Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
96/11.0JALRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDA VENTURA
Descritores: PROVA DE RECONHECIMENTO
ARGUIDO
JULGAMENTO
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA GRAVE
DESFIGURAÇÃO GRAVE E PERMANENTE
Data do Acordão: 07/03/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ALCANENA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 147.º DO CPP; ARTIGO 144.º, ALÍNEA A), DO CP
Sumário: I - A identificação/“reconhecimento”, por testemunha, do arguido, no decurso da audiência de discussão e julgamento, não está sujeita ao formalismo previsto no artigo 147.º do CPP.

II - Um cicatriz, na face, “nacarada, curvilínea, de concavidade superior na região malar esquerda, estendendo-se desde a região temporal esquerda, para baixo e em direcção ao nariz, terminando na asa esquerda deste, medindo cerca de 13cm de comprimento”, dada a sua extensão, configuração, zona atingida e acentuada visibilidade, consubstancia, nos termos e para os efeitos da alínea a) do artigo 144.º do CP, desfiguração grave e permanente.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório:

1. No Tribunal Judicial de Alcanena, após julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo por acórdão de 21 de Dez. de 2012, o arguido:

A...., divorciado, comerciante auto, nascido a 16 de Abril de 1968 em (... ), Setúbal, filho de (... ) e de (... ), residente no (... ) Zibreira, e actualmente detido, no Estabelecimento Prisional de Lisboa,

foi julgado nos seguintes termos:

... após alteração da qualificação jurídica, julgamos procedente por provada a acusação deduzida pelo Ministério Público e em consequência:

a) condenamos o arguido A... como autor material, na forma consumada e concurso real:

-- pela prática dos dois crimes de ofensas à integridade física simples pep pelo artº 143 nº 1 do CP a pena de 1 (um) ano de prisão para cada um dos crimes;

-- pela prática do crime de ofensa à integridade física grave p p pelo artº 144 al a) do CP a pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.

b) em cúmulo jurídico vai o arguido A... condenado na pena única de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão efectiva.

c) condenamos o demandado civil/arguido a pagar ao Centro Hospitalar do Médio Tejo de Torres Novas, a quantia de 51 € (cinquenta e um euros) acrescida dos juros de mora.

2. Inconformado, o arguido interpôs recurso da decisão, tendo formulado na respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:

1ºA matéria de facto encontra-se incorrectamente julgada no que tange aos números 1,2,3,4,5,6,7,8,11,14 (art.º412º, n.º3 do CPP)

2º As concretas provas que impõem decisão diversa nesse âmbito são as que resultam de fols.186 e dos depoimentos assinalados na ata de audiência de julgamento de dia 23-11-2012 e de dia 6-12-2012, mormente nos depoimentos dos 3 denunciantes e do médico ali identificado (alínea b)

3º Tais de depoimentos estão identificados em tais atas como estando gravados no Habilus Média Studio, embora as passagens em que se funda a discrepância no decidido e no cabal apuramento dos factos esteja devidamente indicada na motivação, quer através da globalidade do inicio e no fim das gravações, quer mesmo precisando as concretas passagens em que se fundam (n.º4), aqui se dando tais indicações por reproduzidas (alínea c) e devendo as mesmas ser inteiramente renovadas.

4º Esses mesmos depoimentos não contornam a dúvida latente acerca da prática dos factos e estão eivados de contradições.

5º O depoimento da testemunha Médico traduz lesões que se não enquadram no art.º 144º-1-a do CP, pelo que, sem conceder, caso não seja determinada absolvição do arguido, nos sobreditos termos, sempre a lesões configuram o previsto no art.º 143º e não o art.º 144º, mencionado.

6º Assim acontecendo não deverá o arguido (a ser) ser condenado em pena superior a 1 ano e meio de prisão, por se não verificarem os pressupostos concretos da reincidência consignados no art.º 75º do CP e atendendo aos critérios eletivos das penas vertidos nos artºs 70º e seguintes do CP, disposições, por isso violadas.

 

3. O Magistrado do Ministério Público respondeu ao recurso, conclusivamente nestes termos:

I-O arguido, tal como consta da matéria de facto dada como provada, no dia 1 2/03/2011, cerca das 05H00, no exterior do bar “ (... )” - X... , na ... , Alcanena, pegou num objeto cortante de características não concretamente apuradas que retirou da bagageira de uma viatura, correu para junto de B... e desferiu-lhe um corte na face esquerda, por baixo do olho e atingiu-o também na região abdominal ;

II- Desfigurando-o de forma grave e permanente no rosto, com um rasgão - cicatriz de treze centímetros de comprimento ; o que se enquadra no art.° 144.º, al a) do Código Penal.

III-A circunstância de o ofendido, B... , em sede de julgamento ter reconhecido o arguido como autor da agressão quando tal não resulta do Auto de Reconhecimento de fls.186 efetuado durante a investigação, não retira nada à prova produzida em sede de audiência; cuja credibilidade deve ser aferida pelo Tribunal.

IV-O depoimento do ofendido, B... , mesmo não descrevendo o tipo de objeto com que foi praticada a agressão. é inequívoco ao referir-se ao arguido, quando respondeu (04.32):

“Passa-me a mão pela cara...”

(01.32), dizendo a outro “já me lixaram “ e (25.49):

“Foi ele que me agrediu. Não tenho dúvidas nenhumas.

V- Neste mesmo cenário de sangue, coberto pela noite, são igualmente golpeados os ofendidos, D... e seu filho, C... , cujos depoimentos se apresentam consonantes ; receando pela própria vida

VI- Recorrendo ao Auto de fls. 186 para se ilibar, esqueceu o de fls. 188 a 190, onde consta o seu reconhecimento inequívoco pela testemunha, E... ; o único elemento do mesmo grupo de amigos que saiu ileso no parque de estacionamento do mencionado bar (casa de alterne) “ (... ) - X... ”, explorado pelo arguido e recorrente.

VII-O que, como se compreende, não coube na respetiva motivação.

VIII- Os exames médicos a que os mesmos ofendidos foram submetidos permitem perceber não só a extensão e a gravidade das lesões descritas no acórdão recorrido mas também, ainda que se não apure qual o objeto utilizado, a lâmina cortante indispensável à produção dos golpes observados

IX-O que a decisão recorrida não deixou de registar com os excertos das transcrições das escutas telefónicas que, no dia 29/02/2012, não permitem titubear quanto à memória bem viva do arguido e recorrente, A... vincando ser o autor das agressões e as precauções que adoptava para não ser surpreendido pelos ofendidos saí com a minha faquinha...pr’ aqui prá noite porque eu ontem fui beber um copo a uma terrinha lá ao pé do bar.... E tava lá aquele que eu lhe cortei a cara, ele tava lá.... E eu como não tinha nada comigo disse assim foda-se queres ver que estes cabrões vão-se virar a mim e eu não tenho nada para me defender.

X- Ainda na referida data, o tio do arguido A... , referindo-se a este diz: ele já mandou três para o hospital, todos esfaqueados. Foram os três ao mesmo tempo. Ele corta-os a todos....

XI- Assim, sem qualquer salto no desconhecido, mas fazendo apelo às regras da experiência, muito bem andou a decisão recorrida ao condenar como condenou o arguido

XII-O recorrente foi condenado, entre outros, por acórdãos transitados em julgado

- na pena de dez anos e seis meses de prisão e trezentos dias de multa no proc C. Col n.° 133/94 do 2.º Juízo da comarca de Portimão, pela prática em 1992 de um crime de lenocínio

- na pena de três anos e sete meses de prisão no proc C. Col n.º 51/04. 6GFSTB da Vara de Competência Mista do TJ de Setúbal, pela prática no dia 20/01/2004, de um crime de homicídio, que cumpriu até ao dia 06/06/2008.

XIII- As condenações anteriores não serviram de suficiente advertência contra o crime e, assim, não passando cinco anos sobre a sua restituição à liberdade deve ser punido como reincidente

XIV- Não se apuram razões para eliminar ou aditar qualquer ponto à matéria de facto dada como provada.

XV- Não se vê qualquer erro; obscuridade ou contradição em toda a matéria de facto dada como provada, tal como inexiste qualquer falta de fundamentação, geradora de nulidades.

XVI- Não se apura a violação dos art.° s 71.º e 75.° do C. Penal, ou de qualquer outro preceito legal

XVII- Assim, perante a gravidade dos factos e da culpa do agente, bem andou o tribunal ao condenar o arguido, como autor material, pela prática de

- dois crimes de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo art.° 143.º, n.° 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão para cada um dos crimes

- um crime de ofensa à integridade física grave p. e p. pelo art.° 144.º, al a), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Em cúmulo jurídico, condenado na pena única de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão efectiva

XVIII- Que se mostra bem doseada e equilibrada.

XIX- merece inteira confirmação o acórdão recorrido.

Colhidos os vistos, foi realizada audiência finda a qual urge decidir:

II. Fundamentação:

1. Poderes cognitivos do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso:

Conforme Jurisprudência constante e pacífica, são as conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações que delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, indicadas no art. 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (cfr. Ac. do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro, publicado no DR, 1-A de 28-12-1995).

Assim, no caso sub judicie cumpre apreciar:
Erro de julgamento quanto à identificação/imputação dos factos ao arguido.
Subsidiariamente:
Questão de direito errada qualificação dos factos (art.º 143º e não 144º do C.Penal) com a consequente inexistência dos pressupostos da reincidência e alteração da medida da pena.

2. Na decisão recorrida, foram dados como provados os seguintes factos:

1).- No dia 12 de Março de 2011, pelas 5h00, no exterior do bar (... ), ( X... ) na Rua ... , área deste concelho e comarca, o arguido A... , pegou num objecto cortante de características não concretamente apuradas que retirou da bagageira de uma viatura, correu para junto de B... e desferiu-lhe um corte na face esquerda, por baixo do olho, e atingiu-o também na região abdominal.

2).- Em seguida, o arguido correu para junto de C... e desferiu-lhe, uma pancada na cabeça de forma não concretamente apurada, o que lhe provocou perda momentânea de conhecimento e a sua queda, depois, igualmente com o objecto cortante de que estava munido, desferiu-lhe golpes, na face, junto à boca, na região abdominal e na nádega esquerda.

3).- Após aproximou-se de D... , e desferiu-lhe um golpe com o mesmo objecto cortante região abdominal.

4).- Em consequência de tal conduta do arguido, sofreu B... , dores e as lesões descritas na documentação médica de fls. 56 e 63, que aqui se dão por reproduzidas para todos os efeitos legais, designadamente:

- Na face: ferida incisa curvilínea, de concavidade superior na região malar esquerda, estendendo-se desde a região temporal esquerda, para baixo e em direcção ao nariz, terminando na asa esquerda deste, medindo cerca de 13 cm de comprimento, equimose peri-orbitária esquerda, mas acentuada no ângulo interno do olho;

- No abdómen: escoriação superficial avermelhada, horizontal, localizada ao flanco esquerdo do abdómen, cerca de 10 cm acima da linha umbilical, medindo 9 cm de comprimento.

Tais lesões determinaram um período de doença de 16 dias, com afectação de 12 dias para o trabalho geral e 16 dias para o trabalho profissional.

5).- Em consequência de tal conduta do arguido, sofreu C... , dores e as lesões descritas na documentação médica de fls. 71, 72, que aqui se dão por reproduzidas para todos os efeitos legais, designadamente:

- ferimento, em forma de L deitado, na linha média da região frontal, medindo o ramo horizontal um centímetro de comprimento e o ramo vertical, medindo um centímetro de comprimento;

- Na face: ferida incisiva, oblíqua para baixo e para a frente, na hemi-face esquerda, estendendo-se até ao canto esquerdo da boca e terminando na face mucosa do lábio inferior, à esquerda da linha média, medindo sete centímetros de comprimento;

- No abdómen: ferida incisiva, no flanco esquerdo e na região umbilical esquerda à direita da linha média, em forma de T deitado, medindo o ramo horizontal três centímetros e o ramo vertical, dois centímetros e meio de comprimento;

- No membro inferior esquerdo: ferida incisiva no quadrante infero-externo da nádega esquerda, com dois centímetros de comprimento e um centímetro de largura.

Tais lesões determinaram um período de doença de 15 dias, com afectação de 10 dias para o trabalho geral e 8 dias para o trabalho profissional.

6).- Em consequência de tal conduta do arguido, sofreu D... , dores e as lesões descritas na documentação médica de fls. 67 e 87, que aqui se dão por reproduzidas para todos os efeitos legais, designadamente:

- No abdómen: ferida incisiva no flanco abdominal esquerdo, oblíqua para baixo e para dentro, medindo dois centímetros de comprimento por cinco de largura.

Tais lesões determinaram um período de doença de 8 dias, com afectação de 4 dias para o trabalho geral sem afectação para o trabalho profissional.

Após, o arguido, fugiu do local.

7).- O arguido com a sua actuação, visava com os golpes desferidos contra os ofendidos D... , C... , e B... , ofender corporalmente estes e desfigurar grave e permanentemente o B... .

8).- Agiu o arguido livre, voluntária, e conscientemente, bem sabendo que a suas condutas eram puníveis por lei penal.

9).- O arguido A... , já foi condenado, no âmbito de outros processos a saber:

a) no âmbito do Processo de querela nº 412/85 do Tribunal de Comarca do Barreiro, por sentença transitada em julgado, como autor material de um crime de furto qualificado p. e p. no art. 296 e 297, n.º 1 e 2 al. c), d) e h) do Código Penal, em 8 meses de prisão, praticado em 12-06-1984;

b) no âmbito do Processo Comum colectivo nº 133/94 do 2º Juízo, Tribunal de Círculo de Portimão, por acórdão transitado em julgado, como autor material de um crime de lenocínio, p. p. pelo art. 215.º n.º 1 al. a) e b), 216.º al. a) a c) do Código Penal, na pena de 10 anos e seis meses e trezentos dias de multa, praticado em 1992, tendo sido concedida a liberdade definitiva em 09-06-2001;

c) no âmbito do Processo Comum Singular nº 201/04.2TAENT, do Tribunal Judicial do Entroncamento, por sentença transitada em julgado no dia 22.10.2005, como autor material de um crime de furto simples p. p. pelo art. 203º, do Código Penal, na pena de 100 dias de multa, praticado em 12-02-2004;

d) no âmbito do Proc. Comum colectivo nº 51/04.6GFSTB, da Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Setúbal, por acórdão transitado em julgado no dia 16-10-2006, como autor material de um crime de homicídio simples, p. e p. pelo art.º 131.º do Código Penal, praticado em 20-01-2004, na pena de 3 anos e sete meses de prisão, que cumpriu, terminando o cumprimento a 6-06-2008;

e) no âmbito do Processo Comum Singular nº 400/06.2PATNV, do Tribunal Judicial de Alcanena, por sentença transitada em julgado no dia 09-03-2009, como autor material de um crime de detenção ilegal de arma p. p. pelo art.º 6.º da Lei n.º 22/97 de 27 de Junho, na pena de 9 meses de prisão suspensa, praticado em 10-10-2006;

10).- O já sofreu diversas condenações pela prática de crimes dolosos, designadamente de lenocínio, homicídio, entre outros tipos de ilícitos criminais.

11).- Todavia, estas condenações, revelaram-se insuficientes, para prevenir que o arguido praticasse novos crimes, revelando uma personalidade propensa à delinquência, à reiteração criminosa, só contrariada durante o tempo em que esteve na prisão.

12).- De referir que à data dos factos, o arguido, encontrava-se em liberdade definitiva desde 6-06-2008, ou seja ainda não tinham decorrido cinco anos sobre a sua libertação.

13).- Os ferimentos de que os três ofendidos foram vítimas não lhes provocaram perigo para a vida.

14).- O ferimento na cara do ofendido B... desfigura-o grave e permanentemente.

15).- O arguido é o segundo de três filhos, resultantes do matrimónio de seus pais. A família dispunha de escassos recursos e a subsistência era assegurada pelo pai que era padeiro. Quando o arguido tinha cerca de 4 anos os pais separaram-se. Desde então deixou de ter contactos com o pai e ficou entregue aos cuidados da mãe, que se revelou permissiva e desculpabilizante face ao processo educativo do arguido.

O arguido começou a frequentar o estabelecimento de ensino em idade normal, não concluiu o 2º ciclo do ensino básico e em adulto prosseguiu os estudos até ao 9º ano.

Começou a trabalhar aos 10 anos num talho, mais tarde como empregado de mesa, depois venda de produtos químicos e no ano de 2000 passou ao comércio de automóveis por conta própria.

Em 1988 casou e dessa união que perdurou três anos, nasceu um filho que cresceu junto da avó paterna no Barreiro e hoje vive com o arguido. A partir de 1989 deslocou-se profissionalmente para a zona do Algarve e aí começou a frequentar “casas de alterne”. Em 1992 estabeleceu relação marital com F... de etnia cigana, com quem já se vinha relacionando. Deste vínculo que perdura até ao presente, nasceram dois filhos.

O arguido reside com a companheira F... e os seus três filhos. Ocupam uma casa térrea que adquiriram mediante empréstimo que lhes proporciona boas condições de habitabilidade. O arguido explora um stand de automóveis em Torres Novas e apoia a companheira no comércio de artigos de vestuário, sendo na sua maioria efectuados em “casas de alterne” e/ou outras de idêntica natureza e em mercados, feiras e outros locais. Paga de crédito à habitação 450 € por mês. No meio social onde vive, constata-se que a rentabilidade dos seus negócios não é compatível com o nível de vida que revela e que é avaliado como de alguma ostentação. A imagem do arguido e da companheira é negativa, sendo ambos associados à prática de comportamentos ilícitos, alguns dos quais relacionados com a vida nocturna.

Globalmente o arguido não revela muita capacidade crítica face ao seu anterior percurso de vida conotado com a prática de crimes.

16).- O Centro Hospitalar do Médio Tejo gastou 51 € num episódio de urgência em que era sinistrado B... .

3. Quanto aos factos não provados, está exarado:

Relativamente ao ponto 1).- não se provou que fosse uma navalha o instrumento que permitiu o corte na face e abdómen do ofendido B... e dos demais ofendidos; relativamente ao ponto 7).- que o arguido tenha querido atingir os ofendidos em zonas vitais como a cabeça e o abdómen, onde estão alojados órgãos vitais, e assim provocar-lhes a morte, propósito esse apenas não conseguido, por circunstâncias alheias à sua vontade, em particular, a lâmina do instrumento que detinha não ter atingido os órgãos vitais que se encontravam nos locais que esfaqueou, e porque as vítimas foram pronta e atempadamente socorridas por terceiros, impedindo que os mesmos se esvaíssem em sangue.

4. Relativamente à motivação da decisão de facto, ficou consignado:
Os factos acima provados tiveram por fundamento os seguintes meios de prova, ponto 1).- o ofendido B... em Tribunal disse que no dia a que se reporta a acusação esteve no X... ( (... )) juntamente com o C... , o D... e o E... ; o C... e o D... foram encontrar-se com duas mulheres que frequentam aquele bar, o ofendido foi dormir para a carrinha em que se tinham feito transportar; cerca de duas horas mais tarde o D... foi ter com o ofendido à carrinha para chamarem o C... e irem-se embora; quando assim se encontrava, o arguido passou pelo B... , foi à mala de um veículo automóvel e veio na sua direcção, golpeando-o com um objecto cortante na cara e no abdómen; saiu dali e foi para a estrada pedir socorro e aguardar uma ambulância; de imediato apareceu o C... que disse: também já me cortaram; em plena sala de audiência o ofendido B... confrontado com o arguido não teve dúvidas em dizer ter sido o arguido que lhe causou os ferimentos que acabou de descrever; na altura em que os factos aconteceram o arguido tinha o cabelo comprido; o arguido apresentou-se em Tribunal com a cabeça rapada; foram também elemento de prova o relatório médico pericial de fls. 55 e 62 e as fotografias do ofendido de fls. 41 e 42; pontos 2).- e 3).- o ofendido C... disse que o ofendido B... foi chamá-lo dentro do bar porque o seu pai, o D... , queria ir embora; disse que levou uma pancada na cabeça, à saída do bar (... ), pensa que perdeu momentaneamente os sentidos e depois apareceu ferido; os ferimentos que na altura lhe foram causados e relacionáveis com o que se passou naquela madrugada no (... ) são os descritos no relatório médico de fls. 70 e ss; que foi o arguido o agressor do C... e do D... , pela motivação seguinte: o arguido foi o autor das lesões do B... pelas razões já invocadas; foi o agressor do D... , porque este, o D... , apesar de o não ter reconhecido em Tribunal, disse que a pessoa que o agrediu era a pessoa que ia atrás do B... e o feriu a ele, B... ; ora a pessoa que foi atrás do B... e o feriu foi o arguido; os três ofendidos ( B... , C... e D... ) encontravam-se em grupo, preparavam-se para saírem todos ao mesmo tempo, as agressões ocorreram todas no parque de estacionamento do (... ), os arguidos encontravam-se próximos uns dos outros, - conclusão que se retira pela proximidade dos vestígios hemáticos visíveis nas fotografias de fls. 27 -, as agressões ocorreram praticamente todas à mesma hora, apenas foi visto o arguido no local (depoimento do B... ); a natureza e descrição das lesões, tal como vêm referidas nos relatórios médicos de fls. 62, 70 e 86, permite concluir que o objecto cortante foi o mesmo; acresce que o arguido é detentor do telemóvel nº ... , e o tio do arguido de nome G... é detentor do telemóvel nº ... ; o conhecimento de que estes números de telemóvel pertencem aquelas pessoas, pelo teor da certidão junta a fls., extraída do pcc nº 61/10.4TAACN que corre termos por este tribunal e com julgamento marcado para breve; desta certidão consta a transcrição de várias conversas telefónicas, onde quem chama e o destinatário da chamada, utilizam uma conversa aberta, e onde o utilizador do telemóvel nº ... se identifica por A... ; são exemplo do que se afirma, as conversações de fls. 25, 43, 61, 69, 110, 150, 257, 277 (nesta há várias referências ao A... ) todas do Apenso G vol I; do vol II do mesmo apenso, fls. 452, 459, 462, 485, 523, 545, 549 entre outras; na conversa telefónica de fls. 257 o arguido chama pelo nº ... e diz “oi tio Bom dia” trata-se do tio G... ; no apenso L fls. 28 o A... volta a contactar o ... e diz “é o tio”; não ficam dúvidas que o telemóvel nº ... é do arguido e o telemóvel nº ... é do tio G... ; numa escuta telefónica do dia 29.2.2012 transcrita a fls. 308, deste processo o arguido diz “saí com a minha faquinha... pr’aqui prá noite... porque eu ontem fui beber um copo a uma terrinha lá ao pé do bar... e tava lá aquele que eu lhe cortei a cara, ele tava lá... e eu como não tinha nada comigo disse assim, foda-se queres ver que estes cabrões vão-se virar a mim e eu não tenho nada para me defender”; em escuta telefónica do mesmo dia (cf. fls. 317 deste processo) o tio do arguido utilizando o seu telemóvel nº ... e referindo-se ao A... que só pode ser o arguido diz “ele já mandou três para o hospital, todos esfaqueados. Foram os três ao mesmo tempo. Ele corta-os a todos.” Ora perante todos estes factos, as regras da experiência permitem concluir que foi o arguido que agrediu os três ofendidos ( C... , B... e D... ); pontos 4).-, 5).- e 6).- pelos relatórios médicos juntos a fls. 62, 70 e 86; pontos 7).- e 8).- reportam-se ao dolo, ele resulta daquilo que as regras da experiência permitem concluir; na verdade, o dolo pertence à vida afectiva de cada um e é portanto de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão, só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns, de que o mesmo possa concluir-se, entre os quais surge, com a maior representação, o preenchimento dos elementos materiais integrantes da infracção; o dolo resulta das presunções materiais, ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral da experiência (Ac RP de 23.2.83 BMJ 324-620); como diz Malatesta (A Lógica das Provas em Matéria Criminal, pág. 172) “o homem ser racional, naquilo que faz, dirige as suas acções, com vista a alcançar um determinado fim; ora se o fim obtido/querido/e conseguido, foi um ilícito criminal, tudo aquilo que o arguido fez, fê-lo para alcançar aquele fim ilícito”; pontos 9).- e 10).- pelo que consta do RC de fls. 208 e ss. e certidão de fls. 269; pontos 11).- e 12).- pela certidão de fls. 269 a 302; pontos 13).- e 14).- pelos esclarecimentos que em audiência prestou o Sr. Dr. H..., perito médico disse que os ferimentos de que os três ofendidos foram vítimas não lhes provocaram perigo para a vida, mas acrescentou que o ferimento na cara do ofendido B... pode manter-se para sempre; ponto 15).- pelo que consta do relatório social; ponto 16).- pelo doc. de fls. 363.

5-  fundamentação de direito:

(...)Com a sua actuação, o arguido quis ofender corporalmente estes três ofendidos o que conseguiu e quis ainda desfigurar grave e permanentemente o B... .

Pratica o crime de ofensas à integridade física simples “quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa”.

O bem jurídico protegido com a incriminação das ofensas ao corpo ou à saúde de outrem é, assim, a integridade física humana, concebida de uma forma corporal objectiva e caracterizável como o bem-estar físico acompanhado do normal funcionamento das funções corporais (cfr. PAULA RIBEIRO DE FARIA, “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Coimbra, 1999, Tomo I, p. 205).

O referido tipo legal integra um crime material e de dano, passando a respectiva consumação pela produção de um determinado resultado, que é a efectiva lesão do corpo ou da saúde de outrem, e fazendo-se a imputação objectiva deste resultado à conduta activa ou omissiva do agente de acordo com as regras gerais do artº 10 do CP.

Por outro lado, reconduzindo-se o crime em análise à figura dos delitos de realização instantânea, o seu preenchimento depende apenas da simples verificação do resultado descrito, pouco importando que este perdure para além da actividade ou omissão causal (NÉLSON HUNGRIA, “Comentário ao Código Penal Brasileiro”, p. 323 e segs.).

Sob o âmbito incriminador da referida norma cairão, pois, quaisquer ofensas no corpo ou na saúde de outra pessoa, independentemente da dor ou sofrimento causados, ou de uma eventual incapacidade para o trabalho, sendo igualmente irrelevantes os meios empregues pelo agressor e a duração da agressão. [1]

Por “ofensa no corpo” deverá entender-se todo o mau trato através do qual o agente é prejudicado no seu bem estar físico de uma forma não insignificante, integrando este elemento típico as actuações que envolvam uma diminuição da substância corporal (como a perda de órgãos, membros ou pele), lesões da substância corporal (como nódoas negras, feridas ou inchaços), alterações físicas (como o corte de cabelo ou a pintura da vítima com uma substância de difícil remoção), e a perturbação de funções físicas [2]

Entrando na análise do tipo subjectivo de ilícito, o crime previsto no citado artº 143 nº 1 exige a actuação com dolo, em qualquer das suas modalidades (cfr. artº 14), referindo-se o dolo de ofensas à integridade física simples ao conhecimento e vontade de produção de ofensas no corpo ou na saúde do ofendido. A este respeito, cabe ainda referir que a motivação do agente é, nesta sede, irrelevante, podendo ser tida em conta apenas para efeitos de determinação da medida da pena [3]

Regressando ao caso dos autos, ficou provado que o arguido A... desferiu uma pancada na cabeça e golpes, na face, junto à boca, na região abdominal e na nádega esquerda do C... e um golpe na região abdominal do D... .

Quis praticar estes factos.

Em face do que se deixa dito, impõe-se, pois, a conclusão de que os factos praticados pelo arguido preenchem objectiva e subjectivamente os elementos constitutivos de dois crimes de ofensas à integridade física simples, p e p pelo artº 143 nº 1 do CP.
Pratica o crime de ofensa à integridade física grave, “quem ofender o corpo ou a saúde de outrem de forma a (...) desfigurá-lo grave e permanentemente”. – artº 144 al a) do CP.
Por ofensa que desfigure grave e permanentemente o ofendido, entende-se aquela que cause “alteração do aspecto, da figura do ofendido, desde logo o rosto e o corpo no seu conjunto”. É uma alteração no plano estético que se apresenta como grave, isto é, significativa em relação à pessoa em causa e ao efeito produzido e permanente, ou seja, duradoura, ainda que não seja perpétua.
Identifica-se no fundo com a antiga deformidade notável, ou como diria o Prof. Pinto da Costa, com aquela deformidade que se traduz na “alteração da forma que afeie e deturpe o indivíduo no complexo do seu organismo”.[4]
Como a própria palavra “desfiguração” deixa antever, está aqui em causa uma alteração substancial da aparência do lesado. A gravidade a que se refere a lei terá que ser aferida em função da intensidade da lesão, local onde ocorreu, sua visibilidade e o efeito que a lesão pode assumir no quadro da sua vida de relação.[5]
O crime de ofensa à integridade física grave surge na lei penal como um delito qualificado pelo resultado, que, pelo resultado a que conduz, apresenta uma ilicitude mais grave, do que a correspondente ao tipo fundamental, a ofensa à integridade física simples.
O bem jurídico protegido é a integridade física do ofendido, pretendendo-se evitar determinadas formas de agressão particularmente graves descritas de forma exaustiva no corpo do artº 144 do CP.
Com um objecto cortante desferiu o arguido, um corte na face esquerda e no abdómen do B... . O golpe desferido pelo arguido, na zona da cara do B... e que as fotografias de fls. 41 bem documentam, tem uma extensão e profundidade bem acentuadas, irão perdurar, se não para sempre, como admitiu o perito médico, um bom par de anos, são a parte do corpo para onde se olha, quando encaramos uma pessoa, pelo que se deve considerar aquela lesão uma desfiguração grave e permanente.
Com os factos provados em relação ao ofendido B... , e o resultado dos mesmos factos, o arguido praticou objectiva e subjectivamente um crime de ofensa à integridade física grave p p pelo artº 144 al a) do CP.

6. Relativamente determinação da medida da pena:

Por efeito da reincidência, o crime de ofensas à integridade física simples p p pelo artº 143 nº 1 do CP é punido com a pena de multa de 13 dias até 360 dias ou prisão de 40 dias até 3 anos.

O crime de ofensa à integridade física grave p p pelo artº 144 al a) e por efeito da reincidência é punido com a pena de prisão de 2 anos e 8 meses a 10 anos de prisão.
Antes de mais, dada a alternatividade das penas aplicáveis ao arguido, quanto aos crimes de ofensas simples, importa, proceder à escolha da pena, nos termos previstos no artigo 70º, do Código Penal.

O artigo 70º do Código Penal prescreve que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma suficiente e adequada as finalidades da punição.”
As finalidades da punição, como resulta do artigo 40º, n.º 1, do Código Penal, são a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Resulta claro deste normativo que para efeitos da escolha da pena relevam exclusivamente finalidades preventivas (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Notícias Editorial, 1993, Jorge de Figueiredo Dias, páginas 331 a 333, §§ 497 a 501).

No caso dos autos, atenta a grande extensão da violação do interesse jurídico mediatamente protegido com a incriminação (três ofendidos), a falta de sentido para as lesões praticadas, o facto de o arguido já ter praticado outros ilícitos, entendemos que deve dar-se preferência à pena de prisão.

Toda a pena tem uma feição pedagógica e ressocializadora, por isso não pode exceder os limites impostos por esta teleologia, intervindo na sua fixação a culpa e a prevenção. – artº 71 do CP.

As penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime e assegurar a eficácia do sistema penal.

O abalo, a intranquilidade a ponderar, arrancam da importância do bem ou valor violados e seu grau de reiteração, por isso se pede à pena a finalidade de tranquilizar o tecido social, de atenuar o alvoroço gerado pelo afrontamento à lei, bem como dissuadir potenciais criminosos, contendo os seus instintos primários.

Em caso algum, qualquer que seja a sua valência, a ponderação desses interesses pode suplantar a medida da culpa, que limita pelo topo a medida da pena.

A culpa fornece a moldura de topo, absolutamente inultrapassável, no interior daquela actuando a submoldura da prevenção geral, que fornece desde logo um limite máximo compatível com a medida óptima da tutela dos bens jurídicos e o mínimo de pena abaixo do qual se não pode descer, por comunitariamente indesejável.

Dentro daquela moldura geral a prevenção especial da reincidência, opera como modo de assegurar o retorno ao tecido social do agente em condições de não afrontamento dos “padrões standart” pré estabelecidos, levando o agente a interiorizar os maus resultados do crime, em vista da sua transformação em homem de bem, como ainda circunstâncias que não fazendo parte do crime, depõem a favor ou contra o arguido.

Esta medida de necessidade de adaptação futura do agente ao meio social, desempenha um papel notável, pela ponderação da personalidade do agente e da sua desconformação à suposta pela ordem jurídica, ao nível da prevenção especial, influenciando também o quantum da pena. – BMJ 481-145; BMJ 494-104, Profs. Figueiredo Dias e Costa Andrade, Direito Penal – Questões Fundamentais, A Doutrina Geral do Crime, 1996, 120 e Ac STJ 15.6.05 CJ T2 pág. 220.

O arguido agiu com dolo directo.

Sabia que não podia usar aquele instrumento cortante, que ao usá-lo ia ofender o corpo dos três lesados e mesmo assim decidiu-se a fazê-lo.

Não foram invocados nem provados quaisquer motivos que pudessem minimamente fundamentar a sua actuação.

O grau de ilicitude dos factos é elevado, quer pelo número de lesados que de uma só vez o arguido se decidiu a ofender, quer pela extensão das lesões, pelo menos em dois deles.

O arguido agiu traiçoeiramente.

Procurou a noite para mais dificilmente ser visto.

Executou a sua acção num lugar ermo, sem vizinhança, para mais facilmente evitar ser descoberto.

Ao nível da prevenção geral há que dar à sociedade uma resposta de confiança na lei, contribuindo para fortalecer a consciência jurídica da comunidade, satisfazendo o sentimento de justiça do meio circundante e próximo do arguido. Há que mostrar à sociedade através da pena, o quanto são censuráveis estes comportamentos.

Ao nível da prevenção especial a pena deve servir de emenda e correcção ao arguido, fazendo-lhe ver o mal que fez e que a pena lhe sirva de alerta para novas situações contrárias às normas legais.

Ao longo do julgamento usou o seu direito ao silêncio, não manifestando qualquer censura pelos seus actos, pelo que esta postura “revelará uma personalidade avessa ao direito, de costas voltadas para a responsabilidade social. – Ac RC de 17.4.2012 CJ Ano XXXVII T2 pág. 313/314.

Assim sendo decidimos punir o arguido do modo seguinte:

-- pela prática dos dois crimes de ofensas à integridade física simples p p pelo artº 143 nº 1 do CP a pena de 1 (um) ano de prisão para cada um dos crimes;

-- pela prática do crime de ofensa à integridade física grave p p pelo artº 144 al a) do CP a pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.

c) cúmulo jurídico.

Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. – artº 77 nº 1 do CP.

Na medida da pena são considerados os factos e a personalidade do arguido. – artº 77 nº 2 do CP.

Os crimes pelos quais o arguido se encontra acusado estão numa relação de concurso, visto que foram cometidos antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, pelo que cumpre proceder ao cúmulo jurídico das respectivas penas parcelares.
A pena única aplicável no caso de concurso tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. – artº 77 nº 2 do CP.

A moldura penal abstracta correspondente ao concurso é assim no caso presente de 3 anos e 6 meses de prisão limite mínimo e 5 anos e 6 meses de prisão limite máximo.

Na medida concreta da pena devem ser considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. – artº 77 nº 1 do CP.

Quanto aos factos nenhuma justificação, mesmo infundada foi apresentada. Por outro lado eles revelam elevada gravidade, foram praticados durante a noite para mais facilmente ocultar o agressor, num lugar ermo, praticados à traição, com um objecto cortante.

Na consideração da personalidade devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos, isto é, se a personalidade unitária do agente é reconduzível a uma tendência ou eventualmente mesmo “uma carreira” criminosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente, só no primeiro caso sendo de agravar especialmente a pena por efeito do concurso. – Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime pág. 29.

O arguido apoia a companheira no comércio de artigos de vestuário, sendo na sua maioria efectuados em “casas de alterne” e/ou outras de idêntica natureza e em mercados, feiras e outros locais. No meio social onde vive, constata-se que a rentabilidade dos seus negócios não é compatível com o nível de vida que revela e que é avaliado como de alguma ostentação. A imagem do arguido e da companheira é negativa, sendo ambos associados à prática de comportamentos ilícitos, alguns dos quais relacionados com a vida nocturna.

Globalmente o arguido não revela muita capacidade crítica face ao seu anterior percurso de vida conotado com a prática de crimes.

Estes episódios revelam uma personalidade deficitária e desconforme com os valores essenciais à vida em comunidade. O arguido cria sentimentos de insegurança que afectam de modo grave a tranquilidade social.
Entendemos como equilibrada, satisfazendo as necessidades de prevenção e proporcional à culpa do arguido a pena única de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão.

d) não suspensão da pena.

Os pressupostos da suspensão da execução da pena vêm enunciados no artº 50 nº 1 do CP.

Nos termos deste preceito legal, na redacção da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, aqui aplicável, “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

O pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão é apenas que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos.

O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o tribunal, atendendo à personalidade do arguido e às circunstâncias do facto, conclua que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Na verdade na base da suspensão da pena como ensina Jescheck (Tratado, Parte Geral, 2ª edição pág. 1 152 da edição em espanhol) deverá estar uma prognose social favorável ao agente, baseada num risco prudencial. Neste instituto une-se o juízo de desvalor ético-social contido na sentença com o apelo (fortalecido pela ameaça de se poder executar no futuro a pena), à vontade do arguido em se reintegra em sociedade.

O tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa - (Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, em anotação ao art. 50.º).

As finalidades da punição reportam-se à protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade (artº 40 nº 1 do CP).

O objectivo último das penas é a protecção, o mais eficaz possível, dos bens jurídicos fundamentais.

Esta protecção implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo quer para dissuadir a prática de crimes, através da intimidação das outras pessoas face ao sofrimento que com a pena se inflige ao delinquente (prevenção geral negativa ou de intimidação), quer para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva ou de integração).

A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de actuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.

A suspensão da execução da pena é, sem dúvida, um poder vinculado do julgador, que terá de a decretar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos.

Deste modo, o tribunal, quando aplicar pena de prisão não superior a 5 anos deve suspender a sua execução sempre que, reportando-se ao momento da decisão, o julgador possa fazer um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido, juízo este não necessariamente assente numa certeza, bastando uma expectativa fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição e consequentemente a ressocialização, em liberdade, do arguido.

Todavia, “a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada” - mesmo em caso de conclusão do tribunal por um prognóstico favorável (à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização), se a ela se opuseram as finalidades da punição » ( art.50.º, n.º 1 e 40.º, n.º1 do Código Penal), nomeadamente, considerações de prevenção geral sob a forma de exigência mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, pois que só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto. - Cfr. Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, as Consequências do Crime”.

No presente caso, há fortes exigências de prevenção especial a ter em conta, uma vez que o arguido, não explicou as razões da sua conduta, não manifestou qualquer arrependimento, não demonstrou que rejeita o mal praticado. Milita ainda contra o arguido o facto de este já ter sido condenado em outros processos, já ter cumprido pena de prisão efectiva e mesmo assim decidir-se a praticar novos ilícitos.

Quanto às exigências de prevenção geral, elas são muito elevadas. A sociedade tem que ter confiança nas suas instituições e saber que comportamentos destes não passam sem a censura da pena.

Suspender a pena seria dar à sociedade um sinal de que o crime compensa.

Razão porque entendemos não dever suspender a pena.


6. Mérito do recurso:

Como referido, em resumo, as questões a conhecer são as seguintes:

Erro na apreciação da prova (identificação / imputação dos factos ao arguido).
Subsidiariamente:
Questão de direito errada qualificação dos factos (art.º 143º e não 144º do C.Penal) com a consequente inexistência dos pressupostos da reincidência e alteração da medida da pena.


a) Erro na apreciação da prova quanto à identificação do arguido.

Alega o recorrente que a sua identificação — que não reconhecimento em inquérito por contraponto ao feito em audiência, quando apenas este se encontrava no “banco dos Réus, não é suficiente para proferir uma condenação, até porque nenhuma outra prova foi produzida contra o arguido.

Desde logo há que ter presente que o reconhecimento feito pelas testemunhas na audiência de julgamento não está sujeita ao formalismo previsto no artigo 147.º do Código de Processo Penal.

Nesse sentido, entre muitos outros, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16.02.2011 ao referir que “na audiência de discussão e julgamento, quando se trate, não de proceder ao “reconhecimento” do arguido, mas à identificação do mesmo pela testemunha, como sendo o autor dos factos em discussão, o que se valoriza é o depoimento da testemunha, apreciado de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do art.º 127º, do C. Proc. Penal e não a prova por “reconhecimento de pessoas” a que alude o art.º 147º, do mesmo Código”.

Ou ainda, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17.03.2010 ao sumariar que “a identificação do arguido por testemunha, em audiência, insere-se no âmbito da prova testemunhal e não no âmbito da prova por reconhecimento, pelo que é inaplicável àquela o formalismo processual a que este está subordinado”.

É este o entendimento que tem sido seguido pela nossa jurisprudência, o qual também subscrevemos, já que não há que confundir a prova por reconhecimento que deve ser feito nos termos impostos pelos art.ºs 147º e ss. do C.P.Penal, com a livre valoração da prova testemunhal, no que concerne à identificação do arguido em sede de audiência de discussão e julgamento.

 Ambos são meios de prova distintos e, por isso mesmo sujeitos a regras de apreciação de prova também elas distintas.

Nos autos o tribunal recorrido fundamentou a imputação dos factos ao arguido nos seguintes termos “- o ofendido B... em Tribunal disse que no dia a que se reporta a acusação esteve no X... ( (... )) juntamente com o C... , o D... e o E... ; o C... e o D... foram encontrar-se com duas mulheres que frequentam aquele bar, o ofendido foi dormir para a carrinha em que se tinham feito transportar; cerca de duas horas mais tarde o D... foi ter com o ofendido à carrinha para chamarem o C... e irem-se embora; quando assim se encontrava, o arguido passou pelo B... , foi à mala de um veículo automóvel e veio na sua direcção, golpeando-o com um objecto cortante na cara e no abdómen; saiu dali e foi para a estrada pedir socorro e aguardar uma ambulância; de imediato apareceu o C... que disse: também já me cortaram; em plena sala de audiência o ofendido B... confrontado com o arguido não teve dúvidas em dizer ter sido o arguido que lhe causou os ferimentos que acabou de descrever; na altura em que os factos aconteceram o arguido tinha o cabelo comprido; o arguido apresentou-se em Tribunal com a cabeça rapada; foram também elemento de prova o relatório médico pericial de fls. 55 e 62 e as fotografias do ofendido de fls. 41 e 42; pontos 2).- e 3).- o ofendido C... disse que o ofendido B... foi chamá-lo dentro do bar porque o seu pai, o D... , queria ir embora; disse que levou uma pancada na cabeça, à saída do bar (... ), pensa que perdeu momentaneamente os sentidos e depois apareceu ferido; os ferimentos que na altura lhe foram causados e relacionáveis com o que se passou naquela madrugada no (... ) são os descritos no relatório médico de fls. 70 e ss.; que foi o arguido o agressor do C... e do D... , pela motivação seguinte: o arguido foi o autor das lesões do B... pelas razões já invocadas; foi o agressor do D... , porque este, o D... , apesar de o não ter reconhecido em Tribunal, disse que a pessoa que o agrediu era a pessoa que ia atrás do B... e o feriu a ele, B... ; ora a pessoa que foi atrás do B... e o feriu foi o arguido; os três ofendidos ( B... , C... e D... ) encontravam-se em grupo, preparavam-se para saírem todos ao mesmo tempo, as agressões ocorreram todas no parque de estacionamento do (... ), os arguidos encontravam-se próximos uns dos outros, - conclusão que se retira pela proximidade dos vestígios hemáticos visíveis nas fotografias de fls. 27 -, as agressões ocorreram praticamente todas à mesma hora, apenas foi visto o arguido no local (depoimento do B... ); a natureza e descrição das lesões, tal como vêm referidas nos relatórios médicos de fls. 62, 70 e 86, permite concluir que o objecto cortante foi o mesmo; acresce que o arguido é detentor do telemóvel nº ... , e o tio do arguido de nome G... é detentor do telemóvel nº ... ; o conhecimento de que estes números de telemóvel pertencem aquelas pessoas, pelo teor da certidão junta a fls., extraída do pcc nº 61/10.4TAACN que corre termos por este tribunal e com julgamento marcado para breve; desta certidão consta a transcrição de várias conversas telefónicas, onde quem chama e o destinatário da chamada, utilizam uma conversa aberta, e onde o utilizador do telemóvel nº ... se identifica por A... ; são exemplo do que se afirma, as conversações de fls. 25, 43, 61, 69, 110, 150, 257, 277 (nesta há várias referências ao A... ) todas do Apenso G vol I; do vol II do mesmo apenso, fls. 452, 459, 462, 485, 523, 545, 549 entre outras; na conversa telefónica de fls. 257 o arguido chama pelo nº ... e diz “oi tio Bom dia” trata-se do tio G...; no apenso L fls. 28 o A... volta a contactar o ... e diz “é o tio”; não ficam dúvidas que o telemóvel nº ... é do arguido e o telemóvel nº ... é do tio G... ; numa escuta telefónica do dia 29.2.2012 transcrita a fls. 308, deste processo o arguido diz “saí com a minha faquinha... pr’aqui prá noite... porque eu ontem fui beber um copo a uma terrinha lá ao pé do bar... e tava lá aquele que eu lhe cortei a cara, ele tava lá... e eu como não tinha nada comigo disse assim, foda-se queres ver que estes cabrões vão-se virar a mim e eu não tenho nada para me defender”; em escuta telefónica do mesmo dia (cf. fls. 317 deste processo) o tio do arguido utilizando o seu telemóvel nº ... e referindo-se ao A... que só pode ser o arguido diz “ele já mandou três para o hospital, todos esfaqueados. Foram os três ao mesmo tempo. Ele corta-os a todos.” Ora perante todos estes factos, as regras da experiência permitem concluir que foi o arguido que agrediu os três ofendidos ( C... , B... e D... )”

Ora tal fundamentação é clara e consistente não violando qualquer norma legal de proibição de prova, nem qualquer regra da experiência comum. Na verdade o tribunal alicerçou o seu convencimento, conjugando a prova testemunhal e documental de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, principio este que de modo algum se encontra beliscado...

Assim, desta leitura resulta, em síntese, que a convicção do Tribunal acerca dos factos dados como provados se estribou fundamentalmente na prova documental indicada na acusação), valorando ainda, face opção do arguido de não prestar declarações, os depoimentos das testemunhas indicadas, que se mostraram credíveis em virtude do que declararam por referência ao conhecimento directo que mostraram ter dos factos como referido na fundamentação, tudo dentro dos limites do principio da livre apreciação da prova.

Efectivamente, o recurso relativo à matéria de facto não consiste em proceder a novo julgamento mas tão saber se, em sede de audiência de discussão e julgamento, foi produzida prova bastante que permita acolher a tese propugnada pelo julgador ou se existiu erro evidente nessa valoração já que tribunal de recurso está vedada, em princípio, a oralidade e a imediação.

Na verdade, como é sabido em matéria de provas, como refere Marques Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, Ed. do Centro de Estudos Judiciários p. 221, 222 “O Código de Processo Penal normativizou cuidadosamente a matéria atinente à prova quer em termos genéricos quer de forma específica (...) na preocupação de acatamento dos imperativos constitucionais relativos à dignidade pessoal e integridade física do cidadão e intimidade da vida privada que é legítimo esperar de um processo penal no quadro de um Estado de Direito Democrático e Social em que a justiça seja alcançada exclusivamente por meios processualmente válidos e efectivamente controláveis”.

No entanto, como refere o mesmo autor, ob. cit., p. 227, “salvas as referidas limitações em que a apreciação da prova é normativizada, vigora como princípio geral, o princípio fundamental da livre apreciação das provas, princípio esse que entre nós tem sido unanimemente aceite a partir da primeira metade do Séc. XIX com as reformas judiciárias saídas da Revolução Liberal, acolhido, de forma expressa, no artº 127° do CPP”.

Continua assim a vigorar o princípio fundamental de que na decisão da “questão de facto”, a decisão do tribunal assenta na livre convicção do julgador, devidamente fundamentada, devendo aparecer como conclusão lógica e aceitável à luz dos critérios do artº. 127° do C. P. Penal.

Do referido princípio da livre apreciação da prova resulta que a decisão não consiste numa operação matemática (“não é a demonstração de um teorema”, numa conhecida expressão de Antunes Varela), devendo o julgador apreciar as provas, analisando-as e procurando harmonizá-las entre si e de acordo com os princípios da experiência comum sem que o julgador esteja limitado por critérios formais de avaliação.

Não podendo os vários meios de prova ser apreciados isoladamente, retirando-os do respectivo contexto, apenas com base em frases transcritas num suporte documental e em imprecisões de pormenor de algum dos testemunhos — por vezes justificáveis desde logo pelas circunstâncias dialécticas em que são produzidos, durante o interrogatório cruzado, formal, surgindo sempre um novo elemento em cada questão suscitada por cada um dos sujeitos processuais. Questões já de si formuladas dentro da perspectiva antagónica e por vezes conflituante de acordo com a posição de cada sujeito processual.

Assim, o princípio da livre convicção tem como limite e pressuposto a lógica, a razão, a liberdade de pensamento sem a amarra de critérios formalistas preconcebidos. Constituindo uma aquisição civilizacional do pensamento europeu, por contraponto com os processos de cariz medieval, em que se sobrepunham critérios formais de produção e avaliação de prova.

Como refere o Prof. Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, pag. 202-203) “a apreciação da prova é na verdade discricionária, tem evidentemente como toda a discricionariedade jurídica os seus limites que não podem ser ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova, é no fundo uma liberdade de acordo com um dever— o dever de perseguir a chamada «verdade material» - de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios de objectivos e, portanto, em geral, susceptível de motivação e de controlo “não a pura convicção subjectiva.. se a verdade que se procura é uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão.. a convicção do juiz há e ser.. em todo o caso uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de se impor aos outros... em que o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável”,

Igualmente, Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. II, p. 126-127 “O juízo sobre a avaliação da prova tem diferentes níveis. Num primeiro aspecto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente explicáveis (v.g. credibilidade que se concede a determinado meio de prova), Num segundo nível referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir de factos probatórios e agora já as referidas interferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correcção de raciocínio que há-de basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência”.

Não se trata pois de uma mera operação voluntarista, mas de conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis). Envolvendo a apreciação da credibilidade que merecem os meios de prova elementos não racionalmente explicáveis, v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova em detrimento de outro — tem essencial relevo a imediação. Mas ainda deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios, aspecto que já não depende substancialmente da imediação, mas deve basear-se na correcção do raciocínio, nas regras da lógica, da experiência e nos conhecimentos científicos.

A convicção do tribunal é assim formada, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas contradições, hesitações, inflexões de voz, serenidade, olhares e, não menos importante, pela linguagem do comportamento ( coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por vezes, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos.

O tribunal de recurso poderá sempre sindicar a convicção do julgador na primeira instância quando se mostre contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos, ou seja, o processo lógico que levou à consideração de que era uma, e não outra, a prova que se produziu. Mas não pode olvidar que o tribunal recorrido dispôs de um elemento de relevo, no que toca à apreciação de depoimentos prestados em audiência, de que não dispõe o tribunal de recurso: a discussão em audiência e a imediação com as provas.

Mas, “...só os princípios da oralidade e da imediação permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. E só eles permitem, por último, uma plena audiência desses mesmos participantes, possibilitando-lhes da melhor forma que tomem posição perante o material de facto recolhido e comparticipem na declaração do direito do caso” — Cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, p. 233-234.

“Os julgadores do tribunal de recurso, a quem está vedada a oralidade e a imediação, perante duas versões dos factos, só podem afastar-se do juízo efectuado pelo julgador da 1ª instância, naquilo que não tiver origem naqueles dois princípios, ou seja quando a convicção não se tiver operado em consonância com as regras da lógica e da experiência comum, reconduzindo-se assim o problema, na maior parte dos casos, ao da fundamentação de que trata o artº347°, n°2 do CPP”— Germano Marques da Silva. Curso de Processo Penal, vol. II, p. 126 e 127, que por sua vez cita o Prof. Figueiredo Dias.

Neste sentido v.g AC R. Coimbra de 19.06.2002 e de 04,02,2004, nos recursos penais 1770/02 e 3960/03; 18.092002, recurso penal 1580/02. Como decidiu, entre outros, o Acórdão da Relação de Coimbra de 06.03.2002. publicado na CJ, ano 2o02, II, 44...” quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear numa opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face ás regras da experiência comum”.

 VG ainda e, AC.T.C. 198/2004 de 24.03.2004, DR., II série, de 02.06.2004 “A censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção. Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão”.

Pois bem, tendo o referido princípio os contornos supra descritos, não podemos deixar de entender que o tribunal a quo fez uma criteriosa aplicação do princípio em causa, designadamente na motivação da decisão de facto e no exame crítico das provas.

 Mas mais, nos autos mais do que a “deficiente ou indirecta” identificação do arguido feita pela prova testemunhal indicada é incontornável o facto do arguido ter sido reconhecido no auto de reconhecimento de fols.189 cuja regularidade e valor probatório não foram postos em causa.

Mais, a prova documental junta aos autos é profícua no que concerne à imputação dos factos ao arguido.

 Vejamos:

Os factos julgados nos autos ocorreram no dia 12 de Março de 2011, pelas 05horas.

Ora como consta das transcrições registadas no apenso A (indicado como prova na acusação e cuja validade formal e material não foi questionada) logo no dia 14 de Março, pelas 15h23m o recorrente é interceptado em conversações de onde se conclui a sua preocupação com a notícia veiculada no correio da manhã-(reportando-se à situação dos autos) a marcação de consulta em advogado, estando a aguardar a informação de um terceiro ”I...” que o informará das declarações prestadas pelos ofendidos; confrontados com a sua foto e qual seria a melhor estratégia para inverter a situação ou para que não viesse a ser identificado.(passando mesmo pelo contacto com os ofendidos, como se pode verificar das transcrições do dia)

Dia 14-03-2011 pelas 15h23m

A... (suspeito): sim.

Individuo voz feminina ( F... — esposa do A... ): tou.

A... : sim...

Voz feminina: já foste ao advogado?

A... : já marquei com ele, mas tou à espera do, do... I... , porque só ao fim do dia é que me sabe dizer coisas.

Voz feminina: eu tive com ele.

A... : com quem?

Voz feminina: co I... .

A... : e atão? Já chegou de Leiria?

Voz feminina: já, a outra não ficou lá.

A... : à sim, e atão o que é que ele diz se ele já tiver matéria vou mais cedo para

O advogado.

Voz feminina: diz que... Foram ter com o gajo mais novo lá ao hospital e que

Levavam lima foto tua, a preto e branco,..

A... : ai ele é que levava?

Voz feminina: a judiciária.

A... : aaah. Pois, já percebi, pois..

Voz feminina: mas que o outro disse que não, não te conhecia.

A... : a mim diz que sim. Ai o caraças pró I... também já.

Voz feminina: ele a mim disse-me que o outro disse que não te conhecia.. Agora quem tá a falar muito é o velho, o pai.

A... : prontos, atão e o I... que tente lá controlar as coisas que é para ver.. Não é. Porque isto não é brincadeira não pá..... Eu não falei ainda com o advogado mas já sei o que é que ele me vai dizer.., não é? Pois.., esse I... , mas ele já está por cá, não tá?

Voz feminina: tá.

A... : eu vou mandá-lo vir ali ao pé do advogado e a gente faz ali uma reunião os três.

Voz feminina: eu disse-lhe para ele falar lá com o outro... O que não levou., que esse é o que falou tudo,

A... : pois mas é assim..

Voz feminina: mas olha., não confies muito também no I... , porque...balança muito.

A... : pois, pois, é o diz e não diz e depois, pois...

Voz feminina: balança muito, e tou ver, a esperteza... A esperteza dele é tar sobre o bar.

A... : pois...

Voz feminina: manda-te fugir porque a esperteza é sobre o bar..,

A... : pois...

Voz feminina: deu-me logo a entender... É que isso é muito mau, vocês vão perder clientes, e saber que aquilo ainda continua vosso, por causa do que se passou, ta, ta, ta, ta, la.,.atão ele que é o homem das brigas, que na casa dele era quase todos os dias.,. E,,. Tás a entender?

A... : tou, tou.. Mas eu dele, só vou precisar é dos nomes das pessoas, e moradas que o advogado é que vai tratar do resto, percebes?

Passadas cerca de 3horas o arguido continua preocupado e tentando saber quais as consequências penais dos “cortes” e quando é que os ofendidos hospitalizados regressavam a casa e a pressão a fazer sobre os mesmo no sentido de não o identificarem como sendo o agressor...

 “ A... : o que a gente precisava de concluir era a ideia dos lesados se eles querem identificar a pessoa ou não... Se eles disserem que não sabem quem foi e quando virem dizerem não, não foi esse,..”.

Dia 14-03-2011 pelas 19h04m

Individuo voz feminina (esposa do I... ): tou, tou.

A... (suspeito): tou amigo I... ,

Voz feminina: é mesmo ele, mesmo ele,.

A... : ah é a I... a’ é a “ J... ”

Voz feminina: é, é a “ J... ”.

A... : atão ele já tá por aí não?

Voz feminina: não, não tá. Diga lá, se eu te puder ajudar em alguma coisa.

...

Voz feminina: e assim tudo o que sabe é assim, tá tudo na mesma, ainda não veio ninguém para casa.

A... : ai não, não veio ninguém para casa...

Voz feminina: ainda não conseguimos falar com ninguém. Portanto tá tudo na mesma.

A... : pois. Pois.

Voz feminina: dissemos-te hoje de manhã, e nada.

A... : tá bem. Atão pronto, tou aqui no advogado, ele diz que os cortes que em princípio não dá cadeia imediata.

Voz feminina: pois eu também acho que não, eu também acho que não.

A... : mas olha que prontos, não sei quando é que foi... Mas tá um cigano preso na cadeia de Leiria, que eu conheço as famílias e tudo, e foi por ele cortar também um, um gajo que era o Paulo que ele tomou conta do “ (... )” muito antes de mim, que acabou agora por morrer mas foi por outras doenças, mas teve muito mal e o gajo tá preso ainda à conta disso, dessas facadas que deu a esse gajo.

A... : pois... Eu sei que as leis mudaram e o doutor agora tá a ler aqui, portanto o código penal.

Voz feminina: pá é assim, eu penso que,. Penso... Também penso que por isso só que não. Agora o problema sabes como é que é, uma pessoa vai juntando merdas e merdas e depois..

A... : o que a gente precisava de concluir era a ideia dos lesados se eles querem identificar a pessoa ou não... Se eles disserem que não sabem quem foi e quando virem dizerem não, não foi esse,..

A... : daí,

Voz feminina: pois.,, aquele que tava sozinho.. O que... O que nem sequer teve

Nada com o assunto foi o que fez merda até dizer chega...

A... : não é doutor,.. Tava um que não levou traços nenhuns... E esse.

Voz feminina: mas esse foi o que fez pior, esse foi logo...

A... : esse não conta pois não?

Voz feminina:.. Atão mas esse é testemunha,

A... : pois, mas é uma testemunha ocular,

Voz feminina’. Mas esse foi logo o primeiro a falar/à...

A... : olha.. Pois.,, pois é... O senhor doutor diz que... Tanta coisa gasta-me a bateria toda.

Voz feminina: é pá tens é de ter calma.

...

Pelas 20horas continua preocupado, sem confiar no mandatário dizendo que no dia seguinte iria telefonar ao L....

Informando ainda as várias estratégias propostas pelo advogado...

A preocupação por serem 3 os ofendidos etc..etc..

 E sobretudo o facto de um dos ofendidos o ter chibado.

Dia 14-03-2011 pelas 20h33m

Individuo voz feminina (sotaque brasileiro): tava pensando em você.

...

A... : olha, olha lá amor. Eu já tenho alguma experiência sobre isto, este gajo não me disse nade de especial, nada de especial, e eu não vou brincar porque sei que estas situações não é para brincadeiras, e.. Vou amanhã telefonar para o L... para marcar qualquer coisa, porque. É pá, fala muito em cima do joelho, percebes?... Depois vai-me ler coisas do código penal de,,, 2007, não é. Atão mas quantas leis é que já mudou?.., a, a...depois fala-me do artigo como se fosse roubo...

É A... desde que não seja apanhado em flagrante delito não vai preso. Ó quê, pá mas isso é um crime público, é um crime de sangue, tá a brincar ou quê

Voz feminina: hum, hum.

...

Voz feminina: atão e ele te aconselhou a fazer o quê quando forem ao pé de ti?

A... : olha. Hum,.. Várias versões, várias versões, vê lá... Uma diz que para eu arranjar um álibi em como não tive lá,, atão e é fácil, atão toda a gente me viu lá.. E depois diz. À A... mas acreditas que alguém vai dizer que te viu, ninguém vai dizer que te viu,. Aaah, pois atão, é uma brincadeira., não é, é, é,.. Depois diz que se eu me entregar ao posto... Pode ser mau para mim, mas se eu for, o que é que eu tava na ideia de dizer percebes? É tudo muito levezinho, é muito leve, não tem convicção o gajo, não, não, não... Não me ajudou em nada.., em nadinha.., prontos.., eia já tem bombas dos dois lados aqui o e’leclerc.,, olha... Já tem bombas a funcionar dos dois lados. Portanto é assim, hoje já não, já são oito e meia.., mas amanhã vou tentar fazer uma marcação para o L... ,,, porque... É pá, tenho duas experiências diferentes de casos parecidos, não é,.. Do que aconteceu do meu filho e ele participou, o rapaz que feriu o meu filho foi só prestar depoimento à GNR, e o meu filho retirou a queixa e não se passou mais nada, não é?... Prontos, é um crime público também tal, tal, tal, prontos.,. É quase idêntico, só mudas de uma pessoa para três... E de uma pessoa foi menos gravidade e das três mais gravidade, não é?... Agora...

...

Voz feminina: sim, certo.. Mas o que interessa é o rapaz saber se eles fizeram queixa de ti, entendeu?

A... : pois. Pois, não consigo saber é a certeza. Diz que quem me chibou foi um que foi com eles, mas que ninguém lhe fez mal nenhum e esse é que se chibou todo.

Voz feminina: amor,.. O chibar é uma coisa, o falar que foi você é uma coisa.., A... : exactamente.

Ainda neste mesmo dia 14 recebe a informação do desfecho de uma situação “parecida” com a sua estando com receio de ser preso preventivamente.

Dia 14-03-2011 pelas 23h13m

Individuo voz masculina: tou A... ?,

A... (suspeito): olha lá, nim(?) tá tudo bem?

Individuo voz masculina: tá tudo.

A... : olha, tenho aí uma situação parecida com aquela do M... , do cunhado do

Teu irmão N... ? — (referência ao nuipc: 68/101pblra arguido M... homicídio na forma tentada com uso de arma branca)

Voz masculina: sim.

A... : conta-me só como é que foi o caso dele. Que houve umas facadas lá no meu bar e eu só quero saber como é que isto funciona, olha, ele foi logo preso quando deu as facadas no homem, não?

Voz masculina: não, não.

A... : não.

Voz masculina: não.

A... : mas apanharam-no logo?

Voz masculina: foi, é passado o quê. Uns  pá três meses, é pá mais ou menos.

A... : pronto, mas apanharam-no logo e e/e prestou declarações ou nunca mais o viram e só ao fim dos três meses quando o apanharam é que o levaram?

Voz masculina: foi isso, foi isso.

A... : ai foi isso.

Voz masculina: foi,

A... : ah.. Mas ficou logo preso?

Voz masculina: ficou logo preso, sim. A... : hum, hum.

Voz masculina: apanhou parece que seis anos.

A... : seis anos. Portanto, preventivo não lhe deram outra medida de coação, não foi?

Voz masculina: foi, foi, foi. Foi logo.

...

A... : olha e a pessoa seguiu sempre com a queixa e nunca desistiu da queixa, não?

Voz masculina: não, não, nunca, nunca. Nunca desistiu.

A... : nunca desistiu, pois, pois. Tá bem. Prontos..

Ainda na noite do dia 14 para o dia 15 sabe que um dos ofendidos sairá do hospital pela manhã..

Novamente a preocupação é que digam que não foi ele. “foi aquilo que eu frisei foi,. É pá prontos é assim, desde que digam, tenham a certeza que não fui eu, pra mim é o suficiente

Dia 15-03-2011 pelas 00h45m

A... (suspeito):,menina,, então já tás a dormir?

Individuo voz feminina (sotaque brasileiro): deitei-me agora pra dormir.

A... : ai sim. Olha, tenho tado aqui em casa mais o I... e a mulher, a O... e a vizinha e mais uma madrinha deles., e então diz que aquilo tá calmo, porque amanhã esse mais novo já sai do hospital e então que eles. E é que tentei saber e perguntei, e atão se ele tá no hospital, foste vê-lo ao hospital, e o gaio nunca me confirmou. Não sei, não sei até que ponto é que e atão

Voz feminina. (imperceptível),

A... : pois, né, não me confirmou que foi ao hospital e atão como é que falou com ele? E atão diz que tá tudo bem, que não querem nada de chatices. E coiso. Deixa ver. Foi aquilo que eu frisei foi. É pá prontos é assim. Desde que digam. Tenham a certeza que não fui eu, pra mim é o suficiente. E atão ele vai vez se eles saiem agora do hospital, mas falou-me.., tavam muito piores do que aquilo qu’eu pensava. Dai também, se calhar, que deduzi que afinal viu., diz que este mais novo tem uma mossa na testa, parece que lhe meteram a testa pra dentro.. E que a facada apanha quase o olho, vem até à boca... Fala ali em coisas assim. Portanto, se calhar, eu também não tinha era pensado bem, se calhar até o viram sim, como é que ele fala assim tão bem?

Voz feminina: hum, hum...

A... :...prontos, agora foi aquilo de que... Ele diz é que tás mirrado.. Ligas-me que eu apareço logo e coiso... Entretanto deixa tar qu’eu... Ah, porque eles, eles dizem que tavam muito bêbedos que não se lembram bem, bem e ele... ‘ooís, pois é que vocês bateram no

  A... primeiro pá’.. Pois batemos, pois batemos”... Portanto eles pensam que bateram em mim primeiro e depois eu é que fui para me defender.

Voz feminina: hum, hum...

A... : e então aí tá um sentido de culpa, sabes?

 voz feminina: claro.

A... : pronto.

Voz feminina: mas com eles é isso que você tem que falar.

A... : com eles, com eles...

Voz feminina: com eles.

A... :...com... No papel não.

Voz feminina: claro, no papel nada, você nem tava lá, nem viu nada.

A... : exactamente

Voz feminina: você não viu nada, vai falar o quê?

A... : claro...

No dia 15 pelas 18horas (altura em que os ofendidos já teriam saído do hospital) conclui-se pela intersecção da comunicação que o arguido tentou arranjar forma de pressionar os dois ofendidos antes de prestarem declarações. “ e depois há um amigo meu que vai falar com eles para saber como é que é, se eles vão seguir se não vão seguir, saber como é que um gajo há-de fazer.

Dia 15-03-2011 pelas 18h32m

A... (suspeito): tou, filho.

Individuo voz masculina (domingos): então rapaz como é que tá isso?,

A... : atão...cá’stamos.

Voz masculina: e tá tudo bem ou tudo mal?

A... : õ pá, olha não sei, as pessoas acho que saiem hoje do hospital, duas deles o

Pai e filho, saiem hoje do hospital.

Voz masculina: hum.

A... : e depois há um amigo meu que vai falar com eles para saber como é que é, se eles vão seguir se não vão seguir, saber como é que um gajo há e fazer.

...

A... : tento fazer a minha vida normal mas... Sabes como é. Pode ser temporário,

Pode ser temporário, pode um gajo tar a comer num lado sossegado e depois aparecem e,,.

Voz masculina: é isso é, porra.

A... : deixa ver, viste no jornal não?

O que efectivamente conseguiu conforme intersecção registada do dia 16 pelas 23horas “e penso que. É assim, penso não. Pelo menos o que eles nos disseram que tinham dito, tinha sido aquilo que a gente falámos contigo.”

Assim se compreendendo, eventualmente, o não reconhecimento ora referido pelo recorrente e constante de fols 187.

 Curiosamente o reconhecimento feito do arguido em fase e que consta de fols 188 é feito pela testemunha E... , testemunha esta que, como intersecção dessa mesma noite se pode constatar não ter sido “contactada” agora faltou a, a...o outro não saiu de casa ainda, não dá para desviá-lo porque o outro vive no meio da família toda, e não dá para ir com esse tema de conversa lá para o pé deles todos, e atão não saiu ainda tá à espera que saia, mas agora com o pai e filho vão ver se o conseguem.. A, a... Trazer para um lado qualquer. Entretanto também é preciso falar é com esse P... ...

... Prontos, tem que falar com ele também porque ele é que prestou declarações como testemunha ocular...,

Dia 16-03-2011 pelas 23h10m

Individuo voz feminina (esposa do I... ): tou,

A... (suspeito): tou, tou.

Voz feminina: atão?

A... : ora viva, atão há notícias para aí, não?.

Voz feminina: as notícias é. Eles já foram lá chamados hoje..

A... : ai sim.

Voz feminina: e penso que. É assim, penso não. Pelo menos o que eles nos

Disseram que tinham dito, tinha sido aquilo que a gente falámos contigo.

A... : ahh,

Dia 17-03-2011 pelas 00h44m

...

Voz feminina: fostes falar com alguém?

A... : sim, portanto, lá do outro vai trabalhar melhor o assunto porque ele não sabia do que é que eu precisava, vai trabalhar melhor o assunto, diz que no domingo vem cá a casa para ver uns ténis, percebes?

Voz feminina: hum, hum...

A... : prontos... Entretanto, o I... diz que pai e filho (referência às vítimas D... e C... ) foi hoje à polícia. Os de Leiria vieram aqui à PSP de torres novas para falarem... E atão diz que afinal que não foi aquele, não, não, não, não e não. Agora faltou a, a...o outro não saiu de casa ainda, não dá para desviá-lo porque o outro vive no meio da família toda, e não dá para ir com esse tema de conversa lá para 6 pé deles todos, e atão não saiu ainda tá à espera que saia, mas agora com o pai e filho vão ver se o conseguem.. A, a... Trazer para um lado qualquer. Entretanto também é preciso falar é com esse P... (alcunha da testemunha ocular dos factos E... ), ou P... , ou quê.

Voz feminina: P... , P... , P... .

A... : P... ?

Voz feminina: sim.

A... : prontos, tem que falar com ele também porque ele é que prestou declarações como testemunha ocular...,

Voz feminina: pois foi.

Perante tanta preocupação, auto - incriminação, estratégias, pressões etc..etc... é manifesta a conclusão de que foi o arguido o autor dos factos constantes da acusação conforme lhe foi imputado.

Em conclusão, é claramente perceptível que o tribunal a quo, num juízo crítico de (livre) apreciação da prova produzida, apurou os factos e formulou a sua convicção alicerçando-se na apreciação crítica e articulada de toda a prova produzida em julgamento, à luz das elementares regras da experiência e do senso comum, tendo-se procedido a uma cuidada análise dos depoimentos prestados em conjugação com a prova documental junta aos autos não nos merecendo qualquer censura o decidido mantendo-se assim os factos provados inalterados.

Quanto à reincidência:

Refere o recorrente que o facto de se apelar à certidão referida nos autos não permite a conclusão constante do ponto11 de que “Todavia, estas condenações, revelaram-se insuficientes, para prevenir que o arguido praticasse novos crimes, revelando uma personalidade propensa à delinquência, à reiteração criminosa, só contrariada durante o tempo em que esteve na prisão”.

Ora consta dos autos que:).- O arguido A... , já foi condenado, no âmbito de outros processos a saber:

a) no âmbito do Processo de querela nº 412/85 do Tribunal de Comarca do Barreiro, por sentença transitada em julgado, como autor material de um crime de furto qualificado p. e p. no art. 296 e 297, n.º 1 e 2 al. c), d) e h) do Código Penal, em 8 meses de prisão, praticado em 12-06-1984;

b) no âmbito do Processo Comum colectivo nº 133/94 do 2º Juízo, Tribunal de Círculo de Portimão, por acórdão transitado em julgado, como autor material de um crime de lenocínio, p. p. pelo art. 215.º n.º 1 al. a) e b), 216.º al. a) a c) do Código Penal, na pena de 10 anos e seis meses e trezentos dias de multa, praticado em 1992, tendo sido concedida a liberdade definitiva em 09-06-2001;

c) no âmbito do Processo Comum Singular nº 201/04.2TAENT, do Tribunal Judicial do Entroncamento, por sentença transitada em julgado no dia 22.10.2005, como autor material de um crime de furto simples p. p. pelo art. 203º, do Código Penal, na pena de 100 dias de multa, praticado em 12-02-2004;

d) no âmbito do Proc. Comum colectivo nº 51/04.6GFSTB, da Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Setúbal, por acórdão transitado em julgado no dia 16-10-2006, como autor material de um crime de homicídio simples, p. e p. pelo art.º 131.º do Código Penal, praticado em 20-01-2004, na pena de 3 anos e sete meses de prisão, que cumpriu, terminando o cumprimento a 6-06-2008;

e) no âmbito do Processo Comum Singular nº 400/06.2PATNV, do Tribunal Judicial de Alcanena, por sentença transitada em julgado no dia 09-03-2009, como autor material de um crime de detenção ilegal de arma p. p. pelo art.º 6.º da Lei n.º 22/97 de 27 de Junho, na pena de 9 meses de prisão suspensa, praticado em 10-10-2006;

 Ou seja, desde 1985 até à presente data o arguido tem vindo a cometer crimes dolosos, tem vindo a ser condenado em pena efectivas de prisão, pela prática de crimes variados, homicídio, lenocínio, detenção ilegal de arma, furtos, declarou ainda ter 9 processos pendentes –embora como é obvio aqui há que salvaguardar sempre o princípio da presunção da inocência, tais comportamentos denotam claramente uma propensão para a prática de crimes ao longo de vários anos, de forma reiterado e variada, traduzindo uma personalidade desajustada, sem vontade de integração ou ressocialização.

 Em suma não assiste qualquer razão ao recorrente.

Quanto à integração da lesão do arguido no conceito de lesão grave:

Concluiu o tribunal que “O ferimento na cara do ofendido B... desfigura-o grave e permanentemente”. Fundamentando tal conclusão “pelos esclarecimentos que em audiência prestou o Sr. Dr. H... , perito médico disse que os ferimentos de que os três ofendidos foram vítimas não lhes provocaram perigo para a vida, mas acrescentou que o ferimento na cara do ofendido B... pode manter-se para sempre;”

Estatui o art. 144.º, alínea a) do Código Penal o seguinte:
«
Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa de forma a:
a) Privá-lo de importante órgão ou membro, ou a desfigurá-lo grave e permanentemente; (…) é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos
.».

A desfiguração significa deformação da figura, degradação da aparência. A gravidade da desfiguração afere-se comparando a aparência da vítima antes e depois da prática do facto. Ela será grave se dessa comparação resultar uma lesão intensa da integridade física. Para além de grave, a desfiguração, para integrar o tipo da alínea a), do art.144.º, do Código Penal, tem de ser permanente, isto é, duradoura, de duração imprevisível, à data da sentença judicial.

O elemento subjectivo é constituído pelo dolo em qualquer uma das suas modalidades. O dolo no crime de ofensa à integridade física grave tem de abranger não só o tipo fundamental ( art.143.º, n.º1 do Código Penal), como as consequências que o qualificam. Dito de outro modo, o dolo no crime de ofensa à integridade física grave tem de abranger o resultado grave, pelo que no caso da alínea a), que está em causa nestes autos, tem de abranger a desfiguração grave e permanentemente da vítima, pelo menos a título de dolo eventual. – cfr. os Prof.s Augusto Silva Dias, in “ Crimes contra a vida e a integridade física”, edição da AAFDL, ano 2007, páginas 101 a 107 e Paula Ribeiro de Faria, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo I, Coimbra Editora, pág.223 a 234.

Nos autos:

Objectivamente o lesado ficou como sequela permanente com uma cicatriz de cerca de 13 cm de comprimento, na face esquerda. Vide fotografias de os 41 e exame médico de fols. 579 a 585

O exame de fols 585 ao referir que do evento não resultam consequências permanentes refere-se a nível funcional ou laboral (em termos de incapacidade de trabalho, não constando a valoração nem do dano estético nem até do quanto doloris).

Assim, e desde logo. a questão que inicialmente se coloca é a de saber se este juízo também constitui, relativamente à desfiguração grave e permanente, um juízo científico que se presume subtraído à competência técnica do tribunal, nos termos previstos no artigo 163º, nº 1, do Código de Processo Penal.

Em nosso entender, a conclusão da existência ou não de uma desfiguração grave e permanente não exige conhecimentos científicos, estando ao alcance de qualquer pessoa a formulação do juízo quanto à existência de uma desfiguração grave. Onde se admite poder existir a interferência de algum conhecimento científico é na questão do carácter permanente de algumas desfigurações.

Na verdade, como vem sido entendido, desfiguração grave e permanente é a alteração do aspecto de figura, do ofendido (desde logo o rosto e o corpo no seu conjunto - ver o Código Penal de 1982, de Leal Henrique e Simas Santos, volume 2, página 102).É uma alteração no plano estético, que se identifica, no fundo, e como se exprime o Professor Pinto da Costa, com aquela deformidade que se traduz na «alteração da forma que afere e deturpa o indivíduo no complexo do seu organismo», que se identifica, em suma, com a antiga deformidade notável (referida no artigo 360, n. 3, do Código Penal de 1886).A tal respeito, e porque em tal diploma se falava também em deformidade pouco notável (artigo 360 n. 2), comenta Maia Gonçalves no seu Código Penal Português - 5 edição, a página 574: "Outro aspecto onde fica larga margem para o critério do julgador é a classificação da deformidade como pouco notável ou como notável, para enquadramento nos n. 2 e 3 do artigo 360. A lei não definiu nem desenhou qualquer orientação. Assim, o julgador deve atender ao sentido corrente do termo, ou seja à susceptibilidade para que a lesão seja notada, ponderando a extensão, a localização no corpo da pessoa ofendida, a cor da pele, e outros elementos, para o efeito relevantes".

Ou seja, em última análise, tal conceito tem que ser preenchido casuisticamente pelo julgador de acordo com as circunstâncias concretas (ex: zona atingida, idade da vítima, profissão, extensão das sequelas etc.)

 vd. Ac. R de Lisboa de 31.10.1990, disponível em dgsi.pt” II - A desfiguração corresponde ao velho conceito de deformidade, que a doutrina e a jurisprudência tradicionais, caracterizavam como uma alteração estética aparente com carácter de permanência e sem prejuízo funcional, sendo a deformidade notável agora designada por desfiguração grave.”

 Ac. STJ de 17.11.1993, disponível em dgsi.pt” II - Dado que a lei não define o que entende por desfiguração grave e permanente de que fala aquele artigo, deve o julgador atender ao sentido corrente do termo, ou seja, à susceptibilidade para que a lesão seja notada, ponderando a extensão, a localização no corpo da pessoa ofendida.

Ora no caso concreto dos autos, a aludida cicatriz na face  “nacarada, curvilínea,. ..de concavidade superior na região malar esquerda, estendendo-se desde a região temporal esquerda, para baixo e em direcção ao nariz, terminando na asa esquerda deste e medindo cerca de 13 cm de comprimento” (exame pericial de fols 63 conjugada com fotografia de fols 41) dada a sua extensão , configuração e zona atingida - a face esquerda do ofendido saído próximo do lábio superior e flectindo até junto do olho, ou seja, no rosto, perfeitamente notada e visível - desfigura o rosto do ofendido - tem com carácter definitivo e permanente dada a sua natureza – cicatriz - e, por isso, integra, em nosso entender, o conceito de desfiguração grave e permanente.

Na verdade sendo a desfiguração grave e permanente a alteração do aspecto, da figura, do ofendido, aquela cicatriz constitui um dano estético, que interessa particularmente à sua figura humana - na expressão mais característica que é o rosto. Aliás note-se que, em regra, subjacente a estas situações está o propósito deliberado de marcar o ofendido.

Daí termos por correcto concluir assim, que, nesta parte, a factualidade prevista na alínea a) do artigo 144º do Código Penal, se deva haver por preenchida, improcedendo também o recurso.

Em suma o acórdão recorrido fez uma correcta aplicação do direito quer no que concerne à qualificação jurídica dos factos quer quanto à aplicação da reincidência -  tendo as penas sido correcta e fundadamente aplicadas –sendo assim totalmente improcedente o recurso.

III – Dispositivo:
Em face do exposto, acordam na 5.ª Secção deste Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso, mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida.

Custas pelo arguido, com 5 UC´s de taxa de justiça [artigos 513.º, n.º 1 e 514.º, n.º 1, ambos do CPP; artigo 8.º, n.º 5, e tabela anexa, do Regulamento das Custas Processuais (DL n.º 34/2008, de 26-02)].


 (Fernanda Ventura - Relatora)
 (Luís Coimbra)

                [1] Acórdãos da Relação de Évora de 9 de Dezembro de 1987, CJ, XII, t.5, p. 287; da Relação de Coimbra de 6 de Outubro de 1988, BMJ, 350, 549 e de 5 de Abril de 1989, BMJ, 386, 519; da Relação de Lisboa de 26 de Junho de 1990, CJ, XV, t.3, 171; Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Novembro de 1991, nos termos do qual “a agressão voluntária e consciente, cometida à bofetada, sobre uma pessoa, ainda que esta não sofra, por via disso, de lesão, dor ou incapacidade para o trabalho, DR, I Série - A, de 8 de Fevereiro de 1992).

[2] (cfr. PAULA RIBEIRO DE FARIA, op. cit., p. 205 e sgts.; PINTO DA COSTA, cit. por LEAL-HENRIQUES, SIMAS SANTOS, “Código Penal Anotado”, Lisboa, 2000, p. 225).

[3] (cfr., PAULA RIBEIRO DE FARIA, ob. cit., p. 210; vd., também, M. MAIA GONÇALVES, anotação ao artigo 143o e jurisprudência aí reunida, in "Código Penal Português – anotado e comentado", 1996, p. 501 e sgts.).

[4] Leal Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, vol II pág 244.
[5] Comentário Conimbricense do Cod Penal T 1 pág 226.