Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
100/12.4TBTMR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: DIREITO DE REGRESSO
PRESCRIÇÃO
SEGURO
ÁLCOOL NO SANGUE
Data do Acordão: 01/21/2014
Votação: MAIORIA
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TOMAR - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: Nº 3 DO ART. 498º DO CÓDIGO CIVIL E Nº 1 DO ARTIGO 27 DO DEC-LEI Nº 291/2007, DE 21 DE AGOSTO
Sumário: 1- No apuramento da natureza criminal do facto ilícito para efeitos de aplicação da extensão do prazo prescricional prevista no nº 3 do art. 498º do Código Civil, deve ter-se em atenção, não a condução em estado de embriaguez, porque esta, não constitui só por si, um ilícito civil gerador da obrigação de indemnizar, mas, a conduta estradal contravencional que deu causa ao acidente, ainda que motivado pelo álcool, e consequentemente aos danos não apenas materiais mas igualmente pessoais em terceiros.

2- O alongamento do prazo de prescrição do direito à indemnização em consequência de danos ocasionados por facto ilícito que constitua um crime (nº 3 do artº 498º do Código Civil) não vale para o exercício do direito de regresso exercido ao abrigo do nº 1 do artigo 27 do Dec-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto, pela seguradora

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                                                            I
K... – SUCURSAL EM PORTUGAL, com os sinais dos autos, intentou a presente ação declarativa com processo sumário contra A (…) pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 9.236,66 €, acrescida dos juros de mora vencidos sobre a quantia referida à taxa legal de 4%, a contar da citação para esta ação até integral pagamento.
Alega em síntese que, a K... Companhia de Seguros, SA., foi incorporada por fusão na sociedade K..., ora A., tendo esta assumido a universalidade de direitos e deveres da sociedade incorporada; assim a A, dedica-se à atividade seguradora e por contrato de seguro celebrado entre a K... Companhia de Seguros, SA., e o Réu em 29.01.2007 titulado pela apólice nº 003980765, relativo ao veículo automóvel de marca BMW matrícula (...) UR (doravante UR1), foi transferida a responsabilidade civil pela circulação deste veículo para si; sucede que, no dia 22.01.2008 o Réu conduzindo o seu veículo em Tomar, foi causador de um acidente embatendo na traseira lateral esquerda do veículo com a matrícula 2(...) UR (doravante UR2), que circulava imediatamente à sua frente e era conduzido por M (…); o Réu circulava com uma taxa de álcool no sangue de 2,20 g/l o que lhe perturbou os reflexos e a coordenação motora, ficando incapaz de reagir com a celeridade que se lhe impunha; a via estava em bom estado de conservação e o tempo bom e, assim, o acidente deu-se devido a culpa exclusiva do Réu.
Em consequência do acidente houve feridos ligeiros, o casal que seguia no UR2 (e o próprio Réu), teve de ser assistido no hospital.
A Autora, por via do contrato de seguro, teve de pagar despesas hospitalares, a reparação do veículo UR 2, uma indemnização pela privação do seu uso, despesas de peritagem do sinistro, tudo no montante de 9.236,66 €.
Tendo interpelado o Réu por carta datada de 23.10.2009 para pagar a quantia em causa, este não o fez.
Contestou o Réu, invocando a prescrição.
A tal respeito, diz o Réu que, apenas foi citado para a ação em 01.02.2012, o acidente deu-se em 22.01.2008 e, os recibos referem-se aos meses de Fevereiro e Abril de 2008, pelo que, na data da citação, já tinham decorrido mais de 4 anos, logo o direito da Seguradora prescreveu. Esta apenas tem o prazo dos 3 anos referido no artigo 498 nº2 do Código Civil (CC), não se aplicando, ao caso, a extensão prevista no artigo 498 nº3 do mesmo Código.
À cautela, defende-se ainda por mera impugnação, afirmando que não teve culpa no acidente, sendo a responsabilidade do mesmo do outro condutor que, depois de se encontrar parado e encostado ao lado direito da Av. Nuno Álvares Pereira em Tomar, de forma súbita e sem qualquer sinal de mudança de direção decidiu iniciar uma inversão de marcha e assim atravessou-se na frente do UR1, provocando o acidente.
Mais alega que, é falso que conduzisse com álcool e impugna os valores que a Autora diz ter pago.
 
No despacho saneador relegou-se para o momento da sentença a decisão sobre a exceção de prescrição.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento após o que foi proferida sentença que julgou improcedente a exceção de prescrição e, parcialmente procedente a ação e, em consequência, condenou o Réu A (…), a pagar à Autora K... – Sucursal em Portugal, a quantia de 4.618,33 € (quatro mil e seiscentos e dezoito euros e trinta e três cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa de 4% para as relações civis, desde a data da citação, até integral e efetivo pagamento.

Inconformado com tal decisão veio o Réu recorrer concluindo do seguinte modo as suas alegações de recurso:
(…)

 Foram apresentadas contra-alegações, nas quais a Autora concluiu:
(…)

                                                            II
É a seguinte a factualidade julgada provada pelo tribunal a quo a qual se mostra selecionada sob dois temas:
I. Quanto à alegada prescrição do direito de regresso da Autora/Seguradora em reclamar a quantia de 9.236,66 € por parte do ora Réu, são os seguintes os factos provados com interesse para a decisão desta exceção:
a) no dia 22 de Janeiro de 2008, pelas 2 horas e 15 minutos, na Av. Nuno Álvares Pereira/Tomar, ocorreu um acidente de viação;
b) foram intervenientes  os veículos com as matrículas (...) UR (1) conduzido pelo Réu A... e o veículo 2(...) UR (2), conduzido por M (…);
c) Do embate de veículos que se verificou, ambos os ocupantes das duas viaturas bem como, a ocupante do veículo UR2, (…), sofreram ferimentos ligeiros, tendo sido todos conduzidos ao Hospital de Tomar;
d) o UR2 ficou com a lateral esquerda danificada, pelo que foi paga pela a título da reparação do veículo em causa a quantia de 5.950,00 €;
e) e ainda 2.700,00 €, pela imobilização do veículo;
f) Aquando do embate entre estes dois veículos, o R, circulava com uma taxa de álcool no sangue de 1,61 g/l;
g) por sentença proferida em 5 de Novembro de 2008, já devidamente transitada em julgado e no processo nº 165/08.3 PBTMR, que correu termos no 3º Juízo desta Comarca, foi o ora Réu, aí arguido, condenado pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido no artigo 292º/1 do CP, na pena de multa de 40 dias, à taxa diária de 8 €, perfazendo o total de 320 €, tendo ainda aquele sido condenado em 4 meses de inibição de condução, conforme sentença de fls. 148 a 154, dos autos;
h) em 28.04.2008, é pago pela A ao Hospital de Tomar a quantia de 106 €;
i) na mesma data é ainda paga outra despesa hospitalar de 212 €;
j) em 11.04.2008, é pago pela A, a quantia de 47,69 €;
k) em 28.03.2008,é pago pela A, a quantia de 5.950,00 €;
l) em 18 de Abril de 2008, é pago pela A, a quantia de 2.700,00 €;
m) em 2 de Abril de 2008, a A, paga a título de peritagens e despesas com a averiguação, o montante de 209,37 € e ainda em 13 de Fevereiro de 2008, paga 52,07 €;
n) em 23 de Outubro de 2009, foi remetida uma carta pela A-Seguradora ao R, em que informa-o de que pagou 9.236,66 € por conta dos danos que ocorreram em consequência do acidente de viação em causa e que é (este) valor que tem direito a receber da parte do R, pedindo pois que este entre em contato para resolverem esta situação, numa solução de compromisso, conforme carta de fls. 59;
o) esta ação entrou em juízo em 24 de Janeiro de 2012.

II. Quanto ao mérito da causa, nomeadamente, quanto à responsabilidade do Réu pelo acidente, foram julgados provados os seguintes factos:
1. A Autora dedica-se à atividade seguradora, conforme Certidão Permanente cujo código de acesso é 3347-0824-8680, encontra-se junta aos autos fls. 17 e ss., conforme facto assente A);
2. Por contrato de seguro, celebrado entre a K... COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., e A (…), a 29 de Janeiro de 2007, titulado pela apólice n.º 003980765, referente ao veículo automóvel de marca BMW, modelo 360L, com a matrícula (...) UR (de ora em diante, designado de UR-1), este transferiu a responsabilidade civil pela circulação do veículo para a aqui Autora, conforme facto assente B);
3. No dia 22 de Janeiro de 2008, pelas 02h15m, o Réu conduzia o veículo UR-1 na Avenida D. Nuno Álvares Pereira, em sentido Norte/Sul, ou seja, Tomar/Entroncamento, conforme facto assente C);
4. Naquela mesma via, o veículo de marca Toyota, modelo Corolla, com a matrícula 2(...) UR, de ora em diante designado de UR-2, também aí se encontrava, conforme facto assente D);
5. O veículo UR-2 era conduzido por M (…), conforme facto assente E);
6. Para regularização das despesas decorrentes do sinistro, a Autora despendeu as quantias de € 329,60 (trezentos e vinte e nove euros e sessenta cêntimos), respeitante a despesas com hospital/clínica, conforme facto assente F);
7. E ainda a quantia de € 47,69 (quarenta e sete euros e sessenta e nove cêntimos), referente a despesas com medicamentos e hospital/clínica, conforme facto assente G);
8. Até à data, o Réu nada pagou, conforme facto assente H);
9. Por escritura pública datada de vinte e dois de Dezembro de 2009, realizada no Cartório Notarial de C..., foi a K... COMPANHIA DE SEGUROS S.A., incorporada, por fusão, na sociedade K..., conforme resposta aos quesitos de fls. 180;
10. A fusão produziu os seus efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2010, conforme resposta aos quesitos de fls. 180;
11. Na sequência do referido em D) da MA, o veículo UR-2, seguia na dita via imediatamente à frente do veículo UR-1, conforme resposta aos quesitos de fls. 180;
12. Subitamente, o veículo UR 1 embateu com a frente na lateral esquerda do veículo UR 2, conforme resposta aos quesitos de fls. 180;
13. Na data do embate o Réu apresentava uma taxa de 1,61 g/l de álcool no sangue, conforme resposta aos quesitos de fls. 180;
14. O que lhe perturbou os reflexos e a coordenação motora, conforme resposta aos quesitos de fls. 180;
15. Tendo ficado mais lento na sua capacidade de reação e perceção, o que levou a que o Réu não conseguisse controlar o seu veículo e assim, embatesse no veículo UR-2, conforme resposta aos quesitos de fls. 180;
16. O local do embate é uma estrada sem separador, com dois sentidos e uma via para cada sentido, conforme resposta aos quesitos de fls. 180;
17. O pavimento é asfaltado, sem quaisquer buracos ou oscilações que dificultem a circulação automóvel, conforme resposta aos quesitos de fls. 180;
18. À data do acidente não chovia, a via estava bem iluminada e a visibilidade estendia-se por cerca de 70m, conforme resposta aos quesitos de fls. 180;
19. O veículo UR 2 ficou com a lateral esquerda danificada, conforme resposta aos quesitos de fls. 180;
20. Em consequência do embate, ambos os condutores e a ocupante do veículo UR-2, (…), sofreram ferimentos ligeiros, tendo sido conduzidos ao Centro Hospital do Médio Tejo para observação, conforme resposta aos quesitos de fls. 180;
21. A Autora pagou a quantia de € 5.950,00 (cinco mil novecentos e cinquenta euros), relativa à reparação do veículo, conforme resposta aos quesitos de fls. 180;
22. E pagou ainda a quantia de € 2.700,00 (dois mil e setecentos euros), atinente à indemnização pelo tempo de imobilização do veículo UR-2, conforme resposta aos quesitos de fls. 180;
23. Pagando ainda € 209,37 (duzentos e nove euros e trinta e sete cêntimos), concernente a despesas com a averiguação e peritagem do sinistro, conforme resposta aos quesitos de fls. 180;
24. Foi remetida ao Réu A (…), pela Autora K... – Sucursal em Portugal, uma carta simples na qual é informado que o valor total dos danos que foram pagos pela Autora aos sinistrados foi de 9.236,66 €, e este é o valor que aquela entidade diz que em direito de regresso, tem o direito a haver da parte do Réu, conforme resposta que consta da ata de leitura das respostas aos quesitos de fls. 185-186;
25. Atravessando-se assim, com a lateral esquerda do seu veículo, na frente do veículo do R, conforme resposta aos quesitos de fls. 180;
26. O veículo UR-2, não foi embatido na sua traseira, mas no lado lateral esquerdo, conforme resposta aos quesitos de fls. 180.

                                                            III
Na consideração de que o objeto dos recursos se delimita pelas conclusões das alegações (artigo 635º nº 4 do NCPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 608º nº 2 do mesmo, in fine), são as seguintes as questões a decidir:
I - da prescrição do direito de regresso acionado pela seguradora
II - da ausência de qualquer responsabilidade do Réu na produção do acidente e a prova de factos que permitem imputar ao condutor da segunda viatura essa responsabilidade.

I - Da prescrição do direito de regresso acionado pela seguradora
Dispõe o artigo 498 nº 1 do Código Civil que «o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso».
Por sua vez estabelece o nº 2 de tal artigo que «prescreve igualmente no prazo de três anos a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis».
E nos termos do nº 3 «se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável».
Decidiu o tribunal recorrido que, porque o Réu A... foi condenado por um crime de condução em estado de embriaguez, o qual é punido com pena de prisão até um ano, conforme o artigo 292º do Código Penal e, porque o artigo 118 nº 1 alª c) do Código Penal, determina que o procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido os seguintes prazos: cinco anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a um ano, mas inferior a cinco anos, logo, estamos,  perante um prazo prescricional de cinco anos e, por conseguinte, mais longo do que aquele dos três anos, o qual se conta desde 22.01.2008 e só termina em 21.01.2013.
Concluiu assim a 1ª instância que, como a ação foi intentada em 24 de Janeiro de 2012, a mesma interrompe o prazo prescricional em curso, pelo que nesta medida, o direito de indemnização não está prescrito.
Cumpre-nos desde já fazer um reparo quanto ao ilícito – condução sob o efeito do álcool - eleito pelo Mmº julgador da 1ª instância como tendo natureza criminal e nessa medida potenciador de fazer aplicar a norma prolongadora do prazo.
Naturalmente que a condução sob o efeito do álcool, a partir de determinada taxa de alcoolemia, constitui um ilícito criminal.
Mas, a norma da prescrição em apreço quando se refere a facto ilícito apenas pode reportar-se ao ilícito que, sendo primacialmente civil, fundamenta o pedido indemnizatório e tenha simultaneamente natureza criminal.
Vejamos.
Conduzir em estado de embriaguez, só por si, não constitui um ilícito civil gerador da obrigação de indemnizar, pelo que é indiferente apurar se tal conduta constitui ou não crime, para efeitos de aplicação da citada norma do art. 498 nº 3 do C.Civ., que estende o prazo de prescrição.
Mas, a conduta de conduzir em contravenção com as normas do Código da Estrada, dando causa a um acidente donde ocorrem danos não apenas materiais mas igualmente pessoais em terceiros, constitui duplamente um ilícito civil, gerador da obrigação de indemnizar tais danos, bem como, um ilícito de natureza criminal, tipificado como crime de ofensas corporais por negligência, ou homicídio por negligência.
No caso, porque do embate de veículos resultou que, ambos os ocupantes das duas viaturas sofreram ferimentos ligeiros, poder-se-á conceber a prática de um crime de ofensas corporais negligente, concluindo-se, pois pela dupla natureza civil e criminal, da condução do Réu.
E, assim sendo, será essa a conduta, simultaneamente civil e criminal que importaria considerar para efeitos de prolongamento do prazo prescricional.
Tal consideração poderá, contudo, resultar inútil no presente caso, em função da resposta que se der à antecedente questão:
Qual o prazo de prescrição que se aplica à seguradora que aciona em direito de regresso?
O Tribunal a quo fez aplicação da extensão prevista no nº 3 do artigo 498 do Código Civil, afastando assim a aplicação do nº 2 do mesmo artigo, o qual estabelece o prazo de três anos a contar do cumprimento, isto é, do pagamento das despesas resultantes do acidente de viação, para o exercício do direito de regresso entre os responsáveis.
Lê-se, a propósito, na sentença recorrida:
“Pois na verdade, existem vários acórdãos no sentido de que o prazo do nº 2, é tão só de três e a contar do pagamento das despesas realizadas pela Seguradora, precisamente porque estamos perante um contrato de seguro e os direitos da seguradora são diferentes dos das vítimas, logo ela não beneficia do prazo mais longo, caso estejamos perante um facto ilícito considerado como crime.
Sucede que nós pugnamos pelo entendimento de que, as Seguradoras no seu direito de regresso previsto no nº 2 do artigo 498º do CC, também beneficiam do mesmo alongamento do prazo prescricional, caso estejamos perante a prática de um crime pelo lado do responsável ou por um dos responsáveis, pela ocorrência do acidente de viação.
E não estamos sozinhos nesta posição, veja-se nesta linha os acórdãos do STJ, in www.dgsi.pt, proferido em 07.07.2010 no processo nº 142/08.4TBANS-A.CI.SI, da 6ª Secção, sendo relator o Sr. Juiz Conselheiro Silva Salazar, e ainda o acórdão proferido em 03.11.2009, no processo nº 2665/07.3TBPRD.SI, da mesma Secção e do mesmo relator, onde se afirma claramente que o alargamento do prazo prescricional previsto nº 3 do artigo 498º do CC, não se aplica apenas às hipóteses previstas no nº 1, mas também às previstas no nº 2, nomeadamente para o direito de regresso da seguradora contra condutor que, agindo sob influência de álcool tenha dado causa ao acidente.
Outro acórdão é aquele datado de 26.06.2007, no processo nº 07A1523-STJ000, sendo seu relator o Sr. Juiz Conselheiro Faria Antunes, que vai precisamente nesta linha de orientação.
Por conseguinte e sem necessidade de quaisquer outras considerações mais, julgo não prescrito o direito de regresso da ora A-Seguradora, porquanto tendo em atenção a data de pagamento em concreto das despesas por esta aos sinistrados no acidente em causa, ou seja, de Fevereiro a Abril de 2008, temos que a prescrição do seu direito beneficiando do mesmo prazo alongado dos cinco anos porque nos encontramos perante a prática de um crime que influenciou a ocorrência do acidente de viação, só terminaria em Abril de 2013!
Pelo que a ação está em tempo, não se encontrando prescritas o pedido de pagamento das despesas feito pela A., em direito de regresso”.

Divergimos quanto ao prazo de prescrição aplicável.
- À data do acidente - 22 de Janeiro de 2008 - e do pagamento dos montantes indemnizatórios - Fevereiro a Abril de 2008 - (e, consequentemente, da eventual constituição do direito de regresso), encontrava-se em vigor o Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto, que revogou o Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro (art. 94º).
 O artigo 27.º daquele Dec-Lei dispõe que:
Direito de regresso da empresa de seguros
1 - Satisfeita a indemnização, a empresa de seguros apenas tem direito de regresso:
(…)
c) Contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, ou acusar consumo de estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos;
Assim, precisando o problema, dir-se-á que, trata-se de apurar se o alongamento do prazo de prescrição do direito à indemnização em consequência de danos ocasionados por facto ilícito que constitua um crime (nº 3 do citado artº 498º) vale ou não para o exercício do direito de regresso exercido ao abrigo do nº 1 do artigo 27 do Dec-Lei nº nº 291/2007, de 21 de Agosto
Responderemos que tal alongamento não tem lugar, em relação à seguradora que exerce o direito de regresso, acompanhando a jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal de Justiça e referindo o Acórdão de 17-11-2011, Processo nº 1372/10.4T2AVR.C1.S1 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), in www.dgsi.pt, que por sua vez cita a título de exemplo, e em reforço desta posição, os acórdãos de 6/5/99 (Pº 99B356), 9/10/03 (Pº 03B2757), 4/11/08 (Pº 08A3119), 27/10/09 (Pº 844/07.2.TBOER.L1.S1), 4/11/10 (Pº 2564/08.1TBCB.A.C1.S1) 16/11/10 (Pº 2119/07.8TBLLE.E1.S1), e, por último, 17/11/11 (Pº 1372/10.4T2AVR.C1.S1), todos do STJ.
Lê-se no referenciado acórdão: “É certo que o elemento literal da norma não afasta em definitivo a aplicação do nº 3 do artº 498º às situações do nº 2; mas é ilógica essa aplicação, dado que na hipótese de exercício do direito de regresso só está em aberto o direito da seguradora ao reembolso do que pagou ao lesado e não a determinação da responsabilidade extracontratual do lesante, ponto nesse momento já assente e indiscutido”.
A seguradora, na ação de regresso, não exerce um direito igual ao do lesado que indemnizou, não propõe contra o réu uma ação de indemnização por danos, antes se limita a exigir o reembolso do que pagou, uma vez que o risco que contratualmente assumira não se compadece com condutores sem habilitações legais, com condutores que abandonam sinistrados, que agem sob a influência do álcool, ou que sejam desconhecidos (vide demais situações tipificadas no art. 27).
O alongamento do prazo de prescrição previsto no artigo 498 nº 3 do Código Civil apenas se compreende quando esteja em causa o direito do lesado, mas não o direito de regresso da seguradora.
E, como se desenvolve no citado acórdão de 17/11/2011, tendo em conta o princípio de adesão estabelecido no artº 71º do Código de Processo Penal, segundo o qual o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos no artº 72º do mesmo diploma, não faria sentido que o direito do titular à indemnização civil (a exercer no processo criminal) pudesse ser atingido pela prescrição estando ainda a decorrer o prazo de prescrição do procedimento criminal, que em certo número de casos - cfr. o artº 118º do Código Penal  - é mais longo do que o fixado no nº 1 do artº 498º do Código Civil. Ocorrendo uma situação enquadrável nas alíneas a), b) ou c) do nº 1 daquele artigo da lei penal, em que o prazo de prescrição do procedimento criminal é de, respetivamente, 15, 10 e 5 anos, seria irrazoável “discriminar negativamente”, se assim nos podemos exprimir, a apreciação da responsabilidade civil, negando ao lesado o ensejo de a efetivar judicialmente logo que decorridos três anos sobre a prática do facto ilícito.
Mas estas razões não colhem quando se está perante o direito de regresso da seguradora, realidade jurídica inteiramente distinta e autónoma em relação ao direito de indemnização do lesado; daí que, no primeiro caso, o prazo de prescrição se conte a partir da data do cumprimento da obrigação e no segundo do conhecimento do direito pelo lesado.
Uma vez que o direito de regresso nada tem que ver com o facto ilícito, fonte da obrigação que a seguradora extinguiu ao cumprir o contrato de seguro por acidente de viação, não se justifica, em tal situação, o alongamento do prazo de prescrição previsto no nº 3 do artº 498º do C.Civ., antes devendo prevalecer o interesse da lei na rápida definição da situação, punindo-se a inércia da seguradora que não procedeu a essa definição num prazo mais curto, que é o do nº 2 do mesmo preceito.
No mesmo sentido se pronuncia o Ac. do STJ de 29/11/2011, Proc. nº 1507/10.7TBPNF.P1.S1 (Nuno Cameira), publicado no mesmo sítio e, onde pode ler-se:
«Diferentemente do que sucede no âmbito da sub-rogação, na qual, segundo o disposto no nº 1 do artigo 593º do Código Civil, “o sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam”, acompanhados das “garantias e outros acessórios do direito transmitido, que não sejam inseparáveis da pessoa” do credor (nº1 do artigo 582º, aplicável por força do disposto no artigo 594º), o que significa que o direito do credor se transmite para o sub-rogado, conservando a extensão, os poderes, as garantias e outros “acessórios” (que, naturalmente, sejam suscetíveis de mudar de titular), o direito de regresso constitui-se «ex novo», “sendo este direito de regresso independente da fonte da (…) obrigação extinta”  pela seguradora».
Já assim se vinha entendendo no âmbito de aplicação do DL n.º 522/85, de 31 de Dezembro.
Resulta do exposto que, tendo decorrido mais de três anos entre as datas dos pagamentos pela Autora (Fevereiro a Abril de 2008) e a citação do Réu (posterior a 24 de Janeiro de 2012), tais créditos da Autora, a serem devidos, encontram-se prescritos.
Procede, assim, neste particular, o recurso interposto.

E, porque se mostra prescrito o direito da Autora em acionar o Réu em direito de regresso, prejudicado fica o conhecimento da segunda questão de recurso, respeitante à ausência de qualquer responsabilidade do Réu na produção do acidente e da prova de factos que permitem imputar ao condutor da segunda viatura essa responsabilidade na totalidade.

Em suma:
- No apuramento da natureza criminal do facto ilícito para efeitos de aplicação da extensão do prazo prescricional prevista no nº 3 do art. 498º do Código Civil, deve ter-se em atenção, não a condução em estado de embriaguez, porque esta, não constitui só por si, um ilícito civil gerador da obrigação de indemnizar, mas, a conduta estradal contravencional que deu causa ao acidente, ainda que motivado pelo álcool, e consequentemente aos danos não apenas materiais mas igualmente pessoais em terceiros.
- O alongamento do prazo de prescrição do direito à indemnização em consequência de danos ocasionados por facto ilícito que constitua um crime (nº 3 do artº 498º do Código Civil) não vale para o exercício do direito de regresso exercido ao abrigo do nº 1 do artigo 27 do Dec-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto, pela seguradora.

                                                            IV
Termos em que, acorda-se em julgar a apelação procedente revogando-se, por consequência a decisão recorrida, a qual se substitui por outra que julgue prescrito o direito de acionar por parte da Autora/apelada.
Custas pela apelada.
                                                                                                       
Anabela Luna de Carvalho ( Relatora )
 João Moreira do Carmo ( vencido, pois entendo que se aplica o prazo mais alongado, conforme se decidiu no Proc. nº 444/07.TBFVN.C1 de 12/7/11, em www dgsi.pt, de que fui relator )
José Fonte Ramos