Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
388/17.4JACBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: LEVANTAMENTO DO SIGILO DAS COMUNICAÇÕES
Data do Acordão: 01/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (JI CRIMINAL – J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 187.º, N.º 1, AL A), E 189.°, N.º 2, DO CPP; LEI 32/2008 DE 17/07; ART. 34.º, Nº 4, DA CRP
Sumário: I - No caso dos autos, não há arguidos e não há suspeitos, mas apenas a alusão a quatro indivíduos, que, como refere o recorrente, reportando-se aos depoimentos de testemunhas, são do sexo masculino, com cerca de 20 anos de idade, que se indicia terem participado na prática dos crimes, mas que se desconhecem em absoluto.

II - Existe um conflito de interesses ou valores dignos de protecção no ordenamento jurídico em que um deles deve ceder em prejuízo de outro direito hierarquicamente reconhecido como primordial, impondo-se sempre ao Estado o dever de proteger a sociedade e os direitos fundamentais dos cidadãos.

III - Há, por um lado, a necessidade de perseguir criminalmente os autores do crime e por outro proteger os cidadãos na sua privacidade, que não deve ser devassada sem motivo grave e sério que justifique o seu sacrifício ou restrição, em prol de outro interesse ou direito também fundamental que se lhe sobreponha na hierarquia dos interesses tutelados pelo direito numa sociedade democrática.

IV - No levantamento do sigilo das comunicações há que ponderar os interesses em causa, tendo em conta que tal decretamento numa sociedade democrática, como excepção, deve pautar-se pela observância estrita das normas que o regulamentam, justificando-se sempre pela defesa de outro interesse ou direito fundamental que se lhe sobrepõe em cada caso concreto.

V - No caso concreto pretende-se a identificação de todas as chamadas efectuadas e recebidas (tráfego das células apresentadas, bem como o tráfego respeitante às frequências e bandas com a mesma localização e o mesmo azimute), que permitam identificar um número indeterminado de aparelhos/cartões que estiveram registados nas antenas/células.

VI - Assim, o levantamento do sigilo das comunicações, para obtenção e junção aos autos dos dados sobre a localização celular e de registos da realização de conversações ou comunicações, visando o universo de todas as pessoas não determinadas, que accionaram os telemóveis nas duas zonas e nos períodos indicados, não pode ser deferido.

VII - O dano causado à privacidade de um elevado número indeterminado de pessoas, afectadas num direito fundamental, nos termos requeridos é demasiadamente grave e não pode ser ultrapassado, sacrificando o seu direito fundamental da privacidade e inviolabilidade nas telecomunicações em prol da investigação.

Decisão Texto Integral:









Acordam, em conferência, os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - RLATÓRIO
No processo supra identificado, investiga-se a prática de crime de explosão, p. e p. pelo art. 272.º, n.º 1, al. b) e um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art. 203.º, n.º 1, e 204.°, n.º 1, al. e) e n.º 2, al. a), todos do Código Penal.
O Ex.mo Procurador Adjunto, pela promoção de fls. 91 daqueles autos e 44 deste recurso em separado, por se entender que as diligências são indispensáveis para a descoberta da verdade e para identificar a identidade dos agentes dos ilícitos em causa, sendo a prova, de outra forma, impossível, ou muito difícil de obter, requereu junto do Juízo de Instrução Criminal de Leiria, nos termos do disposto nos art. 187.º, n.º 1 al a) e 189.°, n.º 2, do Código de Processo Penal, que fosse determinado o levantamento do sigilo das comunicações, autorizando as operadoras de telecomunicações móveis “MEO”, "VODAFONE" e "NOS" a remeterem, em formato digital, a seguinte informação:
1) Identificação de todas as chamadas efectuadas e recebidas (tráfego das células apresentadas, bem como o tráfego respeitante às frequências e bandas com a mesma localização e o mesmo azimute), conforme consta de fls. 40 a 41v., que permitam identificar os aparelhos/cartões que estiveram registados nas antenas/células, tendo em conta as variáveis abaixo identificadas, na data e hora abaixo mencionados:
a) Na agência da A... do Banco B... , sita na esquina da Av. (...) coma (...) , Leiria, dia 08/08/2017, entre as 05h15 e as 06h15.
MEO
CI                             CELULAS_NOME                                                                       CGI
1273 --------------------LEIRIA1 1 -------------------------------------------------------268-06-8310-1273
7896 --------------- LEIRIA1 DCS 1 ---------------------------------------------------268-06-8310-7896
33704 ------------- LEIRIA1 FDD 1----------------------------------------------------268-06-8310-33704
48704 -----------------EIRIA1- FDDH 1 ---------------------------------------------- 268-06-8310-48704
416543 ---------------LEIRIA 1 LC 1------------------------------------------------------268-06-0-416543
7244 ------------- LEIRIA HEROIS ANGOLA M 1 ----------------------------------268-06-8310-7244

VODAFONE
CELL_IDENTIFIER                     SITE_NAME                                                             CGI
3JF2114C------------------------LEIRIA MARINGA------------------------------------268-01-43-21146
3JFF2114F----------------------LEIRIA MARINGA------------------------------------268-01-43-21149
3JF2387C-----------------------LEIRIA MARINGA-------------------------------------268-01-43-23876
4LR003227C-------------------LEIRIA MARINGA-------------------------------------268-01-00327-03
4LR003227C------------------LEIRIA MARINGA--------------------------------------268-01-00327-06
CD0798C----------------------LEIRIA MARINGA----------------------------------------268-01-43-7983
3JF2112A---------------------LEIRIA BAIXA--------------------------------------------268-01-43-21124
3JF2112D---------------------LEIRIA BAIXA--------------------------------------------268-01-43-21127
3JF2688A---------------------LEIRIA BAIXA--------------------------------------------268-01-43-26884
4LR00324A------------------LEIRIA BAIXA--------------------------------------------268-01-00325-01
4LR00325D-----------------LEIRIA BAIXA---------------------------------------------268-01-00325-04
CD0963A-------------------LEIRIA BAIXA-----------------------------------------------268-01-43-9631

NOS
CODE-SRATION                           NAME_SITE                      CGI                        AZIMUTE
243S5_2-----------------------------------LEIRIA_2----------------268-03-6300-24352---------------130
*
b) No local onde foram abandonadas peças metálicas pertencentes a uma ATM, na Travessa (...) em Leiria, numa zona de pinhal, em frente à habitação n.º 4, dia 08/08/2017, entre as 05h00 e as 06h45.
MEO
CI                             CELULAS_NOME                                                                               CGI
7538 --------------------BOAVISTA 2----------------------------------------------------268-06-8310-7538
35873---------------- BOAVISTAFDD2-----------------------------------------------268-06-8310-35873
54450 ------------- BOAVISTA FDDH2-----------------------------------------------268-06-8310-33704

VODAFONE
CELL_IDENTIFIER             SITE_NAME                                             CGI
3JF2972C------------------------BOAVISTA LEIRIA-----------------------------------268-01-43-21146
3JF6044C------------------------BOAVISTA LEIRIA-----------------------------------268-01-43-60446
3JF6044F------------------------BOAVISTA LEIRIA-----------------------------------268-01-43-60449
4LR05836C---------------------BOAVISTA LEIRIA------------------------------------268-01-05836-03
CD3464C------------------------BOAVISTA LEIRIA-----------------------------------268-01-43-34643

NOS
CODE-SRATION                           NAME_SITE                      CGI                        AZIMUTE
167C9­2_2-------------------BOAVISTA_EN1_UMTS-----------268-03-30050-16792--------------130
167N4_2-------------------BOAVISTA_EN1----------------------268-03-30050-16792--------------130
*
O senhor juiz de instrução criminal, pelo despacho de fls. 94 a 98, fls. 45 a 49 destes autos, indeferiu ao requerido levantamento do sigilo das comunicações.
Despacho recorrido:
«Promoveu o Ministério Público, em 30/1 0/20 17, a fls. 91 (por remissão para informação policial) que se obtenha junto de operadoras de telecomunicações, a identificação de todas as chamadas efectuadas e recebidas (tráfego das células apresentadas, bem como o tráfego respeitante às frequências e bandas com a mesma localização e o mesmo azimute), que permitam identificar os aparelhos/cartões que estiveram registados em antenas/células que a informação policial detalha.
Como resulta inequívoco do n.º 2 do artigo 189.° do C. P. Penal, a obtenção de dados de tráfego e de localização como aqueles que o Ministério Público pretende só pode ocorrer em relação às pessoas referidas no n.º 4 do artigo 187.° do mesmo diploma legal. O mesmo decorre do disposto nos artigos 4°, n.º 1 e 9.°, n.os 1 e 3, ambos da Lei n.º 32/2008, de 17/07, aplicável ao solicitado pelo Ministério Público. No caso concreto, pretende-se lograr a identificação de suspeitos da prática de crimes de explosão e de furto qualificado, sendo evidente que a diligência pedida visa precisamente chegar à identificação de suspeitos e não, como exige a lei, incidir sobre dados de tráfego e localização relativos a suspeito ou suspeitos concretos. Dito de outro modo, o que é pretendido é que se aceda a dados de tráfego e de localização de um conjunto indeterminado de pessoas que efectuaram comunicações accionando células de antenas de telecomunicações, na esperança de, entre todas, descortinar quem possa ter praticado os crimes investigados. Ou seja, pretende-se obter dados de tráfego e de localização, desejavelmente de suspeitos, mas, seguramente, de muitos "não suspeitos".
Parece evidente que a salvaguarda do sigilo das telecomunicações, plasmada nos apertados limites em que se admite a obtenção de dados de tráfego e de localização, nos termos das normas legais citadas, não consente tal identificação de suspeitos com recurso a "varrimento" de dados de número indeterminado de pessoas, a grande maioria (na melhor das hipóteses) ou todas (na pior) absolutamente alheias aos factos investigados.
Neste sentido, vejam-se os seguintes arestos (todos disponíveis na internet em www.dusi.pt):
1. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23/09/2010 (Processo n. o 20/10.7GCLLE-A.El, Relator Juiz Desembargador Edgar Valente):
«(…) De acordo com o disposto no art. 189.º n.° 2 do CPP, a obtenção e junção aos autos de dados sobre a localização celular ou de registos da realização de conversações ou comunicações só podem ser ordenadas ou autorizadas, em qualquer fase do processo, por despacho do juiz, quanto a crimes previstos no n° 1 do artigo 187.º e em relação às pessoas referidas no n.° 4 do mesmo artigo. (. . .) Nas situações em que se pretende a obtenção de dados sobre a localização celular ou de registos da realização de conversações ou comunicações relativos a uma determinada área geográfica e a determinado intervalo temporal, não é possível relacionar tais dados/registos com qualquer "suspeito" (existe apenas a possibilidade de poderem vir a dizer respeito a suspeitos, possibilidade que pode nem sequer se concretizar, vindo a ser abrangida apenas uma miríade de cidadãos anónimos que não praticaram qualquer crime). (. . .) A pretensão referida (. . .) vai necessariamente abranger um leque muito alargado de cidadãos que não possuem o estatuto jurídico-processual de "suspeito" e, como tal, é ilegal (. . .]».
2. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 18/1 0/20 11 (Processo n. o 19/11.6GCEVR-A.El, Relator Juiz Desembargador Fernando Ribeiro Cardoso): « (…) No caso apreciando, não há suspeitos nem arguidos e pretendia-se com a promoção desatendida obter informações que abarcam um universo ilimitado, incaracterístico e indiferenciado de destinatários para partir daí em busca de um suspeito. (…) A exigência de individualização do suspeito enquanto interveniente processual, designadamente para efeitos do n.° 4 do artigo 187. ° do CPP, não se confunde com a sua identificação completa, mas não dispensa a existência de dados factuais tendentes a essa identificação, com base nos quais possa individualizar-se uma pessoa determinada (….) Não está concretizado nenhum alvo com certas e determinadas características nem, ao menos, uma palpável hipótese criminosa assente em meios de prova (que não o pretendido) identificáveis susceptíveis de uso justificado no processo. (…) Não existe, ainda que minimamente, uma qualquer probabilidade forte de os elementos pretendidos das operadoras poderem vir a evidenciar um qualquer suspeito dos actos em investigação. (…) Ou seja, o que se pretende através da promoção indeferida não é tanto a autorização para uso de um certo meio de obtenção de prova, mas antes a autorização para que se abra um caminho que possa vir a tornar-se meio de obtenção de prova: pretende-se que se destape uma caixa de Pandora e que dela ressalte o fio que haverá de conduzir a uma pista de investigação e permita dar corpo a um qualquer grau de suspeita, até agora inexistente. (…) Trata-se, manifestamente, de pretensão que, para além de ferir os ditames legais, se apresenta desprovida de razoabilidade, é desproporcionada e inadequada e que a perseguição do crime em investigação não justifica, face à devassa intolerável que o seu deferimento claramente constituiria (. . .}».
3. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26/06/2012 (Processo n.º 342/11.0JAFAR.El, Relatora Juíza Desembargadora Maria Fernanda Palma):
«(…) A obtenção de dados de localização celular e de registos de realização de conversações ou comunicações não deve ser autorizada quando reportada a um número de pessoas incertas (…)».
4. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19/05/2015 (Processo n.º 54/15.5GCBNV-A.El, Relatora Juíza Desembargadora Maria Leonor Esteves): «(, . .) A falta de suspeito ou suspeitos determinados contra quem dirigir as escutas telefónicas, os pedidos de obtenção de dados de tráfego ou os pedidos de localização celular, é obstáculo intransponível à realização deste tipo de meios de obtenção de prova. (. . .) Recolher informações de pessoas inocentes, na esperança de, de entre estas, se "apanhar" algum suspeito, é desproporcional aos fins visados, sendo, pois, uma compressão inconstitucional e ilícita do direito à privacidade e à inviolabilidade das comunicações (. .. [».
5. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/02/2015 (Processo n.º. 2063/14.2JAPRT-A.P1, Relator Juiz Desembargador Neto de Moura):
«(…) O suspeito de um crime não tem de ser completamente identificado ou individualizado bastando que seja pessoa determinável ou identificável. (. . .) Se os dados de localização celular que se pretendem obter não tem como alvo um suspeito, mas um conjunto de pessoas não identificadas e unidas apenas pelo simples facto de estarem num dado local num dado momento não é admissível a obtenção de dados de localização celular relativos a um número indeterminado de pessoas (…)».
6. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22/06/2016 (Processo n.º 48/16.3PBCSC-A.L1-9, Relator Juiz Desembargador Sérgio Calheiros da Gama: «(…) Tendo, num processo crime em fase de inquérito, requerido o Ministério Público, ao Juiz de Instrução Criminal, que fosse oficiado às operadoras de telemóveis o envio de listagem contendo todos os dados de tráfego - registos completos das comunicações efectuadas e recebidas nas BTS com indicação da hora e com indicação dos números chamados e chamadores, incluindo as mensagens de texto, duração e hora das chamadas e localização celular relativos aos cartões SIM que operaram num determinado período de tempo, quanto às antenas que identificou (. . .), mas não estando concretizados alvos determináveis, e atingindo a diligência pretendida um universo ilimitado e indiferenciado de cidadãos que não se integram no conceito jurídico-penal de "suspeitos ", o deferimento da sua realização iria contra o disposto na al. a) do n.º 3 do art. 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho, para além de não respeitar os princípios da proporcionalidade e da adequação cuja observância o n.º 4 desse normativo e o art. 18.º,  .º 2, da CRP impõem (…) ».
7. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07/03/2017 (Processo n.º 1585/16.5PBCSC-A.L1-5, Relator Juiz Desembargador Artur Vargues:
«(, . .) O regime dos artigos 187.º a 189.º do CPP, aplica-se aos "dados sobre a localização celular ", obtidos em tempo real e intercepção das comunicações entre presentes, enquanto o consagrado na Lei n° 32/2008, de i7/07, tem como âmbito de aplicação os dados que concernem a comunicações relativas ao passado, ou seja, arquivadas. (…) Na densificação do conceito de suspeito aceita-se que pode ele não ser determinado - que se não conheça a sua identificação completa - não pode, porém, dispensar-se a existência de dados factuais tendentes a essa identificação, com recurso aos quais possa ser identificável e tal desiderato não se satisfaz pela circunstância de dezenas ou mesmo centenas de pessoas terem efectuado comunicações telefónicas em três áreas geográficas em período temporal próximo ao momento da prática do crime de roubo em investigação, tendo .feito activar a mesma antena, quer no que respeita ao emissor, quer ao receptor. (. . .) No decurso do inquérito deve o Juiz de instrução Criminal indeferir o requerimento do Ministério Público em que impetra se ordenasse às operadoras de telemóveis a remessa para os autos, relativamente a dia concretizado, no período entre as 08:45 horas e as 09: i5 horas, de "listagem - em suporte digital e formato Excel - com: identificação dos cartões telefónicos que tenham recebido ou realizado chamadas de voz ou texto de ou para cartões presentes na mesma célula em questão e a seguir identificada - n° chamador e n" chamado activados na mesma célula; identificação dos IMEI em que esses cartões operavam na altura; identificação dos titulares desses cartões ou códigos de carregamento Multibanco dos mesmos, quanto às antenas que se identificam a Fls.16 e vs. dos presentes autos " tendo em atenção o estabelecido nos artigos l.º  n.º 1, 2.º  n.° 1 alínea g), 4.º, 9.º n.° 3, alínea a), da Lei n.º 32/2008, de 17/07, 1.º , alínea e), do CPP, 26.º n.º 1i e 34.º .ºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa (…)».
Termos em que, face ao exposto, indefiro o promovido pelo Ministério Público.
Devolva ao DIAP».
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Do despacho interpôs recurso o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões:
«1 - No caso dos autos, é indubitável a gravidade do crime em investigação, pois o assalto foi praticado com recurso a explosão e fazendo uso de arma de fogo.
2 - Este tipo de criminalidade cria forte alarme social.
3 - É urgente a necessidade de "travar" os agentes do crime, pois é muito provável que continuem a actividade criminosa, e tendo em consideração o interesse público do Estado em exercer o ius puniendi, justifica-se, a nosso ver, a autorização judicial das informações requeridas, face à prevalência daquele interesse público sobre o interesse privado tutelado pelo princípio da reserva da vida privada, que, na nossa óptica, se manterá quase intocável face ao tratamento que a informação irá ser objecto.
4 - As informações relativas ao eventos de rede requeridas irão fornecer apenas os números de código (que corresponderão a números de telemóvel) e serão estes números de código que serão confrontados pelo O.P.C. com números de código já obtidos pelo O.P.C. no âmbito de outros processos de inquérito que correm termos em diversas comarcas deste país em que os agentes do crime utilizaram o mesmo "modus operandi" do utilizado nestes autos.

5 - Requer-se a Vs. Exas. seja dado provimento ao presente recurso, revogando-se o douto despacho objecto de recurso e substituindo-o por outro que autorize as operadoras de telecomunicações móveis a fornecer aos autos as informações requeridas a fls. 86 a 89 e 91 dos autos».

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O senhor juiz de instrução criminal, nos termos do art. 414.º, n.º 4, do CPP, sustentou a decisão recorrida.
Nesta instância, os autos tiveram vista do Ex.mo Senhor Procurador-geral Adjunto, para os feitos do art. 416.º, n.º 1, do CPP, a qual seguindo de perto os mesmos trilhos do Ministério Público na 1.ª instância, emitiu douto parecer no sentido do recurso merecer ver ponderada a sua procedência.
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II - O DIREITO
As conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o âmbito do recurso.
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, as quais deve conhecer e decidir sempre que os autos reúnam os elementos necessários para tal.

Questão a decidir:
Apreciar se estão reunidos os requisitos para determinar o levantamento do sigilo das comunicações, autorizando as operadoras de telecomunicações móveis a prestarem as informações descritas no relatório de fls. 86 e 87 e acima descritas nas alíneas a) e b).

Apreciando:
Nos autos acima referenciados investiga-se a prática de crime de explosão, p. e p. pelo art. 272.º, n.º 1, al. b) e um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art. 203.º, n.º 1, e 204.°, n.º 1, al. e) e n.º 2, al. a), todos do Código Penal.
O Ministério Público, com o fundamento de que as diligências são indispensáveis para a descoberta da verdade e para identificar a identidade dos agentes dos ilícitos em causa, sendo a prova, de outra forma, impossível, ou muito difícil de obter, requereu junto do Juízo de Instrução Criminal de Leiria, nos termos do disposto nos art. 187.º, n.º 1 al a) e 189.°, n.º 2, do CPP, que fosse determinado o levantamento do sigilo das comunicações, autorizando as operadoras de telecomunicações móveis “MEO”, "VODAFONE" e "NOS" a remeterem, em formato digital, informação, no sentido de se obter a  identificação de todas as chamadas efectuadas e recebidas (tráfego das células apresentadas, bem como o tráfego respeitante às frequências e bandas com a mesma localização e o mesmo azimute), conforme consta de fls. 40 a 41v., que permitam identificar os aparelhos/cartões que estiveram registados nas antenas/células, tendo em conta as variáveis identificadas, relativamente a dois lugares concretos:
Na agência da A... do Banco B... , sita na esquina da Av. (...) coma (...) , Leiria, dia 08/08/2017, entre as 05h15 e as 06h15.
No local onde foram abandonadas peças metálicas pertencentes a uma ATM, na Travessa (...) em Leiria, numa zona de pinhal, em frente à habitação n.º 4, dia 08/08/2017, entre as 05h00 e as 06h45.
O senhor juiz indeferiu a pretensão com o fundamento de que nos termos do n.º 2, do artigo 189.° do CPP, a obtenção de dados de tráfego e de localização só pode ocorrer em relação às pessoas referidas no n.º 4 do artigo 187.° do mesmo diploma legal e que o mesmo decorre do disposto nos artigos 4°, n.º 1 e 9.°, n.os 1 e 3, ambos da Lei n.º 32/2008, de 17/07.
Isto é, no entender do senhor juiz só é possível o levantamento do sigilo das comunicações se houver suspeitos identificados e o que é pretendido é que se aceda a dados de tráfego e de localização de um conjunto indeterminado de pessoas que efectuaram comunicações accionando células de antenas de telecomunicações, na esperança de, entre todas, descortinar quem possa ter praticado os crimes investigados.
Nesta conformidade conclui que se pretende obter dados de tráfego e de localização, desejavelmente de suspeitos, mas, seguramente, de muitos "não suspeitos", que o regime apertado acima referido não permite.
Vejamos então se é de deferir ou não a pretensão do Ministério Público.
Segundo dispõe o art. 189.º, n.º 2, do CPP:
«A obtenção e junção aos autos de dados sobre a localização celular ou de registos da realização de conversações ou comunicações só podem ser ordenadas ou autorizadas, em qualquer fase do processo, por despacho do juiz, quanto a crimes previstos no n.º 1 do artigo 187.º e em relação às pessoas referidas no n.º 4 do mesmo artigo». 
Os crimes de explosão, p. e p. pelo art. 272.º, n.º 1, al. b) e o crime de furto qualificado, p. e p. pelos art. 203.º, n.º 1, e 204.°, n.º 1, al. e) e n.º 2, al. a), do Código Penal, são puníveis respectivamente com penas de 3 a 10 anos de prisão e de 2 a 8 anos de prisão.
 Mostra-se assim verificada a condição quanto aos crimes em investigação para que possa ser determinado o levantamento do sigilo das comunicações, autorizando as operadoras de telecomunicações móveis a remeterem, em formato digital a informação pretendida, uma vez que fazem parte do elenco dos crimes do art. 187.º, n.º1, al. a), do CP.
Aliás, não se compreende a razão por que o legislador não comtemplou ainda expressamente o crime os assaltos a bancos e caixas ATM, com recurso a explosão e armas de fogo que tanto alarme social têm causado no país, por que entendemos tratar-se de “criminalidade violenta”, que deveria enquadra-se na definição constante do art. 1.º, al. j), do CPP e que se mostra restritiva, quando define esta como:
«”Criminalidade violenta” as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos».
É pois uma definição legal que se mostra desajustada.
O mesmo se diga quanto à definição de crimes graves na Lei 32/2008 de 17/07.
A Lei n.º 32/2008, de 17/07, regula a conservação e a transmissão de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações electrónicas publicamente disponíveis ou de uma rede pública de comunicações com a finalidade exclusiva de investigação, detecção e repressão de crimes graves por parte das autoridades competentes.
Explicita o art. 3.º, n.º 1, daquela lei que a conservação e a transmissão dos dados têm por finalidade exclusiva a investigação, detecção e repressão de crimes graves por parte das autoridades competentes”.
O artigo 2.º, n.º 1, da mesma lei consagra a definição de diversos conceitos, que explicita nos termos em que devem ser entendidos face ao espírito e fim que lhe estão inerentes, dispondo designadamente quanto à definição de crime grave o seguinte:
« (…)
g) “Crime grave”, crimes de terrorismo, criminalidade violenta, criminalidade altamente organizada, sequestro, rapto e tomada de reféns, crimes contra a identidade cultural e integridade pessoal, contra a segurança do Estado, falsificação de moeda ou títulos equiparados a moeda e crimes abrangidos por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima».
À luz dos art. 2.º, n.º 1, al. g) e 3.º, n.º 1, da Lei 32/2008 de 17/07, estão excluídos do elenco dos “crimes graves”, os crimes de furto qualificado e de explosão, em investigação nos autos, cuja inclusão facilitaria a investigação por via do n.º 2, do art. 187.º, do CPP.
Deixando este à parte, importa dizer que nada obsta à verificação dos requisitos para obtenção e junção aos autos dos dados sobre a localização celular ou de registos da realização de conversações ou comunicações dos art. 187.º, n.º 1, e 189, n.º 2, do CPP.
Porém, importa lembrar que os dados a fornecer, independentemente da titularidade do meio de comunicação utilizado, devem ser respeitantes às pessoas referidas no n.º 4, do art. 187.º, do CPP, que são as seguintes:
«a) Suspeito ou arguido;
 b) Pessoa que sirva de intermediário, relativamente à qual haja fundadas razões para crer que recebe ou transmite mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido; ou
 c) Vítima de crime, mediante o respectivo consentimento, efectivo ou presumido».
Ora, e o que pretende o Ministério Público?
Que seja determinado o levantamento do sigilo das comunicações, autorizando as operadoras de telecomunicações móveis “MEO”, "VODAFONE" e "NOS" a remeterem, em formato digital, a identificação de todas as chamadas efectuadas e recebidas (tráfego das células apresentadas, bem como o tráfego respeitante às frequências e bandas com a mesma localização e o mesmo azimute), conforme consta de fls. 40 a 41v., que permitam identificar os aparelhos/cartões que estiveram registados nas antenas/células, tendo em conta as variáveis identificadas, nos seguintes locais:
a) Na agência da A... do Banco B... , sita na esquina da Av. (...) coma (...) , Leiria, dia 08/08/2017, entre as 05h15 e as 06h15.
b) No local onde foram abandonadas peças metálicas pertencentes a uma ATM, na Travessa (...) em Leiria, numa zona de pinhal, em frente à habitação n.º 4, dia 08/08/2017, entre as 05h00 e as 06h45.
Existe um conflito de interesses ou valores dignos de protecção no ordenamento jurídico em que um deles deve ceder em prejuízo de outro direito hierarquicamente reconhecido como primordial, impondo-se sempre ao Estado o dever de proteger a sociedade e os direitos fundamentais dos cidadãos.
A CRP consagra no art. 34.º, n.º 4, que «é proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal», norma que está em conformidade com o disposto relativamente ao direito à protecção da vida privada no art. 12.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e no art. 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
A directiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, veio impor aos Estados-Membros que garantam os direitos e liberdades das pessoas singulares no que respeita ao tratamento de dados pessoais, nomeadamente, o seu direito à privacidade, com o objectivo de assegurar a livre circulação de dados pessoais na Comunidade.
Como se pode ler no seu considerando nº 11, os princípios presentes nesta directiva precisam e ampliam os princípios contidos na Convenção do Conselho da Europa, de 28 de Janeiro de 1981, relativa à protecção das pessoas no que diz respeito ao tratamento automatizado de dados pessoais.
A Directiva 2002/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de Julho de 2002, relativa ao tratamento de dados pessoais e à protecção da privacidade no sector das comunicações electrónicas (Directiva relativa à privacidade e às comunicações electrónicas), transpôs os princípios estabelecidos na directiva 95/46/CE para regras específicas do sector das comunicações electrónicas.
O n.º 1 do art. 15.º desta directiva enumerou as condições em que os Estados-Membros podem restringir o âmbito dos direitos e obrigações previstos na directiva 95/46/CE, estatuindo que «Os Estados-Membros podem adoptar medidas legislativas para restringir o âmbito dos direitos e obrigações previstos nos artigos 5.º e 6.º, nos n.ºs 1 a 4 do artigo 8.º e no artigo 9.º da presente directiva sempre que essas restrições constituam uma medida necessária, adequada e proporcionada numa sociedade democrática para salvaguardar a segurança nacional (ou seja, a segurança do Estado), a defesa, a segurança pública, e a prevenção, a investigação, a detecção e a repressão de infracções penais ou a utilização não autorizada do sistema de comunicações electrónicas, tal como referido no n.º 1 do artigo 13.º da Directiva 95/46/CE. Para o efeito, os Estados-Membros podem designadamente adoptar medidas legislativas prevendo que os dados sejam conservados durante um período limitado, pelas razões enunciadas no presente número. Todas as medidas referidas no presente número deverão ser conformes com os princípios gerais do direito comunitário, incluindo os mencionados nos n.ºs 1 e 2 do artigo 6.º do Tratado da União Europeia».
Na declaração de 25 de Março de 2004 sobre a luta contra o terrorismo, o Conselho Europeu encarregou o Conselho de proceder à análise de propostas relativas ao estabelecimento de regras sobre a conservação de dados de tráfego das comunicações pelos prestadores de serviços, reafirmando em 13 de Julho de 2005, na Declaração em que condenou os ataques terroristas em Londres, a necessidade de aprovar rapidamente medidas comuns relativas à conservação de dados de telecomunicações.
A Lei n.º 41/2004, de 18/8, transpõe assim para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2002/58/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Julho, relativa ao tratamento de dados pessoais e à protecção da privacidade no sector das comunicações electrónicas, com as alterações determinadas pelo artigo 2.º da Directiva n.º 2009/136/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Novembro.
Importa sublinhar, como aliás decorre da própria designação da referida lei que a mesma visa essencialmente a protecção de dados pessoais e privacidade nas telecomunicações.
Quanto ao âmbito de aplicação da Lei n.º 41/2004, de 18/8, estipula o art. 1.º, n.º 2, que a referida lei se aplica ao tratamento de dados pessoais no contexto da prestação de serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público em redes de comunicações públicas, nomeadamente nas redes públicas de comunicações que sirvam de suporte a dispositivos de recolha de dados e de identificação.
Adianta-se depois no n.ºs 4 e 5, que as excepções de aplicação da lei, designadamente que se mostrem estritamente necessárias para a prevenção, investigação e repressão de infracções penais são definidas em legislação especial, devendo as empresas que oferecem serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público estabelecer procedimentos internos que permitam responder aos pedidos de acesso a dados pessoais dos utilizadores apresentados pelas autoridades judiciárias competentes, em conformidade com a referida legislação especial.  
A Lei n.º 32/2008, de 17/07, a qual transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, regula a conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações electrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações, tendo a conservação e a transmissão dos dados por finalidade exclusiva a investigação, detecção e repressão de crimes graves por parte das autoridades competentes, como atrás referimos, nos termos dos art. 2.º, n.º 1, al. g) e 3.º, n.º 1.
Aquela lei impõe aos fornecedores de serviços de comunicações electrónicas publicamente disponíveis ou de uma rede pública de comunicações, diversas obrigações e deveres de colaboração na investigação, detecção e repressão de crimes graves que põem em causa a paz social e a vida em sociedade.
E para concretização de tal fim define as categorias de dados a conservar (art. 4.º), o âmbito da obrigação de conservação dos dados (art. 5.º) e o período de conservação por 1 ano (art. 6.º). 
Por sua vez o art. 9.º, regula as condições da transmissão de dados, a qual só pode ser autorizada por despacho fundamentado do juiz de instrução, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter no âmbito da investigação, detecção e repressão de crimes graves.
No mesmo sentido aponta o corpo do n.º 1, do art. 187.º, do CPP, sendo certo que tendo os crimes sido praticados com os seus autores encapuzados e com luvas e com recurso a armas de fogo, não permitiram que fossem reconhecidos pelas testemunhas e não deixaram provas indiciárias.
Nesta conformidade, a diligência poderá ser relativamente indispensável para a descoberta da verdade ou a prova ser de outra forma impossível ou muito difícil de obter, em termos de investigação.
Porém, essa indispensabilidade ou importância em termos probatórios será relativa, pois só será assim, no caso de naqueles dois períodos os autores dos crimes terem utilizado meios telemóveis servidos pelas antenas das operadoras de telecomunicações móveis “MEO”, "VODAFONE" e "NOS".
Ora, no caso dos autos, não há arguidos e não há suspeitos, mas apenas a alusão a quatro indivíduos, que, como refere o recorrente, reportando-se aos depoimentos de testemunhas, são do sexo masculino, com cerca de 20 anos de idade, que se indicia terem participado na prática dos crimes, mas que se desconhecem em absoluto.
Refere o recorrente que as diligências de prova se destinam a identificar os mesmos indivíduos.
No fundo o que se pretende é saber quais os números de telemóvel que foram accionados, no dia  08/08/2017, abrangendo um número indeterminado de utentes, na zona da agência da A... do Banco B... , entre as 05h15 e as 06h15 e no local onde foram abandonadas peças da ATM, entre as 05h00 e as 06h45.
Por um lado, temos a necessidade de perseguir criminalmente os autores do crime e por outro proteger os cidadãos na sua privacidade, que não deve ser devassada sem motivo grave e sério que justifique o seu sacrifício ou restrição, em prol de outro interesse ou direito também fundamental que se lhe sobreponha na hierarquia dos interesses tutelados pelo direito numa sociedade democrática.
É pois preocupação do legislador, como ressalta da legislação acima apontada e que fizemos questão de analisar, quanto aos cuidados a ter quanto à intercepção de comunicações, conservação e a transmissão dos dados, que deve por finalidade exclusiva a investigação, detecção e repressão de crimes graves por parte das autoridades competentes, sempre com respeito pela privacidade do indivíduo, enquanto direito fundamental.
E falando de privacidade a que cada cidadão tem direito, na esteira das diversas directivas da comunidade europeia, estamos a falar de um direito constitucionalmente consagrado no art. 32.º, n.º 8, que considera serem “nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”.
No levantamento do sigilo das comunicações há que ponderar os interesses em causa, tendo em conta que tal decretamento numa sociedade democrática, como excepção, deve pautar-se pela observância estrita das normas que o regulamentam, justificando-se sempre pela defesa de outro interesse ou direito fundamental que se lhe sobrepõe em cada caso concreto.
Por outro lado, para que tal se consiga com equilíbrio e se seja aceite pelos visados deve pautar-se por princípios de adequação, necessidade e proporcionalidade, sempre com aferição dos interesses sacrificados, que se devem reduzir ao estritamente necessário e aos benefícios que daí advêm em termos comunitários.
Ora, no caso concreto pretende-se a identificação de todas as chamadas efectuadas e recebidas (tráfego das células apresentadas, bem como o tráfego respeitante às frequências e bandas com a mesma localização e o mesmo azimute), que permitam identificar um número indeterminado de aparelhos/cartões que estiveram registados nas antenas/células.
Escreve Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 2.ª Ed. UCE, anotação 8, pág. 509, em anotação ao art. 187.º, do CPP:
«Portanto a escuta telefónica é um meio de obtenção de prova exclusivamente processual, que pressupõe a existência de um processo penal (art. 34.º, n.º 4, da CRP). Mais: a existência de um catálogo de alvos obsta à determinação de escutas telefónicas em processo contra incertos. O legislador pretendeu que a autorização judicial tivesse por referência as conversações mantidas por pessoas concretas, ainda que não seja conhecida a sua identidade civil. São, portanto, inadmissíveis as escutas determinadas a grupos de pessoas cujo único traço comum é o ocuparem habitualmente ou esporadicamente um determinado espaço físico».
Sobre a inviolabilidade dos meios de comunicação privada, consagrado no art. 34.º, n.º 4, da CRP, a excepcionalidade das restrições constitucionalmente autorizadas implica que as restrições legais e as intervenções restritivas devem estar sujeitas aos princípios jurídico-constitucionais das leis restritivas referidas no art. 18.º (necessidade, adequação, proporcionalidade e determinabilidade).
Neste sentido, são esclarecedores os constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa, anotada, 4.ª Ed, Vol. I, pág. 543:
  «No que respeita à lei restritiva, esta não poderá legitimar escutas telefónicas (intercepção, gravação de conversação ou comunicações telefónicas) para a investigação de quaisquer crimes, devendo limitar-se a crimes particularmente graves (cfr. Cód. Proc. Penal), art. 187.º), nem estender ilimitadamente o universo das pessoas suspeitas à escuta (alargamento das escutas a terceiros que não têm qualquer relação com os factos sujeitos a investigação)».
Ora, no caso dos autos nem pode falar-se em “suspeitos”.
Apenas se refere nos autos que os autores são quatro indivíduos, de sexo masculino, com cerca de 20 anos de idade, trajando roupa escura, encapuzados e fazendo-se transportar em veículo, marca BMW.
A definição legal de suspeito é a consagrada no art. 1.º, al. e), que considera para efeitos processuais:
«”Suspeito” toda a pessoa relativamente à qual exista indício de que cometeu ou se prepara para cometer um crime, ou que nele participou ou se prepara para participar».
No caso em análise não existem suspeitos, o que para o efeito se exige que haja indícios que apontem no sentido de que determinada pessoa ou determinadas pessoas, ainda que não civilmente identificadas, possam eventualmente ter praticado ou estarem ligadas à prática de determinado crime, para que se possa relativamente a elas os dados a que se referem os art. 187.º, n.º 1 e 4 e 189.º, n.º 2, do CPP.
 Através do levantamento do sigilo das comunicações, autorizando as operadoras de telecomunicações móveis “MEO”, "VODAFONE" e "NOS" a remeterem, em formato digital, a identificação de todas as chamadas efectuadas e recebidas (tráfego das células apresentadas, bem como o tráfego respeitante às frequências e bandas com a mesma localização e o mesmo azimute), que permitam identificar os aparelhos/cartões que estiveram registados nas antenas/células, tendo em conta as variáveis identificadas, na data e hora mencionados (das 5h15m às 6.15m, relativamente ao local da explosão e furto da ATM e das 5h às 6h 45m, relativamente ao local onde foram abandonadas peças metálicas pertencentes a uma ATM), pretende-se assim que o mesmo seja alargado a um número indeterminado de pessoas que fizeram uso do telemóvel nas zonas e períodos mencionados.
O crime é grave, mas nem há a certeza de que os autores fizeram uso de telemóvel, na prática dos crimes.
Em conclusão: O levantamento do sigilo das comunicações, para obtenção e junção aos autos dos dados sobre a localização celular e de registos da realização de conversações ou comunicações, visando o universo de todas as pessoas não determinadas, que accionaram os telemóveis nas duas zonas e nos períodos indicados, não pode ser deferido, por não obedecer aos pressupostos dos, art. 1.º, al. e), 187.º, n.º 1 e 4 e 189.º, n.º 2, do CPP e por ofender gravemente o princípio da inviolabilidade da privacidade das comunicações, previsto no art. 34.º, n.º 4, da CRP.
 
Por outro lado a excepcionalidade das restrições constitucionalmente autorizadas, não obedece aos requisitos das restrições legais e intervenções restritivas, por não se mostrarem de acordo com os princípios constitucionais, de necessidade, adequação, proporcionalidade e determinabilidade, consagrados no art. 18.º, da CRP.
O dano causado à privacidade de um elevado número indeterminado de pessoas, afectadas num direito fundamental, nos termos requeridos é demasiadamente grave e não pode ser ultrapassado, sacrificando o seu direito fundamental da privacidade e inviolabilidade nas telecomunicações em prol da investigação.
*
Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, e, consequentemente, se confirma o despacho recorrido, que indeferiu o levantamento do sigilo das comunicações.
Sem custas.
*
NB: O acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do CPP. 

Coimbra, 10 de Janeiro de 2018
Inácio Monteiro (Relator)
Alice Santos (Adjunta)