Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
626/08.4GAILH.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: ESCOLHA E MEDIDA DA PENA
PRISÃO EFECTIVA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 12/15/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA (ÍLHAVO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 40º, 50º,70º E 71º DO CP
Sumário: Tendo o arguido, antes da prática dos factos dos autos – condução de veículo automóvel estado de embriaguez - sido já condenado por cinco vezes por crimes de condução de veículo em estado de embriaguez e uma vez por um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, não é adequada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada.
Decisão Texto Integral: Relatório


Pelo Juízo de Média Instância Criminal, de Ílhavo, Comarca do Baixo Vouga, sob acusação do Ministério Público foi submetido a julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular o arguido P, divorciado, serralheiro mecânico, nascido a 29.08.1964, natural da freguesia de S. Salvador e do concelho de Ílhavo, filho de A e de M, residente na Rua…. Gafanha da Nazaré, imputando-se-lhe a prática de factos pelos quais teria cometido, em autoria material, um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, e um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, p. e p. pelo artigo 353.º do Código Penal.

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 16 de Junho de 2010, decidiu julgar procedente a acusação do Ministério Público e, consequentemente:
- condenar o arguido P, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 12 meses de prisão;
- condenar o arguido pela prática de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, p. e p. pelo artigo 353.º do Código Penal, na pena de 12 meses de prisão;
- operar o cúmulo jurídico destas duas penas e condenar o arguido P na pena única de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e 6 meses; e
- ainda, nos termos do art.69.º do Código Penal, condenar o arguido na pena acessória de inibição de condução de veículos automóveis pelo período de 2 ( dois) anos e 9 ( nove) meses.


Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o Ministério Público, concluindo a sua motivação do modo seguinte:
1. A sentença recorrida padece do vício elencado na alínea a) do referido n.º 2 do art. 410.º do Código de Processo Penal, a saber, de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, uma vez que ficou por apurar a matéria de facto atinente à personalidade do arguido, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste que pudesse levar o Tribunal a concluir, como concluiu, que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades e, assim, a suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido nos termos e para os efeitos previstos no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal.
A matéria de facto dada como provada na sentença não permite, por insuficiência, a aplicação do disposto no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, ao caso submetido a julgamento.
2. A sentença recorrida padece do vício elencado na alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, a saber, de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.
As conclusões extraídas pelo Tribunal a quo no sentido de que a eventualidade do cumprimento da pena de prisão aplicada ao arguido no Processo Abreviado n.º 448/07.0GBILH obstará a que este pratique novos crimes e de que não há necessidade de aplicação ao arguido de uma pena de prisão efectiva já que basta que ele deixe definitivamente de conduzir, circunstância que agora assumiu como premente e que lhe é, praticamente, imposta por período de inibição – conclusões que serviram de premissa à decisão de suspensão da execução da pena de prisão – não são o corolário lógico da fundamentação da sentença recorrida, existindo contradição intrínseca e insanável entre esta fundamentação e aquela decisão.
3. A sentença impugnada está ferida da nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, porque o Tribunal a quo não fundamentou a opção pela suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, na medida em que não especifica as razões que o levaram a considerar estarem verificados os pressupostos de que depende a aplicação dessa suspensão, previstos no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, deixando por esclarecer quais as características da personalidade, da conduta anterior e posterior ao crime do arguido, quais as condições da sua vida e quais as circunstâncias deste que, in casu, o levaram a concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
4. A sentença impugnada está ferida da nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), 1.ª parte, do Código de Processo Penal, porque não se pronunciou sobre questões que devia apreciar, omitindo a sua pronúncia ao não considerar as concretas e específicas decisões de condenação sofridas pelo arguido, deixando de referir na sentença as datas dessas condenações, as datas dos factos a que as mesmas se reportam, as sanções concretamente aplicadas, o número de crimes cometidos pelo arguido relativamente a cada um dos tipos de ilícito referidos na sentença impugnada, o cometimento de novos ilícitos da mesma natureza e tipo durante a suspensão da execução de penas de prisão, nem a concreta condenação sofrida pelo arguido no âmbito do Processo Abreviado n.º 448/07.0GBILH, do Juízo de Pequena Instância Criminal de Ílhavo, à qual se alude na fundamentação.
5. O Tribunal a quo errou no julgamento, procedeu a uma errada subsunção dos factos ao direito, na medida em que da matéria de facto dada por provada resulta a impossibilidade de formular o juízo de prognose favorável de que depende a aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do disposto no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal.
6. Ao suspender a execução da pena única de prisão aplicada ao arguido o Tribunal a quo interpretou e aplicou incorrectamente o disposto nos artigos 40.º, n.s 1 e 2, 50.º, n.º 1, e 70.º, todos do Código Penal.
A suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido não acautela as finalidades da punição e só a condenação do arguido numa pena única de prisão efectiva (para além da condenação na pena acessória aplicada) logrará reafirmar na sociedade os bens jurídicos violados e afastá-lo da criminalidade.
Razões pelas quais, nestes termos e nos demais de direito deve o recurso ora interposto ser julgado procedente, anulando-se a sentença proferida nos autos supra referenciados e determinando-se a sua substituição por outra que supra as nulidades apontadas ou, se assim não se entender, revogando-se a sentença recorrida na medida da matéria ora impugnada e determinando-se a aplicação ao arguido de uma pena única de prisão efectiva de 1 ano e 6 meses de prisão.

A Exma Procuradora-geral-adjunta neste Tribunal da Relação de Coimbra emitiu parecer no sentido da concessão de provimento ao recurso.

O arguido P respondeu ao parecer da Exma Procuradora-geral-adjunta pugnado pela manutenção integral da sentença recorrida.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação

A matéria de facto apurada e respectiva fundamentação constante da sentença recorrida é a seguinte ( com numeração dada pelo Tribunal da Relação):
Factos provados
1. No dia 9 de …. de 2008, pelas 19h20m, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros com matrícula «….-UO» e circulava pela Avenida Nossa Sra. do Pranto, em Ílhavo, com uma T.A.S. de 3,61 g/l (três e sessenta e um).
2. Nos autos de Processo Abreviado n.º 448/07.0GBILH, do Juízo de Pequena Instância Criminal de Ílhavo, foi o arguido, por sentença proferida em 27 de Março de 2008 e transitada em julgado em 16 de Abril de 2008, condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, além do mais, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria, pelo período de 2 (dois) anos.
3. Para cumprimento desta pena acessória, o arguido entregou a sua carta de condução, no âmbito do referido Processo Abreviado n.º 448/07.0GBILH, no dia 23 de Abril de 2008.
4. O arguido actuou livre, voluntária e conscientemente, conhecendo as características do referido veículo automóvel e do local onde o conduzia, sabendo que podia ter uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 g/l e, não obstante, decidiu conduzir aquela viatura nessas circunstâncias.
5. O arguido sabia ainda que não podia conduzir veículos com motor durante o período de proibição de conduzir em que havia sido condenado por decisão judicial transitada em julgado e proferida no âmbito do Processo Abreviado n.º 448/07.0GBILH e, não obstante, quis conduzir o aludido automóvel, nas circunstâncias supra referidas.
6. Mais sabia o arguido que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
7. Tem antecedentes criminais por condução em estado de embriaguez e violação de proibições.
8. Trabalha como serralheiro mecânico, numa empresa, auferindo cerca de 525€ mensais.
9. Vive com uma companheira reformada por invalidez.
10. Tem um filho já maior.
11. Confessou integralmente e sem reservas os factos.
Factos não provados
Não se deram como não provados quaisquer factos.
Na fundamentação da matéria de facto
A convicção do Tribunal baseou-se na confissão integral e sem reservas do arguido e também nas suas declarações no respeitante à sua situação de vida”.
Os antecedentes criminais estão documentados a fls. 76 e seguintes.


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O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98. e de 24-3-1999 Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247. e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350. , sem prejuízo das de conhecimento oficioso .
No caso dos autos , face às conclusões da motivação do Ministério Público as questões a decidir são as seguintes :
- se a sentença recorrida padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a que alude a alínea a), n.º 2, do art. 410.º do C.P.P., uma vez que ficou por apurar a matéria de facto atinente à personalidade do arguido, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste;
- se a sentença recorrida padece do vício de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, elencado na alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º do C.P.P., porquanto as conclusões que serviram de premissa à decisão de suspensão da execução da pena de prisão não são o corolário lógico da fundamentação da sentença recorrida;
- se a sentença impugnada está ferida da nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do C.P.P., uma vez que o Tribunal a quo não fundamentou a opção pela suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido;
- se a sentença impugnada está ferida da nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), 1.ª parte, do C.P.P., porquanto omitiu pronunciar-se sobre as concretas e específicas decisões de condenação sofridas pelo arguido a que se alude na fundamentação; e
- se o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 40.º, n.ºs 1 e 2, 50.º, n.º 1 e 70.º, do Código Penal ao suspender ao arguido a pena única de prisão que lhe aplicou, devendo o arguido ser condenado em pena de prisão efectiva.
Passemos ao conhecimento da primeira questão.
O art.410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, estatui que mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter por fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; ou
c) O erro notório na apreciação da prova.
Os vícios do art.410.º, n.º 2 do C.P.P. têm de resultar, pois, do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem que seja possível a consulta de outros elementos constantes do processo.
Verifica-se o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na al. a) do n.º2 do art. 410.º do C.P.P., quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos para a decisão de direito, considerando as várias soluções plausíveis, como sejam a condenação ( e a medida desta) ou a absolvição ( existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), admitindo-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis, poderiam ser dados como provados, determinando uma alteração de direito.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto existe se houver omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos relevantes e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa. – neste sentido, cfr. entre outros , os Acórdãos do STJ de 6-4-2000 (BMJ n.º 496 , pág. 169) e de 13-1-1999 (BMJ n.º 483 , pág. 49) e os Cons. Simas Santos e Leal Henriques , in “Código de Processo Penal anotado” , 2ª ed., pág. 737 a 739.
O recorrente defende a existência deste vício porquanto o art.50.º, n.º1 do Código Penal exige que se atenda para a suspensão da execução da pena de prisão, à personalidade do arguido, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
No caso em análise, o Tribunal a quo decretou essa suspensão sem nada ter apurado quanto à personalidade do arguido, sendo que da confissão dos pelo arguido nada se retira.
A matéria relativa às condições de vida do arguido, mencionada nos pontos 8, 9, 10 e 11 dos factos provados, corresponde à vida da maioria da população - ficando por apurar o valor da reforma auferida pela companheira do arguido, se este lhe presta auxílio, se lhe é essencial e porquê, qual o grau de escolaridade do arguido e se sofre de alcoolismo e, na afirmativa, há quanto tempo, e se submeteu ou não ao tratamento ao alcoolismo -, sendo insuficiente para que se decida a suspensão da execução da pena.
Nada foi apurado, ainda, relativamente à conduta do arguido antes e depois da prática dos crimes pelos quais foi condenado e às circunstâncias destes crimes que possa sustentar a decisão de suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada, sendo de realçar nesta sede, a questão do eventual arrependimento do arguido que, a dar-se por provado e quando concatenado com os outros factos já referidos, poderia ter sustentado a decisão do Tribunal a quo no sentido da aludida suspensão da execução da pena de prisão.
Vejamos.
O Ministério Público alega que a sentença condenatória, que aplicou uma suspensão da execução da pena, sofre do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, por falta de investigação de factos para decretar a suspensão da execução dessa pena, como sejam os relativos à personalidade do arguido, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
Tendo em conta o vício invocado pelo recorrente, seria de concluir que se tivessem sido apurados os factos que o Tribunal a quo não apurou – como o valor da reforma auferida pela companheira do arguido, se este lhe presta auxílio, se lhe é essencial e porquê, qual o grau de escolaridade do arguido e se sofre de alcoolismo e, na afirmativa, há quanto tempo, e se submeteu ou não ao tratamento ao alcoolismo – seria de decretar-se a suspensão da execução da pena.
Mas não. O Ministério Público deixa bem claro em todo o recurso que não deverá ser suspensa a execução da pena ao arguido, essencialmente em face do passado criminal deste e das exigências de prevenção especial e geral, não dando a mínima relevância aos factos que alegadamente o Tribunal a quo não investigou.
Cremos, salvo o devido respeito, que se o recorrente entende que os factos provados não permitem a suspensão da execução da pena tem apenas que pedir a revogação da parte da sentença em que ela foi decretada por não estarem preenchidos os pressupostos e, não, invocar a insuficiência da matéria de facto, com eventual reenvio do processo, para averiguação de factos a que o próprio recorrente não atribui relevância por entender que o passado criminal do arguido exige o cumprimento da pena de prisão efectiva.
Posto isto, diremos que os factores relativos à personalidade do agente, incluem as condições pessoais e económicas do agente; a sensibilidade à pena e susceptibilidade de ser por ela influenciado, e as qualidades da personalidade manifestadas no facto.
Quanto aos factores relativos à conduta do agente anterior ao facto importa ponderar se o ilícito surge como um episódio ocasional e isolado no contexto de uma vida de resto fiel ao direito; como contrapartida haverá igualmente que ponderar a existência de condenações anteriores, que, como contraponto, poderão servir para agravar as exigências de prevenção. No que respeita à conduta posterior ao facto haverá que verificar se o arguido procedeu ou envidou esforços no sentido de reparar as consequências do crime, bem como o comportamento processual do arguido.
Pese embora os factos apurados pelo Tribunal a quo não sejam abundantes, os pontos n.ºs 8 a 11 dos factos provados na sentença, permitem concluir que o arguido P. se encontra inserido no trabalho e na família e que é de condição social e económica modesta, pois é serralheiro numa empresa, onde aufere cerca de € 525,00 mensais. Para se chegar a esta conclusão não é indispensável saber qual o grau de escolaridade do arguido.
Vivendo com uma companheira, é natural que se ajudem um ao outro, cada um dentro das suas possibilidades, sendo que não se vislumbra qualquer relevância para a decisão da suspensão da execução da pena de prisão saber qual é o valor da reforma por invalidez da companheira da arguido.
Que o arguido tem problemas de alcoolismo e há vários anos, é uma evidência que se retira dos seus antecedentes criminais a que se alude nos pontos 2 e 7 dos factos provados.
Não foi apresentada contestação pelo arguido e não consta da acusação pública que o arguido fez qualquer tratamento ao alcoolismo.
Não resultando dos factos dados como provados que o arguido se submeteu ao tratamento ao alcoolismo, nem havendo qualquer menção a ele no texto da decisão recorrida, temos de concluir que não se fez qualquer prova em audiência de que o arguido se tenha submetido a esse tratamento – e com êxito, que é o que interessaria consignar na sentença. Aliás, se tal prova de tratamento tivesse sido feita, certamente que o recorrente não deixaria, para este efeito, de impugnar a matéria de facto nos termos do art.412.º, n.ºs 3 e 4 do C.P.P..
A sensibilidade à pena e susceptibilidade de ser por ela influenciado, bem como as qualidades da personalidade manifestadas no facto pelo arguido, são conclusões relativas à personalidade do arguido que se retiram facilmente dos factos dados como provados.
Os factores relativos à conduta do arguido anterior ao facto, estão apurados na base da existência de várias condenações anteriores e, no que respeita à conduta posterior ao facto , mencionou-se nos factos provados, como o comportamento processual do arguido, a confissão integral e sem reserva dos factos .
Do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, não se colhe que ficaram factos por apurar na audiência de julgamento , sendo que os factos dados como provados pelo Tribunal recorrido preenchem todos os elementos constitutivos dos crimes pelos quais o arguido P foi condenado e permitem a ponderação da possibilidade de suspensão ou não suspensão da execução da pena de prisão conjunta que lhe foi aplicada.
O próprio recorrente, a propósito da última questão, com os factos dados como provados na sentença recorrida, não deixa de ponderar a personalidade do arguido, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias dos crimes praticados.
Pelo exposto, não se reconhece a existência na sentença recorrida do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a que alude a alínea a), n.º 2 do art.410.º do Código de Processo Penal.
A segunda questão objecto de recurso respeita ao vício da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, elencado na alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º do C.P.P..
O recorrente defende que as conclusões extraídas pelo Tribunal a quo no sentido de que a eventualidade do cumprimento da pena de prisão aplicada ao arguido no Processo Abreviado n.º 448/07.0GBILH obstará a que este pratique novos crimes e de que não há necessidade de aplicação ao arguido de uma pena de prisão efectiva já que basta que ele deixe definitivamente de conduzir, circunstância que agora assumiu como premente e que lhe é, praticamente, imposta por período de inibição, não são o corolário lógico da fundamentação da sentença recorrida, existindo contradição intrínseca e insanável entre esta fundamentação e aquela decisão.
Em termos sintéticos diremos que o vício da contradição existirá quando se afirmar e negar ao mesmo tempo uma coisa.
Duas proposições contraditórias não podem ser , ao mesmo tempo , verdadeiras e falsas.
“Só existe, pois, contradição insanável da fundamentação quando, de acordo com um raciocínio lógico, seja de concluir que essa fundamentação justifica uma decisão precisamente oposta ou quando, segundo o mesmo tipo de raciocínio, se possa concluir que a decisão não fica esclarecida de forma suficiente, dada a colisão entre os fundamentos invocados”- Cfr. Cons. Simas Santos e Leal Henriques , in “Código de Processo Penal anotado” , 2ª ed., pág. 739.
Para a decisão desta questão importa realçar que o vício da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, elencado na alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º do C.P.P., não se verifica quando o resultado a que o juiz chegou na sentença advém, não de qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão, mas da subsunção legal que entendeu melhor corresponder aos factos provados.
O Tribunal a quo declara na sentença recorrida que será de suspender a execução da pena de 1 ano e 6 meses de prisão “ por se entender que o arguido só agora percebeu definitivamente, que terá de adoptar – e acredita o Tribunal que será capaz de o fazer – uma conduta que não ponha em risco a sua liberdade, tanto mais quanto a companheira com quem vive necessita de apoio familiar.”. Mais refere ali que “… não obstante a anterior condenação em pena suspensa, a ninguém, nem ao arguido, nem à sociedade aproveita a condenação em prisão efectiva, bastando que o arguido deixe definitivamente de conduzir, circunstância que agora assumir como premente e é, praticamente, imposta pelo período de inibição” e que “ a eventualidade do cumprimento da pena que anteriormente ficou suspensa já será certamente advertência bastante para que o arguido se afaste definitivamente da prática de crimes de idêntica natureza, o que se acredita que acontecerá.”.
Independentemente da correcção, ou não, da subsunção dos factos provados ao regime da suspensão nos termos feitos na fundamentação da matéria de direito, não existe qualquer contradição entre a fundamentação onde o Tribunal justifica a suspensão da execução da pena ao arguido, e a decisão, quando no dispositivo o Tribunal suspende ao arguido a execução da pena de prisão.
Não se detectando qualquer oposição lógica entre a fundamentação e a decisão, que resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e, muito menos, que seja insanável, não ultrapassável, não se reconhece a existência do alegado vício da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, elencado na alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º do C.P.P..
A questão seguinte é se a sentença impugnada está ferida da nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do C.P.P., uma vez que o Tribunal a quo não fundamentou a opção pela suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido.
No entender do recorrente a nulidade existe na medida em que não se especifica na sentença as razões que levaram o Tribunal a considerar estarem verificados os pressupostos de que depende a aplicação dessa suspensão, previstos no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, uma vez que deixou por esclarecer quais as características da personalidade, da conduta anterior e posterior ao crime do arguido, quais as condições da sua vida e quais as circunstâncias deste que, in casu, o levaram a concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Sobre esta questão diremos, antes do mais, que a necessidade de fundamentação das decisões dos tribunais, que não sejam de mero expediente, tem consagração no art.205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, e insere-se nas garantias de defesa de processo criminal a que alude o art.32.º, n.º 1 do mesmo diploma fundamental.
A nível geral, dispõe o art.97.º, n.º 4 do Código de Processo Penal que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.
A fundamentação da sentença e a sua falta tem tratamento específico na lei processual penal, estatuindo o art.379.º, alínea a), do Código de Processo Penal, que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no art.374.º, n.º 2 do mesmo Código.
O art.374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal estabelece que , na elaboração da sentença , ao relatório segue-se a fundamentação, «…que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa , ainda que concisa , dos motivos de facto e de direito , que fundamentam a decisão , com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.».
Para o Prof. Germano Marques da Silva o objectivo do dever de fundamentação, imposto pelos sistemas democráticos, é permitir “ a sindicância da legalidade do acto , por uma parte , e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte , mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando por isso como meio de autodisciplina .” - Cfr. Curso de Processo Penal” , Vol. III, 2ª ed. , pág. 294.
Lendo a fundamentação da matéria de direito, lemos ali que das anteriores condenações resulta que o arguido “ tem dificuldades em interiorizar a advertência que qualquer pena encerra…(…) revelando uma personalidade um tanto avessa ao direito e aos valores essenciais à vida em comunidade”.
Pese embora se ponderem na sentença “ as enormes razões de prevenção geral nesta sociedade em que cada vez mais levianamente se questiona a autoridade do Estado”, decidiu-se que será de suspender a execução da pena de 1 ano e 6 meses de prisão “ por se entender que o arguido só agora percebeu definitivamente, que terá de adoptar – e acredita o Tribunal que será capaz de o fazer – uma conduta que não ponha em risco a sua liberdade, tanto mais quanto a companheira com quem vive necessita de apoio familiar.”
Como já dissemos atrás , decidiu-se que será de suspender a execução da pena porque “… não obstante a anterior condenação em pena suspensa, a ninguém, nem ao arguido, nem à sociedade aproveita a condenação em prisão efectiva, bastando que o arguido deixe definitivamente de conduzir, circunstância que agora assumir como premente e é, praticamente, imposta pelo período de inibição” e que “ a eventualidade do cumprimento da pena que anteriormente ficou suspensa já será certamente advertência bastante para que o arguido se afaste definitivamente da prática de crimes de idêntica natureza, o que se acredita que acontecerá.”.
Do exposto, considera o Tribunal da Relação que a sentença recorrida ponderou minimamente os pressupostos de que depende a aplicação dessa suspensão, previstos no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, designadamente as características da personalidade do arguido, a conduta anterior e posterior ao crime do arguido, bem como as condições da sua vida e circunstâncias dos factos praticados, que levaram o Tribunal a quo a concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Encontrando-se minimamente realizada a fundamentação da matéria de direito, nomeadamente na vertente da suspensão da execução da pena, concluímos que a sentença não padece da nulidade a que alude o art. 379.º, n.º 1, alínea a) do C.P.P.
O Ministério Público defende ainda que a sentença recorrida está ferida da nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), 1.ª parte, do C.P.P., porquanto omitiu pronunciar-se sobre as concretas e específicas decisões de condenação sofridas pelo arguido a que se alude na fundamentação.
A sentença deixou de referir as datas das condenações, as datas dos factos a que as mesmas se reportam, as sanções concretamente aplicadas, o número de crimes cometidos pelo arguido relativamente a cada um dos tipos de ilícito referidos na sentença impugnada, o cometimento de novos ilícitos da mesma natureza e tipo durante a suspensão da execução de penas de prisão, nem a concreta condenação sofrida pelo arguido no âmbito do Processo Abreviado n.º 448/07.0GBILH, do Juízo de Pequena Instância Criminal de Ílhavo, à qual se alude na fundamentação.
Vejamos.
O art.379.º, n.º1, alínea c), do Código de Processo Penal, estatui que é nula a sentença « Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.».
É fundamental aqui realçar que a nulidade de sentença por omissão de pronúncia refere-se a questões e não a razões ou argumentos invocados pela parte ou pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista.
Já o Prof. Alberto dos Reis ensinava, a propósito da nulidade de sentença por omissão de pronúncia, que “ São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.” – Código de Processo Civil anotado, vol. V, pág. 143.
É pacífico, também na jurisprudência, que esta nulidade não resulta da omissão de conhecimento de razões, mas sim de questões – cfr. entre outros, os acórdão do STJ, de 9-3-2006, proc. n.º 06P461, (in www.stj.pt ) e de 11-1-2000 ( BMJ n.º 493, pág. 385).
No caso em apreciação o Tribunal a quo referiu, na sentença recorrida, a data da condenação, a data dos factos e as sanções aplicadas ao arguido P. nos autos de Processo Abreviado n.º 448/07.0GBILH, do Juízo de Pequena Instância Criminal de Ílhavo ( ponto n.º 2 dos factos provados).
No ponto n.º 7 dos factos provados acrescentou que o arguido tem antecedentes criminais por condução em estado de embriaguez e violação de proibições e na fundamentação da matéria de facto consignou-se que “ Os antecedentes criminais estão documentados a fls. 76 e seguintes.”.
Pese embora em boa técnica se devam indicar na sentença todas as concretas condenações do arguido, e não apenas uma delas, com indicação da data da condenação, data dos factos e sanções aplicadas, pois possibilitam a quem lê a sentença uma melhor compreensão da decisão, cremos que a remissão para folhas 76 e seguintes do CRC do arguido é suficiente para considerar que a sentença não padece de omissão de pronúncia sobre os antecedentes criminais do arguido.
Declarar nula a sentença, com a consequente devolução do processo à 1.ª instância para esta consignar em nova sentença as datas da condenação e dos factos e sanções aplicadas nos processos para que se remete na sentença, cremos que está fora dos objectivos da declaração de nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre questões que o Tribunal devesse apreciar, a que alude a al.c), n.º1, art.379.º do Código de Processo Penal.
Pelo exposto, não se reconhece a nulidade da sentença invocada pelo recorrente ao abrigo daquela disposição.
A última questão a apreciar é se o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 40.º, n.ºs 1 e 2, 50.º, n.º 1 e 70.º, do Código Penal ao suspender ao arguido P. a pena única de prisão que lhe aplicou, devendo o arguido ser condenado em pena de prisão efectiva.
Os pressupostos da suspensão da execução da pena vêm enunciados no art.50.º, n.º1 do Código Penal.
Nos termos deste preceito legal, na redacção vigente à data dos factos, « O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se , atendendo à personalidade do agente , às condições da sua vida , à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste , concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição .».
O pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão é apenas que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos.
O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o tribunal, atendendo à personalidade do arguido e às circunstâncias do facto, conclua que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
As finalidades da punição reportam-se à protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade ( art.40.º , n.º1 do Código Penal).
O objectivo último das penas é a protecção, o mais eficaz possível, dos bens jurídicos fundamentais.
Esta protecção implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo quer para dissuadir a prática de crimes , através da intimidação das outras pessoas face ao sofrimento que com a pena se inflige ao delinquente ( prevenção geral negativa ou de intimidação ), quer para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e , assim , no ordenamento jurídico-penal ( prevenção geral positiva ou de integração).
A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual , isto é , à ideia de que a pena é um instrumento de actuação preventiva sobre a pessoa do agente , com o fim de evitar que no futuro , ele cometa novos crimes , que reincida.
A suspensão da execução da pena é, sem dúvidas, um poder vinculado do julgador, que terá de a decretar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos.
Deste modo, o tribunal, quando aplicar pena de prisão não superior a 5 anos deve suspender a sua execução sempre que, reportando-se ao momento da decisão, o julgador possa fazer um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido, juízo este não necessariamente assente numa certeza, bastando uma expectativa fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição e consequentemente a ressocialização, em liberdade, do arguido.
Todavia, « a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada » - mesmo em caso de « conclusão do tribunal por um prognóstico favorável ( à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização) , se a ela se opuseram » ( obra citada , § 520) « as finalidades da punição » ( art.50.º, n.º 1 e 40.º , n.º1 do Código Penal ), nomeadamente « considerações de prevenção geral sob a forma de exigência mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico » ( obra citada , § 520) , pois que « só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto » ( idem)..- Cfr. Prof. Figueiredo Dias , in “Direito Penal Português , as Consequências do Crime”.
No presente caso, tendo em conta que o arguido foi condenado neste processo numa pena de 1 ano e 6 meses de prisão, o pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão encontra-se verificado.
Importa apurar se também o pressuposto material de aplicação da mesma pena de substituição se verifica.
O recorrente, Ministério Público, defende que é inadequada a aplicação ao caso da suspensão da execução da pena porque ela não assegura as finalidades da punição, atentas as necessidades de prevenção geral e especial que aqui se fazem sentir, apontadas em grande parte na sentença recorrida - a saber, o elevado número de crimes de idêntica natureza que são praticados em todo o país e que assumem grande relevo neste município de Ílhavo; a circunstância de o arguido ter sofrido várias condenações anteriores por crime de condução em estado de embriaguez e pelo crime de violação de proibições, com aplicação de algumas penas de prisão suspensas na sua execução; e a circunstância de, à data dos factos pelos quais o arguido foi condenado, se encontrar em curso o período de suspensão da execução da última das penas de prisão aplicadas ao mesmo.
A factualidade provada depõe desfavoravelmente, no que concerne à personalidade do arguido, à sua conduta em data anterior ao crime e às circunstâncias deste crime, na medida em que aponta para a existência de 6 condenações sofridas pelo arguido pela prática de crimes da mesma natureza dos crimes pelos quais foi condenado pelo Tribunal a quo e para a circunstância de o mesmo arguido, pese embora proibido, por sentença transitada em julgado, de conduzir veículo com motor, ter não só encetado tal condução, mas também tê-la encetado quando havia ingerido bebidas alcoólicas em excesso, por forma a apresentar uma T.A.S. de 3,61 g/l. Paralelamente, no que respeita à personalidade do arguido e à sua conduta em data posterior ao crime, não pode deixar de atender-se, à circunstância dele, pese embora com apenas 44 anos de idade à data dos factos e 45 à data da sentença, contar já com um extenso passado criminal e ter vindo a praticar, no espaço de 11 anos, crimes de condução de veículo em estado de embriaguez e de violação de proibições, consubstanciando a condenação em referência nos presentes autos a sétima dessas condenações.
Vejamos.
Tal como se diz na sentença recorrida, são elevadas as exigências de prevenção geral, pois é grande a frequência com que os bens jurídicos em causa continuam a ser violados.
Quanto às exigências de prevenção especial importa realçar que o arguido P foi condenado no Processo Abreviado n.º 448/07.0GBILH, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Ílhavo, por sentença transitada em julgado em 16/04/2008, pela prática, em 05/10/2007, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de prisão de 10 meses suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 2 anos.
Para cumprimento dessa pena acessória, o arguido entregou a sua carta de condução no dia 23 de Abril de 2008.
Tendo o arguido sido encontrado a conduzir no dia 9 de Novembro de 2008, podemos concluir que aquele foi indiferente à proibição de conduzir veículos com motor que lhe fora aplicada no âmbito do Processo Abreviado n.º 448/07.0GBILH, bem como à suspensão da execução da pena de prisão, cujo período decorria.
No entanto, para além de conduzir um veículo automóvel , ainda o fez com a elevadíssima taxa de alcoolemia de 3, 61 g/l.
Do C.R.C. de fls. 76 a 82 dos autos resulta que o arguido já anteriormente sofrera as seguintes condenações:
- no Processo Abreviado n.º 251/99.9GTAVR, do (extinto) 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Ílhavo, por sentença transitada em julgado em 05/04/2000, pela prática, em 10/07/1999, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de multa de 40 dias à taxa diária de Escudos 1.000$00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 1 mês;
- no Processo Comum n.º 224/97.6GTAVR do (extinto) Tribunal Judicial de Vagos, por sentença transitada em julgado em 25/01/2001, pela prática, em 23/08/1997, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de multa de 70 dias à taxa diária de Escudos 700$00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 2 meses;
- no Processo Abreviado n.º 104/02.5GTAVR, do (extinto) 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Ílhavo, por sentença transitada em julgado em 20/02/2003, pela prática, em 23/03/2002, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de prisão de 45 dias suspensa na sua execução pelo período de 1 ano;
- no Processo Sumário n.º 2/04.8GBMIR, do Tribunal Judicial de Mira, por sentença transitada em julgado em 05/02/2004, pela prática, em 08/01/2004, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de prisão de 5 meses suspensa na sua execução pelo período de 24 meses e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 12 meses; e
- no Processo Comum n.º 1170/04.4GBILH, do (extinto) 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Ílhavo, por sentença transitada em julgado em 06/12/2005, pela prática, em 28/12/2004, de um crime de violação de proibições ou interdições, na pena de prisão de 5 meses, substituída por 150 dias de multa à taxa diária de Euros 4,00;
Resulta do CRC do arguido que antes da prática dos factos em causa neste processo já tinha sido condenado por 5 crimes de condução de veículo em estado de embriaguez e por 1 crime de violação de imposições, proibições ou interdições.
Foram-se aplicadas 2 penas de multa e 4 penas de prisão, sendo que uma das penas de prisão foi substituída por 150 dias de multa e as outras três foram suspensas na sua execução pelos períodos de 1 ano, 1 ano e 24 meses.
Desde 1999 que o arguido vem praticando com regularidade crimes de condução em estado de embriaguez e não resulta dos factos provados que resolveu já os seus problemas com o álcool.
A personalidade do arguido revela-se, assim, refractária a uma normal convivência social de acordo com as regras do direito.
A confissão integral e sem reservas é praticamente irrelevante para efeitos de apreciação da sua personalidade uma vez que o arguido P foi detido em flagrante delito e não beneficia da demonstração de arrependimento sincero, nem se provou qualquer outra circunstância de relevo que lhe seja favorável, em que ele podia demonstrar que rejeita o mal praticado por forma a convencer que não voltará a delinquir se vier a ser confrontado com situação idêntica.
O Tribunal recorrido, para justificar a suspensão da execução da pena, escreveu na sentença que só agora o arguido percebeu, definitivamente, que terá de adoptar uma conduta que não ponha em risco a sua liberdade, bastando para isso que deixe definitivamente de conduzir, circunstância que é imposta pelo período de inibição, a que acresce a eventualidade do cumprimento da pena que anteriormente ficou suspensa como advertência bastante para que se afaste definitivamente da prática de crimes de idêntica natureza.
Salvo o devido respeito, não resulta da factualidade provada que só agora o arguido percebeu, definitivamente, que terá de adoptar uma conduta que não ponha em risco a sua liberdade, nem dela resulta que o arguido decidiu deixar definitivamente de conduzir.
Quanto à revogação da suspensão da pena no Processo Abreviado n.º 448/07.0GBILH, que lhe serviria de advertência para este processo, a mesma é uma mera eventualidade, como se reconhece na sentença. E a eventualidade reduz-se quando a pena aplicada no processo é novamente suspensa, pois o Juiz que deverá conhecer dos efeitos desta condenação para efeitos de eventual revogação, perante mais uma suspensão de execução da pena, poderá optar pela sua não revogação. E, assim, lá fica o arguido sem a advertência bastante para se afastar da prática de crimes de idêntica natureza.
Em suma, a prognose sobre o comportamento do arguido à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização é claramente negativa e o sentimento jurídico da comunidade na validade e na força de vigência das normas jurídico-penais violadas pelo arguido, numa situação como esta, ficaria afectado pela substituição da pena de prisão por suspensão de execução da pena de prisão.
Afastada está, assim, a possibilidade de se concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e de, mais uma vez, o tribunal decretar a suspensão da execução da pena aplicada ao arguido.
Não se verificando o pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão, não pode subsistir a suspensão da execução da pena aplicada ao arguido, devendo o arguido cumprir a prisão efectiva, por ser a única que no caso cumprirá as finalidades da punição.

Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, revogando a douta sentença recorrida na parte em que decretou a suspensão da execução da pena aplicada ao arguido P. decide-se que a pena de prisão de 1 ( um ) ano e 6 ( seis) meses é de prisão efectiva.
Sem custas.
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(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.).

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Coimbra,