Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
145/05.0.GCFVN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: RECURSO
MATÉRIA DE FACTO
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
IN DUBIO PRO REO
Data do Acordão: 01/28/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE FIGUEIRÓ DOS VINHOS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 146º DO CP; 127º,412º E 428º DO CPP
Sumário: 1. Na motivação de recurso ( sobre a matéria de facto), exige -se que os erros apontados à decisão sejam devidamente identificados – a fim de que o tribunal de recurso posa deles conhecer – e ainda a demonstração, com base numa argumentação minimamente persuasiva, do erro apontado, a fim de que o tribunal de recurso possa sindicar a bondade da argumentação, á luz dos critérios legais em vigor.
2. Assim o recorrente deve identificar o erro in operando ou o erro in judicando que aponta à decisão recorrida, bem como o conteúdo concreto dos meios de prova (as passagens concretas dos depoimentos) capazes de, numa valoração em conformidade com os critérios legais, “impor” decisão diferente da recorrida.
3, Uma coisa é o tribunal diligenciar – como diligenciou – no sentido de ver o depoimento produzido, sendo possível; outra diferente, é depois de ter feito as diligências possíveis para o efeito e constatando não ser possível a produção, dispensar o dito depoimento e prosseguir a audiência de discussão e julgamento.


4..No princípio in dubio pro reo, não está em causa uma dúvida hipotética ou abstracta. Do que se trata, é daquela dúvida que em concreto – após a produção e apreciação exaustiva de todos os meios de prova relevantes e sua valoração em conformidade com os critérios legais de produção e valoração da prova – permanece como razoável, deixando o observador distanciado do objecto do processo num estado em que se lhe apresenta como séria e razoável (susceptível de, em concreto ter ocorrido daquela forma) mais do que uma possibilidade de ocorrência do mesmo facto.

5.Assim, para a revogação da sentença importaria demonstrar, não só duas versões diferentes do mesmo facto, mas duas versões sérias, razoáveis e plausíveis e que, em tal contexto o tribunal acolheu aquela que desfavorece o arguido. O que, como se viu, não sucede com a análise do recorrente, sem qualquer conteúdo probatório susceptível de por em causa os meios de prova e análise critica em que repousa a decisão impugnada.
Decisão Texto Integral: 3

I. Relatório
A. arguido identificado nos autos, recorre da sentença na qual o tribunal recorrido decidiu:
- Condenar os arguidos, J, A. e AR pela prática, em co-autoria, de um crime de ofensa à integridade física qualificada p e p pelo art. 146º do C. Penal, cada um na pena de 110 (cento e dez) dias de multa, à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos);
- Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização com base na responsabilidade civil conexa com a criminal, formulado por F. contra os mesmos arguidos J, A. e AR condenando-os, solidariamente, a pagar aquele, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de € 850,00 (oitocentos e cinquenta euros) a crescida de juros de mora vincendos a partir da data da sentença.
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Na motivação formula as seguintes CONCLUSÕES (reprodução):
1. Os factos de audiência foram documentados, pelo que o poder de cognição desse Venerando Tribunal será extensivo à matéria de facto que não só à de direito. E em nossa modéstia opinião a douta decisão em apreço, não efectuou urna correcta e ponderada análise factual e tão pouco a subsunção dessa matéria ao direito, pelo que, com o presente recurso
2. Em nossa modéstia opinião o tribunal recorrido não podia ter dado como provado que:
1. Em hora não concretamente apurada mas entre as 2h e as
3h da madrugada de 20 de --- de 2005, na zona da esplanada do “…”, sito nesta comarca, os arguidos J., AR e A, acompanhados de outros três indivíduos não concretamente identificados, abordaram F. o qual, nessas circunstâncias, saia do interior do estabelecimento.
2.Em circunstâncias não concretamente apuradas, F. caiu ao solo e os outros três arguidos, juntamente com os outros indivíduos, começaram a pontapeá-lo enquanto ele se encontrava no chão, acertando-lhe em diversas partes do seu corpo, designadamente na região occipital, nas costelas e nos membros inferiores.
3. Como consequência directa e necessária ‘ia conduta dos três primeiros arguidos e dos outros três indivíduos que consigo se encontravam, F. sofreu equimose do olho esquerdo e desvio do septo nasal para a direita, pequena escoriação na face latera1 esquerda do nariz, dois hematomas da região occipital com cerca de 4 cm de diâmetro, equimose da região dorsal alta à esquerda, as quais lhe causaram dores.
4 Tais lesões demandaram, para serem debeladas, um período de 30 dias, nos quais esteve F. incapacitado para o trabalho geral e 7 incapacitado para o trabalho profissional.
5 Os arguidos actuaram em conjugação de esforços e intentos, de acordo com uma resolução previamente tomada em comum no sentido de molestar fisicamente F., o que conseguiram, sabendo também que, contra um grupo de seis indivíduos, não iria aquele opor qualquer tipo de resistência.
6. Os três arguidos quiseram e conseguiram valer-se da vantagem numérica.
7. Sabiam que a sua conduta era punida por lei penal
3 O Tribunal a quo devia ter valorado o depoimento da testemunha PP que também foi ouvido na audiência de julgamento 05.05.2009, estando as suas declarações gravadas com início 16:14:23 e fim da gravação 16:32:34.
4 Do depoimento desta testemunha, resulta que o assistente nesse mesmo dia, no Centro de Saúde de Figueiró dos Vinhos, chamou a GNR, para participar do irmão da testemunha JJ por pensar ter sido este quem o tinha agredido, isto é que tinha sido este quem lhe tinha provocado as lesões dos autos.
5 O Tribunal a quo, adiou a leitura de sentença, na primeira data designada para o efeito, por entender que era necessário para apuramento da verdade ouvir como testemunha JJ;
6 Até esta data não ouviu esta testemunha.
7 Apesar de não estar esclarecido quanto aos factos, proferiu sentença onde condenou o recorrente.
8 Da conjugação de todos os elementos de prova produzidos, o Tribunal a quo não poderia ter dado como provado os factos enunciados na clausula 2ª
9. Mal andou o Tribunal a quo, ao afirmar que as declarações da testemunha J mereceram credibilidade, quando é certo que tais declarações são contraditórias com as do arguido, do assistente, e restantes testemunhas.
10 Mal andou o Tribunal ao não valorar o depoimento da testemunha PP.
11 Mal andou o Tribunal quando proferiu sentença sem ouvir como testemunha JJ cujo depoimento considerou importante para a descoberta da verdade material.
12 Do depoimento do arguido, do assistente e das testemunhas, o Tribunal não poderia deixar de absolver o arguido, quanto mais não fosse por recurso ao principio in dúbio pró réu.
13 Porém o Tribunal, não devidamente esclarecido, perante as declarações contraditórias, de arguido, de assistente, testemunha J e testemunha PP, não deu sequer, ao arguido o benefício da duvida. Dúvida que, por ser mais razoável perante tão antagónicas declarações, deveria ter sido valorada em favor do arguido, por apelo ao principio constitucionalmente consagrado do in dubio pró réu;
14 Conclusão a que, também, não poderia deixar de chegar se tivesse valorado o depoimento da única testemunha que presenciou os factos - PP. Depoimento que, por isento e claro, não poderia deixar de ser valorado.
15 O Arguido não tendo agredido o assistente não poderia nunca confessar que tinha praticado tal facto, e muito menos aceitar a decisão que sobre ele recaiu;
16 Tudo impunha, que se o Tribunal tinha duvidas, não deveria ter proferido Sentença sem ouvir como testemunha JJ
17 Tudo impunha, que o arguido recorrente fosse absolvido, como é de justiça; Absolvição que, não poderia de ser extensiva aos Pedidos de Indemnização formulados pelo Centro Hospitalar de Coimbra e pelo assistente, que deveriam ter improcedido.
18 Pelo que, o arguido não poderia ter sido condenado. Absolvição que, a 1 não se entender de outro modo, sempre se imporia pelo recurso ao princípio in dúbio pró réu, pois que
Ao decidir em sentido contrário a decisão recorrida violou, entre outras, as normas estatuídas nos artigos 146º do Cód. Penal e os arts. 494º e 496º, n.3 do Cód. Civil
Termos em que, deve ser dado provimento ao recurso e a douta decisão recorrida, na parte em que é impugnada, ser revogada e substituida por outra que decrete a absolvição do arguido, quando assim se não entenda, ser substituida por outra que ordene que seja inquirido como testemunha JJ, como se mostra de JUSTIÇA E DIREITO.
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Respondeu o digno magistrado do MºPº junto do Tribunal recorrido sustentando a improcedência do recurso.
No visto a que se reporta o art. 416º do CPP o Ex. Mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que o recurso deve improceder.
Foi cumprido o disposto no art. 417º, n.º2 do CPP.
Corridos os vistos, foi realizado o julgamento, em conferência.
Cumpre decidir.
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II. Fundamentação

1. O recorrente questiona a decisão da matéria de facto com o fundamento de que o tribunal não procedeu à inquirição de determinada testemunha e ainda com o fundamento de que, com base nos meios de prova produzidos, devia ter sido dada como não provada a sua participação nos factos, em homenagem, em última instância, ao princípio in dubio pro reo.
A apreciação obriga a rever a decisão do tribunal recorrido em matéria de facto.
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2. A decisão do tribunal recorrido é a seguinte:
A) Matéria de facto provada
1. Em hora não concretamente apurada mas entre as 2h e as 3h da madrugada de 20 de.. de 2005, na zona da esplanada do …”, sito nesta comarca, os arguidos J., AR e A., acompanhados de outros três indivíduos não concretamente identificados, abordaram F. o qual, nessas circunstâncias, saía do interior do estabelecimento.
2. Em circunstâncias não concretamente apuradas, F. caiu ao solo e os três arguidos, juntamente com os outros três indivíduos, começaram a pontapeá-lo enquanto ele se encontrava no chão, acertando-lhe em diversas partes do seu corpo, designadamente na região occipital, nas costelas e nos membros inferiores.
3. Como consequência directa e necessária da conduta dos três primeiros arguidos e dos outros três indivíduos que consigo se encontravam, F. sofreu equimose do olho esquerdo e desvio do septo nasal para a direita, pequena escoriação na face lateral esquerda do nariz, dois hematomas da região occipital com cerca de 4 cm de diâmetro, equimose da região dorsal alta à esquerda, as quais lhe causaram dores.
4. Tais lesões demandaram, para serem debeladas, um período de 30 dias, nos quais esteve F. incapacitado para o trabalho geral e 7 incapacitado para o trabalho profissional.
5. Os arguidos actuaram em conjugação de esforços e intentos, de acordo com uma resolução previamente tomada em comum no sentido de molestar fisicamente F., o que conseguiram, sabendo também que, contra um grupo de seis indivíduos, não iria aquele opor qualquer tipo de resistência.
6. Os três primeiros arguidos quiseram e conseguiram valer-se da vantagem numérica.
7. Sabiam que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
8. O arguido J aufere, mensalmente, a quantia de € 600,00.
9. Vive com uma companheira, a qual é auxiliar de lar e aufere a quantia de € 450,00.
10. O casal é família de acolhimento de uma menina de 2 anos de idade pagando, relativamente ao seu infantário, a quantia mensal de e 71,00 por mês.
11. Vivem em casa arrendada, pela qual pagam a quantia mensal de € 250,00.
12. O arguido estudou até ao 12º ano de escolaridade.
13. O arguido não tem antecedentes criminais.
14. O arguido A. encontra-se a frequentar o curso de ingresso na G.N.R.
15. Irá receber, a título de bolsa, a quantia mensal de € 450,00.
16. Vive com os pais.
17. Estudou até ao 12º ano de escolaridade.
18. O arguido não tem antecedentes criminais.
19. O arguido AR tem uma empresa da área têxtil e aufere, mensalmente, a quantia de € 500,00.
20. Vive com os pais, em casa destes.
21. Tem um filho de 21 anos.
22. Estudou até ao 8º ano de escolaridade.
23. O arguido não tem antecedentes criminais.
24. O arguido F. trabalha por conta própria e aufere a quantia mensal aproximada entre € 1.800,00 e € 2.200,00.
25. Vive sozinho numa casa arrendada pela qual paga, a título de renda, a quantia mensal de € 960,00.
26. Tem uma filha a quem presta, a título de pensão de alimentos, a quantia mensal de € 180,00.
27. Estudou até ao 6º ano de escolaridade.
28. O arguido tem antecedentes criminais, tendo sido condenado numa pena de € 600,00 por factos praticados em 2005 e relacionados com circulação rodoviária e ingestão de bebidas alcoólicas, crime este cometido e julgado no ….
29. F. foi assistido no Serviço de Urgência, do Centro Hospitalar de Coimbra, no dia 20 .. de 2005, assistência essa no valor de € 58,60.
30. A equimose que F. apresentava no olho esquerdo foi visível durante algumas semanas após a agressão.
31. F. encontra-se emigrado no … há vários anos.
32. Na data referida em 1. encontrava-se a gozar férias em Portugal.
33. O demandante F. é divorciado e tem uma filha menor, que habita com a mãe.
34. Tais férias foram marcadas para o período compreendido entre 11 a 29 de Agosto de 2005 dado que a sua filha se encontrava a passar férias em Portugal com os avós maternos.
35. Dada a marca visível na face, o demandante não foi ao encontro da sua filha para evitar que esta o visse em tal estado.
36. Tal causou-lhe angústia e tristeza.
37. Trabalhava por conta da firma B….
38. Após o período de férias, o demandante regressou ao….
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B) Matéria de facto Não provada
Nenhum outro se provou com relevância para a decisão da causa, nomeadamente não se provou que:
- enquanto os arguidos e demais indivíduos se aproximavam de F. um deles disse “É este”.
- em consequência das lesões sofridas o demandante F. ainda hoje tenha dores na região occipital e no ombro esquerdo e poderá ainda ter de ser submetido a intervenção cirúrgica para debelar problemas respiratórios de que ficou a padecer.
- as lesões sofridas na perna esquerda tenham importado a F. fortes dores e dificuldades de locomoção que perduraram por cerca de um mês.
- o demandante F., em face das lesões sofridas, tenha ficado com dificuldades em mover o corpo e a coxear.
- o demandante F. se tenha tornado uma pessoa nervosa e ansiosa em virtude das agressões sofridas.
- As marcas das agressões que apresentava tenham causado a F. enorme mau-estar e embaraço diante de familiares e amigos.
- O demandante auferia, como electricista, a remuneração mensal de € 2.350,00.
- Em virtude das dores e das dificuldades de locomoção, o demandante F. não tenha podido trabalhar durante 3 semanas.
- Por tal facto, foi despedido.
- No dia 19 de … de 2005, cerca das 2h30, no interior do Bar -..”, o arguido F. se tenha dirigido a J. e, com um copo na mão, lhe tenha desferido um murro.
- Pese embora J. se tenha procurado desviar, o punho e o copo que F. transportava, que por força daquela acção se partiu, atingiram-no no queixo e nas costas.
- Como consequência directa e necessária da sua actuação, J. tenha sofrido lesões, nomeadamente escoriações na boca e face, bem como dores.
- O arguido F. agiu com intenção de molestar fisicamente J., o que fez.
- Agiu de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
- O demandante J. tenha sofrido dores violentas e agudas no seu corpo em virtude das agressões sofridas, bem como arrelias, incómodos e transtornos.
- Tenha sofrido profundo abalo moral e psicológico e grande humilhação, quando lhe perguntavam o que se havia passado.
- Tenha ficado impedido de dormir normalmente nos primeiros dias.
- As agressões sofridas por J. tenham sido objecto de falatório e comentários em que estão inseridos requerente e requerido, até pelo facto de ter sido “mordido”.
- Nessa sequência J. tenha tido necessitado de se deslocar duas vezes ao Centro de Saúde de Figueiró dos Vinhos em carro próprio.
- Tenha perdido dias de trabalho para se deslocar a advogado, médico, tribunal e GNR.
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Os demais factos, não especificamente dados como provados ou não provados estão em oposição ou constituem a negação de outros dados como provados ou não provados ou contêm expressões conclusivas ou de direito ou são irrelevantes para a decisão da causa.
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C) Motivação
A convicção do tribunal para dar tais factos como provados alicerçou-se na análise crítica e ponderada da prova produzida em julgamento e na documental junta aos autos.
Relativamente ao dia dos factos, pese embora a discrepância entre os vários arguidos e as várias testemunhas (ter sido de 6ª f para sábado ou de sábado para domingo), o certo é que pelo arguido F. e pelo seu irmão J. foi afirmado, consentaneamente, que se deslocaram, a seguir ao sucedido, ao Centro de Saúde de Figueiró dos Vinhos, motivo pelo qual e conjugando tal facto com a informação de fls. 49 dos autos – daquela instituição e a qual data de 20.8.05, pôde o Tribunal concluir com segurança o dia do sucedido.
Quanto à dinâmica dos factos e participação dos três primeiros arguidos, juntamente com outros indivíduos, local e forma como agrediram o assistente/arguido F., foi determinante o depoimento de J., o qual, pese embora seja irmão do ofendido, depôs de uma forma serena, clara e objectiva. Tal testemunha encontrava-se a trabalhar no bar em questão e após ter sido alertado da existência de distúrbios na zona da esplanada, quando se dirigiu ao exterior deparou-se com o seu irmão a ser agredido da forma supra descrita pelos três arguidos. Para além do mais, esta testemunha, uma vez que trabalhava no bar, conhecia bem os arguidos identificados não tendo, por via disso, qualquer dúvida em os identificar. Além do mais, também não apresentou qualquer animosidade anterior em relação a tais arguidos que suscitasse dúvidas acerca da veracidade da imputação que lhes fazia. O seu depoimento, pelas razões vindas de elencar, mereceu a credibilidade do Tribunal. E diga-se, ainda, que pese embora os depoimentos de M V e de VH, ambos no sentido de que nenhum dos arguidos esteve envolvido nos factos de agressão de que F. foi alvo, certo é que os mesmos tiveram depoimentos comprometidos, hesitantes e pouco credíveis tendo apenas por preocupação e assento tónico a ausência dos arguidos dos mesmos J e AR por se terem deslocado para a casa de banho após a suposta agressão de que o primeiro teria alvo e A. por se ter ausentado do bar com a namorada). Ora, tais versões não mereceram a credibilidade do Tribunal porquanto inverosímeis e contrárias ao normal desenrolar dos acontecimentos. A ser verdade que J. tivesse sido agredido, sem razão aparente, com um copo de cerveja na cara – versão por si apresentada e que, pelas razões que passaremos a explicar infra, se deu por não provada – mesmo fazendo fé na ausência de qualquer reacção da sua parte ou das pessoas que o acompanhavam, preocupando-se com o seu socorro no WC, não é crível que, ao regressarem ao bar e apercebendo-se de distúrbios no exterior – parte da esplanada – ficassem impávidos e serenos no interior do bar, como se nada se tivesse passado ou se estivesse, sequer, a passar – tendo sido esta a perspectiva apresentada.
Há ainda a referir que o depoimento que o Tribunal pretendia ouvir de JJ se nos afigurou importante uma vez que PP seu irmão, afirmou que este teria sido, igualmente, agredido, motivo pelo qual poderia, a nosso ver, pormenorizar e esclarecer, de uma forma mais completa e cabal, toda a dinâmica dos factos e a concreta actuação de cada um dos arguidos, desde o início das agressões perpetradas, dado que JJ apenas presenciou os factos já no seu desenrolar e dada a sua pronta intervenção, as agressões a F. terminaram logo de seguida.
No que respeita às partes do corpo atingidas, o Tribunal valorou positivamente, neste particular, as declarações do próprio assistente F., confirmadas e conjugadas que foram com os relatórios periciais.
No que às lesões concerne e dias de incapacidade que as mesmas determinaram, foram devidamente analisados os relatórios periciais de fls. 9 a 11 e 55 a 57 dos autos.
No que respeita aos antecedentes criminais dos arguidos, analisados foram os respectivos certificados de registo criminal juntos aos autos.
No que à situação económica e pessoal dos arguidos concerne, o tribunal fundou a sua convicção nas declarações prestadas pelos próprios, não tendo sido feita qualquer prova em sentido contrário que as infirme.
Quanto ao valor da assistência médica prestada ao assistente F., foi tido em consideração o documento de fls. 94.
Relativamente aos sentimentos sofridos por F., regresso ao.., seu propósito de férias e motivos pelos quais não esteve com a sua filha, o Tribunal alicerçou a sua convicção nos depoimentos dos irmãos do ofendido F. – J e AI – os quais, com conhecimento directo dos mesmos – porquanto estavam a viver todos juntos, na altura, e, por via disso, o acompanharam e sabiam dos seus intentos e das alterações efectuadas em virtude das lesões sofridas, tendo deposto com serenidade e objectividade, logrando formar a convicção do tribunal no sentido da positividade dos mesmos.
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No que respeita à matéria de facto dado por não provada, a sua resposta deveu-se à ausência ou insuficiência de prova produzida. Na verdade, relativamente aos factos atinentes à agressão de F, no interior do bar, pese embora o seu depoimento e o de P., nenhum deles mereceu credibilidade ao Tribunal. O primeiro porquanto enfabulatório e exagerado e não confirmado por mais nenhuma outra pessoa. O segundo uma vez que a testemunha se apresentou apática, com um discurso muito limitado, apenas circunscrito a determinados pontos-chave, não sabendo elencar questões laterais confirmadas por outras testemunhas (como seja a presença, no bar, do pai do proprietário, por exemplo) que nos suscitaram grandes dúvidas e não logrou merecer a credibilidade do Tribunal.
Quanto às dores sofridas e dificuldades de locomoção, sentimento sofrido, angústia, embaraço e mau-estar perante familiar, nervosismo foram as mesmas contrariadas pelo depoimento de JJ o qual, com naturalidade e espontaneidade, referiu que o irmão, logo no dia 20 e nos que se seguiram, continuou a ir ao bar e a encontrar-se com as pessoas, motivo pelo qual facilmente se conclui que, apesar do sucedido, nenhum impedimento (físico ou emocional) sentiu em continuar a sair à rua e a deslocar-se aos mais variados locais – não deixando de ser relevante que nem sequer se coibiu de regressar ao local onde havia sido alvo de agressões.
Relativamente à sua remuneração, à data, pese embora os documentos juntos a fls. 180 e ss., nenhum deles revela para o seu apuramento e não foi feita qualquer outra prova nesse sentido.
Já quanto à impossibilidade de trabalhar durante três semanas e tal estar na origem do despedimento, o Tribunal, tendo em conta o número de dias para consolidação médico-legal – 30 dias, sendo que apenas 7 o impossibilitavam de trabalhar conforme relatório pericial e na ausência de qualquer outra prova, e tendo também em conta o tipo e número de lesões, não mais restou que dar tais factos por não provados.
Quanto às agressões perpetradas a J., por parte de F. e apesar do seu depoimento, corroborado, no essencial, por AR e H, certo é a forma como os mesmos descreveram a agressão é totalmente incompatível, por um lado, com o relatório médico de assistência clínica de fls. 79, datado de 22 de .. de 2005 (nem sendo, sequer, coincidente tal data com aquela em que o arguido/ofendido afirmou ter-se deslocado ao Centro de Saúde de Figueiró dos Vinhos – no final do dia 20) e com as lesões aí descritas, mormente mordedura no braço e pancadas nas costas. Por outro lado, apesar de ambos terem afirmado que J. se queixou das costas, nenhum deles viu qualquer mancha de sangue na roupa, na zona do ombro ou das costas (supostamente atingida) quando aquele referiu claramente ter ficado com uma ferida em tal local. Além disso, a forma como H. se apresentou em Tribunal, nervoso, hesitante e depondo de uma forma vaga e genérica, não sabendo esclarecer pontos específicos como sejam o concreto local onde J. foi atingido, a forma como a pancada foi desferida fizeram com que o Tribunal não lhe atribuísse credibilidade.
Diga-se ainda que também quanto a esta situação não mereceram qualquer credibilidade ao Tribunal as declarações prestadas pelo arguido A. uma vez que o mesmo, na sua própria versão, se encontrava na esplanada do bar e este estava cheio de gente, motivo pelo qual não estava em condições de ver, com pormenor, clareza e exactidão, aquilo que declarou ter visto – e para aferir desta impossibilidade o Tribunal alicerçou a sua convicção no depoimento de JR, proprietário do bar o qual, com conhecimento directo e razão de ciência atendível, esclareceu a mesma em virtude do número de pessoas que, naquela noite, se encontravam no bar.
Por último e quanto às repercussões do sucedido em J., de sofrimento, vergonha, deslocações, valores despendidos, nenhuma prova foi feita nesse sentido.
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3. Apreciação
O recorrente questiona a decisão dos pontos 1 a 7 da matéria dada como provada pelo tribunal recorrido – relativa à intervenção/participação do recorrente na agressão ao ofendido.
Questionando a valoração efectuada pela decisão recorrida da prova por declarações e testemunhal produzida em audiência (entre ela o depoimento de uma testemunha que não foi ouvida) e a violação do princípio in dubio pro reo.
A impugnação da decisão da matéria de facto com base na reapreciação da prova exige o cumprimento de determinados ónus de especificação por parte do recorrente – para que se proceda à reapreciação de determinada decisão é necessário identificar os erros de julgamento ou de procedimento que lhe são imputados bem como a forma de os demonstrar.
Com efeito, postula o art. 412º, n.º3 e 4 do CPP:
3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) as provas que devem ser renovadas
4. Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado em acta, nos termos do art. 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
Devendo pois o recorrente identificar o erro in operando ou o erro in judicando que aponta à decisão recorrida, bem como o conteúdo concreto dos meios de prova (as passagens concretas dos depoimentos) capazes de, numa valoração em conformidade com os critérios legais, “impor” decisão diferente da recorrida.
Com efeito, como remédios jurídicos os recursos não podem ser utilizados com o único objectivo de melhor justiça. O recorrente tem que indicar expressamente os vícios da decisão recorrida. A motivação dos recursos consiste exactamente na indicação daqueles vícios que se traduzem em erros in operando ou in judicando. A pretensa injustiça imputada a um vício de julgamento só releva quando resulta de violação de direito material. Esta natureza dos recursos justifica, por outro lado, que se lhes aplique o princípio dispositivo e que se reconheça às partes um importante papel conformador – cfr. Cunha Rodrigues, Jornadas de Direito Processual Penal, Centro de Estudos Judiciários, p. 387.
O que exige que os erros apontados à decisão sejam devidamente identificados – a fim de que o tribunal de recurso posa deles conhecer – e ainda a demonstração, com base numa argumentação minimamente persuasiva, do erro apontado, a fim de que o tribunal de recurso possa sindicar a bondade da argumentação, á luz dos critérios legais em vigor.
Sendo a decisão de facto devidamente fundamentada (art. 374º do CPP) sob pena de nulidade (art. 379º do CPP) a procedência do recurso obriga que se demonstre a insubsistência dessa mesma fundamentação.
Perante uma sentença formalmente válida e fundamentada, impõe-se, para que seja revogada, que sejam rebatidos, com base em razões materiais minimamente persuasivas, os seus fundamentos materiais, o mesmo é dizer, em termos de matéria de facto, ou a legalidade dos meios de prova, ou conteúdo dos meios de prova convocados, ou a insubsistência, á luz dos princípios legais atinentes, da apreciação efectuada.
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Em termos de valoração da prova produzida oralmente em audiência (única invocada pelo recorrente, que não a prova pericial e por documentos relativa á descrição das lesões sofridas pelo ofendido e tratamento médico).
Ora se determinados meios de prova (por ex. a prova documental e a prova pericial, sujeitas a critérios legais de apreciação vinculada - cfr., respectivamente, os artigos 169º e 163º do CPP) já os depoimentos prestados oralmente em audiência (únicos meios de prova cuja valoração é questionada, no caso) estão sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova, nos termos previstos pelo artigo 127º do CPP.
Com efeito, postula o referido art. 127º: Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
A livre convicção não pode nem deve significar o impressionista-emocional arbítrio ou a decisão irracional “puramente assente num incondicional subjectivismo alheio à fundamentação e a comunicação” – cfr. Prof. Castanheira Neves, citado por Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 1, 43.
Como ensina o Prof. Figueiredo Dias (Lições de Direito Processual Penal, 135 e ss), que no processo de formação da convicção há que ter em conta os seguintes aspectos:
- a recolha dos dados objectivos sobre a existência ou não dos factos com interesse para a decisão, ocorre com a produção de prova em audiência,
- é sobre estes dados objectivos que recai a livre apreciação do tribunal, como se referiu, motivada e controlável, balizada pelo princípio da busca da verdade material,
- a liberdade da convicção anda próxima da intimidade pois que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos conhecimentos não é absoluto, tendo como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, portanto, as regras da experiência humana.
Assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque para a sua formação concorrem a actividade cognitiva e ainda elementos racionalmente não explicáveis como a própria intuição.
Esta operação intelectual, não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis) e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, da percepção da personalidade do depoente — aqui relevando, de forma especialíssima, os princípios da oralidade e da imediação — e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio “in dubio pro reo” - cfr. Ac. do T. Constitucional de 24/03/2003, DR. II, nº 129, de 02/06/2004, 8544 e ss..
Como refere o Prof. FIGUEIREDO DIAS (Direito Processual Penal, p. 202-203) “a apreciação da prova é na verdade discricionária, tem evidentemente como toda a discricionalidade jurídica os seus limites que não podem ser ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova, é, no fundo uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» - de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios de objectivos e, portanto, em geral, susceptível de motivação e de controlo”...”não a pura convicção subjectiva ... se a verdade que se procura é uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão ... a convicção do juiz há-de ser .. em todo o caso uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de se impor aos outros ... em que o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável”.
A gravação dos depoimentos prestados oralmente em audiência permite o controlo, pelo tribunal superior, da conformidade da decisão com as afirmações produzidas em audiência. Mas não substitui a convicção formada com base na plenitude da comunicação que se estabelece na audiência, no confronto dialéctico dos depoentes por parte dos vários sujeitos processuais, no exercício vivo do contraditório, na discussão cruzada levada a cabo na plenitude da audiência, pública, de discussão e julgamento, na imediação com os meios de prova produzidos oralmente ma audiência.
Com efeito, “só os princípios da oralidade e da imediação permitem avaliar o mais correctamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. Só eles permitem, por último, uma plena audiência desses mesmos participantes, possibilitando-lhes da melhor forma que tomem posição perante o material de facto recolhido e comparticipem na declaração do direito do caso” – Cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, p. 233-234.
Daí que os julgadores do tribunal de recurso, a quem está vedada a oralidade e a imediação, perante duas versões dos factos, só podem afastar-se do juízo efectuado pelo julgador da 1ª instância, naquilo que não tiver origem naqueles dois princípios, ou seja quando a convicção não se tiver operado em consonância com as regras da lógica e da experiência comum, reconduzindo-se aliás o problema, na maior parte dos casos, ao da consistência da fundamentação de que trata o art. 347º, n.º2 do CPP – cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, p. 126 e 127, que por sua vez cita o Prof. Figueiredo Dias e jurisprudência uniforme desta Relação, designadamente acórdãos 19.06.2002 e de 04.02.2004, nos recursos penais 1770/02 e 3960/03; 18.09.2002, recurso penal 1580/02; Ac. R. C. de 06.03.2002, publicado na CJ, ano 2002, II, 44.
A convicção do tribunal é formada antes de mais com base nos dados objectivos fornecidos pela prova documental, pericial e outras provas constituídas de apreciação vinculada. Conjugando e articulando criticamente esses meios de prova com os depoimentos prestados na plenitude da audiência, apreciados em função do distanciamento de cada depoente do objecto do processo, da sua razão de ciência, das certezas e das lacunas dos depoimentos, da ligação de cada depoente ao objecto do litígio e aos sujeitos processuais, na comunicação dialéctica que se estabelece na audiência de discussão e julgamento, sob a fiscalização directa dos sujeitos processuais, sob a vigilância da comunidade, na publicidade da audiência.
Sendo certo que a certeza judicial não se confunde com a certeza absoluta, física ou matemática, sendo antes uma certeza prática, empírica, moral, histórica – crf. Climent Durán, La Prueba Penal, ed. Tirant Blanch, Barcelona, p. 615.

Toda a decisão judicial constitui - precisamente - a superação não só da dúvida metódica, como da “dúvida razoável” sobre a matéria da acusação e da presunção de inocência do acusado. Daí a submissão a um rígido controlo formal e material do processo de formação da decisão e do conteúdo da sua motivação, a fim de assegurar os padrões inerentes ao Estado de Direito moderno.

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No caso, sustenta o recorrente que “O Tribunal a quo, adiou a leitura de sentença, na primeira data designada para o efeito, por entender que era necessário para apuramento da verdade ouvir como testemunha JJ. Até esta data não ouviu esta testemunha.”
Criticando assim o tribunal recorrido por não ter produzido determinado meio de prova – audição de JJ O que, ainda que o recorrente não o diga expressamente (invoca o depoimento não produzido como fundamento da impugnação) pode configurar a omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade.
Ora, como resulta da acta da sessão da audiência de 01.06.2009, a inquirição da testemunha em questão, depois de adiada a audiência para o efeito, foi dispensada pelo tribunal com o fundamento de que a testemunha se encontrava em França sendo por isso impossível fazê-la comparecer em tempo oportuno.
E o recorrente, presente e devidamente patrocinado, notificado de tal decisão, nada disse nem requereu no sentido de demonstrar a imprescindibilidade do depoimento. O que significa que, no momento próprio, nem o recorrente teve o depoimento por imprescindível.
Por outro lado, uma coisa é o tribunal diligenciar – como diligenciou – no sentido de ver o depoimento produzido, sendo possível. Outra, diferente, é depois de ter feito as diligências possíveis para o efeito e constatando não ser possível a produção, dispensar o dito depoimento e prosseguir a audiência de discussão e julgamento.
Daí não resulta a imprescindibilidade do depoimento ou que a testemunha pudesse esclarecer factos que de outra forma não pudessem ser esclarecidos.
Acresce que no mesmo despacho que dispensou a produção do depoimento o tribunal recorrido acrescentou que teve o depoimento como dispensável em virtude de os factos terem ficado esclarecidos pelos restantes meios de prova produzidos.
O que o recorrente, presente e notificado do despacho, aceitou, uma vez que nada disse em contrário.
De qualquer forma, materialmente, não só o recorrente, verdadeiramente não o refere, como não existe fundamento para ter o dito depoimento como imprescindível.
Com efeito as referências ao conhecimento dos factos pela testemunha que não foi ouvida, resultantes do depoimento da testemunha PP, seu irmão, é que a testemunha não ouvida teria sido agredida pelo ofendido (que também era acusado). De onde resulta que o conhecimento que pudesse ter – em função dos elementos da discussão da causa – não é dos facto questionado, mas sim de um facto diferente, qual seja uma agressão perpetrada pelo ofendido e não da agressão de que foi vítima.
De onde a sua irrelevância para o fim em vista.
O próprio recorrente, embora dizendo que o Tribunal quis ouvir a testemunha - tanto que adiou a audiência para o efeito - não justifica, com base na prova produzida em audiência ou em dados emergentes do processo, que o depoimento em questão fosse efectivamente ou se tivesse revelado, da discussão da causa, essencial ou absolutamente imprescindível para a descoberta da verdade dos factos. O mesmo é dizer que, de acordo com os elementos resultantes da discussão da causa, a testemunha em questão pudesse esclarecer ou fazer luz sobre factos que de outra forma não pudessem ou não puderam ser esclarecidos.
E, como emerge da motivação da decisão, foram produzidos depoimentos de pessoas que se encontravam no local e presenciaram os factos, nada apontando no sentido de que o depoimento em causa (em relação ao qual o tribunal fez as diligências possíveis para que fosse produzido mas se revelou impossível de produzir) fosse efectivamente imprescindível para a descoberta da verdade dos factos impugnados.
Não existindo, pois, fundamento para ter o referido depoimento como essencial à descoberta da verdade material.
Impondo-se assim a improcedência do recurso neste ponto.
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Alega depois o recorrente que “O Tribunal a quo devia ter valorado o depoimento da testemunha PP (…) do depoimento desta testemunha, resulta que o assistente nesse mesmo dia, no Centro de Saúde de Figueiró dos Vinhos, chamou a GNR, para participar do irmão da testemunha JJ, por pensar ter sido este quem o tinha agredido, isto é que tinha sido este quem lhe tinha provocado as lesões dos autos”
Ora, mesmo de acordo com a fundamentação aduzida, acabada de reproduzir, o depoimento invocado de PP não tem qualquer virtualidade para “impor” decisão diferente da recorrida. Com efeito resulta dessa mesma fundamentação que a testemunha em causa não tem conhecimento dos factos da acusação, que constituem o “tema de prova”. Pois que, de acordo com essa fundamentação, a testemunha apenas terá “ouvido dizer” ao queixoso qual a pessoa contra quem pretendia queixar-se.
Podendo acrescentar-se que o depoimento do queixoso, como emerge da motivação fáctica da decisão recorrida, não foi valorado como suporte da meteria questionada pelo recorrente.
Assim o invocado depoimento de PP, além de indirecto, não incide sequer sobre o tema de prova. Sendo pois irrelevante para a prova da matéria da acusação por não ter presenciado os factos nem ter qualquer razão de ciência relevante sobre a identidade de quem quer que seja que tenha participado, ou não, na agressão.
Não tem, pois, o referido depoimento, questão qualquer virtualidade para obrigar (impor) a uma decisão diferente da recorrida, uma vez que na própria versão do recorrente não versa sobre o tema de prova.
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Alega, por ultimo que “perante as declarações contraditórias, de arguido, de assistente, testemunha J e testemunha PP, não deu sequer, ao arguido o benefício da dúvida que deveria ter sido valorada em favor do arguido, por apelo ao principio constitucionalmente consagrado do in dubio pro reo”.
Ora, como resulta claro da motivação da decisão criticada (cfr. reprodução supra) nenhum dos referidos meios de prova foi valorado como suporte da decisão recorrida na parte que é questionada pelo recorrente.
Pelo que a valoração da prova proposta pelo próprio recorrente não contraria a valoração efectuada pelo tribunal recorrido.
Aliás, como já foi referido, José não depôs em audiência, não podendo o seu depoimento ser valorado, por inexistente, além de não produzido ou discutido em audiência – cfr. art. 355º n.º1 do CPP.
E, como também já foi referido, a testemunha PP nada de relevante afirmou sobre a ocorrência dos factos objecto de prova, que não presenciou e sobre os quais não detinha qualquer razão de ciência.
Sendo, pois os dois suportes nucleares da impugnação totalmente vazios de conteúdo probatório que pudesse porem causa a decisão impugnada.
Fica, pois, a negação do recorrente e o depoimento do queixoso.
Ora o depoimento do queixoso foi irrelevante para a prova dos factos questionados - caído no chão e a levar pancada de um grupo de 6 indivíduos preocupou-se em proteger a face e não em identificar cada um dos agressores. Aliás o tribunal não atribuiu a tal depoimento qualquer relevo para a prova da matéria questionada – dada como provada com base no depoimento do empregado do bar onde os factos ocorreram, conjugada com os documentos da assistência médica prestada ao ofendido prova pericial relativa ás lesões, além de a versão do recorrente ser destituída de sentido.
Por outro lado, se bem que esteja constitucionalmente assegurada ao arguido a presunção de inocência, já não existe norma ou princípio jurídico ou critério de apreciação da prova que confira à mera negação dos factos da acusação, por parte do acusado, força probatória de “confissão da negação”.
Assim, em resumo, a impugnação assenta numa mão vazia e outra cheia de nada não tendo qualquer suporte probatório relevante.
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Relativamente ao invocado princípio in dubio pro reo, saliente-se que não é a dúvida hipotética ou abstracta que legitima o funcionamento deste princípio. Mas apenas aquela dúvida que em concreto – após a produção e apreciação exaustiva de todos os meios de prova relevantes e sua valoração em conformidade com os critérios legais de produção e valoração da prova – permanece como razoável, deixando o observador distanciado do objecto do processo num estado em que se lhe apresenta como séria e razoável (susceptível de, em concreto ter ocorrido daquela forma) mais do que uma possibilidade de ocorrência do mesmo facto.
Com efeito “A própria dúvida está sujeita a controlo, devendo revelar-se conforme á razão ou racionalmente sindicável, pelo que, não se mostrando racional, tal dúvida não legitima a aplicação do citado princípio razoável” – Ac. STJ de 04.11.1998, BMJ 481º, p. 265.
A dúvida razoável, que determina a impossibilidade de convicção do Tribunal sobre a realidade de um facto, distingue-se da dúvida meramente possível, hipotética. Só a dúvida séria se impõe à íntima convicção. Esta deve ser, pois, (tal como sucede com a livre convicção) argumentada, coerente, razoável – neste sentido cfr. Jean-Denis Bredin, Le Doute et L’intime Conviction, Revue Française de Théorie, de Philosophie e de Culture Juridique, Vol. 23, (19966), p. 25.
Assim, para a revogação da sentença importaria demonstrar, não só duas versões diferentes do mesmo facto, mas duas versões sérias, razoáveis e plausíveis e que, em tal contexto o tribunal acolheu aquela que desfavorece o arguido.
O que, como se viu, não sucede com a análise do recorrente, sem qualquer conteúdo probatório susceptível de por em causa os meios de prova e análise critica em que repousa a decisão impugnada.
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Por outro lado a decisão recorrida assenta em meios de prova legais e validamente produzidos, cujo conteúdo o recorrente não põe em causa – ignora-os, pura e simplesmente.
Come efeito, resulta claro da decisão recorrida que “quanto à dinâmica dos factos e participação dos arguidos (entre eles o recorrente) local e forma (…) foi determinante o depoimento de JJ”.
Depoimento que o recorrente, como se viu, nem refere na fundamentação do recurso, não pondo em causa o seu conteúdo.
Mais esclarecendo que a referida testemunha “pese embora seja irmão do ofendido, depôs de uma forma serena, clara e objectiva”.
Bem como a razão de ciência da testemunha e razões objectivas pelas quais teve tal depoimento como relevante: “(…) encontrava-se a trabalhar no bar (…) quando se dirigiu ao exterior deparou-se com o seu irmão a ser agredido da forma supra descrita pelos três arguidos. (…) esta testemunha (…) conhecia bem os arguidos identificados não tendo, por via disso, qualquer dúvida em os identificar. Além do mais, também não apresentou qualquer animosidade anterior em relação a tais arguidos que suscitasse dúvidas acerca da veracidade da imputação que lhes fazia”.

Mais esclarecendo que o “alibi” apresentado pelos arguidos, entre eles o recorrente não tem subsistência “(…) tiveram depoimentos comprometidos, hesitantes e pouco credíveis tendo apenas por preocupação e assento tónico a ausência dos arguidos dos mesmos ,(J. e AR por se terem deslocado para a casa de banho após a suposta agressão de que o primeiro teria alvo). A, por se ter ausentado do bar com a namorada). Ora, tais versões não mereceram a credibilidade do Tribunal porquanto inverosímeis e contrárias ao normal desenrolar dos acontecimentos. A ser verdade que J. tivesse sido agredido, sem razão aparente, com um copo de cerveja na cara – versão por si apresentada e que, pelas razões que passaremos a explicar infra, se deu por não provada – mesmo fazendo fé na ausência de qualquer reacção da sua parte ou das pessoas que o acompanhavam, preocupando-se com o seu socorro no WC, não é crível que, ao regressarem ao bar e apercebendo-se de distúrbios no exterior – parte da esplanada – ficassem impávidos e serenos no interior do bar, como se nada se tivesse passado ou se estivesse, sequer, a passar – tendo sido esta a perspectiva apresentada”.
Fundamentação perfeitamente racional e objectiva que o recorrente não põe minimamente em causa, focando antes meios de prova que nada têm a ver com a matéria decidida.
Aliás, focando o recorrente a sua argumentação na agressão que o ofendido teria perpetrado previamente, acaba por identificar um móbil ajustado para o “acerto de contas” com o suposto agressor.
Sendo o suposto afastamento do recorrente do suposto agressor prévio (estando este agressor isolado e em minoria), como destaca a decisão recorrida em valoração que não foi rebatida, é contrariado por aquilo que é suposto presidir ao comportamento humano numa tal situação – não se viram costas aos camaradas nem assiste impavidamente à sua agressão dos comparsas nem se lhe sem motivo.
Sendo certo que o ofendido teve que ser medicamente assistido, de imediato. E nem o recorrente nem os restantes co-arguidos (que inquestionavelmente estiveram envolvidos em contenda com o queixoso por quem dizem ter sido agredidos) apresentam qualquer justificação minimamente plausível, para as lesões então sofridas e confirmadas pela prova pericial.
Assim, em conclusão, não só a decisão recorrida se encontra fundamentada em meios de prova legais, validamente produzidos, como o seu conteúdo não é posto em causa pelo recorrente, além de que a valoração obedece ao critério legal da livre apreciação da prova, objectivada e motivada. Sendo certo ainda que a fundamentação do recurso não apresenta fundamentos probatórios capazes, de acordo com o referido critério, de por em causa a referida valoração nem tem suporte capaz de ancorar a dúvida séria e/ou razoável sobre o seu conteúdo.
Pelo que a decisão recorrida tão-pouco merece censura neste ponto.
E, não havendo outros fundamentos a ponderar, impõe-se a total improcedência do recurso.
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III. Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, julga-se totalmente improcedente o recurso com a consequente manutenção da decisão recorrida. -----
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC.