Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
562/09.7TTTMR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: RUÍDO
SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO
AVALIAÇÃO
RISCO ESPECÍFICO
Data do Acordão: 09/30/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE TOMAR
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 4º, Nº 1, 5º, NºS 1 E 4, E 16º, Nº 1, DO DL Nº 182/2006, DE 06/09; 272, 273º E 620º, Nº 4, AL. E), DO CÓDIGO DO TRABALHO DE 2003.
Sumário: I – O Dec. Lei nº 182/2006, de 6/09 (que transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva nº 2003/10/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6/02, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde em matéria de exposição dos trabalhadores aos riscos devidos aos agentes físicos-ruído), estabelece as regras de segurança e de saúde dos trabalhadores expostos ao ruído, mediante avaliação dos riscos, adopção de medidas de prevenção e controlo, informação e formação dos trabalhadores, fixação do valor limite da exposição e condutas a adoptar.

II – A avaliação em causa tem como objectivo a protecção da saúde dos trabalhadores, como resulta do enquadramento do referido diploma, ou seja, a avaliação do ruído não é sobre qualquer ruído, mas sobre aquele que seja susceptível de oferecer perigo para a saúde.

III – A avaliação do risco de exposição ao ruído deve ser entendida como expressão do dever do empregador de identificar os riscos previsíveis para a saúde dos trabalhadores, consignado nos artºs 272º, nºs 2 e 3, al. c), e 273º, nº 2, al. a), do Código de Trabalho de 2003.

IV – A avaliação dos níveis de exposição ao ruído só é obrigatória quando o empregador desenvolva actividade da qual advenham riscos para a saúde dos trabalhadores decorrentes da exposição ao ruído.

V – O facto de, no ambiente de trabalho, existir “algum ruído”, ruídos de sinais sonoros ou “picos de ruído” não permite, por si só, a conclusão de que a exposição a tais “ruídos” é susceptível de comportar perigos para a saúde dos trabalhadores.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Nos presentes autos de recurso de contra-ordenação foi a arguida, agora recorrente, condenada – pela Autoridade para Condições do Trabalho - na coima de € 9.000,00, por infracção ao disposto no n.º 1 do art. 4.º conjugado com o n.º 1 e 4 do art. 5.º ambos do DL n.º 182/2006, de 06 de Setembro, tipificada como muito grave pelo n.º 1 do art. 16.º do DL n.º 182/2006, de 06 de Setembro, punida nos termos do disposto pela alínea e) do n.º 4 do art. 620.º do Código do Trabalho.
Inconformada com tal condenação, a arguida dela interpôs recurso para o Tribunal do Trabalho de Tomar, o qual veio a ser improcedente.
É desta decisão que a arguida agora interpõe recurso para esta Relação, formulando na respectiva motivação as seguintes conclusões:
[…]

Recebido o recurso, pronunciou-se o Exmº Procurador-Geral Adjunto, nesta instância, no sentido que o recurso não merece provimento.

A este parecer respondeu a recorrente, mantendo, no essencial, o seu ponto de vista recursório.

Corridos os vistos cumpre decidir.


*

II- É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação, sem prejuízo do conhecimento oficioso das questões que a lei imponha.
Decorre do exposto que, em face das conclusões do recurso, as questões que importa dilucidar e resolver se podem equacionar da seguinte forma:

a) Se ocorre vício da sentença pelos seguintes motivos: contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (vício indicado no art.º 410.º n. 2 do C. P. Penal;

b) Se a conduta da arguida/recorrente pode ou não integrar a prática da contra-ordenação pela qual foi condenada, quer pelo lado dos seus pressupostos típicos, quer pelo lado dos seus pressupostos culposos.

Importa descrever, antes de mais, os factos considerados como assentes na sentença recorrida. São os seguintes:

[…]

Vejamos:

1. Quanto ao invocado vício da sentença:

[]

2- Para simplificar a exposição que segue, diremos já que se nos afigura que a recorrente tem inteira razão no que toca ao fundo da causa.

A contra-ordenação acusada pressupõe a violação do artigo 5.º n.ºs 1 e 4 do DL n.º 182/2006, de 6 de Setembro (que transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2003/10/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Fevereiro, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde em matéria de exposição dos trabalhadores aos riscos devidos aos agentes físicos-ruído), estabelecendo esse diploma as regras de segurança e de saúde dos trabalhadores expostos ao ruído, mediante avaliação dos riscos, adopção de medidas de prevenção e controlo, informação e formação dos trabalhadores, fixação do valor limite da exposição e condutas a adoptar.

Dispõem esses normativos o seguinte:

1- Nas actividades susceptíveis de apresentar riscos de exposição ao ruído, o empregador procede à avaliação de riscos, tendo, nomeadamente, em conta os seguintes aspectos: a) O nível, a natureza e a duração da exposição, incluindo a exposição ao ruído impulsivo; b) Os valores limite de exposição e os valores de acção indicados no artigo 3.º; c) Os efeitos eventuais sobre a segurança e a saúde dos trabalhadores particularmente sensíveis aos riscos a que estão expostos; d) Os efeitos indirectos sobre a segurança dos trabalhadores resultantes de interacções entre o ruído e as substâncias ototóxicas presentes no local de trabalho e entre o ruído e as vibrações; e) Os efeitos indirectos entre a segurança e a saúde dos trabalhadores resultantes de interacções entre o ruído e os sinais sonoros necessários à redução do risco de acidentes, nomeadamente os sinais de alarme; f) As informações prestadas pelo fabricante do equipamento de trabalho, de acordo com a legislação específica sobre a concepção, o fabrico e a comercialização do mesmo; g) A existência de equipamentos de substituição concebidos para reduzir os níveis de emissões sonoras; h) O prolongamento da exposição durante a realização de períodos de trabalho superiores ao limite máximo do período normal de trabalho; i) A informação adequada resultante da vigilância da saúde, bem como informação publicada sobre os efeitos do ruído na saúde; j) Disponibilidade de protectores auditivos com as características de atenuação adequada.

(…)

4- A avaliação de riscos deve ser registada em suporte de papel ou digital.

A avaliação em causa tem como objectivo a protecção da saúde dos trabalhadores, como resulta do enquadramento de todo aquele diploma. Ou seja, a avaliação do ruído não é sobre qualquer ruído, mas sobre aquele que seja susceptível de oferecer perigo para a saúde.

A obrigação de avaliação do risco, resulta, não do art.º 5º na parte reproduzida, mas do art. 4.º n.º 1 do DL em questão que estabelece o seguinte: “nas actividades susceptíveis de apresentar riscos de exposição ao ruído, o empregador deve avaliar e, se necessário, medir os níveis de ruído a que os trabalhadores se encontram expostos”. Na verdade, o n.º 1 do art.º 5.º apenas acrescenta os “aspectos” que a avaliação deve ter em conta.

Ou seja, a nosso ver, a avaliação do risco de exposição ao ruído deve ser entendida como expressão do dever do empregador de identificar os riscos previsíveis para a saúde dos trabalhadores, consignado no art.º 272.º n.ºs 2 e 3, al. c) e 273.º n.º 2 al. a) do Código do Trabalho de 2003.

Para tanto, dispõe o art.º 240.º n.º 2 al. b) do Regulamento desse CT (Lei n.º 35/2004, de 29/6) que os serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho do empregador devem realizar a identificação e avaliação dos riscos para a segurança e saúde no local do trabalho.

Essa obrigação, no caso de actividades susceptíveis de apresentar riscos de exposição ao ruído, deve integrar a avaliação de ruído tendo em conta a “carta” de aspectos contida no n.º 1 do art.º 5º acima reproduzido.

Ou seja, a avaliação dos níveis de exposição ao ruído só é obrigatória quando o empregador desenvolva actividade da qual advenham riscos para a saúde dos trabalhadores decorrentes da exposição ao ruído.

Na verdade, o DL182/2006 não contém a definição expressa do que sejam actividades susceptíveis de apresentar riscos de exposição ao ruído. Daí que essas actividades sejam aquelas que forem susceptíveis de atingir valor limite de exposição e os valores de acção de exposição superior e inferior estabelecidos por aquele diploma e, assim, possam impor o conjunto de medidas a aplicar sempre que sejam atingidos ou ultrapassados esses valores.

Aqui chegados, observamos da matéria provada que os “serviços” que asseguravam a avaliação dos riscos da recorrida, no relatório respectivo, não assinalaram como risco para a saúde dos trabalhadores o risco de exposição ao ruído, como se pode observa do doc. junto a fls 11 e segs. (v. pontos de facto 4. e 5.).

Mais, vieram os mesmos serviços a esclarecer que, de acordo com a sua avaliação, a empresa da arguida “dada a actividade, não é susceptível de apresentar riscos de exposição ao ruído” (ponto de facto 8.).

A avaliação e identificação de riscos, como é natural, exige a indicação dos riscos encontrados, mas não exige a actividade de descrição dos riscos inexistentes.

Deste modo, se técnicos credenciados não encontraram a susceptibilidade de riscos de exposição ao ruído, não é possível concluir daí que ocorreu a contra-ordenação assinalada, pela omissão da avaliação dos níveis de ruído de acordo com a carta de “aspectos” indicada no art.º 5.º do DL assinalado.

A sua verificação poderia, todavia, vir a ter lugar, caso se fosse possível concluir que, de facto, havia aquela susceptibilidade, ocorrendo aí uma omissão negligente dos serviços do empregador.

Todavia, essa prova competia à acusação.

Ora, o que resultou provado da matéria descrita na decisão administrativa condenatória (e que vale como acusação) é apenas que os trabalhadores usam quatro pontes rolantes que deslocam por carris de ferro e que emitem algum ruído e, para além do ruído produzido no seu movimento, cada uma dispõe ainda de um sinal sonoro de aviso de perigo que, também emite ruídos, sendo que as pontes rolantes transportam lingadas de ferro ou tubos que, ao serem acondicionadas em armazém ou, nos transportes, também emitem picos de ruído (pontos de facto 10. e 11.).

E dizemos apenas, porque o facto de, no ambiente de trabalho, existir “algum ruído”, ruídos de sinais sonoros ou “picos de ruído”, não permite, por si, a conclusão de que a exposição a tais “ruídos” é susceptível de comportar perigos para a saúde dos trabalhadores.

Sucede, ainda, que tendo sido efectivamente avaliado, com meios técnicos, o ruído da actividade se concluiu que os valores apresentados não eram susceptíveis de constituírem risco para a saúde dos trabalhadores com a exposição ao ruído (factos 14. e 15.).

Assim sendo, temos que os factos assentes não só não nos permitem concluir que havia actividade susceptível de apresentar riscos de exposição ao ruído, como se provou que não a havia.

Entendemos, pois, que não se demonstra que a arguida/recorrente tenha cometido a contra-ordenação pela qual foi condenada na 1ª instância, na confirmação da decisão administrativa.

Por isso, deve a arguida ser absolvida.

Procederá, nestes termos, o recurso.

III- DECISÃO

Termos em que se delibera conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e absolvendo a arguida da acusação pela prática da contra-ordenação p. pelo disposto no n.º 1 do art. 4.º conjugado com o n.º 1 e 4 do art. 5.º e n.º 1 do art. 16.º do DL n.º 182/2006, de 06 de Setembro.

Sem custas ou taxa de justiça.


Azevedo Mendes (Relator)
Felizardo Paiva