmente, a sentença apelada arbitrou a quantia de € 35.000,00 para reparar dois danos futuros diferenciados: a incapacidade permanente de 18 pontos com que a autora ficou, cuja indemnização computou em € 25.000,00; as despesas com ajuda médica e medicamentosa de que a recorrente principal necessitará durante o resto da sua vida, para as quais achou como valor da indemnização devida, a quantia de € 10.000,00.

E a leitura da alegação de ambos os recorrentes – e das conclusões com que a encerraram - mostra que o julgamento a que são verdadeiramente hostis é o que teve por objecto a indemnização da incapacidade ou do défice funcional permanente de que a apelante principal se encontra afectada. Realmente, não se lê nas conclusões de qualquer dos recursos, uma só palavra dirigida à questão indemnização das despesas médicas e medicamentosas, um só argumento para demonstrar, quanto a tal indemnização, o desacerto ou a falta de bondade da decisão impugnada. O que, aliás, bem se compreende dado que o valor da indemnização ordenado para a reparação daquelas despesas - tendo em conta, de um aspecto, o seu elevado valor e, de outro, a idade da recorrente principal e a sua esperança média de vida - se mostra inteiramente equânime. Convém recordar, a este propósito, que de harmonia com a matéria de facto averiguada, a recorrente principal carece do uso diário de medicamentos calmantes, analgésicos, ansiolíticos e antidepressivos e de ajuda médica durante toda a sua vida.

Maneira que tendo em conta o conteúdo da decisão impugnada e da alegação de cada um dos recorrentes, a questão concreta controversa que importa resolver é de saber qual o quantum da indemnização que a apelante subordinada deve prestar à recorrente principal para a compensar do dano não patrimonial que a vitimizou e para lhe reparar o dano patrimonial futuro, representado pela incapacidade ou défice funcional permanente de que aquela parte é portadora.

A resolução deste problema vincula, naturalmente, à ponderação dos parâmetros de cálculo, no contexto da responsabilidade ex-aquilia, da indemnização dano não patrimonial e do dano patrimonial apontado.

3.2. Parâmetros de determinação da indemnização do dano não patrimonial e patrimonial.

Qualquer que seja o escopo preciso que, em definitivo, se deva assinalar á responsabilidade civil[2], é inquestionável que esta visa, fundamentalmente, a reparação do dano, juridicamente entendido como a diminuição duma situação favorável que estava protegido pelo Direito[3]. A responsabilidade civil depende tenazmente da existência de dano: a supressão deste assume-se, por isso, como o seu escopo primordial[4].

É ao lesado que cumpre a prova do dano (artº 342 nº 1 do Código Civil). Caso não consiga libertar-se do encargo dessa prova, intervém a regra de julgamento representada pelas normas sobre a distribuição do ónus da prova: a questão de facto correspondente é resolvida contra o lesado (artºs 516 do CPC de 1961 e do NCPC e 346, in fine, do Código Civil).

Já se adiantou a noção jurídica de dano que se tem por exacta: a diminuição duma situação favorável protegida pelo Direito.

O dano não tem, porém, uma natureza unitária, podendo separar-se em duas grandes categorias: o dano patrimonial e o dano não patrimonial.

A lei não define o dano não patrimonial. Doutrinariamente o conceito é recortado pela negativa. O dano diz-se não patrimonial quando a situação vantajosa lesada tenha natureza espiritual[5]; o dano não patrimonial é o dano insusceptível de avaliação pecuniária, reportado a valores de ordem espiritual, ideal ou moral[6]; é o prejuízo que não atinge em si o património, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo. Há uma ofensa a bens de carácter imaterial – desprovidos de conteúdo económico, insusceptíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro[7]; é o prejuízo que, sendo insusceptível de avaliação pecuniária, porque atinge bens que não integram o património do lesado que apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária[8].

A distinção entre o dano patrimonial e não patrimonial assenta, portanto, na natureza do bem ou do interesse afectado. É, por isso, possível que da violação de direitos patrimoniais resultem danos não patrimoniais, da mesma maneira que da violação de direitos ou bens de personalidade podem derivar danos patrimoniais.

A indemnização visa reparar danos não patrimoniais quando tem por objecto um interesse não patrimonial, i.e., um interesse não avaliável em dinheiro[9]. Diferentemente do que acontece com a indemnização do dano patrimonial, a do dano não patrimonial não é uma verdadeira indemnização, pois não coloca o lesado na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse tido lugar, mediante a concessão de bens com valor equivalente ao dos ofendidos em consequência do facto. Por isso, melhor se lhe tem chamado satisfação ou compensação[10]. Trata-se, apenas de dar ao lesado uma satisfação ou compensação do dano sofrido, uma vez que este, sendo não patrimonial, não é susceptível de equivalente, e, por isso, possível é apenas uma espécie de reparação, na forma de uma indemnização pecuniária, a determinar, por indicação expressa da lei, segundo juízos de equidade.

Na verdade, no tocante à determinação do quantum da indemnização do dano não patrimonial, a lei aponta nitidamente para uma valoração casuística, orientada por critérios de equidade (artº 494, ex-vi artº 493, 1ª parte, do Código Civil). O critério de determinação da indemnização do dano não patrimonial não obedece, portanto, à teoria da diferença que, de resto, se mostra para essa finalidade imprestável[11]. Mas esta circunstância não obsta à aplicação àquele dano de um princípio orientador do cômputo do dano patrimonial: o princípio da reparação integral do dano.

A lei é terminante na declaração de que o montante da indemnização do dano não patrimonial será fixado equitativamente (artº 496 nº 3, 1ª parte do Código Civil). Neste contexto, a equidade visa determinar aspectos quantitativos de uma prestação: a indemnização. Mas seria errado pensar-se que a fixação da indemnização, a que a equidade é chamada, está no livre arbítrio do juiz; a leitura da lei evidencia a existência de critérios a que o juiz, nessa tarefa delicada, deve atender.

A actividade do juiz, na determinação do montante da indemnização, não se traduz num juízo silogístico-formal de subsunção - dado que o obriga a converter a sua valoração de critérios jurídicos de determinação numa quantificação numérica; trata-se, porém, de uma actividade juridicamente vinculada que constitui estruturalmente autêntica aplicação do direito. Desta constatação faz-se, naturalmente, decorrer a consequência da controlabilidade por via de recurso do procedimento de determinação da indemnização.

No tocante ao processo de determinação do valor da indemnização não se deve reconhecer um espaço de discricionariedade diverso daquele que sempre se encontra presente em qualquer decisão verdadeiramente jurídica, antes se devendo qualificar a actividade correspondente como aplicação do direito, susceptível de controlo por via do recurso.

Mas também aqui se deve reconhecer que os instrumentos dispostos para orientação e racionalização da decisão judicial cobrem apenas parte das variáveis de que o juiz é portador. Se se introduzirem conceitos como basic rules ou second codes, aludindo ao complexo de regras e de mecanismos reguladores que determinam efectivamente a aplicação que o juiz faz da lei, pode dizer-se que os princípios regulativos de determinação do valor da indemnização cobrem apenas uma parte do processo decisório.

Esta constatação decorre da circunstância de a lei se limitar disponibilizar proposições indeterminadas que apenas se materializam no caso concreto. A indeterminação é de resto dupla: ela resulta quer da possibilidade de introduzir, na aplicação, novos factores atendíveis quer da intermutabilidade dos especificados na lei, cujo peso relativo também se não encontra determinado. Existe, portanto, uma ilimitada variedade dos factores relevantes para o processo de individualização da medida da indemnização, a que soma a ausência de explicitação do seu peso relativo, tudo apontando para uma valoração casuística infindável, que vinca, também por esta via, a natureza móvel ou aberta do sistema.

Tudo inculca, pois, a conclusão de que a determinação da prestação da indemnização não está na dependência de um liberum arbitrium indifferantiae, de uma discricionariedade livre ou desvinculada do juiz – que implicaria conferir a nota de irrecorribilidade à decisão correspondente – e, consequentemente, que o processo de determinação do quantum da indemnização deve, em concreto, ser reconduzível a critérios objectivos, e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo. Mas seria imprudente não reconhecer a importância de elementos racionalmente não explicitáveis e mesmo puramente emocionais, e, portanto, uma margem inescapável de subjectividade.

Serve isto para dizer que a remissão no caso para a equidade é aparente, visto que esta só ocorre não quando haja uma qualquer indeterminação que o juiz tenha de resolver no caso concreto, mas quando se verifique uma decisão tomada à revelia do ius strictum, no sentido de sistemático[12]. De resto, um modelo de decisão ex aequo e bono tem ainda a particularidade de não ter preocupações generalizantes, característica que é abertamente contrariada por um dos parâmetros sob cujo signo deve decorrer a actividade de fixação da indemnização: o da uniformização ou padronização do seu valor (artº 8º, nº 3 do Código Civil).

Seja como for, a verdade é que o sistema de ressarcimento do dano não patrimonial é móvel ou aberto, indicando a lei, de forma inteiramente exemplificativa, para determinar o dano de cálculo – i.e., a expressão monetária do dano não patrimonial real – o grau de culpa do lesante a situação económica do lesante e do lesado e outras circunstâncias do caso (artº 494º do Código Civil)[13].

O parâmetro representado pela culpa do agente – melhor se diria a forma dolosa ou negligente da imputação - mostra a permeabilidade da lei à ideia de que a indemnização do dano não patrimonial reveste uma certa função punitiva ou sancionatória, à semelhança, de resto, de qualquer indemnização[14].

O critério relativo à situação económica do lesante e do lesado pode, com vantagem, ser reconduzido a uma ideia de proporcionalidade, funcionado como factor da correcção da extensão indemnizatória que se mostre concretamente desproporcionada em face da situação patrimonial dos sujeitos, passivo e activo, da indemnização. No caso de existir seguro da responsabilidade, maxime, tratando-se de seguro obrigatório, fica, no entanto, sem sentido a consideração da situação económica do lesante[15].

Entre as outras circunstâncias do caso devem indicar-se o carácter do bem jurídico atingido e a natureza e a intensidade do dano causado[16], o género e a idade da vítima – excepto, talvez, no tocante ao cômputo do dano morte stricto sensu[17] - etc. Em qualquer caso, a ponderação sobre a gravidade do dano não patrimonial e, correspondentemente, do valor da sua reparação, deve ocorrer sob o signo estrito do princípio regulativo da proporcionalidade – de harmonia com o qual a danos mais graves deve corresponder uma indemnização mais generosa – e numa perspectiva de uniformidade: a indemnização deve ser fixada tendo em conta os parâmetros jurisprudenciais geralmente adoptados para casos análogos (artº 8 nº 3 do Código Civil)[18].

A definição e a valoração do dano não patrimonial são, portanto, tarefas irremediavelmente carecidas de concretização jurisprudencial. O modo como essa actividade concretizadora tem sido desempenhada pela jurisprudência, mesmo no tocante ao dano de natureza máxima – o dano morte - tem merecido, por parte da doutrina, um juízo severo. Em face da exiguidade do valor das indemnizações por danos não patrimoniais comummente fixadas, fala-se, com acrimónia, em página negra da nossa jurisprudência[19], em indemnizações de miséria[20] e em extrema parcimónia[21].

O reparo é justo. Mas seria injusto, de um aspecto, não partilhar a censura com o legislador, que se mostra mais sensível aos danos patrimoniais que aos danos não patrimoniais[22] e aos termos um tanto deprimidos[23] com que se consagrou a ressarcibilidade dos danos desta última espécie e, de outro, não admitir uma evolução, ainda que paulatina, no reforço das indemnizações desse tipo de dano, consequente ao reconhecimento da sua especificidade e alteralidade relativamente ao dano patrimonial e à consciência da necessidade de uma tutela acrescida dos direitos de personalidade[24].

A única condição de ressarcibilidade do dano não patrimonial é a sua gravidade (artº 496 nº 1 do Código Civil). Na impossibilidade de concretizar um critério geral, porque nesta matéria o casuísmo é infindável, apenas importa acentuar que danos consequentes a lesões a direitos de personalidade devem ser considerados mais graves do que os resultantes de violação de direitos referidos a coisas. De resto, tratando-se de lesão de bens e direitos de personalidade, essa gravidade deve ter-se, por regra, como consubstanciada: deve exigir-se para bens pessoais um tratamento diferente do reservado para as coisas[25].

Na formulação do seu pedido, a autora contrapõe o dano patrimonial, o dano não patrimonial e o dano estético e de prejuízo da sua afirmação pessoal, sugerindo, desse modo, a alteralidade do dano estético relativamente ao dano não patrimonial.

Todavia, a verdade é que o dano estético é, em regra, simplesmente, uma espécie particular de dano não patrimonial[26].

É irrecusável que toda a pessoa titula um fundamental direito à integridade pessoal, que abrange as duas componentes fundamentais da sua pessoa: a integridade física e a integridade moral (artº 25 nº 1 da Constituição da República Portuguesa).

Qualquer facto que atente contra essa integridade pessoal deve, portanto, ser considerado um dano, não constituindo obstáculo a essa consideração a circunstância de, no tocante à reparação da violação do corpo humano, a restitutio in integrum se mostrar impossível[27].

Está nessas condições, precisamente, o chamado dano estético.

Como dano estético pode ser considerado o dano corporal ou dano da integridade física, independentemente de qualquer repercussão funcional, laboral ou social, que afecta a beleza e a harmonia biológica da pessoa. Trata-se de um verdadeiro dano corporal, que deve ser reparado de per se, independentemente das concretas repercussões funcionais ou laborais que da sua verificação possam decorrer para o lesado; em caso de coexistência, como é comum, de uma e de outra espécie de dano, cada um dele deve ser objecto, por aplicação dos respectivos parâmetros de determinação, de reparação autónoma[28].

Neste contexto, por exemplo, a cicatriz, sequela de uma lesão corporal, é nitidamente um dano estético e, como tal, susceptível de compensação. Todavia, se a afirmação da ressarcibilidade do dano estético se impõe com facilidade, mais difícil é, naturalmente, a sua avaliação, quer dizer, a determinação do valor da compensação a que aquele dano deve dar lugar.

Sem preocupação de exaustão, na avaliação do dano estético, devem ser ponderados, tanto elementos objectivos – v.g., a natureza da sequela, o lugar anatómico em que se situa e o seu carácter estático ou dinâmico – como aspectos subjectivos, por exemplo, a idade e o género do lesado, a sua personalidade, a profissão que exerce e a sua repercussão sócio-familiar e relacional[29]. A valoração deste dano deve, porém, relevar fundamentalmente da aplicação de critérios objectivos – como, v.g., a localização, a dimensão e a característica da sequela - sem prejuízo, contudo, por exemplo, da ponderação da apreciação íntima e, portanto, subjectivizante do lesado, quanto à sua repercussão. Realmente – como aliás se sublinha na relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito civil – o dano estético permanente deve ser avaliado tendo em conta as repercussões das sequelas, numa perspectiva estática e dinâmica, envolvendo uma avaliação personalizada da afectação da imagem da vítima, quer em relação a si própria, quer na relação com os outros.

Parâmetro diferenciado do dano corporal, objecto de progressiva autonomia e de nítida vocação expansiva é o dano da afirmação pessoal[30]dano esistenziale, loss of amenities of life, perde de joie de vivre – que se inclui igualmente entre as consequências não pecuniárias resultantes de lesões não mortais da integridade física ou da saúde. A categoria tem directamente em vista certas lesões que, pela sua gravidade, são susceptíveis de provocar a quem as sofre especialíssimas disfunções relacionais, desenquadramentos situacionais ou alterações comportamentais – na sua forma de estar e de ser com os outros – que se repercutem negativamente sobre o trajecto existencial do lesado, quer retirando-lhe a possibilidade de se dedicar a pequenos prazeres ou gratificações ou privando-o, por exemplo, de interagir com o seu corpo. Neste sentido, o dano à afirmação pessoal é a lesão do conjunto competências sociais e relacionais, que se expressam na capacidade de a pessoa desenvolver, transformando em acto, uma vida com momentos mais ou mais intensos de satisfação ou compensação estética, física, social ou outra[31].

Sucede, com indesejável frequência, que a vítima de lesão corporal, uma vez obtida a cura clínica, fica afectada de uma incapacidade laboral permanente ainda que meramente parcial, de um défice permanente da integridade físico-psíquica - apesar dessa limitação funcional não se reflectir numa efectiva diminuição aquisitiva. Mas esta circunstância não obsta à ressarcibilidade de um tal dano.

                O detalhe desta proposição exige, porém, a ponderação de um conceito – oriundo da doutrina e da jurisprudência italianas[32] – e que tem vindo a consolidar-se na terminologia da doutrina e da jurisprudência portuguesas: o de dano biológico ou de dano corporal[33].

No plano jurisprudencial, o conceito de dano biológico é utilizado sobretudo no contexto da fixação de indemnizações de lesão corporal causadas por acidentes de viação, que correspondem entre nós a uma percentagem extraordinariamente elevada de processos judiciais de responsabilidade civil delitual - no qual é patente a dificuldade da sua relação com a dicotomia tradicional da avaliação de danos patrimoniais versus danos não patrimoniais[34].

A avaliação do dano corporal, i.e., de alterações na integridade psicofísica de uma pessoa, constitui uma matéria de particular complexidade.

Complexidade que resulta não apenas da dificuldade de interpretação das sequelas e da subjectividade que envolve a avaliação de alguns dos danos, mas também da necessária diferença dos parâmetros da avaliação do dano, consoante os domínios do direito em que essa avaliação se processa, face aos diferentes princípios jurídicos que os caracterizam[35]. Este ponto é patente no tocante às incapacidades a avaliar e a valorizar. Tome-se como exemplo, o direito laboral e o direito civil: ao passo que no primeiro está em causa a avaliação da incapacidade de trabalho resultante de acidente ou de doença profissional, determinante da perda da capacidade de ganho – no segundo, em harmonia com o princípio da reparação integral do dano, deve valorizar-se a incapacidade permanente em geral, i.e., a incapacidade permanente para os actos e gestos correntes do dia-a-dia, assinalando posteriormente o seu reflexo em termos de actividade profissional específica do lesado.

A parametrização da avaliação dos danos corporais por recurso a tabelas suscita opiniões desencontradas[36]. Seja qual for em definitivo a resposta exacta o problema, uma conclusão que parece irrecusável é a do desacerto da utilização de tabelas construídas para avaliar, por exemplo, incapacidades que relevam para um específico ramo de direito para mensurar incapacidades relevantes para outro domínio do direito, orientado por fundamentos finais diferentes.

Mas era isso que até há muito pouco tempo sucedia entre nós, dado que era vulgar a utilização referencial da Tabela Nacional de Incapacidade (TNI), aprovado pelo Decreto-Lei nº 341/93, de 30 de Setembro, ordenada para a avaliação das incapacidades geradas no específico domínio das relações de trabalho, para avaliar e valorizar incapacidades que relevam exclusivamente no plano do direito civil.

Atento ao problema, o legislador optou pela publicação de duas tabelas de avaliação de incapacidades, uma – a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais - vocacionada para a avaliação, designadamente dos danos que afectam a capacidade do trabalhador para continuar a desempenhar de forma normal a sua actividade e, consequentemente, a capacidade de ganho daí decorrente, e outra – a Tabela Nacional para Avaliação das Incapacidades Permanentes em Direito Civil - ordenada para parametrização e reparação do dano em direito civil (artº 1 do Decreto-Lei nº 352/2007, de 23 de Outubro).

Essa tabela médica tem um valor puramente indicativo, dado que se admite que os peritos se afastem das pontuações nela previstas, vinculando-os apenas, quando isso suceda, a motivar as razões da divergência (artº 2 nº 3 do Decreto-Lei nº 352/2007, de 23 de Outubro).

Durante anos, porém, as tabelas das incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais serviram de recurso para a determinação do montante de indemnização por danos patrimoniais futuros noutras situações de responsabilidade civil. Na prática, portanto, as consequências da incapacidade laboral constituíram ao longo de décadas o único factor relevante para avaliar danos patrimoniais futuros nas situações de responsabilidade delitual. E como, do mesmo passo, os danos não patrimoniais eram compensados com valores muitos reduzidos, a aplicação da tabela de incapacidade laboral acabava por constituir o factor determinante na fixação do montante indemnizatório, com as consequências discriminatórias inerentes, resultante da aferição de danos em função da perda de remuneração laboral das diferentes vítimas. A única dimensão relevante era a perda da capacidade aquisitiva do lesado – o que explicava que o cômputo da indemnização surgisse sistematicamente referido à vida útil e não à esperança de vida – e no limite que, sempre que, apesar da lesão, não se registasse qualquer limitação daquela competência aquisitiva, a indemnização fosse pura e simplesmente excluída.

A orientação jurisprudencial tradicional recorre, para o problema da indemnização por incapacidade derivada de um facto civil delitual, exclusivamente ao distinguo entre danos patrimoniais e não patrimoniais – sem qualquer referência ao conceito de dano biológico ou de dano corporal[37].

A jurisprudência que adopta o conceito de dano biológico qualifica-o como sendo exclusivamente um dano não patrimonial[38], ou como merecendo especial destaque como dano não patrimonial[39] - entendendo-o como a diminuição somático-psíquíca do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem a sofre, tendo a natureza de perda in natura que o lesado sofre em consequência de certo facto nos interesses materiais ou espirituais que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar.

Realmente, uma jurisprudência reiterada do Supremo, sustenta que uma diminuição funcional e somático-psíquica relevante do lesado, com uma repercussão substancial na sua vida profissional e pessoal se resolve num dano biológico, reparável como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial e não patrimonial[40].

De harmonia com esta jurisprudência, a ressarcibilidade do dano biológico – representado pelas limitações funcionais relevantes e por sequelas psíquicas graves – visa compensar o lesado, para além da presumida perda de rendimentos associada ao grau de incapacidade de que é portador, também da inerente perda de capacidades e competências, mesmo que essa perda não esteja imediata e totalmente reflectida ao nível do rendimento auferido[41].

O fundamento da compensação do dano biológico é, à luz desta jurisprudência, duplo: a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou reconversão de emprego pelo lesado, implicando uma patente redução de oportunidades geradoras de possíveis acréscimos patrimoniais futuros, irremissivelmente frustrados pelo grau de incapacidade que definitivamente afecta o lesado; o acrescido grau de penosidade e esforço experimentado pelo lesado, no seu quotidiano, imposto pelas deficiências funcionais, graves e irreversíveis, de que é portador, consequentes à lesão física sofrida[42].

A perda relevante de capacidades funcionais, ainda que não imediata e totalmente reflectida nos rendimentos auferidos pelo lesado, representa, realmente, uma capitis diminutio, num mercado laboral exigente, que condiciona de forma relevante e significativa, as possibilidades de exercício, escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo, seriamente, a evolução profissional expectável – e nessa medida o leque de oportunidades profissionais à disposição do lesado – constituindo-se, por essa via, como lucros cessantes compensáveis, desde logo como danos patrimoniais.

Uma incapacidade parcial permanente pode, realmente, projectar-se de dois modos diferenciados no património do seu portador: ou causa uma diminuição efectiva do seu rendimento, em razão da quebra de produtividade; ou sem provocar uma diminuição sensível desse rendimento, impõe ao lesado, para manter o nível de produtividade e, correspondentemente, de ganho, anterior à lesão, por exemplo, um esforço acrescido, desgastando-o anormal e prematuramente.

Abstraindo das naturais dificuldades com que a jurisprudência lida com o conceito de dano biológico[43] – a que não é decerto alheia a sua estraneidade da sua origem – pode questionar-se as virtualidades da sua admissibilidade. Aparentemente, a disponibilidade de amplos regimes de ressarcibilidade dos danos -consequência, tanto de natureza patrimonial como não patrimonial e aptidão desta dicotomia para abranger a totalidade dos efeitos de qualquer categoria de dano-evento, a ruptura com a estrutura tradicional não parece trazer vantagens relevantes. O exame das espécies jurisprudenciais mais significativas mostra, porém, que o conceito tem potencialidades inegáveis, na medida em que a análise das dimensões que integram a categoria, tem conduzido um expressivo alargamento da compreensão do âmbito dos prejuízos efectivamente sofridos pelas vítimas de factos geradores de responsabilidade civil ex-delicto. Basta ponderar o elenco possível de variáveis que é comum integrar no dano biológico – o dano de afirmação pessoal ou dano à vida de relação, o dano estético, o dano psíquico, o dano sexual, o dano da capacidade laboral genérica – elenco que pode ser alargado, por exemplo, com as variantes seguintes: perda de aptidões familiares ou afectivas, perda da faculdade de prática desportiva ou de outra actividade recreativa, perda do gozo dos anos de juventude, perda possibilidade de iniciar ou prosseguir determinados estudos e perda da esperança de vida[44].

A vantagem da introdução da concepção de dano biológico consiste no alargamento das componentes do dano real a ter em conta e, correspondentemente, a determinação de uma forma mais justa, da indemnização devida pelo lesante, em regra, quanto a consequências, de natureza não patrimonial. Mas não necessariamente só quanto a estas. Também no plano dos efeitos de natureza patrimonial, equivalentes aos danos emergentes e aos lucros cessantes – entendidos, estes últimos, como os valores de perda de rendimentos resultantes da afectação, total ou parcial, temporária ou permanente, da actividade laboral do lesado - será possível extrair novos elementos da concepção ampla do dano biológico como dano real ou dano-evento.

Seja como for, apesar da sua índole biológica, e independentemente da sua qualificação como dano patrimonial[45] - qualificação que se julga preferível[46] - ou não patrimonial, ou mesmo, como tertium genus ou um meio-termo entre uma e outra espécie de dano – tem-se por adquirido, à certeza, que se trata de um dano que deve ser objecto de adequado ressarcimento[47].

A reparabilidade deste dano não, pois, deve oferecer dúvida fundada. Espinhoso é, porém, o problema de saber a que parâmetro deve obedecer a determinação do quantum da indemnização dirigida a essa reparação.

Um dos critérios possíveis de cômputo do referido dano – e que conhece, de resto, uma larga utilização é de base jurisprudencial. E, foi esse aliás, o critério de que se socorreu a sentença apelada, como linearmente decorre da espécie que citou como larga liberalidade: o acórdão do Supremo de 15 de Fevereiro de 2007[48].

A jurisprudência tem, com efeito, considerado que a indemnização devida pelos danos futuros deve corresponder a um capital produtor de um rendimento que se extinga na data previsível da vida activa da vítima e garanta as prestações periódicas equivalentes à respectiva perda de ganho. No cômputo desse capital, deve ponderar-se, inter alia, a natureza da actividade produtiva exercida pela vítima, o valor da remuneração, actual ou potencial, auferida, a evolução do índice de preços, a duração provável da sua vida activa, a esperança de vida[49], e a expectativa de aumento do seu rendimento. Todos estes parâmetros assentam em juízos de prognose de simples probabilidade – assentes no id quod plerumque accidit, no que normalmente sucede - pelo que o seu resultado puramente aritmético deve ser objecto de correcção, por defeito, tendo em conta, designadamente, o facto da antecipação e da concentração da indemnização, necessariamente referida a um dano futuro, que perdura no tempo[50].

Na verdade, dado que o valor do capital assim encontrado representa uma grandeza puramente aritmética, não corresponde, necessariamente, ao valor final da indemnização.

Esse valor mostrar-se-ia exacto, enquanto expressão do valor da reparação, se se devesse assentar na verificação, ne varietur, durante o lapso temporal considerado, dos parâmetros utilizados no seu cálculo.

Efectivamente, aquele valor supõe, por exemplo, a estabilidade da relação de emprego, fonte do rendimento, e da actividade económica em geral. No entanto, a observação sociológica mostra uma instabilidade e uma flexibilização ou amolecimento crescentes do vínculo laboral - de que elevada taxa de desemprego é o sinal mais evidente - e uma desaceleração da actividade e do crescimento económicos que, a par de uma política pública declaradamente orientada para uma desvalorização salarial e social, e marcada por um nível intolerável de pressão fiscal, provoca, naturalmente, uma contracção no rendimento das pessoas e das empresas. Aquele valor supõe a certeza de factos absolutamente contingentes e transforma numa prestação actual simples expectativas, e noutro plano, é a expressão concentrada de uma prestação que, no evoluir normal das coisas, seria satisfeita de forma fragmentada.

Mal vale a pena perder uma palavra para explicar que, tratando-se de computar danos tomando como base de cálculo o valor do rendimento do lesado, o valor que deve ser utilizado é, seguramente, o valor líquido desse rendimento – i.e., diminuído das contribuições fiscais e parafiscais obrigatórias – visto que só esse valor, mesmo na ausência do evento danoso, ingressava efectivamente na sua esfera jurídico-patrimonial (artº 566 nº 1 do Código Civil)[51]. Não constitui, evidentemente, obstáculo à reparabilidade do dano considerado o facto de o lesado, não exercer, ao tempo da ocorrência, do facto danoso, qualquer actividade remunerada. Em tal conjuntura, e na falta de outros parâmetros – como, por exemplo, o valor que o lesado auferiria com o seu ingresso no mercado de trabalho ou da retribuição comummente praticada nesse mesmo mercado para pessoas dotadas das competências, qualificações ou habilitações idênticas às do lesado - a jurisprudência do Supremo sugere, para o seu cálculo, ao menos como ponto de partida, o valor da remuneração mínima garantida[52], e, em última extremidade, o uso de um critério não normativo: a equidade[53].

É claro que tratando-se de avaliar um dano que decorre de um défice ou de uma incapacidade permanente compatível com o exercício de uma actividade profissional, designadamente com aquela que a vítima exercia ao tempo da lesão, aquele critério deve ser objecto de adequada reconformação. De um aspecto, porque já não se trata tanto de indemnizar a perda da capacidade aquisitiva ou de ganho – mas o esforço ou a penosidade acrescida exigida ao lesado para a manter, a restrição no acesso ao exercício de certas profissões e as dificuldades de progressão na carreira e, geral, todos os factos que reduzem consideravelmente as oportunidades ou possibilidades de obtenção, pelo lesado, no futuro de incrementos patrimoniais; de outro, porque há que ponderar a repercussão da afectação definitiva da integridade física e/ou psíquíca de que o lesado é portador, não apenas no exercício da sua actividade profissional habitual - mas na sua vida diária, quotidiana, tanto no plano pessoal e familiar como no plano social.

Este viaticum habilita-nos a resolver os delicados problemas que constituem o objecto do recurso: determinação do valor da indemnização orientada para a compensação do dano não patrimonial, comprovadamente suportado pela autora apelante, e para a reparação do dano patrimonial futuro, resultante da incapacidade ou do défice funcional de que é indubitavelmente é portadora.

Na verdade, não se discute no recurso a vinculação da recorrida ao dever de indemnizar – mas apenas a extensão desse dever, i.e., o quantum da indemnização devida à autora recorrente – e só a esta - como compensação do dano não patrimonial e como reparação do dano patrimonial, causado por aquele défice funcional, que a atingiu.

É para a determinação da quantidade do dever de indemnizar que vincula a apelante subordinada que se dirigem as considerações subsequentes.

3.4. Concretização.

3.4.1. Indemnização do dano não patrimonial suportado pela recorrente principal, C...

A autora recorrente pediu, para ser compensada do dano não patrimonial que sofreu – no qual englobou as ofensas da sua integridade física e psíquíca, o quantum doloris, e o prejuízo de afirmação pessoal - que a recorrente subordinada fosse condenada a prestar-lhe a quantia de € 75.000,00, quantia a que, no seu ver, deverá acrescer a de € 27.500,00 emergente do dano estético.

A sentença impugnada, ponderando que a indemnização dos danos não patrimoniais pedida – no global de € 102.500,00 - é manifestamente excessiva, mesmo em comparação com os montantes indemnizatórios que a mais recente jurisprudência vem entendendo adequada a casos relativamente semelhantes, e mesmo de maior gravidade – arbitrou àquela autora, a esse título – a quantia de € 30.000,00, na qual, declaradamente, fez compreender a reparação correspondente ao dano estético.

Um bosquejo ainda que breve pela jurisprudência do Supremo – com o qual se procura dar expressão à preocupação da normalização ou padronização quantitativa da compensação devida por esta espécie dano, e, por essa via, ao princípios da igualdade e da unidade do direito e ao valor eminente da previsibilidade da decisão judicial – que essa compensação foi fixada em € 30.000,00 para um jovem que teve um período de tratamento particularmente penoso, com intervenções cirúrgicas, acamamento, imobilização, enjoos, dores de grau 3 numa escala de 7, e sequelas com gravidade relativa[54], em € 50.000,00 para uma pessoa de 29 anos de idade que sofreu várias fracturas e um traumatismo crânio-encefálico, com dores de grau 5 numa escala de 7, que esteve hospitalizado duas vezes, foi sujeito a intervenções cirúrgicas e a tratamento de fisioterapia, que teve de se deslocar, longo tempo, com o auxílio de canadianas e que ficou, como sequelas permanentes, com cicatrizes na perna, claudicação de marcha, dificuldade em permanecer de pé, subir e descer escadas impossibilitado de correr e praticar desporto que antes praticava, e que passou de alegre e comunicativo a triste, desconcentrado e ansioso[55], em € 60.000,00 para um lesado de 16 anos de idade, que sofreu fractura basicervical do fémur esquerdo e traumatismo craniano com perda de consciência, que teve de andar de canadianas três meses e fazer fisioterapia, ficou com marca viciosa e marcadamente claudicante, dismetria dos membros inferiores, báscula da bacia com rotação e maior saliência da anca esquerda, desvio escoliótico com dor na palpação lombar, atrofia da coxa e da perna esquerdas e marcada rigidez na anca esquerda; incapacidade para a corrida, para se ajoelhar e adoptar posição de cócoras, dificuldade marcada na permanência de pé, alterações sexuais devido a dificuldades de posicionamento, impossibilidade de praticar desportos que impliquem esforço físico; sensação de tristeza, vergonha e revolta bem como frustração e medo no contacto com o sexo oposto; necessidade de nova intervenção cirúrgica, de fisioterapia, de adaptação automóvel para poder conduzir; não frequência de praias por dificuldade em caminhar na areia e pela vergonha de exibir o corpo, e de piscinas; não participação em jogos de futebol e impossibilidade de carregar pesos; anteriormente alegre e extrovertido, passou a ser mal-humorado, com pesadelos frequentes, insónias e tendências para o isolamento, lendo e escrevendo com dificuldade[56]; € 50.000,00 ao lesado que sofreu vários internamentos hospitalares e intervenções cirúrgicas, apresentando dores no pescoço que se agravam com os esforços ou em viagens a conduzir, dores no punho esquerdo, dores no joelho direito ao subir e descer escadas, perturbações no sono e ansiedade que se manifestaram depois do acidente, uma cicatriz na posição inferior da face anterior do joelho direito, com 2,8 cm de comprimento, desgosto e complexos de inferioridade física bem como angústia e má disposição pelo estado físico em que se encontra[57].

Revertendo ao nosso caso, temos, de harmonia com a matéria de facto apurada que a autora, por força do facto ilícito – de que resultou perigo para a vida - sofreu fractura exposta dos ossos da perna esquerda e do fémur esquerdo e traumatismos toráxico, crâneo-encefálico e na coluna vertebral e, para tratamento das lesões do membro inferior esquerdo foi submetida a duas intervenções cirúrgicas; a autora passou horas de agonia e angústia, sem saber se conseguiria sobreviver, durante as quais sofreu dores, quer do ponto de vista físico, quer psicológico; a autora apresenta sequelas definitivas no membro inferior esquerdo, nomeadamente o seu encurtamento em, pelo menos, 3 centímetros, o que lhe causa dificuldades no equilíbrio e na locomoção em geral, sofre, de forma cíclica, de dores ao nível da coluna vertebral, que lhe causam perturbações do sono e cansaço físico durante todo o dia, tem dificuldades, e não consegue correr, dançar e praticar desporto; apresenta cicatrizes extensas e inestéticas, que a levam a abster-se de usar roupa que não as esconda, como saias e calções, e de frequentar a praia, piscinas, parques lúdicos e ginásios; mercê das sequelas a autora sente desgosto, inibição e complexos; durante o período de convalescença a autora sofreu choque emocional traduzido em pânico, angústia e desespero, dificuldades em adormecer, pesadelos, perante a perspectiva da necessidade de recorrer a intervenções cirúrgicas que lhe causariam o encurtamento do membro inferior esquerdo e, ainda hoje, sofre pesadelos nos quais reproduz o acidente, e, consequentemente, chora, sente-se angustiada e deprimida; a autora que era uma mulher saudável, amante da vida, que desempenhava com gosto as suas tarefas profissionais e domésticas, patenteia alterações nervosas e psicológicas, carecendo de recorrer a médicos especialistas do foro neuro-psicológico e ao uso diário de medicamentos calmantes, analgésicos, ansiolíticos e anti-depressivos, continuando a necessitar de ajuda médica e medicamentosa, que se prolongará durante a sua vida.

A matéria de facto averiguada espelha, cristalinamente, um contexto de sofrimento, tanto contemporâneo da lesão – quantum doloris que a perícia de avaliação do dano corporal em direito civil computou no grau 5/7 - como actual e futuro, particularmente terrível e grave, profundo e irreversível, com repercussões permanentes na personalidade mesma da autora e na sua relação com o seu corpo, e uma afectação estética permanente – que a mesma perícia mensurou no grau 5/7.

In casu, não há razão fundada para discutir a correcção da ponderação do – grave - dano estético patenteado pela recorrente principal como simples espécie da categoria do dano não patrimonial que suportou – e que suportará até ao derradeiro dia da sua vida.

Nestas condições, sem prejuízo da especificidade irrepetível de cada caso concreto – e da infindável casuística a que essa variação dá lugar – em face, v.g., do grave sofrimento físico e anímico experimentado – e a vivenciar – pela recorrente principal, da alteração profunda e permanente da sua personalidade e da sua relação com o corpo, e da sua saúde, e da dependência crónica de terapias médicas e medicamentosas, o valor que, para a compensar desse dano, lhe foi arbitrado pela sentença impugnada mostra-se, realmente, parcimonioso, julgando-se mais adequado, naquele mesmo condicionalismo, fixá-lo em € 50.000,00.

3.4.2. Indemnização do dano biológico ou corporal suportado pelo recorrente principal, C...

A sentença impugnada, observando que a autora padece de incapacidade permanente (fixável em 18 pontos) que lhe exige esforços acrescidos no desempenho profissional, mas que, não obstante as dificuldades acrescidas que poderá ter e, efectivamente tem, a autora continua a poder exercer a sua actividade profissional mas com esforços acrescidos, julgou adequado, atendendo a critérios de equidade, fixar a quantia de 25.000,00 a título de indemnização por danos patrimoniais futuros, acrescida da quantia € 10.000,00, relativa à vigilância médica e medidas terapêuticas, tanto medicamentosas como de fisioterapia, de que autora irá necessitar durante o resto da sua vida.

A recorrente principal pediu, na instância recorrida, que o quantum desta reparação fosse fixado em € 85.000,00.

Aquela incapacidade constitui um dano que deve ser objecto de adequada reparação, por aplicação do critério de base jurisprudencial oportunamente indicado, e ainda que se deva assentar na natureza patrimonial do dano considerado, a verdade é que, mesmo no tocante às consequências de índole patrimonial, por impossibilidade, resultante do seu carácter futuro, de se averiguar, com exactidão, o seu valor, o cômputo da indemnização dirigida à sua remoção, deve operar ainda no contexto de um juízo ex aequo e bono (artº 566 nº 3 do Código Civil).

De harmonia com a matéria de facto julgada provada pelo Tribunal de que provém o recurso, as lesões sofridas pela recorrente principal tornam mais difícil e exigem-lhe um esforço suplementar no exercício da sua profissão e animadora sociocultural, tornam mais difícil a progressão na carreira e diminuem-lhe as saídas profissionais que implicam o uso da actividade física, tais como dança, ginástica e animação para pessoas idosas ou crianças; aquela recorrente padece de incapacidade permanente que lhe exige esforços acrescidos no desempenho profissional, tem dificuldades na manipulação de objectos com peso superior a 2 kg e, atenta a sua condição física, necessita da ajuda quotidiana de terceiras pessoas para a auxiliar nos trabalhos domésticos mais pesados.

Numa palavra: a recorrente principal é portadora de um défice funcional permanente – que a perícia fixou em 18 pontos – que embora sendo compatível com o exercício de uma profissão – como por exemplo, de animadora sócio-cultural – lhe exige, para o seu desempenho, esforços acrescidos ou suplementares, que lhe limitam o leque de saídas profissionais que impliquem actividade física, e lhe dificultam a progressão na carreira, e, alem disso, se repercute em todo o seu quotidiano.

Nestas condições – sendo indiscutível a reparabilidade deste dano - tendo conta o carácter negligente do facto lesivo, a idade da lesada à data do evento danoso, a esperança média de vida, o valor da remuneração mínima garantida, naquela data - € 426,00: artº 1 do Decreto-Lei nº 397/2007, de Dezembro de 2007 – o défice funcional permanente da sua integridade física, julga-se equânime fixar a indemnização dirigida para a reparação desse dano em € 40.000,00.

O recurso principal deverá, pois, proceder – mas apenas parcialmente. Como este recurso e o recurso subordinado tinham as mesmas razões de procedência de improcedência, a procedência do primeiro determina, logicamente, a improcedência do segundo.

Síntese recapitulativa:

a) Na determinação do quantum da indemnização do dano não patrimonial, a lei aponta nitidamente para uma valoração casuística, orientada por critérios de equidade;

b) O dano estético é, em regra, simplesmente uma espécie particular de dano não patrimonial, cuja valoração deste dano deve relevar fundamentalmente da aplicação de critérios objectivos, sem prejuízo, porém, da ponderação da apreciação íntima e, portanto, subjectivizante do lesado, quanto à sua repercussão.

c) A perda relevante de capacidades funcionais, ainda que não imediata e totalmente reflectida nos rendimentos auferidos pelo lesado, constitui um dano que deve ser objecto de adequada reparação;

d) A indemnização devida por danos futuros deve corresponder a um capital produtor de um rendimento que se extinga na data previsível da vida activa da vítima e garanta as prestações periódicas equivalentes à respectiva perda de ganho;

e) O critério referido em d), devidamente reconformado, é aplicável ao cômputo da indemnização do dano que decorre de um défice ou de uma incapacidade permanente embora compatível com o exercício de uma actividade profissional.

O recurso deverá, pois, proceder, mas apenas parcialmente.

A recorrente subordinada sucumbe no seu recurso. Deverá, por isso, satisfazer as custas dele. A recorrente principal e a recorrente subordinada sucumbem reciprocamente no recurso independente. Deverão, por essa razão, satisfazer, na proporção dessa sucumbência, as respectivas custas (artº 527 nºs 1 e 2 do CPC).

4. Decisão.

Pelos fundamentos expostos, julga-se improcedente o recurso subordinado e parcialmente procedente o recurso principal e, consequentemente:

a) Revoga-se a sentença impugnada, no segmento em que foi objecto de impugnação, e condena-se G…, S.p.a a pagar a C…, a título de danos não patrimoniais a quantia de € 50.000,00, e a título de danos futuros, decorrentes do défice funcional de que a segunda é portadora, a quantia de € 40.000,00.

b) Mantém-se, no mais, a sentença impugnada.

Custas do recurso subordinado, pela respectiva recorrente. Custas do recurso principal por ambos os recorrentes, na proporção da respectiva sucumbência.

                                                                                                              13.12.03

                                                                                                              Henrique Antunes (Relator)

                                                                                                              José Avelino Gonçalves

                                                                                                              Regina Rosa        


[1] Acs. da RL de 26.05.92, BMJ nº 417, pág. 812, e do STJ de 18.11.75, BMJ nº 251, pág. 107, de 15.06.93, BMJ nº 428, pág. 531, de 25.03.10 e de 23.11.10, www.dgsi.pt.
[2] Cfr. Paula Meira Lourenço, A Função Punitiva da Responsabilidade Civil, Coimbra Editora, 2006, págs. 228 a 293.
[3] António Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, AAFDL, 1980, vol. 2º Volume, pág. 283.
[4] Pereira Coelho, “O nexo de causalidade na responsabilidade civil”, Boletim da Faculdade de Direito, Suplemento IX, Coimbra, 1951, pág. 107 e ss. Tratando-se de danos não patrimoniais, só são atendíveis os que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito (artº 496 nº 1 do Código Civil). À luz desta exigência, a jurisprudência sustenta que não compensáveis dos danos não patrimoniais que se traduzam em meros incómodos. Cfr., v.g., Acs. do STJ de 2.10.73, BMJ nº 230, pág. 107, de 26.6.91, BMJ nº 408, pág. 438 e de 10.11.03, CJ, STJ, I, III, pág. 132.
[5] António Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2º volume, Lisboa, AFDDL, 1980, págs. 285 e 286.
[6] Maria Júlio de Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 7ª ed., Almedina, Coimbra, 1998, págs. 514 e 515.
[7] Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6ª ed., Coimbra Editora, 1989, pág. 370.
[8] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 10ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, pág. 601.
[9] Vaz Serra, Reparação do Dano Não Patrimonial, BMJ nº 83, págs. 65 e ss.
[10] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 1986, pág. 566.
[11] Ac. do STJ de 26.02.04, www.dgsi.pt.
[12] António Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, vol. II, Almedina, Coimbra, 1984, pág. 1202 e 1203, e A Decisão Segundo a Equidade, O Direito, Ano 122, II, 1990, pág. 261 e ss.
[13] Acs. do STJ de 21.02.13, 11.05.12 e 23.11.11, www.dgsi.pt.
[14] António Pinto Monteiro, Sobre a Reparação dos Danos Morais, Revista Portuguesa do Dano Corporal, 1992, Ano 1º, I, pág. 21 e Paula Meira Lourenço, A Função Punitiva da Responsabilidade Civil, Coimbra Editora, 2005, pág. 251 e ss. e Ac. da RL de 15.12.94, CJ, 94, V, pág. 135 e José Carlos Brandão Proença, A Conduta do Lesado como Pressuposto e Critério de Imputação do Dano Extracontratual, Almedina, Coimbra, 1997, pág. 167.
[15] Sinde Monteiro, Dano Corporal (Um roteiro do direito português), RDE, 1989, nº 15, pág. 372 e Reparação dos Danos Pessoais em Portugal – A lei o Futuro (Considerações de lege ferenda a propósito da discussão da “alternativa sueca”), CJ, XI, IV, pág. 12, e José Carlos Brandão Proença, A Conduta do Lesado como Pressuposto e Critério de Imputação do Dano Extracontratual, Almedina, Coimbra, 1997, pág. 168, nota 518, e Acs. do STJ de 26.05.02 e de 17.11.05, www.dgsi.pt. No limite, a disposição do artº 494 do Código Civil pode ser julgada constitucionalmente imprópria, por violação do princípio da igualdade. Cfr. o Ac. do STJ de 11.01.07, www.dgsi.pt.
[16] Vaz Serra, RLJ Ano 103, pág. 179 e Ac. da RP de 20.04.06, www.dgsi.pt.
[17] O bem atingido por aquele dano não é a esperança de vida – mas a vida em si mesma: cfr., o Ac. do STJ de 17.02.00, www.dgsi.pt. Em qualquer caso, a relevância da idade da vítima, enquanto parâmetro concretizador do valor da reparação, deve, no tocante a este dano, ser relativizada. Ainda que não se deva absolutizar o valor do bem vida, considerando a sua valência idêntica para todas as pessoas, a idade deve, para o efeito apontado, ter um peso muito reduzido. Cfr. Acs. do STJ de 07.02.06 e da RP de 08.11.06, www.dgsi.pt.
[18] Maria Manuel Veloso, Danos não Patrimoniais, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, vol. III, Coimbra Editora, 2007, págs. 543 e 544 e Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, pág. 629; Acs. do STJ de 27.09.07, www.dgsi.pt. e de 30.10.96, BMJ nº 460, pág. 444.
[19] António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral, Tomo III, Pessoas, 2ª ed., 2007, Almedina Coimbra, pág. 169, e António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Responsabilidade Civil, volume II, Indemnização dos Danos Reflexos, Coimbra, Almedina, 2005, pág. 23.
[20] João António Álvaro Dias, Dano Corporal, Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, Coimbra, Almedina, 2001, pág. 357, nota 795.
[21] Luís Manuel Telles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, 2ª edição, Coimbra, Almedina, pág. 318, nota 660.
[22] O paradigma da responsabilidade civil é o da patrimonialidade do dano, e, por isso, a reparação do dano não patrimonial, escapa, em larga medida, às coordenadas daquele sistema: cfr. Pessoa Jorge, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, Almedina, Coimbra, 1995, pág. 376.
[23] António Menezes Cordeiro, Da Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedade Comerciais, Lex, Lisboa, 1997, pág. 478.
[24] Cfr., v.g., Ac. do STJ de 05.07.07, www.dgsi.pt.
[25] Jorge Sinde Monteiro, Reparação dos Danos Pessoais em Portugal, CJ, 86, IV, pág. 11.
[26] Diz-se, em regra, dado que nalguns casos, o chamado pretium pulcritudinis, ou prejuízo estético, pode resolver-se num dano patrimonial, como sucederá, por exemplo, nos casos de profissões em que a aparência estética seja conditio sine qua non do seu exercício, como ocorre com actrizes, modelos, etc. Cfr., Luis Diez-Picazo, El Escándalo del Daño Moral, Thomson, Civitas, Cuadernos Civitas, 2008, pág. 64.
[27] Cfr., Luísa Neto, O Direito Fundamental à Disposição sobre o Próprio Corpo (A Relevância da Vontade na Configuração do Seu Regime), FDUP, Coimbra Editora, 2004, págs. 436 e ss.
[28] João Álvaro Dias, Dano Corporal, Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, Almedina, Coimbra, 2001, págs. 376 a 386, e Consequências não pecuniárias de Lesões não Letais, Estudos Dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio de Almeida Costa, UCE, 2002, págs. 763 a 773.
[29] Note-se que o dano estético é, necessariamente, um dano permanente e, portanto, apenas a alteração estética estabilizada é susceptível de ser avaliada e reparada. Nessa avaliação não pode, porém, deixar ser ponderada a susceptibilidade de tratamento cirúrgico reparador, ponderação que deverá incluir os riscos, custos e benefícios da cirurgia plástica reparadora.
[30] Teresa Magalhães, Da Avaliação à Reparação do Dano Corporal, www.trp.pt/notícias/conferência.
[31] João António Álvaro Dias, Dano Corporal, Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, Almedina Coimbra, 2001, págs. 390 e 391.
[32] João Álvaro Dias, Dano Corporal – Quadro Epistemológico, cit., págs. 130 e ss., Armando Braga, A Reparação do Dano Corporal na Responsabilidade Civil Extracontratual, Almedina, Coimbra, 2005, págs. 37 e ss., e 201 e ss. e Ac. do STJ de 26.01.12, www.dgsi.pt.
[33] J. Sinde Monteiro, “Dano corporal (Um roteiro do direito português)”, RDE, 1989, págs. 367 e ss.
[34] O conceito tem, também, enorme relevância no plano normativo: indirectamente, no Decreto-Lei nº 352/2007, de 23 de Outubro, que, para além da aprovação de uma nova Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho, aprovou uma Tabela Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil; directamente para a Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio – entretanto já alterada pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho – que regula o denominado regime de proposta razoável de indemnização, a apresentar pelas seguradoras em casos de acidente de viação.
[35] Armando Braga, Reparação do Dano Corporal na Responsabilidade Civil Extracontratual, Almedina, Coimbra, 2005, págs. 116 a 120 e 130.
[36] João Álvaro Dias, Dano Corporal, Quadro Epistemológico, cit., págs. 163 a 178.
[37] V.g., Acs. do STJ de 25.06.02 e 24.09.09, www.dgsi.pt.
[38] Ac. do STJ de 20.10.10, www.dgsi.pt. O acordão admite, porém, em tese geral, que o dano biológico possa ser avaliado de forma patrimonial ou não patrimonial.
[39] Ac. do STJ de 27.10.09,www.dgsi.pt. O acordão, apesar de se afirmar que a penosidade acrescida no exercício de tarefas profissionais e do dia-a-dia constitui seguramente um dano não patrimonial, conclui, porém, em sentido distinto, ao afirmar que os autos revelam a natureza híbrida do dano biológico, pelo que a perda da capacidade de trabalho, sem consequências imediatas (ou para quem ainda não trabalha) tem (igualmente) importância pela diminuição das possibilidades de mudança ou reconversão de emprego, ou seja, constitui (também) um dano patrimonial.
[40] Acs. do STJ de 15.11.02, 11.11.10, 20.05.10, 06.12.11, 10.10.11 e 11.12.12, www.dgsi.pt.
[41] Assim, também, v.g., os Ac. da RP de 07.01.13, 22.11.12, 29.05.12 e 24.04.12.
[42] Esta dupla fundamentação da reparabilidade do dano biológico e o reconhecimento da sua alteralidade e autonomia levanta, porém, um problema espinhoso: o da cumulação da sua reparação com a reparação do dano estritamente laboral. Admitindo a cumulação - com fundamento em que, o prejuízo que a indemnização do dano biológico visa ressarcir não é um dano laboral, mas um dano de natureza geral, ou seja que correspondente à afectação definitiva da capacidade física ou psíquica do lesado, com repercussões nas actividades da vida diária, incluindo familiares, sociais, de lazer e desportivas, que não tem sequer expressão em termos de incapacidade para o trabalho, apenas exigindo do lesado esforços acrescidos nesse domínio - cfr., v.g, os Ac. do STJ de 11.12.12 e 10.12.12, www.dgsi.pt; contra, porém, o Ac. do mesmo Tribunal de 26.01.12 – www.dgsi.pt – de harmonia com o qual o a conceptualização do dano biológico não veio tirar nem por ao que, em termos práticos já vinha sendo decidido pelos tribunais, quando à indemnização pelos danos patrimoniais de carácter pessoal ou compensação pelos danos não patrimoniais, relevando apenas na fundamentação, designadamente, para se chegar a tal indemnização, afastando as dúvidas que poderiam surgir perante a não diminuição efectiva de proventos apesar da fixação da incapacidade permanente.
[43] Maria da Graça Trigo, “Adopção do conceito de “dano biológico” pelo direito português”, ROA, Ano 72, Jan./Mar. 2012, pág. 164.
[44] Maria da Graça Trigo, “Adopção do conceito de “dano biológico” pelo direito português”, cit., pág. 167.
[45] Acs. da RC de 14.10.97, CJ, XXII, IV, pág. 36, e do STJ de 05.02.87, BMJ, 364, pág. 819.
[46] O entendimento da incapacidade permanente geral, mesmo que não se prove que implica incapacidade para o trabalho, como causa de danos patrimoniais futuros, é a solução para a qual a jurisprudência do Supremo parece inclinar-se: Acs. do STJ de 30.10.08, 30.09.10, 20.10.11, 07.06.11 e 21.02.13, www.dgsi.pt.
[47] Trata-se de jurisprudência firme. Cfr., v.g., Acs. do STJ de 23.11.06, 22.11.07, 25.11.07 e de 22.01.08, www.dgsi.pt.
[48] Disponível no sítio www.dgsi.pt.
[49] A esperança média de vida – número médio de anos que uma pessoa á nascença pode esperar viver – era, em Portugal, por referência ao ano de 2011, de 79,8, sendo para os homens de 76,7 e, para as mulheres, de 82,6. Fonte: INE/Pordata, disponível em www.pordata.pt.
[50] Cfr., v.g., Acs. do STJ de 24.09.09, 13.09.07, 05.07.07, 02.10.07, 04.12.07, 08.06.06, 02.03.04 de 07.10.10, www.dgsi.pt., e de 10.02.98 e 25.06.02, CJ, VI, I, pág. 66 e X, II, pág. 128, respectivamente, da RP de 11.12.12, 05.11.13 e 24.04.12, www.dgsi.pt., e J. Sousa Dinis, Dano Corporal em Acidentes de Viação. Cálculo da indemnização em situações de morte, incapacidade total e parcial. Perspectivas Futuras, CJ, STJ, 2001, I, pág. 5.
[51] Neste sentido, v.g., Acs. do STJ de 23.11.06 e de 19.12.06, www.dgsi.pt.
[52] Acs. do STJ de 02.05.12 e de 19.04.12, www.dgsi.pt.
[53] Ac. do STJ de 06.12.11, www.dgsi.pt.
[54] Ac. do STJ de 27.11.11, www.dgsi.pt.
[55] Ac. do STJ de 07.10.10, www.dgsi.pt.
[56] Ac. do STJ de 27.05.10, www.dgsi.pt.
[57] Ac. do STJ de 28.10.10., www.dgsi.pt.