Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
820/20.0T8SRE.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: ISENÇÃO DE CUSTAS
ISENÇÃO SUBJECTIVA
FUNDAÇÃO
INSTITUIÇÃO PARTICULAR DE SOLIDARIEDADE SOCIAL
IPSS
AGENTE DE EXECUÇÃO
Data do Acordão: 09/08/2020
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso:
TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - SOURE - JUÍZO EXECUÇÃO - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.4 Nº1 F) RCP, DL Nº 34/2008 DE 26/2, DL Nº 119/83 DE 25/2
Sumário: 1. Na passagem do Código das Custas Judiciais para o Regulamento das Custas Processuais (RCP), a lei, além de integrar a isenção de custas em benefício das Instituições Particulares de Solidariedade Social nas isenções previstas para pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, deixou de definir a isenção de custas destas pessoas em função de um critério exclusivamente subjectivo, pois passou a estar dependente da relação do objecto do litígio com as “especiais atribuições” da pessoa colectiva ou com “a defesa dos interesses que lhe são especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável”.

2. O art.º 4º, n.º 1, alínea f), do RCP prevê assim uma isenção subjectiva que atende à finalidade e objectivos da própria pessoa colectiva, plasmados estatutariamente, e há situações em que a defesa do interesse estatutário só se alcança de forma indirecta ou instrumental.

3. Sendo a exequente uma Instituição Particular de Solidariedade Social (pessoa colectiva sem fins lucrativos) a sua pretensão de cobrar coercivamente um crédito resultante dos serviços prestados a uma utente de acordo com o seu objecto social encontra-se naturalmente ligada à existência da instituição e à sua actividade, ao prosseguimento do seu objecto ou concretização dos seus fins, envolvendo, pois, a defesa dos “interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto”.

4. Do CPC ou do RCP não resulta que as diligências de processos executivos em que litiguem partes isentas tenham que ser levadas a cabo por oficial de justiça, devendo-o ser pelo agente de execução, sendo que este diploma separa a isenção das custas da responsabilidade por custas, nomeadamente nos n.ºs 6 e 7 do art.º 4º.

Decisão Texto Integral:







            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Na acção executiva para pagamento de quantia certa[1] movida por Fundação (…) contra L (…) e M (…), a 04.5.2020, julgou-se que a exequente não se encontra isenta do pagamento de custas na presente Acção Executiva” e que “a tramitação do Processo Executivo quando o exequente goza de dispensa ou de isenção de custas é levada a cabo por Oficial de Justiça, sendo-lhe vedada a designação de Agente de Execução, a menos que o exequente pretenda suportar - de forma definitiva e sem direito a qualquer reembolso - todas as custas de parte que voluntariamente opte por pagar, nomeadamente todos os honorários e despesas devidos até final ao Agente de Execução designado”.

            Considerou o Mm.º Juiz a quo, por um lado, que a exequente não beneficia da isenção de custas prevista no art.º 4º, n.º 1, alínea f), do Regulamento das Custas Processuais (RCP) (aprovado pelo DL n.º 34/2008, de 26.02) porquanto, no caso concreto, “não se encontra a actuar exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhe seja aplicável” - pois se trata de mera “cobrança coactiva de um crédito que não lhe foi voluntariamente satisfeito e que é uma contraprestação de um serviço que presta de forma onerosa” - e, por outro lado, que “para permitir o acesso ao direito de execução pelos exequentes que se encontram dispensados ou isentos do pagamento de custas”, “optou o Estado por manter - para si próprio, para o M.º Público, para a generalidade dos isentos ou dispensados de custas, e para outras situações (art.º 722º CPC) - o Oficial de Justiça a desempenhar, de forma gratuita para ambas as partes (exequente e executado) as funções que na Acção Executiva passaram a ser da competência do Agente de Execução”.

Inconformada, a exequente apelou formulando as conclusões que assim vão sintetizadas:

1ª - O despacho em causa é nulo, porquanto ambíguo ao abrigo do art.º 615º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil (CPC), na medida em que declara que a apelante não se encontra a actuar exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos quando na verdade actua, neste caso, no âmbito da sua especial atribuição de desenvolver actividades no domínio da educação (o que implica a salvaguarda de todos os interesses associados a essa actividade, incluindo a cobrança de dívidas); é meramente conclusivo por não especificar os fundamentos de facto e de direito, violando, por isso, também, a alínea c) do mesmo art.º.

2ª - A presente execução foi instaurada para obtenção da cobrança de dívida emergente de serviços prestados pela Casa (…), estabelecimento da apelante/exequente que é uma pessoa colectiva privada sem fins lucrativos, traduzindo-se numa instituição particular de solidariedade social e utilidade pública.

3ª - A comparticipação familiar é essencial para garantir a sustentabilidade do projecto desenvolvido pela Casa (...) e, no limite, pela própria Fundação, dada a sua natureza eminentemente social.

4ª - A cobrança das comparticipações familiares não pode deixar de se considerar incluída para efeitos da isenção subjectiva prevista no art.º 4º, n.º 1, alínea f), do RCP, sendo certo que a actividade em causa é de interesse público e a isenção deve incluir todas as actividades conexas com a desenvolvida, indispensáveis ou instrumentais.

5ª - A cobrança de dívidas que resultam do incumprimento do pagamento das comparticipações familiares e serviços devidos deve entender-se incluída na defesa dos interesses que à apelante foram especialmente conferidos, sob pena de insustentabilidade da acção social que desenvolve, uma vez que a educação é uma sua atribuição e a Casa (...) desenvolve funções na área da educação que são eminentemente sociais, pelo que a cobrança das dívidas dessa atividade deve integrar o conceito de actuação no âmbito das suas especiais atribuições, sob pena de completo esvaziamento da referida norma do RCP.

6ª - A recorrente encontra-se, pois, isenta do pagamento de custas.

7ª - Em lugar algum do CPC ou do RCP resulta que as diligências de processos executivos em que litiguem partes isentas tenham que ser levadas a cabo por oficial de justiça sendo que, pelo contrário, esse mesmo diploma separa a isenção das custas da responsabilidade por custas, nomeadamente nos n.ºs 6 e 7 do art.º 4º do RCP, podendo entidades isentas suportar custas, razão pela qual nada impede, salva situação de insuficiência económica da contraparte, recebê-las.

8ª - O despacho é nulo, por meramente conclusivo, pois não se alcança em que processos a recorrente imputou centenas ou milhares de euros, sendo que a sua qualidade de IPSS lhe impõe, especialmente, que litigue com responsabilidade e por isso viola o art.º 615º, alíneas b) e c) do CPC; por outro lado, assenta em premissas erradas porque nada na lei proíbe a recorrente, titular de uma isenção subjectiva, de nomear um agente de execução na medida em tal gerará custas de parte, pois será a exequente a suportar as despesas associadas no caso de não haver pagamento nem bens penhoráveis, bem como no caso de insuficiência económica do executado.

Remata dizendo que deve a decisão ser revogada, sem prescindir da declaração de nulidade, também por violação da alínea d) do n.º 1 do art.º 651º do CPC, reconhecendo-se a isenção de custas da apelante.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir, sobretudo: a) nulidade da decisão; b) se a exequente beneficia da isenção de custas prevista no art.º 4º, n.º 1, al. f), do RCP; c) nomeação do agente de execução.


*

II. 1. Para a decisão do recurso releva o que consta do relatório que antecede e o seguinte:[2]

a) Foi alegado no requerimento executivo (inicial e sucessivos), nomeadamente:

1º- A exequente é uma instituição particular de solidariedade social e utilidade pública que apoia, promove e desenvolve actividades no âmbito da educação em que se insere a desenvolvida pela Casa (…), que lhe pertence, estabelecimento que presta serviços de creche e infantário, sito em Arganil.

2º- Os executados são pais da menor E (…), utente da referida Casa (...) e que frequentou o estabelecimento entre 17.3.2014 e 31.8.2019.

3º - Apesar de exequente e executados terem acordado uma prestação devida mensalmente, estes não procederam ao seu pagamento integral, levando a que a exequente propusesse injunções, a que foram apostas fórmulas executórias e que aqui servem de título executivo.

4º - A exequente “encontra-se isenta do pagamento de taxa de justiça nos termos do artigo 4º, n.º 1, alínea f) do Regulamento das Custas Processuais”.

b) Prevê-se, além do mais, nos Estatutos da exequente que:

- “A Fundação tem por objectivo contribuir para a promoção da população da região centro, através do propósito de dar expressão organizada ao dever de solidariedade e de justiça social entre os indivíduos, podendo, todavia, vir a estender-se a outras localidades do País por deliberação do Conselho de Administração.” (art.º 2º);

- “Para atingir o seu objectivo a Fundação propõe-se a apoiar, promover e realizar atividades nos seguintes âmbitos: a) Solidariedade Social; b) Educação; (…)” (art.º 3º);

- “Constituem receitas da Fundação: (…) c) Os rendimentos dos serviços e as comparticipações dos utentes; (…) e) Subsídios do Estado e de outras entidades.” (art.º 6º).

c) A exequente é uma Instituição Particular de Solidariedade Social, sob a forma de Fundação de Solidariedade Social e tem o objecto estatutário aludido em 1. a) e b).

d) A exequente é titular de diversos estabelecimentos de educação de infância denominados “Casas (...) ”, onde, inicialmente (entre 1936 e 1970), eram prestados, gratuitamente, todos os cuidados básicos, desde os educativos, à alimentação e à vigilância médica.

e) Pela frequência da Casa (...) aludida em 1. a) é devida uma comparticipação familiar fixada em conformidade com os critérios definidos na norma XIV do respectivo Regulamento Interno.

f) Nos termos do n.º 3 da norma XV do mesmo Regulamento, “todos os débitos serão exigidos através de processo de pagamento voluntário ou cobrança coerciva”.

            2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

a) No arrazoado e “conclusões” da alegação de recurso, a exequente afirma, designadamente, que o Tribunal a quo não fundamentou a decisão recorrida, que a mesma é ambígua e/ou contraditória e que deixou de se pronunciar sobre algumas questões essenciais, pelo que se verificam as causas de nulidade previstas nas alíneas b), c) e d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC[3].

Preceitua o referido art.º que é nula a sentença quando: não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (b); os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível (c); o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (d).

b) Tradicionalmente, invocando-se os ensinamentos do Professor Alberto dos Reis, é recorrente a afirmação de que o vício da mencionada alínea b) apenas se verifica quando ocorre falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito.[4]

No entanto, no actual quadro constitucional (art.º 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), em que é imposto um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, ainda que a densificar em concretas previsões legislativas, para que os seus destinatários as possam apreciar e analisar criticamente, designadamente mediante a interposição de recurso, nos casos em que tal for admissível, parece que também a fundamentação de facto ou de direito insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do acto decisório[5].

c) No tocante à referida alínea c) o vício em causa verifica-se sempre que exista contradição dos fundamentos com a decisão, quanto os fundamentos de facto e de direito invocados conduzirem logicamente a resultado oposto ou diverso daquele que integra o respectivo segmento decisório.

Isso significa que os fundamentos de facto e de direito da sentença devem ser logicamente harmónicos com a pertinente conclusão ou decisão e que tal se não verifica quando haja contradição entre esses fundamentos e a decisão nos quais assenta.

Contudo, uma coisa é a contradição lógica entre os fundamentos e a decisão da sentença [vício na construção da sentença, vício lógico nessa peça processual], e outra, essencialmente diversa, o erro de interpretação dos factos ou do direito ou na aplicação deste [a errada determinação ou interpretação das normas legais aplicáveis/o erro de julgamento/a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário] que não raro se confunde com aquela contradição.[6]

d) E a previsão da mencionada alínea d) relaciona-se com o dispositivo do art.° 608°, n.° 2, do mesmo Código[7], e por ele se tem de integrar. A primeira modalidade (omissão de pronúncia) tem a limitação aí constante quanto às decisões que devam considerar-se prejudicadas pela solução dada a outras; a segunda (excesso de pronúncia) reporta-se àquelas questões de que o tribunal não pode conhecer oficiosamente e que não tenham sido suscitadas pelas partes, devendo a palavra “questões” ser tomada em sentido amplo: compreenderá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem.

Contudo, é incorrecto inferir-se que a sentença deverá examinar toda a matéria controvertida, ainda que o exame de uma só parte impuser necessariamente a decisão da causa, favorável ou desfavorável - neste sentido haverá que compreender-se a fórmula da lei “exceptuadas aquelas questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” (art.º 608º, n.º 2).[8]

e) Perante o descrito enquadramento normativo e analisado o despacho sob censura, concluiu-se que o Mm.º Juiz a quo indicou adequadamente (de forma clara e com desenvolvimento bastante) os fundamentos de facto e de direito subjacentes à decisão proferida; a conclusão decisória está encadeada com a motivação fáctico-jurídica desenvolvida pelo Tribunal recorrido; foram conhecidas todas as questões, decidindo-se em conformidade com a fundamentação tida por adequada.

Daí, não ocorrem os apontados vícios, os quais, como se sabe, não se confundem com eventuais falhas/erros da decisão de facto ou “erros de julgamento”.

3. Estão isentas de custas as pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável (art.º 4º, n.º 1, alínea f), do RCP). Nos casos previstos nas alíneas b), f) e x) do n.º 1 e na alínea b) do n.º 2, a parte isenta é responsável pelo pagamento das custas, nos termos gerais, quando se conclua pela manifesta improcedência do pedido (n.º 5). Sem prejuízo do disposto no n.º anterior, nos casos previstos nas alíneas b), f), g), h), s), t) e x) do n.º 1 e na alínea b) do n.º 2, a parte isenta é responsável, a final, pelos encargos a que deu origem no processo, quando a respetiva pretensão for totalmente vencida (n.º 6). Com excepção dos casos de insuficiência económica, nos termos da lei de acesso ao direito e aos tribunais, a isenção de custas não abrange os reembolsos à parte vencedora a título de custas de parte, que, naqueles casos, as suportará (n.º 7).

4. As Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) são pessoas colectivas privadas, sem finalidade lucrativa, constituídas exclusivamente por iniciativa de particulares, com o propósito de dar expressão organizada ao dever moral de justiça e de solidariedade, contribuindo para a efetivação dos direitos sociais dos cidadãos, desde que não sejam administradas pelo Estado ou por outro organismo público (art.º 1º, n.º 1, do Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social, aprovado pelo DL n.º 119/83, de 25.02, na redação conferida pelo DL n.º 172-A/2014, de 14.11). A actuação das instituições pauta-se pelos princípios orientadores da economia social, definidos na Lei n.º 30/2013, de 8.5, bem como pelo regime previsto no presente Estatuto (n.º 2).

5. Como sabemos, a toda a constituição de pessoas colectivas preside um fim (art.ºs 167º, n.º 1 e 186º, n.º 1, do Código Civil).

As atribuições de uma pessoa colectiva são precisamente os fins ou as finalidades por ela prosseguidas. As especiais atribuições são os fins ou as finalidades para a realização das quais foi formada a pessoa colectiva e que lhe conferem identidade e que as distinguem de outras pessoas no mundo das pessoas colectivas.

É com este sentido, por exemplo, que o art.º 51º, n.ºs 1, alínea a), e 2 da Lei n.º 24/2012, de 9.7, que aprovou a Lei-Quadro das Fundações, fala das “atribuições” das fundações públicas.[9]

6. Uma das linhas de orientação da reforma das custas processuais efectuada pelo RPC consistiu na “reavaliação do sistema de isenção de custas”. Com o novo regime procurou-se, como se afirma no preâmbulo do DL n.º 34/2008, de 26.02, “proceder-se a uma drástica redução das isenções, identificando-se os vários casos de normas dispersas que atribuem o benefício da isenção de custas para, mediante uma rigorosa avaliação da necessidade de manutenção do mesmo, passar a regular-se de modo unificado todos os casos de isenções”.

Ora, em relação às IPSS, basta compararmos o regime anterior ao RCP com o regime saído deste Regulamento para se concluir que houve uma redução do âmbito da isenção de custas.

Com efeito, no domínio do Código das Custas Judiciais (CCJ) (aprovado pelo DL n.º 224-A/96, de 26.11) anterior ao RCP (ou seja, na redacção dada pelo DL n.º 324/2003, de 27.12.2003), estava prevista expressamente a isenção de custas para as IPSS [art.º 2º, n.º 1, alínea c)]. E estava prevista sem quaisquer condições. E assim, qualquer que fosse a questão que estivesse em discussão no processo, as IPSS estavam isentas de custas. Na passagem do CCJ para o RCP, a lei, além de integrar a isenção de custas em benefício das IPSS nas isenções previstas para pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, deixou de definir a isenção de custas destas pessoas em função de um critério exclusivamente subjectivo. A isenção das custas passou a estar dependente da relação do objecto do litígio com as “especiais atribuições” da pessoa colectiva ou com “a defesa dos interesses que lhe são especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável”.[10]

7. A isenção prevista pelo art.º 4º, n.º 1. alínea f) do RCP, conferida às pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, é, pois, uma isenção subjectiva, mas limitada a determinados actos, o que tem suscitado algumas dificuldades na interpretação e aplicação daquela norma, devido à abrangência do espectro normativo e sua indeterminação (cláusula geral).

Contudo, tem vindo a ganhar adequado e cada vez maior acolhimento a perspectiva de que quando a lei postula o carácter exclusivo (“actuem exclusivamente”), reporta-se à finalidade e objectivos (da própria pessoa colectiva, plasmados estatutariamente), sendo que, em muitas das situações, a defesa do interesse estatutário só se alcança de forma indirecta ou instrumental, pois de contrário seria neutralizar a própria norma.[11]

O benefício da isenção é, pois, reconhecido às pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos desde que actuem, no processo, exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições; ou actuem, no processo, “para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelos respectivos.

8. As atribuições da exequente são as finalidades que ela prossegue; as especiais atribuições são as finalidades que levaram à sua formação; são os objectivos que lhe conferem identidade e que concorrem para a distinguir de outras pessoas colectivas.

Sendo a exequente uma Fundação de Solidariedade Social, legalmente constituída e registada, adquiriu a categoria de pessoa colectiva de direito privado e utilidade pública[12]. Estamos perante uma pessoa colectiva sem fins lucrativos, comprovando-se que um dos seus objectivos estatutários passa pelo apoio, promoção e realização de atividades de Solidariedade Social e Educação; nas receitas da instituição integram-se os rendimentos dos serviços e comparticipações dos utentes (cf. II. 1. alíneas b) e c), supra)

9. Na execução em análise, e em face do título executivo, a exequente reclama o pagamento das comparticipações devidas pelos executados em razão dos serviços prestados à sua filha menor, débito exigível através de processo de pagamento voluntário ou cobrança coerciva (cf. II. 1. a) - 3º, e) e f), supra).

Por conseguinte, antolhando-se evidente que a execução se inscreve ainda na defesa dos interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto, e defesa exclusiva porque o único objectivo com a execução é este (a pretensão da exequente de cobrar coercivamente um crédito sobre uma utente resultante dos serviços que presta, de acordo com o seu objecto social, encontra-se naturalmente ligada à existência da instituição e sua actividade, ao prosseguimento do seu objecto ou concretização dos seus fins)[13] e não outro, teremos de concluir pela isenção de custas, nos termos do art.º 4º, n.º 1, alínea f) do RCP[14], sem prejuízo da restrição dos n.ºs 5 e 6 do art.º 4º do RCP.

10. O agente de execução é designado pelo exequente de entre os registados em lista oficial (art.º 720º, n.º 1). Não tendo o exequente designado o agente de execução ou ficando a designação sem efeito, esta é feita pela secretaria, segundo a escala constante da lista oficial, através de meios eletrónicos que garantam a aleatoriedade no resultado e a igualdade na distribuição (n.º 2). As diligências executivas que impliquem deslocações cujos custos se revelem desproporcionados podem ser efetuadas, a solicitação do agente de execução designado e sob sua responsabilidade, por agente de execução do local onde deva ter lugar o ato ou a diligência ou, na sua falta, por oficial de justiça, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art.º 722º, sendo o exequente notificado dessa circunstância (n.º 5).

Os honorários devidos ao agente de execução e o reembolso das despesas por ele efetuadas, bem como os débitos a terceiros a que a venda executiva dê origem, são suportados pelo exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao executado nos casos em que não seja possível aplicar o disposto no art.º 541º[15] (art.º 721º, n.º 1).

Para além do que se encontre previsto noutras disposições legais, incumbe ao oficial de justiça a realização das diligências próprias da competência do agente de execução: a) Nas execuções em que o Estado seja o exequente; b) Nas execuções em que o M.º Público represente o exequente; c) Quando o juiz o determine, a requerimento do exequente, fundado na inexistência de agente de execução inscrito na comarca onde pende a execução e na desproporção manifesta dos custos que decorreriam da atuação de agente de execução de outra comarca; d) Quando o juiz o determine, a requerimento do agente de execução, se as diligências executivas implicarem deslocações cujos custos se mostrem desproporcionados e não houver agente de execução no local onde deva ter lugar a sua realização; e) Nas execuções de valor não superior ao dobro da alçada do tribunal de 1ª instância em que sejam exequentes pessoas singulares, e que tenham como objeto créditos não resultantes de uma atividade comercial ou industrial, desde que o solicitem no requerimento executivo e paguem a taxa de justiça devida; f) Nas execuções de valor não superior à alçada da Relação, se o crédito exequendo for de natureza laboral e se o exequente o solicitar no requerimento executivo e pagar a taxa de justiça devida (art.º 722º, n.º 1).

No requerimento executivo, dirigido ao tribunal de execução, o exequente designa o agente de execução ou requer a realização das diligências executivas por oficial de justiça, nos termos das alíneas c), e) e f) do n.º 1 do art.º 722º (art.º 724º, n.º 1, alínea c)).

11. Perante o quadro normativo descrito no ponto anterior (maxime, art.ºs 720º, n.º 1; 722º, n.º 1 e 724º, n.º 1, alínea c)), afigura-se, salvo o devido respeito por entendimento contrário, que a exequente, entidade isenta do pagamento de custas, podia e devia designar o agente de execução, relevando, igualmente, as demais disposições adjectivas aplicáveis em sede executiva quanto à forma de pagamento das custas e encargos, se bem que no contexto da dita isenção.

Assim, é correcto o entendimento explanado pela exequente/recorrente quando diz que em lugar algum do CPC ou do RCP resulta que as diligências de processos executivos em que litiguem partes isentas tenham que ser levadas a cabo por oficial de justiça sendo que, pelo contrário, esse mesmo diploma separa a isenção das custas da responsabilidade por custas nomeadamente nos n.º 6 e 7 do art.º 4º, podendo entidades isentas suportar custas, razão pela qual nada impede, salva situação de insuficiência económica da contraparte, recebê-las (cf. a “conclusão 7ª”, ponto I., supra).

12. Procedem, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.


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III. Pelo exposto, decide-se julgar procedente a apelação e revogar o despacho recorrido, com as consequências assinadas em II. 9. (declarando-se que a exequente beneficia da isenção de custas) e 11., supra.

Sem custas.


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08.9.2020


Fonte Ramos ( Relator )

Alberto Ruço

Vítor Amaral ( voto de vencido)

Apelação n.º 820/20.0T8SRE.C1

               Votei vencido, apenas quanto à questão da admissibilidade do recurso.

Trata-se de impugnado despacho intercalar proferido no âmbito de processo executivo que tem um valor correspondente a € 356,71 (quantia inicial, capital e juros) e às importâncias, das execuções cumuladas, de € 354,80 e € 219,11 (incluindo juros), não chegando, pois, aos mil euros.

Está em causa, essencialmente, a questão da (não) isenção do pagamento de custas da parte exequente, mas também a de ser a tramitação do Processo Executivo quando o exequente goza de dispensa ou de isenção de custas levada a cabo por Oficial de Justiça, sendo-lhe vedada a designação de Agente de Execução, a menos que o exequente pretenda suportar todas as custas de parte que voluntariamente opte por pagar.

Perante o que seria de colocar, desde logo, a questão de saber se é admissível in casu a interposição de recurso, visto quanto dispõe o art.º 629.º do NCPCiv. (o valor da causa é manifestamente inferior à alçada do tribunal recorrido), ex vi art.ºs 852.º e seg. do mesmo Cód., e o art.º 4.º do RCProc. ([16]).

É do meu conhecimento que a parte recorrente tem entendido que se justifica aqui o “recurso à analogia”, com aplicação do disposto no n.º 3 do art.º 853.º do NCPCiv., a determinar que cabe sempre recurso do despacho de indeferimento liminar, ainda que parcial, do requerimento executivo, bem como do despacho de rejeição do requerimento executivo proferido ao abrigo do disposto no art.º 734.º ([17]).

Ora, no caso, salvo sempre o devido respeito, não foi proferido – no âmbito da decisão recorrida – qualquer juízo/“despacho” de indeferimento liminar, total ou parcial, do requerimento executivo, nem, do mesmo modo, decisão de rejeição do requerimento executivo (ao abrigo do disposto naquele art.º 734.º ou outro).

O que foi decidido foi apenas – sem indeferimento liminar ou rejeição do requerimento executivo, ao menos por ora – (i) julgar a Exequente não isenta do pagamento de custas na execução; (ii) considerando-se que a tramitação processual, quando o exequente goza de dispensa ou de isenção de custas, é levada a cabo por Oficial de Justiça, sendo-lhe vedada a designação de Agente de Execução (a menos que o exequente pretenda suportar todas as custas de parte que voluntariamente opte por pagar); e (iii) determinar a notificação da Exequente para, em prazo, proceder ao pagamento da taxa de justiça devida pela instauração da execução (cfr. decisão recorrida, datada de 04/05/2020).

A Exequente/Recorrente, não concordando com o assim decidido, não poderá – parece – pretender que se veja em tal decisão interlocutória, com o âmbito aludido, um “despacho de indeferimento liminar” ou um “despacho de rejeição do requerimento executivo”, aqueles a que alude o preceito legal do art.º 853.º, n.º 3, do NCPCiv. ([18]).

O que ocorreu não foi uma decisão que pusesse fim à execução, que determinasse a sua extinção (por juízo liminar de indeferimento ou por rejeição do requerimento executivo). Prova disso é que a instância executiva se mantém – a execução continua pendente, em tramitação processual.

Apenas ocorreu que o Tribunal a quo decidiu que, pendente a execução, a Exequente não está isenta do pagamento de custas respetivas, pelo que, consequentemente, haverá de ser notificada para, em prazo, pagar taxa de justiça pela instauração de tal execução. E foi entendido ainda que a tramitação processual, quando o exequente goza de dispensa ou de isenção de custas, é levada a cabo por oficial de justiça, sendo-lhe vedada a designação de agente de execução.

Ora, não deverá, com todo o respeito devido, confundir-se uma tal decisão intercalar – essencialmente, o juízo no sentido de não estar a parte isenta de custas e dever, por isso, pagar taxa de justiça –, que não implica a extinção da ação executiva, apenas se repercutindo na tramitação subsequente dos autos, sendo, embora, configurável uma decisão posterior que ponha fim à execução (mas que, a ocorrer, sempre será uma decisão futura), com uma decisão – logicamente diversa – de indeferimento liminar ou de rejeição do requerimento executivo (estas, sim, a porem termo, quando proferidas, à ação executiva).

Assim sendo, a previsão normativa do art.º 853.º, n.º 3, do NCPCiv. não comportará aplicação direta (ou imediata) ao caso dos autos, cuja decisão sob controvérsia não é de indeferimento liminar ou rejeição do requerimento executivo.

Mas também não parece, por outro lado, poder comportar aplicação analógica, posto que estamos no âmbito de normação excecional – casos excecionais de admissão de recurso no processo executivo, à margem dos requisitos gerais do valor e da sucumbência, estes aplicáveis por força do disposto nos art.ºs 852.º, 853.º, n.º 1, e 629.º, n.º 1, todos do NCPCiv..

As normas de cariz excecional não admitem, em princípio (pela sua excecionalidade), aplicação analógica, a menos que razões muito ponderosas o exijam, designadamente para evitar soluções que redundassem em clara e inaceitável injustiça ou por imposição das exigências de unidade e coerência do sistema jurídico.

O que não parece mostrar-se verificado nestes autos, não sendo caso de adoção da pretendida analogia, posto o legislador ter querido que, neste âmbito, o recurso fosse de decisões finais, quer se trate de indeferimento liminar do requerimento executivo ou de rejeição do mesmo requerimento, sempre, pois, decisões de extinção da execução.

In casu, não estamos perante decisão final/extintiva, que pudesse ser equiparada a indeferimento liminar ou rejeição do requerimento executivo.

Trata-se de decisão (intercalar) que regula, por ora, a questão da isenção de custas de uma das partes e suas ulteriores consequências processuais previsíveis, isto é, na pendência da execução, não perspetivada ainda como objeto de extinção.

Se tal extinção vier a ser decidida – e quando tal vier eventualmente a ocorrer, na sequência da questão da isenção de custas e não pagamento da taxa de justiça considerada devida –, então poderá ser de ponderar, por se tratar de decisão final, a recorribilidade ao abrigo de alguma interpretação possível ou aplicação analógica do normativo do art.º 853.º, n.º 3, do NCPCiv. (ou outra norma de âmbito recursivo).

Mas não agora, sem decisão de extinção da execução ([19]), por a pronúncia ter incidido sobre a pretendida isenção de custas (e suas consequências previsíveis) em ação executiva pendente.

Em suma, salvo sempre o respeito devido pela posição que fez vencimento, votei no sentido de o recurso interposto cair na órbita do normativo do art.º 629.º, n.º 1, do NCPCiv., com a consequência de o valor da causa – inferior, manifestamente, à alçada do tribunal de que se recorre (e até a metade dessa alçada) – tornar inadmissível o recurso ordinário, do qual, por isso, não conheceria.

Vítor Amaral




[1] Quantia inicial de € 356,71 (capital e juros) e as importâncias, das execuções cumuladas, de € 354,80 e € 219,11 (incluindo juros).

  [2] Cf. os documentos juntos com os requerimentos executivos (designadamente, a publicação oficial de registo efectuado pela Direcção-Geral da Segurança Social, a que se respeita a “declaração” de 20.02.2017) e com as alegações de recurso, estes, admissíveis e pertinentes, tendo presente, principalmente, a necessidade de esclarecer as atribuições da recorrente, o decidido e o objecto do recurso (cf. os art.ºs 425º e 651º, n.º 1 do CPC e, sobre situação similar, o acórdão da RC de 11.5.2020-processo 4999/17.0T8CBR.C1, publicado no “site” da dgsi).
[3] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem.
[4] Veja-se o Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1984, reimpressão, Vol. V, pág. 140.
[5] Neste sentido, o acórdão do STJ de 02.3.2011-processo 161/05.2TBPRD.P1.S1, publicado no “site” da dgsi.
[6] Vide, de entre vários, Antunes Varela, e Outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, pág. 671 e os acórdãos do STJ de 21.5.1998, 22.6.1999, 30.9.2004-processo 04B2894 e 06.7.2011-processo 7295/08.0TBBRG.G1.S1, in CJ-STJ, VI, 2, 95; BMJ 488º, 296 e “site” da dgsi, respectivamente.
[7] Preceitua-se no referido normativo: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
[8] Vide, de entre vários, A. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, págs. 142 e seguinte e Lebre de Freitas, e Outros, CPC Anotado, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 670.

[9] Cf. o acórdão da RC de 10.9.2013-processo 558/11.9TNCBR-A.C1, publicado no “site” da dgsi.
[10] Ibidem.

[11] Cf., nomeadamente, a decisão sumária da RC de 13.11.2019-processo 265/19.4T8SRE.C1 [defendendo-se, igualmente, que «na dúvida deve fazer-se uma interpretação “pro actione” em conformidade com a Constituição, e, por isso, mais favorável, ou seja, a que melhor garanta o direito fundamental de acesso e à tutela judicial efectiva.»], publicada no “site” da dgsi.

   Em idêntico sentido, cf., de entre vários, os acórdãos da RG de 28.6.2018-Processo 988/17.2T8FAF.G1 [constando do sumário: «1- A isenção de custas prevista no art.º 4º, n.º 1, al. f) do RCP, não é uma isenção subjetiva pura, mas antes limitada, além de condicionada. É “limitada” porque a sua concessão não depende apenas da qualidade do sujeito, mas está ainda dependente da natureza das questões, direitos e interesses ou da relação material que é objeto da ação para a qual é requerida. É “condicionada”, porque apesar da isenção, a entidade que dela beneficia pode, a final, vir a ter de suportar as custas, nos termos do art.º 4º, n.ºs 5 e 6 do RCP. 2 - Aquela isenção deve abranger as ações em que o respetivo objeto contenda exclusivamente com a satisfação dos fins especiais que, em função dos respetivos estatutos, incumbe à pessoa coletiva particular, sem fins lucrativos, prosseguir, ou em que esta prossegue a defesa dos interesses especiais que lhe são atribuídos por lei ou por esses estatutos, ainda que esses interesses e/ou fins sejam prosseguidos na ação por via instrumental, esta entendida nos termos que se passam a enunciar. 3 - A apreciação dessa instrumentalidade carece de ser feita por referência ao objeto da concreta ação em que aquela pessoa coletiva seja demandante ou demandada, com vista a verificar se o assunto em discussão nessa ação tem por objeto relações jurídicas estabelecidas por essa pessoa coletiva com terceiro (demandante ou demandado), com vista à prossecução das atribuições (fins) especiais que lhe são fixados pelos respetivos estatutos e/ou à defesa dos interesses especiais que lhe são conferidos por lei ou pelos respetivos estatutos, por serem uma decorrência natural do seu atuar na concretização desses fins e/ou interesses, quer por serem a concretização destes fins e/ou interesses, quer por serem necessários à concretização dos mesmos. 4 - A isenção do art.º 4º, n.º 1, al. f) do RCP, abrange as ações referidas em 3), como é o caso de uma ação instaurada por uma IPSS, cuja finalidade estatutária é o apoio à criança, jovens e idosos, a quem incumbe, na concretização desses fins estatutários, criar, manter e desenvolver creche, jardim-de-infância, ATL, colégio e lar, em que o objeto dessa ação é o alegado incumprimento de um contrato de locação financeiro celebrado pelo IPSS com as demandadas, cujo objeto é um leitor biométrico, que aquela locou com vista a colocá-lo nas suas instalações para controlar, diária e permanentemente, a entrada e saída de alunos, professores, funcionários e visitantes nessas instalações.»], da RC de 10.12.2019-processo 1817/19.8T8CBR.C1, 21.01.2020-processo 6031/18.7T8CBR-A.C1 - aresto subscrito pelos aqui adjuntos [concluindo-se: «II - A isenção de custas concedida às pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos, como é o caso das instituições particulares de solidariedade social (IPSS), prevista na al. f), do n.º 1, do artigo 4º do Regulamento de Custas Processuais (…), quando atuam exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições; ou quando defendem os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável, abarca, desde que conexos com o seu escopo social os litígios que surjam ao nível dos seus órgãos representativos, relações de trabalho dependente, relações com os utentes, com fornecedores de bens e serviços e ao património.»], 28.01.2020-processo  9128/18.0T8CBR.C1 e 11.5.2020-processo 4999/17.0T8CBR.C1, da RP de 14.01.2014-processo 1026/12.7TVPRT.P1 [tendo-se concluído, nomeadamente: «(…) II – Atenta a redacção da alínea f) do n.º1 do art.º 4º do Regulamento das Custas Processuais, a isenção de custas das pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos apenas deverá ser reconhecida quando concretamente estejam em causa a defesa ou o reconhecimento de direitos e obrigações necessários (nestes se incluindo os indispensáveis e os instrumentais) à prossecução dos seus fins e já não os convenientes.»] e 23.01.2020-processo 133199/18.3YIPRT-A.P1 e da RL de 04.12.2019-processo 1642/18.3T8CSC-A.L1-4 [assim sumariado: «I - A al. f) do n.º 1 do art.º 4.º do RCP obriga a uma interpretação compreensiva e abrangente das realidades que lhe podem estar subjacentes e que, em grande medida, passam por uma apreciação casuística dos litígios trazidos a tribunal ou, pelo menos, do tipo ou espécie de ações, que pela sua relação instrumental com as referidas especiais atribuições e interesses prosseguidas pelas pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos, segundo os seus estatutos e o regime legal aplicável, poderão, em regra, beneficiar, à partida dessa isenção de custas, tudo sem prejuízo do disposto nos números 5 e 6 do mesmo artigo 4º do RCP. II - Existirão muitas pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos que (…) terão absoluta necessidade de celebrar contratos onerosos de trabalho e de prestação de serviços com terceiros, por só assim lhes ser possível prosseguir as suas particulares atribuições e específicos interesses (que, como sabemos e resulta dos próprios Estatutos da instituição aqui demandada são múltiplos, variados e ambiciosos em termos sociais). III - Revelando-se essas relações de trabalho subordinado como absolutamente necessárias ao funcionamento da Ré e à realização dos seus fins e decorrendo de tais vínculos e do risco da autoridade e da atividade profissional a eles inerente a ocorrência de acidentes de trabalho, não se poderá negar, em regra, tal isenção de custas à Ré, ainda que condicionada ao desfecho final da ação laboral, nos termos dos números 5 e 6 do artigo 4º do RCP.»], publicados no “site” da dgsi.

   Com uma perspectiva mais restrita, cf., por exemplo, os acórdãos - Secção Social - da RG de 14.6.2017-Processo 2734/16.9T8BCL-A.G1 e 04.10.2017-processo 11/14.9TTVRL-A.G1, RP de 21.01.2013-processo 1140/11.6TTMTS, RC de 13.12.2011-processo 68/08.1TTCBR e RL de 22.3.2017-processo 22455/16.1T8LSB.L1-4, publicados no “site” da dgsi.

[12] Vide C. A. da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª Edição (2ª reimpressão), 2012, Coimbra Editora, pág. 302.

[13] A exequente visa assim garantir/assegurar (como fonte de receita) a prossecução dos fins que nortearam a sua criação e que constituem a sua razão de ser -  garantir a sustentabilidade das actividades que apoia, tratando-se, in casu, de dívida emergente pelos serviços prestados pela dita Casa (...) - cf. o cit. acórdão da RC de 10.12.2019-processo 1817/19.8T8CBR.C1.
[14] Cf. ainda, entre outros, a referida decisão sumária da RC de 13.11.2019-processo 265/19.4T8SRE.C1 e o mencionado acórdão da RC de 21.01.2020-processo 6031/18.7T8CBR-A.C1.

[15] Que reza o seguinte: “As custas da execução, incluindo os honorários e despesas devidos ao agente de execução, apensos e respetiva ação declarativa saem precípuas do produto dos bens penhorados.”
([16]) Cfr. também A. Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 36 e ss., e Salvador da Costa, As Custas Processuais, Almedina, Coimbra, 6.ª ed., 2017, ps. 96 e ss..
([17]) Assim aconteceu em posição tomada no âmbito da apelação n.º 754/20.8T8SRE.C1, desta mesma 2.ª Secção Cível.
([18]) Nem sequer estamos no quadro de decisão cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil [cfr. art.º 644.º, n.º 2, al.ª h), do NCPCiv., invocado expressamente no requerimento de interposição de recurso].
([19]) Não parece defensável – com todo o respeito devido – ver no despacho proferido, em antecipação de cenários processuais, uma antecâmara do indeferimento liminar (ou de outra decisão efetivamente extintiva da ação executiva), de molde a convocar (ex ante) os princípios da igualdade de tratamento e da economia processual para admissão do recurso interposto.