Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
475-B/1999.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: REGINA ROSA
Descritores: CITAÇÃO
CITAÇÃO EDITAL
REQUISITOS
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
SANAÇÃO DA NULIDADE
Data do Acordão: 05/21/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 196º, 198º, 234º E 244º DO CPC.
Sumário: I – Tendo transitado em julgado a sentença que condenou o R. revel, ora oponente, a intervenção posterior do mesmo, seja na acção declarativa já finda, seja no âmbito da acção executiva sem que tenha arguido a nulidade da sua citação, não determina a sanação deste vício, por aplicação do art.196º CPC.

II - Apesar da intervenção do executado no processo executivo em duas ocasiões, não deve considerar-se sanado o apontado vício quando este apenas seja invocado pelo executado em sede de oposição à execução.

III - A norma contida no artº 196º do CPC de se considerar sanada a nulidade se o réu ou o MºPº intervierem no processo sem arguir logo a falta da sua citação, pressupõe logicamente que o processo ainda esteja pendente.

IV - O mesmo decorre do disposto no art.198º reportado à nulidade da citação. E isto porque, nas duas modalidades de nulidade da citação (falta de citação - art.195º -, e a nulidade stricto sensu da citação - art.198º), visa-se salvaguardar o direito de defesa do réu e, portanto, dar-lhe a oportunidade de poder defender-se num processo que ainda pende.

V - Findo o processo por ter decorrido o trânsito em julgado da sentença condenatória do réu revel, esgotado que está o poder jurisdicional do juiz (art.661º/1), a existir nulidade da citação resta ao réu julgado à revelia, que se viu prejudicado na sua defesa, lançar mão do recurso extraordinário de revisão [art.771º/1-e)], ou invocá-la em sede de oposição à execução [art.814º/1-d)].

VI - A citação pode ser pessoal ou edital. Esta última modalidade “tem lugar quando o citando se encontre ausente em parte incerta ou quando sejam incertas as pessoas a citar” (art.233º/6). Portanto, emprega-se quando de todo em todo é impossível recorrer à citação pessoal, uma vez que é uma forma precária e contingente: não dá segurança alguma de levar a citação ao conhecimento do destinatário.

VII - O uso da citação edital só deve fazer-se depois de assegurado que não é conhecida a residência actual do R. para aí ser citado. Não basta, pois, uma simples averiguação formal quanto à incerteza da actual morada do citando, como aqui sucedeu depois de se ter tido apenas informação da PSP de ser desconhecido o paradeiro do R..

VIII - Frustrada a citação por contacto directo com o R., ainda assim deve a secretaria diligenciar (art.234º/1) não só junto da PSP mas também de outras autoridades policiais e administrativas, tais como a GNR, a Junta de Freguesia, a Conservatória do Registo Comercial, os serviços locais da segurança social, entidades que estão obrigadas a fornecer ao tribunal os elementos solicitados (art.244º/2).

IX – Por ter sido empregue indevidamente a citação edital do R. aqui oponente, dado não terem sido feitas as averiguações possíveis a que alude o art.244º/1 do CPC, é nula a sua citação, de acordo com o disposto nos arts. 195º/1-c) e 198º/1 do CPC.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

            I- RELATÓRIO

            I.1- P… deduziu, em 28.5.12, oposição à execução que em 31.10.07 lhe moveram, entre outros, D… e J…, com fundamento, entre o mais, na nulidade da acção declarativa por falta de citação por não ter sido citado pessoalmente quando era conhecido que residia no Porto, mas antes editalmente a requerimento dos exequentes e sem respeito pelo comando do art.244º/C.P.C. que rege a citação edital.

            Os exequentes contestaram, dizendo em resumo ter sido extemporânea a arguição da nulidade da citação, e correcta a utilização da citação edital por observância dos normativos então em vigor.

            Fixado o valor da causa em 82.685,11 € e dispensada a audiência preliminar, proferiu-se despacho saneador-sentença, datado de 4.10.12, por se entender que o processo continha já todos os elementos para conhecer do fundo da causa. Discriminados os factos e feito o seu enquadramento jurídico, finalizou-se com este dispositivo:

             “a) julgo totalmente procedente a presente oposição à execução, considerando-se nula a citação edital do opoente/executado para a acção declarativa em que se fundou a posterior execução, execução essa que se julga extinta por falta de título executivo.

b) custas a cargo dos opostos/exequentes”.

I.2- Inconformados, os exequentes apelaram, concluindo as alegações desta forma:

            I.3- Em contra-alegações o oponente/executado defende a manutenção do decidido.

            Nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre decidir.

            II - FUNDAMENTOS

            II.1 -de facto

            É o seguinte, o circunstancialismo fáctico considerado na instância recorrida:

            II.2 - de direito

            A única questão que é posta e há que resolver, é da citação edital do R. - aqui oponente/executado, P… - na acção declarativa na qual foi proferida a sentença dada agora à execução.

            Foi entendimento seguido na decisão sob recurso que a citação edital foi empregue indevidamente “por preterição de formalidades legais, já que não se tentou a citação pessoal do oponente, como impunha a lei, nem tão pouco foram pedidas informações ás entidades indicadas no art.244º/1 do C.P.C. (não tendo sido solicitadas informações ás Finanças ou à Segurança Social, por exemplo, a fim de averiguar o domicílio do aí R e aqui oponente) tendo a secção solicitado sem ser por intervenção do juiz, informações ás autoridades policiais”.

            Os recorrentes discordam deste juízo, estendendo ainda o seu inconformismo à apreciação que o tribunal entendeu fazer à invocada nulidade da citação, pois, no seu ver, tal nulidade estaria já sanada.

            Com efeito, nas conclusões 1ª a 7ª os recorrentes retomam a questão da sanação da nulidade que já haviam levantado na contestação. A argumentação é esta: antes de deduzir oposição à execução contra si movida, o executado P… já havia arguido a nulidade da sua citação na acção declarativa, o que lhe foi indeferido por despacho de 26.6.11 aí proferido, pelo que poderia ter reagido através do recurso de revista, o que não fez. Para além disso, interveio no âmbito da acção executiva em duas ocasiões sem que tivesse alegado tal nulidade. Portanto, no entender dos recorrentes, esse vício estaria sanado nos termos do art. 196º/C.P.C..

            Esta questão da tempestividade para a invocação do assinalado vício, foi correctamente apreciada na decisão recorrida, socorrendo-se o julgador dos argumentos expendidos no Ac.R.P. de 3.5.10 em situação semelhante, a merecer o nosso acolhimento. 

            Na verdade, tendo transitado em julgado a sentença que condenou o R. revel, ora oponente, a intervenção posterior do mesmo, seja na acção declarativa já finda, seja no âmbito da acção executiva sem que tenha arguido a nulidade da sua citação, não determina a sanação deste vício, por aplicação do art.196º citado. Como tal, e contrariamente ao que dizem os recorrentes, com a intervenção do executado no processo executivo em duas ocasiões, não deve considerar-se sanado o apontado vício, porque este foi invocado pelo executado em sede de oposição à execução.

Realmente, a norma contida neste preceito de se considerar sanada a nulidade se o réu ou o MºPº intervierem no processo sem arguir logo a falta da sua citação, pressupõe logicamente que o processo ainda esteja pendente. O mesmo decorre do disposto no art.198º reportado à nulidade da citação. E isto porque, nas duas modalidades de nulidade da citação (falta de citação - art.195º, e a nulidade stricto sensu da citação - art.198º), visa-se salvaguardar o direito de defesa do réu, e portanto dar-lhe a oportunidade de poder defender-se num processo que ainda pende. Findo o processo por ter decorrido o trânsito em julgado da sentença condenatória do réu revel, esgotado que está o poder jurisdicional do juiz (art.661º/1), a existir nulidade da citação resta ao réu julgado à revelia que se viu prejudicado na sua defesa, lançar mão do recurso extraordinário de revisão [art.771º/1-e)], ou invocá-la em sede de oposição à execução [art.814º/1-d)].

Em suma, por não estar sanada, a nulidade da falta de citação podia ser arguida, como foi, na oposição à execução.

Cuidemos agora da questão essencial decidenda – saber se, tal como decidido, foi empregue indevidamente a citação edital do R. aqui executado/oponente, na acção declarativa.

Ter-se-á em consideração as normas processuais emergentes do C.P.C. na redacção introduzida pelo DL 329-A/95 de 12.12, e DL 180/96 de 25.9, atendendo a que a acção declarativa foi proposta em Julho de 1999.

A citação é um acto de comunicação do processo a um interessado, e a sua importância vem-lhe de ser pressuposto da contraditoriedade (art.3º/1). Encerra, assim, um duplo sentido de transmissão de conhecimento e de convite para a defesa. Daí que a lei regule cautelosamente a sua tramitação, os seus efeitos e as sanções das irregularidades que quanto a este acto se podem verificar.

A citação pode ser pessoal ou edital. Esta última modalidade “tem lugar quando o citando se encontre ausente em parte incerta ou quando sejam incertas as pessoas a citar” (art.233º/6). Portanto, emprega-se quando de todo em todo é impossível recorrer à citação pessoal, uma vez que é uma forma precária e contingente: não dá segurança alguma de levar a citação ao conhecimento do destinatário.

Porque as coisas são assim, a lei não consente que se faça uso da citação edital com o fundamento de o réu estar ausente em parte incerta senão depois de se adquirir a segurança de que realmente não é conhecido o paradeiro do citando.[1]

Estatuía o art.244º: “Quando for impossível a realização da citação, por o citando estar ausente em parte incerta, a secretaria diligenciará obter informação sobre o último paradeiro ou residência conhecida junto de quaisquer entidades ou serviços, podendo o juiz, quando o considere absolutamente indispensável para decidir da realização da citação edital, solicitar informação às autoridades policiais.”.

O desconhecimento do lugar onde o réu possa ser encontrado a fim de ser citado para a acção constitui a situação mais frequente de necessidade de proceder à citação edital. Tal desconhecimento pode decorrer da frustração de alguma das formas de citação pessoal referidas na lei.

Tal é o caso que nos ocupa.

Os autores indicaram na petição inicial a morada onde o réu P… deveria ser citado: “«Centro Comercial …”.

Pelo art.233º/2, a citação pessoal pode ser efectuada por via postal com entrega ao citando de carta registada com aviso de recepção [al.a)]; por contacto pessoal do funcionário judicial com o citando [al.b)].

No autos optou-se pela citação pessoal do R., enviando-se carta registada com A/R para a referida morada. Todavia, a carta veio devolvida com a menção “desconhecido” e “endereço insuficiente”. Informados da devolução, os autores disseram que não conheciam outra morada ao R. para além da indicada e pediram que se solicitasse à PSP informações sobre o actual paradeiro do mesmo, por se tratar de “pessoa muito conhecida e conceituada na cidade de Leiria, sendo construtor civil de grande envergadura, pois foi ele e o pai que construíram, entre outros, o «Centro Comercial …»”.

 Em face da posição tomada pelos AA., a secretaria solicitou à PSP de Leiria informação sobre o paradeiro do R. P…, recebendo resposta negativa. Foi então que, a requerimento dos AA., se determinou, por despacho judicial, a citação edital daquele R. e  de outro.

Cremos ter sido precipitado emprego dessa modalidade de citação relativamente ao aqui oponente, uma vez que não foram esgotados todos os procedimentos que se impunham para possibilitar a sua localização. Como antes salientado, o uso da citação edital só deve fazer-se depois de assegurado que não é conhecida a residência actual do R. para aí ser citado. Não basta, pois, uma simples averiguação formal quanto à incerteza da actual morada do citando, como aqui sucedeu depois de se ter tido a informação da PSP de ser desconhecido o paradeiro do R..

Assim, perante a devolução da carta registada deveria a secretaria ter tentado a citação através de funcionário, o que não fez, ignorando o que dispunha  o art.239º/1: Se se frustrar a via postal, será a citação efectuada mediante contacto pessoal do funcionário de justiça com o citando, entregando-se-lhe os elementos e nota de que constem as indicações a que alude o artigo 235.º e lavrando-se certidão assinada pelo citado”.

Aliás, este procedimento foi adoptado relativamente ao outro R. citando, F... Frustrada a citação por contacto directo com o R. P…, ainda assim deveria a secretaria ter diligenciado (art.234º/1) não só junto da PSP mas também de outras autoridades policiais e administrativas, tais como a GNR, a Junta de Freguesia, a Conservatória do Registo Comercial, os serviços locais da segurança social, entidades que estão obrigadas a fornecer ao tribunal os elementos solicitados (art.244º/2). Ou até mesmo deslocando-se o funcionário ao referido Centro Comercial que teria sido construído pelo R., para procurar informações que permitissem localizar a sua actual morada. Se tivessem sido efectuadas estas diligências e se concluísse ser desconhecido o lugar em que o R. se encontra, então estaria justificada a ausência em parte incerta, podendo o juiz ordenar a citação edital requerida.

Nada disto foi feito. Usou-se essa modalidade de citação assente unicamente na devolução da carta registada com menção “desconhecido” e na informação da PSP de “ser desconhecido o paradeiro das pessoas acima indicadas”.

Em suma, foi empregue indevidamente a citação edital do R. aqui oponente, por não terem sido feitas as averiguações possíveis a que aludia o art.244º/1. Portanto, é nula, de acordo com o disposto nos arts. 195º/1-c) e 198º/1.

Por conseguinte, é de manter a decisão que considerou ineficaz a citação e inexistente título executivo válido no que concerne ao oponente.

III - DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão apelada.

Custas pelos apelantes.

                                                          

Regina Rosa (Relatora)

Artur Dias

Jaime Ferreira


[1]   A. dos Reis, «C.P.C. anotado», Vol.I, pág.354