Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ABÍLIO RAMALHO | ||
Descritores: | BUSCA INDÍCIOS | ||
Data do Acordão: | 04/20/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COIMBRA (INSTÂNCIA CENTRAL – INST. CRIMINAL) | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS. 174.º E 178.º, DO CPP | ||
Sumário: | I - A diligência jurídico-processual de busca tem em vista – no que ora releva – a eventual aquisição/recolha de material probatório atinente a alguma noticiada e investiganda actividade ou conduta criminal cuja virtual existência no espaço buscando (residencial, reservado ou não livremente acessível ao público) se apresente racionalmente inferida/conjecturada pela respectiva entidade investigadora – nos dizeres legais indiciada –, independentemente do nexo ao próprio cometimento criminal de quem o (espaço buscando) titule, nele resida ou acolha. II - Os indícios pressupostos pelo referido normativo não se reportam ao cometimento dalguma infracção criminal e/ou à representação dos correspectivos responsáveis, mas antes à putativa existência no espaço objecto da impulsionada busca de quaisquer coisas – objectos, na expressão legal– indutiva/sugestivamente correlacionadas com a sinalizada criminalidade, virtualmente idóneas à convergente sedimentação de oportuno juízo demonstrativo quer da efectiva realização do investigando acto ou actividade criminosa e respectiva amplitude seja da identidade do/s seu/s responsável/eis. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam – em conferência – na 4.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO
1 – Pugnando pela revogação da decisão judicial – exarada no despacho documentado na peça certificada a fls. 51/53 – denegatória da promoção de emissão de mandados de busca às residências dos cidadãos A... e B... , suspeitos de concertada actividade criminal de tráfico de droga, virtualmente p. e p. art.º 21.º do DL n.º 15/93, de 22/01, dela interpôs o MINISTÉRIO PÚBLICO o recurso ora analisando, de cuja motivação (ínsita na peça junta a fls. 1/11 do presente processo incidental) extraiu o seguinte quadro-conclusivo (por transcrição): «[…] 1 – A busca domiciliária é um meio de obtenção de prova que visa, no âmbito de um inquérito, a recolha de indícios suficientes capazes de determinar se o crime em investigação se verificou, se se verificou qualquer outro crime para além do inicialmente investigado e que ao Ministério Público cumpra conhecer, se o denunciado/arguido foi ou não o seu autor e quem mais o poderá ter sido. 2 – A lei não obriga a que os indícios necessários para a sua determinação e consequente realização sejam fortes – como exige para a decretação da prisão preventiva – ou sequer suficientes – como exige para a dedução da acusação. 3 – Com efeito, se os indícios nos autos fossem suficientes estavam já os mesmos habilitados à prolação de despacho final e seria consequentemente desnecessária a realização desta diligência como meio de obtenção de prova. 4 – Se assim não se entendesse a busca domiciliária enquanto meio de obtenção de prova que é perderia significado, passando a valer em si mesma, enquanto meio de prova que não é. 5 – No caso vertente existem indícios claros [de] que os suspeitos A... e B... se dedicam ao tráfico de estupefacientes, sobretudo marijuana, conforme resulta das informações policiais, da informação prestada pelas autoridades espanholas relativamente à detenção dos arguidos na posse de 1 Kg de tal produto, bem como das vigilâncias policiais já realizadas. 6 – O direito à reserva da vida privada e familiar e à inviolabilidade do domicílio, constitucionalmente consagrados, não revestem carácter absoluto, podendo por isso ser comprimidos em caso de colisão com outros direitos de igual valor. 7 – A gravidade do crime em questão, a existência de indícios convergentes que permitem concluir pela verificação de uma actividade de tráfico por parte dos suspeitos A... e B... justificam que no caso vertente a inviolabilidade do domicílio seja comprimida pelas necessidades de investigação e repressão criminal. 8 – A busca domiciliária é absolutamente determinante para a descoberta da verdade material e não pode ser alcançada por qualquer outro meio menos intrusivo da esfera pessoal dos suspeitos, uma vez que a venda e provável armazenamento de estupefacientes ocorre no interior do seu domicílio, conforme demonstram as vigilâncias realizadas. […]» 2 – Nesta Relação foi emitido douto parecer por Ex.mo representante do mesmo órgão da administração da justiça (M.ºP.º) em sentido concordante com a tese recursória, (vd. peça de fls. 64/66). II – AVALIAÇÃO
§ 1.º
Com vista à cabal aferição da razoabilidade/legalidade do sindicado acto decisório importa reter a respectiva essencialidade[1]: «[…] Requer o Exmo. Procurador-Adjunto a realização de uma busca domiciliária às residências habituais de A... e B... , uma vez que, atento o teor da prova reunida nos autos, resulta suficientemente indiciado que poderão ser autores de um crime de tráfico de estupefacientes, e porque se afigura verdadeiramente essencial e indispensável para o global apuramento indiciário dos factos a realização da solicitada diligência. Decidindo: A busca domiciliária, como é sabido, só pode ser ordenada ou autorizada pelo juiz desde que verificados determinados requisitos, no âmbito do princípio geral da ponderação e proporcionalidade. De facto, conforme resulta do disposto no art.º 174º do CPP, a busca só pode ser ordenada se houver indícios de que os objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova […] se encontrem em lugar reservado ou não livremente acessível ao público. Por outro lado, o juiz deve fazer uma apreciação própria da medida solicitada, em ordem a conter a restrição do direito fundamental dentro dos limites do razoável, assegurando-se de que se encontram reunidos os pressupostos constitucionais e legais para a sua realização. […] Ora, no caso dos autos, existem os seguintes indícios: a) De acordo com uma informação de serviço da PJ recolheram-se informações que apontavam A... como um dos principais revendedores de Liamba na cidade de Coimbra; b) As autoridades policiais espanholas solicitaram informações relativamente a A... e B... por os terem interceptado no dia 01/06/2015 na zona de Cáceres transportando na sua posse cerca de 1 kg de marijuana; c) Foram realizadas vigilâncias policiais a 27/08/2015 e constatou-se que o suspeito A... foi visto na companhia de dois indivíduos que a PJ referencia como estando relacionados com o consumo/tráfico de estupefacientes; d) Foram realizadas vigilâncias policiais a 30/08/2015 e constatou-se que indivíduos, em dois momentos distintos, se deslocaram ao prédio onde reside o suspeito A... , permanecendo no seu interior escassos minutos; e) Foram realizadas vigilâncias policiais a 09/09/2015 e constatou-se que um indivíduo se deslocou ao prédio onde reside o suspeito A... , permanecendo no seu interior cerca de 15 minutos; f) Foram realizadas vigilâncias policiais a 12/10/2015 e constatou-se que o suspeito B... reside com a irmã e o cunhado e que estes foram já investigados pela prática do crime de tráfico de estupefacientes; g) E segundo aquilo que indivíduos de identidade desconhecida relataram à polícia judiciária, o suspeito A... vende estupefacientes no interior da sua residência, e desenvolve esta actividade em sociedade com o suspeito B... . Ora, segundo se entende, […] deste acervo de factos não se pode para já, e sem mais, concluir pela prática pelos suspeitos de um crime de tráfico de estupefacientes. Efetivamente apenas estão relatadas três deslocações suspeitas à residência do suspeito A... , e não um grande movimentos de pessoas, como é habitual suceder quando falamos de tráfico de estupefacientes. Também não foi interceptado nenhum dos indivíduos que se deslocou à referida casa pouco depois dessa deslocação, por forma a que se pudesse saber se transportavam de facto produto estupefaciente que [aí] tivessem adquirido. Nenhuma testemunha foi inquirida no processo que tivesse dito saber que os suspeitos em causa vendem produto estupefaciente. E da circunstância de terem sido encontrados em Espanha com 1 (um) kg de produto estupefaciente não podemos sem mais concluir que se dedicam à venda em Coimbra de produtos estupefacientes e que guardam nas residências onde habitam produtos relacionados com esta actividade. Ora, o juízo a efectuar pelo juiz, se bem que não se funde na utilidade do meio de obtenção de prova, exige uma fundamentação mínima, sustentada nos «indícios», que não revestindo o grau de «indícios suficientes» também não são simples «suspeitas» […]. Assim, perante esta realidade, e atento o princípio da necessidade, da proporcionalidade e da adequação que deve estar sempre presente na intervenção do Juiz no Inquérito, não se vislumbra, por ora, fundamento para autorizar as buscas requeridas. […]» § 2.º
Apreciando: 1 – Com o devido respeito, mal se compreende o – equívoco – silogismo jurídico subjacente ao sindicado despacho, cuja recursória crítica logicamente se justifica. De facto, como emerge da curial interpretação da normatividade ínsita sob os ns. 1 e 2 do art.º 174.º do Código de Processo Penal (CPP)[2], a diligência jurídico-processual de busca tem em vista – no que ora releva – a eventual aquisição/recolha de material probatório atinente a alguma noticiada e investiganda actividade ou conduta criminal cuja virtual existência no espaço buscando (residencial, reservado ou não livremente acessível ao público) se apresente racionalmente inferida/conjecturada pela respectiva entidade investigadora – nos dizeres legais indiciada –,independentemente do nexo ao próprio cometimento criminal de quem o (espaço buscando) titule, nele resida ou acolha – art.º 174.º, n.º 2: Quando houverindícios de que os objectos referidos no número anterior (relacionados com um crime ou que possam servir de prova) […]se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada busca. Os indícios pressupostos pelo referido normativo não se reportam, pois, ao cometimento dalguma infracção criminal e/ou à representação dos correspectivos responsáveis (autores, co-autores, cúmplices), como erroneamente inferido no questionado despacho (e, ademais, nas peças de recurso e parecer), mas antes à putativa existência no espaço objecto da impulsionada busca de quaisquer coisas – objectos, na expressão legal [cujo conceito naturalmente significará e abrangerá quaisquer hipotéticos artefactos, substâncias, preparados, documentos, ficheiros informáticos, dinheiro, etc., (cfr. art.º 178.º, n.º 1, do CPP)] – indutiva/sugestivamente correlacionadas com a sinalizada criminalidade, virtualmente idóneas à convergente – em eventual concurso com outros meios probatórios – sedimentação de oportuno juízo demonstrativo [indiciário/assertivo (conforme se trate de fase de inquérito/instrução ou de julgamento)] quer da efectiva realização do investigando acto ou actividade criminosa e respectiva amplitude seja da identidade do/s seu/s responsável/eis. Ora, no caso subjudice, o Ministério Público – titular da acção penal –, entidade exclusivamente competente para a avaliação da seriedade da policialmente (pela Polícia Judiciária) caracterizada aparência de concertado desenvolvimento pelos id.os suspeitos A... e B... de representativa actividade criminal de narcotráfico, [cfr. arts. 219.º, n.º 1, da Constituição; 3.º, n.º 1, als. c) e h), do Estatuto do Ministério Público; e 53.º, ns. 1 e 2, als. a) e b), 262.º, n.º 1, 263.º, n.º 1, 267.º, máxime, do CPP], bastantemente significou – crê-se, no requerimento ora documentado a fls. 45/47 – do logicismo e pertinência das referenciadas/promovidas diligências de busca, mormente dos adquiridos/aparentados/vislumbrados sinais (indícios) da potencial existência nas habitações dos mencionados cidadãos de virtual material probatório-ilustrativo do seu responsável comprometimento no co-desenvolvimento de tal noticiada e investiganda prática delitivo-criminal, e, dessarte, da legitimação e essencialidade da respectiva (buscas) realização. Por conseguinte, não competindo ao Juiz de Instrução Criminal ajuizar – na concernente fase de inquérito – da consolidação indiciária da sinalizada co-responsabilidade criminal dos id.os indivíduos – que tão-só funcionalmente lhe caberia no âmbito de eventual decisão instrutória, (cfr. art.º 308.º do CPP) –, mas apenas, salvo mais bem esclarecido entendimento, sumariamente aquilatar – a partir da informação veiculada pelo respeitante requerimento do M.ºP.º, (cfr. arts. 269.º, n.º 2, e 268.º, ns. 2 e 4, do CPP) – da reunião dos pressupostos legais das impulsionadas buscas e ponderar da pertinência da proporcional restrição do direito constitucional à privacidade domiciliar dos habitantes das buscandas unidades habitacionais – tutelado sob os ns. 1, 2 e 3 do art.º 34.º da Constituição –, como emerge da integrada interpretação da dimensão normativa decorrente da conjugação dos dispositivos ínsitos sob os arts. 18.º, n.º 2, da Constituição, 17.º, 269.º, ns. 1, al. c), e 2 – com referência aos 268.º/2 e 4 e 177.º/1 –, do CPP, impor-se-lhe-ia (à Exm.ª JIC, signatária do sindicado despacho), julga-se, autorizar a realização de tais promovidas buscas, sem a qual provavelmente resultaria comprometido o sucesso da corrente investigação e da realização da justiça – como então e ora recursivamente explicado pelo M.ºP.º –, interesse público-constitucional, geral, inquestionavelmente prevalecente sobre o privado, não-absoluto/irrestrito, de inviolabilidade do domicílio, tutelado pelo n.º 1, máxime, do citado art.º 34.º da Constituição. 2 – Assim, reconhecendo-se a sustentada razoabilidade do juízo do M.ºP.º de necessidade e proporcionalidade das projectadas diligências processuais de busca, apodicticamente legitimadas pela dimensão normativa decorrente da conjugada interpretação dos dispositivos ínsitos sob os arts. 34.º, n.º 2, e 18.º, n.º 2, da Constituição, e 174.º, ns. 1 e 2, e 177.º, n.º 1, do Código de Processo Penal[3], haver-se-á de conceder provimento ao recurso. III – DISPOSITIVO Destarte, deliberando-se a concessão de provimento ao avaliando recurso (do Ministério Público), determina-se ao questionado tribunal de 1.ª instância a autorização das peticionadas buscas – caso, naturalmente, ainda reúnam utilidade jurídico-processual –, e a realização dos necessários procedimentos adequados à respectiva efectivação, em conformidade legal. *** Sem tributação. *** Coimbra, 20 de Abril de 2016
(Abílio Ramalho, relator)[4]/[5]
(Luís Ramos, adjunto)
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