Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4833/17.0T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
NOTA DE HONORÁRIOS E DESPESAS A AGENTE DE EXECUÇÃO
NULIDADE DA SENTENÇA
Data do Acordão: 09/18/2018
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JUÍZO EXECUÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.615, 703 Nº1, 721 Nº5 NCPC, 6 Nº1 LEI Nº41/2013 DE 26/6, PORTARIA Nº 331-B/2009 DE 30/3, PORTARIA Nº 282/2013 DE 29/8
Sumário:
1. Só se verifica a nulidade da decisão, prevista no art. 615º, nº 1, b), do NCPC, quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação.
2. O título executivo inovador previsto no actual art. 721º, nº 5, do NCPC, não se pode ter formado numa execução pendente anterior ao NCPC, face à interpretação conjugada do art. 6º, nº 1, e nº 3 (quanto a títulos executivos) da Lei 41/2013, de 26.6, em vigor em 1.9.2013, que publicou o NCPC..
Decisão Texto Integral:
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Proc.4833/17.0T8VIS

I – Relatório

1. O (…), agente de execução, residente em …, intentou contra J (…), residente em ..., acção executiva sumária para pagamento de quantia certa.
Apresentou como título executivo uma nota de honorários e despesas, tendo alegado no seu requerimento executivo que: no âmbito do Proc. 12/09.9TBLMG, que correu termos no Tribunal Judicial de ..., onde foi nomeada como Agente de Execução, praticou diligências executivas que lhe foram requeridas; elaborada a Nota Discriminativa dos Honorários e Despesas do Agente de Execução de acordo com a Portaria nº 331-B/2009 de 30.3 Março e conferidas as provisões entregues e os actos praticados, verificou-se a existência de um saldo devedor de 322,09 €; o ali exequente e ora executado apesar de devidamente instado conforme notificação que remeteu ao mesmo e seu mandatário não reclamou nem procedeu ao pagamento da quantia em dívida; nos termos dos arts. 703º, nº 1, d) e 721, nº 5, ambos do NCPC, a Nota Discriminativa de Honorários e Despesas do Agente de Execução da qual não se tenha reclamado, acompanhada da sua notificação pelo Agente de Execução ao interveniente processual perante o qual se pretende reclamar o pagamento, constitui título executivo.
*
Foi proferido despacho que decidiu indeferir liminarmente o requerimento executivo por falta de título executivo.
*
2. A exequente recorreu, concluindo (em extensíssimas 42 conclusões) que:
(…)
3. Inexistem contra-alegações.

II – Factos Provados

Os factos a considerar são os constantes do relatório supra.

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.
Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.
- Nulidade da decisão.
- Existência de título executivo.
- Errada condenação por taxa de justiça sancionatória excepcional.

2. Defende a recorrente que a decisão que a condenou em taxa de justiça sancionatória excepcional é nula, nos termos do art. 615º, nº 1, b), por falta de fundamentação. Efectivamente, o aludido normativo comina com nulidade qualquer decisão (sentença ou despacho) que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Na decisão recorrida disse-se o seguinte:
Custas pela exequente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC, nos termos conjugados nos artigos 531.º do Código de Processo Civil e 10.º do Regulamento das Custas Processuais, por ser manifesto, ressalvado sempre melhor juízo, que a exequente deduziu pretensão manifestamente improcedente, num quadro de, pelo menos, falta de prudência ou diligência que o tribunal deve censurar, face aos factos apurados e à circunstância supra referida - ter ido apresentar a nota discriminativa de honorários, no processo executivo em questão, já depois da propositura da nossa execução, ou seja, só em 29.01.2018.”.
Como explica L. Freitas (em A Acção Declarativa Comum, À Luz do CPC de 2013, 3ª Ed., pág. 332) há nulidade quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação.
No nosso caso, não falta em absoluto a fundamentação da decisão, pois nela referem-se factos, indica-se preceito legal e faz-se uma apreciação, sumária, da conduta da ora exequente. Logo não há nulidade. E ainda que se afirme que ela é deficiente, a ser verdade, só afectaria a qualidade da decisão, o seu crédito, o seu convencimento, nada mais, pelo que mesmo deficiente ou medíocre nunca a mesma padeceria de qualquer nulidade.
Não procede, pois, a dita arguição.
A recorrente ainda ensaia dizer que ela é nula por ser errada. Mas, como é patente, se é errada, se julgou erradamente, não pode ser nula, cabendo apreciar esse erro mais abaixo no domínio do mérito da decisão.
3. Na decisão recorrida escreveu-se o seguinte:
Resulta do artigo 734.º, n.º 1 do Código de Processo Civil aplicável à presente acção executiva por força do disposto no artigo 551.º, n.º 3 da mesma codificação, que o juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo, pelo que cumpre, pois, apreciar.
A nota discriminativa de honorários e despesas da Exm.(a) Sr.(a) Agente de Execução, ora exequente, deu entrada no processo supra referido n.º 12/09.9TBLMG – extinto desde Março de 2012 - já depois de proposta a presente execução, isto é, em 29.01.2018, o que só acontece na sequência do nosso despacho datado de 11.01.2018, onde nos propomos conhecer da falta de título executivo.
Até esta data, nenhuma nota discriminativa tinha dado entrada naquele processo executivo…
Ora, as notas discriminativas dos agentes de execução para serem títulos executivos têm de se formar no âmbito de um processo executivo em curso e que tenha sido instaurado já na vigência do novo Código de Processo Civil.
Não é isso que acontece no vertente caso e a exequente, agente de execução, conhece o regime vigente.
Efectivamente o n.º 5 do artigo 721.º do NCPC veio criar um novo título executivo especial, a considerar nos termos do artigo 703.º, n.º 1, alínea d) da mesma codificação, sendo constituído pela nota discriminativa e justificativa de honorários e despesas devidas ao agente de execução, acompanhada do comprovativo da sua notificação ao interveniente processual perante o qual se pretende reclamar o pagamento, desde que a mesma não tenha sido objecto de reclamação 1Neste sentido Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, in A Ação Executiva Anotada e Comentada, 2017, 2.ª Edição, Almedina, pág.364, todavia, esse novo título só se poderá formar em acções executivas propostas já no domínio da nova lei processual civil, tal como resulta dos artigos 6.º, n.º 3 e 8.º da Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho mas, sobretudo, porque assim o impõe o artigo 12.º do Código Civil.
Com efeito, o n.º 3 do artigo 6.º citado estatui que o disposto no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, relativamente aos títulos executivos, às formas do processo executivo, ao requerimento executivo e à tramitação da fase introdutória só se aplica às execuções iniciadas após a sua entrada em vigor (sublinhado nosso).
A execução onde a exequente alega que se formou o título executivo iniciou-se em 2009 e terminou em Março de 2012, pelo que a nota discriminativa que nela se tenha apresentado em 2018 não constitui título executivo para os efeitos previstos no artigo 721.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.
Como anota J. H. Delgado de Carvalho 2In Ação Executiva Para Pagamento de Quantia Certa, 2.º Ed. Revista e Aumentada, Quid Juris, 2016, pág. 561 e ss., de acordo com o artigo 721.º, n.º 5 do Código de Processo Civil constitui título executivo a nota discriminativa de honorários e despesas do agente de execução que tenha sido notificada ao responsável pelo pagamento – em regra o exequente – nos termos do artigo 45.º da Portaria n.º 282/2013 de 29 de Agosto, acompanhado do comprovativo dessa notificação interpelação, e da qual não se tenha reclamado para o juiz ou tendo havido reclamação, esta haja sido indeferida. E acrescenta a notificação da nota discriminativa e justificativa ocorre, ainda, no decurso do processo pendente.
A Portaria n.º 282/2013 de 29 de Agosto só entrou em vigor no dia 01 de Setembro de 2013, sendo que, nos processos pendentes, em matéria de honorários e despesas dos agentes de execução pelo exercício das suas funções, se continuava a aplicar o regime aplicável a 31.08.2013 (cf. artigo 62.º, n.º 2 do citado diploma legal).”.
Concorda-se com o discurso jurídico exposto na decisão recorrida.
A recorrente contrapõe (cfr. conclusões 9. a 12.) que:
-pese embora o processo executivo de onde nasceu o título se tenha iniciado antes da entrada em vigor do referido Código, a verdade é que o título em causa, que nasceu daquele e segue independente neste processo, só se formou após a entrada em vigor do referido código, ou seja, após Setembro/Novembro de 2014, datas a partir das quais o exequente e o seu mandatário foram notificados para em dez dias reclamarem da nota apresentada e, tendo-a recebido, ambos, nada fizeram ou reclamaram, só a partir desta data é que nasce propriamente o título executivo, e sendo que esta já ocorreu em data posterior à entrada em vigor do novo CPC – Lei 41/2013 de 26 de agosto – é este, salvo melhor opinião, o que se deveria aplicar.
Este raciocínio estaria correcto se apenas vigorasse o disposto no art. 6º, nº 1, da Lei 41/2013, de 26.6, que dispõe que o disposto no novo CPC se aplica, com as necessárias adaptações, a todas as execuções pendentes à data da sua entrada em vigor (em 1.9.2013). Nessa hipótese o título executivo apresentado pela exequente tinha-se formado, no curso do Proc.12/09.9TBLMG, já depois da entrada em vigor do novo CPC e, portanto, poderia fundar a execução que a ora recorrente intentou.
Todavia, existe o nº 3 de tal normativo, que está acima transcrito, e que afastando-se dessa regra geral estatui, relativamente aos títulos executivos, que o novo CPC só se aplica às execuções iniciadas após a sua entrada em vigor, o que quer significar, para nós, que o título executivo específico agora dado à execução, que é inovador em relação aos títulos executivos anteriormente previstos no velho CPC, tinha de nascer e só podia ter nascido no âmbito de uma execução instaurada após a vigência do novo CPC.
- a recorrente contrapõe, ainda, que a Lei em causa, ao restringir a aplicação da nova lei aos processos iniciados após a entrada em vigor, no que concerne aos títulos executivos, pretende evitar conflitos de interpretação no que concerne a títulos já dados à execução em processos pendentes e, não relativamente a títulos novos que se formam dentro de um processo que se iniciou antes da entrada e vigor da referida Lei, que se formem apenas após a entrada em vigor desta, o que sucedeu no caso.
Discordamos, pois não faz sentido que o legislador se preocupe com conflitos de interpretação no que concerne a títulos já dados à execução em processos pendentes, pois a estes não poderia ser retirada essa natureza de títulos executivos, nem terminados os respectivos processos pendentes, sob pena de inconstitucionalidade. Aliás quem assim pensou viu o T. Constitucional reconhecer isso mesmo no seu Ac. 408/2015, em DR, 1ª série, de 14.10.2015, ao declarar com força obrigatória geral uma interpretação nessa direcção.
Não procede, pois, o recurso nesta parte.
4. Relativamente á taxa de justiça sancionatória excepcional aplicada á recorrente, temos de discordar da decisão recorrida visto que assenta em pressupostos errados.
Na realidade, a nota discriminativa de honorários e despesas da agente de execução foi notificada ao mandatário do exequente, no processo 12/09.9TBLMG, em 12 de Setembro de 2014 (cfr. fls. 5v. e 6 dos presentes autos), sendo que a mesma nota foi igualmente notificada ao exequente (aqui executado) em 18 de Novembro de 2014 (cfr. fls. 6v e 7 dos autos). Tendo ambas as notificações, para além de efectuadas e recebidas, sido juntas ao aludido Proc. 12/09.9TBLMG a primeira (ao mandatário) em 15 de Setembro de 2014 e a segunda (ao exequente) em 27 de Novembro de 2014 (conforme resulta da alegação da apelante e lista de comunicações do processo que a agente de execução juntou àqueles autos, e consta do doc. de fls. 48v. dos presentes autos, admitido em recurso, e do qual não temos razão aparente para duvidar).
Importa, por isso, revogar o decidido nesta parte.
5. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):”
i) Só se verifica a nulidade da decisão, prevista no art. 615º, nº 1, b), do NCPC, quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação;
ii) O título executivo inovador previsto no actual art. 721º, nº 5, do NCPC, não se pode ter formado numa execução pendente anterior ao NCPC, face à interpretação conjugada do art. 6º, nº 1, e nº 3 (quanto a títulos executivos) da Lei 41/2013, de 26.6, em vigor em 1.9.2013, que publicou o NCPC.

IV - Decisão

Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso, e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida quanto á condenação da recorrente em taxa de justiça sancionatória excepcional de 3 UC, indo a mesma condenada na taxa de justiça normal.
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Custas do recurso pela recorrente.

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Coimbra, 18.9.2018

Moreira do Carmo ( Relator )