Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1717/20.9T8ACB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: LIVRANÇA
MÚTUO
JUROS
PRESTAÇÕES
PRESCRIÇÃO
RELAÇÕES IMEDIATAS
RELAÇÕES MEDIATAS
RELAÇÃO CAMBIÁRIA
RELAÇÃO CAUSAL
Data do Acordão: 01/25/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO COMÉRCIO DE ALCOBAÇA DO TRIBUNAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 17.º E 77.º DA LEI UNIFORME DAS LETRAS E LIVRANÇAS
ARTIGO 310.º, ALÍNEAS D) E E) DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I) Estando subjacente à emissão da livrança um crédito emergente de contrato de mútuo bancário em que se estabelecia o pagamento do montante financiado em prestações mensais que incluíam juros remuneratórios e amortização do capital, essas obrigações estão sujeitas ao prazo prescricional de 5 anos.

II Nas relações imediatas, tudo se passa como se a obrigação cambiária deixasse de ser literal e abstracta, ficando sujeita às excepções que nessas relações pessoais se fundamentem.

III) Tendo a livrança exequenda sido entregue em branco com o propósito de servir de garantia do cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contrato de mútuo, a prescrição da obrigação causal determina, no domínio das relações imediatas, a necessária extinção da obrigação cartular.

Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

1.Relatório

A. veio, por apenso à execução para pagamento de quantia certa que lhe move Banco B., S.A., deduzir a presente oposição à execução mediante embargos.

Alega, que a livrança em causa nos autos titularia um crédito bancário pessoal, já prescrito, caso em que sempre se verificaria igualmente a prescrição da livrança junta aos autos de execução, tudo nos termos que melhor constam no respectivo articulado e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

A exequente, notificada, apresentou contestação, onde alegou, em apertada síntese e na parte ora relevante, que não se verifica a prescrição, pois esta inicia-se quando o direito estiver em condições (objectivas) de o titular poder exercê-lo, desde que seja possível exigir do devedor o cumprimento da obrigação, que, in casu, apenas se verificou após o termo do contrato, ou seja, após o incumprimento do contrato de crédito, aos 20/12/2013, concluindo pela improcedência da oposição, tudo nos termos que melhor constam no respectivo articulado e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

A questão a apreciar nos presentes autos prende-se com a viabilidade da pretensão formulada pelo executado/opoente, considerando a factualidade alegada e os efeitos jurídicos pretendidos, no contexto acima exposto quanto à posição das partes (objecto do litígio) e face ao título dado à execução.

O Juízo de Execução de Alcobaça julga os embargos procedentes, e, consequentemente, decide:

“(…) Consequentemente, por verificada a prescrição, considera-se que a presente oposição à execução mediante embargos deverá proceder desde já, ficando prejudicada a apreciação de outras questões.

A taxa de justiça inicial encontra-se liquidada. As custas de parte serão a suportar pelo exequente, por vencido (art. 527.º do CPC).

“Face ao exposto, por verificada a prescrição, com os fundamentos acima postos e nessa exacta medida, julga-se procedente a presente oposição e, em consequência, declara-se extinta a execução.

Custas a cargo do exequente nos termos acima averbados.

Registe e notifique.

Após trânsito, com essa menção, comunique ao AE.

DN”.

O exequente/embargado B. , S.A, não se conformando com a decisão interpõem o seu recurso, assim concluindo:

(…)

2. Do objecto do recurso

i.A 1.ª instância fixou correctamente a matéria de facto?

ii.Estando subjacente à emissão da livrança um direito de crédito emergente de contrato de mútuo bancário, em que se estabelecia o pagamento do montante financiado em prestações mensais que incluíam juros remuneratórios e amortização do capital, essas obrigações estão sujeitas ao prazo prescricional de 5 anos, por força do Art. 310.º al.s d) e e) do Código Civil?

iii.Tendo a livrança dada à execução sido entregue em branco, com autorização de preenchimento, com o propósito de servir de garantia do cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contrato de mútuo, no domínio das relações imediatas, a prescrição da obrigação causal determina a necessária extinção da obrigação cartular?
Quanto à fixação da matéria de facto;

Alega o apelante:

“Para cobrança do crédito mutuado, o Recorrente interpelou o Recorrido aos 04/04/2012, 12/06/2012, 10/08/2012, 09/09/2012 e ainda aos 20/08/2020missivas que, não tendo sido impugnadas pelo Recorrido, cumpre, pois darem-se por provadas, nos termos dos art.sº 574º, n.º 2 do CPC, 374º e 376º do CC e 607º, n.º 5 do CPC, aditando-se o seguinte facto 6 aos factos provados:

- O Exequente interpelou o Executado aos 04/04/2012, 12/06/2012, 10/08/2012, 09/09/2012 e ainda aos 20/08/2020 exigindo, pois, o pagamento da totalidade do valor do contrato.

E adicionalmente o Recorrido reconhece que, do extracto datado de 26/11/2020 enviado pelo Recorrente, resulta em dívida, por conta do contrato em questão – contrato n.º 0239004023 -, o valor capital de €6.830,23.

Com efeito, o Recorrido reconhece-se devedor, no artigo 24.º dos Embargos. Vide extracto de 24/09/2020 junto como doc. 2 à petição de Embargos – cumprindo, pois, aditar um facto 7 aos factos provados, nos termos dos invocados arts.º 574º, n.º 2 do CPC, 374º e 376º do CC e 607º, n.º 5 do CPC:

- O Executado reconhece-se devedor da dívida de capital”.

Compulsados os autos afigurasse-nos que o apelante tem razão (embora a 1.ª instância, aquando da sua decisão, invoque estes mesmos factos, não os considerou como provados porque, “porquanto não foi apresentada documentação a esse respeito (A/R), sem prejuízo de outra eventual prova a esse respeito, se fosse caso disso, mas sendo inútil a sua junção, no entendimento que se perfilha e que abaixo consta explanado”) no tocante ao envio das várias missivas.

Já quanto ao valor da dívida do capital, decorre dos artigos 23.- E das consultas que fez, encontrou um extrato de 21/11/2006 de onde constavam dois créditos, apresentando nessa data um saldo de 17.893,94€ um crédito, e outro de 19.813,42€; 24. E datado de 24/10/2020, o extrato onde se refere que o saldo do primeiro acima referido apresentava um saldo de 0€ e o segundo um saldo de 6.830,23€ e 25. - Ou seja, o próprio banco emitiu o primeiro documento e o B. emitiu o segundo documento, confirmam que nem o eventual crédito corresponde ao que consta no titulo executivo., do requerimento de embargos, que o embargante não reconhecendo a dívida e o valor da mesma, impugna-os.

Assim, acrescem aos factos já provados – sendo que a palavra “interpelou” é conclusiva, não pode ser levada aos factos provados -, este outro (Pontos  5.º ) - arts.º 574º, n.º 2 do CPC, 374º e 376º do CC e 607º, n.º 5 do CPC:

1.º Nos autos de execução apensos foi apresentado um documento onde se inscreve a expressão “No seu vencimento pagarei(emos) por esta única via de livrança…”, a “importância” de 15.124,38 €, com data de “emissão” a 26/10/2006 e data de “vencimento” a 11/09/2020, e assinada pelo executado/opoente no campo “subscritor(es)”.

2.º O documento referido em 1.º foi subscrito e entregue em branco no âmbito do documento denominado “crédito ao consumo BB. ”, com o n.º 0239004023, datado de 26/10/2006, que se encontra anexo à contestação e aqui se dá por integralmente reproduzido, assinado pelo ora executado/opoente, mediante o qual, entre o mais, o então “ BB. ” concedeu um “financiamento” de 19.813,42 €, o qual foi depositado na conta titulada pelo executado (DO n.º 00188796630), a reembolsar em 84 prestações mensais sucessivas de capital e juros, nos termos e condições ali constantes.

3.º Consta no documento “crédito ao consumo BB. ” referido em 2.º, entre o mais, o seguinte:

4.º O exequente sucedeu ao “ BB. ” no âmbito dos documentos referidos em 1.º e 2.º. 5.º O requerimento executivo tem data de 15/09/2020 e o executado/opoente foi citado em 23/11/2020, data da assinatura do A/R.

5.º O Exequente enviou ao Executado missivas com as datas de 04/04/2012, 12/06/2012, 10/08/2012, 09/09/2012 e ainda aos 20/08/2020 exigindo o pagamento da totalidade do valor do contrato.

Na carta datada de 20/08/2020, o Embargado comunicou ao Embargante que i) o contrato do qual era titular se encontrava já em fase de contencioso e de que havia sido denunciado ii) exigiu o pagamento da totalidade do valor contrato, incluindo o montante dos valores em atraso e o montante do capital em dívida até ao final do prazo do contrato, acrescido das despesas extrajudiciais incorridas;

iii) informou do preenchimento da Livrança, ao abrigo do clausulado contratado, pelo montante de € 15.124,38 respeitante às seguintes parcelas:

Capital………………………………………………………………………………...…€ 6.830,83

Juros ……………………………………………………….………………………….. € 7.883,22.

Avançando.

 Nos casos em que num contrato de mútuo ficou acordado que o pagamento do capital mutuado e dos juros remuneratórios respetivos será efetuado ao longo de um determinado período de tempo, em prestações de valor pré-determinado, compostas por capital e juros, com prazos de vencimento autónomos, ocorrendo uma antecipação do vencimento de todas as demais prestações por força do incumprimento do referido plano - artigo 871.º do Código Civil -, aquelas só se tornem exigíveis com a interpelação do devedor, sendo essa interpelação que define o momento do cumprimento pelo devedor, bem como o início do prazo de prescrição.

O vencimento imediato das prestações previsto na citada norma, exige que o credor interpele o devedor nesse sentido, declarando-lhe que considera vencidas todas as prestações em dívida. Deve fazê-lo de forma inequívoca e que não suscite dúvidas.

Como escreve a 1.ª instância:

“Por outro lado, quanto à resolução do contrato, dir-se-á que também se afigura caber ao credor o ónus de alegação (e prova) – facto essencial (art. 5.º, n.º 1, do CPC) – de ter procedido à comunicação ao devedor da declaração resolutiva, por estar em causa um facto constitutivo, não bastando a situação de incumprimento, pelo que o resultado final não será divergente.

Vertendo novamente ao caso concreto, entende-se que, em rigor, o exequente não chegou a invocar expressamente um vencimento antecipado das prestações (ou a resolução do “contrato”), sendo certo que se entende que “a mera junção de documentos não supre a falta de alegação, pois os documentos são meios de prova que deverão acompanhar o articulado onde é feita a alegação dos factos”, “uma coisa é o ónus de alegação, outra coisa é o ónus da prova, que apenas pode funcionar se a parte deu cumprimento oportuno ao ónus de alegação que lhe competia-artigo 342º, nº1, do Código Civil” (Ac. da RL de 19/01/2021, disponível em www.dgsi.pt – ainda que, com o devido respeito, não se acompanhe inteiramente o entendimento exposto neste Acórdão a respeito da prescrição).

Com o devido respeito, a alegação produzida é apenas que “o Banco Embargado enviou, em 24/04/2012, 12/06/2012, 10/08/2012 e 09/09/2012 cartas ao Embargante, a interpelar para regularização das referidas responsabilidades” (artigo 31.º da contestação – afigura-se que “regularização” não significa vencimento antecipado e/ou resolução), sendo que apenas com referência a 2020 vem o exequente transcrever uma outra missiva, segundo a qual “o contrato do qual era titular se encontrava já em fase de contencioso e de que havia sido denunciado” (artigo 32.º da contestação) – mas não invoca que e/ou quando foi “denunciado”, e nessa data (2020) já havia decorrido o prazo normal do “contrato”), certo que, no âmbito da prescrição, o exequente alude expressamente ao “termo do contrato”, que situa em 20/12/2013 (cfr. artigos 27.º e 29.º da contestação – não se mostra esclarecida a data, visto que não coincide com a contagem de 84 meses a partir do mês seguinte, sendo que, por outro lado, no artigo 3.º, o exequente indica “términus aos 20/11/2013”).

Sem prejuízo, nota-se que, apesar do que consta na missiva datada de 10/08/2012 (“será exigido o pagamento da totalidade do valor do contrato”; “será denunciado” – nota-se que a resolução e a denúncia são juridicamente figuras diversas, ainda que destinadas à cessação de um contrato), a missiva datada de 09/09/2012 continua a pressupor aparentemente a manutenção do “contrato”, visto que continua a conter a possibilidade de pagamento do valor até então em atraso, conforme decorre da referência multibanco na parte final, certo que o assunto continua a ser a “regularização do contrato” (conforme referido no citado Ac. do STJ de 10/09/2020: “É, aliás, usual as entidades credoras virem invocar que face ao incumprimento, rescindiram, denunciaram ou resolveram o contrato, mas em função do seu comportamento e do que vêm peticionar, é manifesto que o que estão a exigir é, ainda, o cumprimento do contrato de financiamento”).

Assim, nota-se que o contrato foi celebrado em 26/10/2006 e previa o pagamento de 84 prestações mensais de capital e juros, terminando, portanto, em Outubro/2013 (considerando o vencimento da primeira prestação no mês seguinte à data do contrato; existem algumas aparentes divergências na alegação do exequente quanto à data do terminus do “contrato”, mas, em qualquer caso, mostra-se indiferente para a solução qualquer data situada em 2013), sendo que se tiver decorrido o prazo de amortização convencionado, o credor pode exigir o pagamento das prestações acordadas, vencidas por ter decorrido o prazo acordado para o seu pagamento – art. 805.º, n.º 2, alínea a), do CC (in casu, abstraindo do eventual vencimento antecipado, todas as prestações estavam vencidas a partir de 2013).

Estas missivas podiam constituir interpelação para cumprir, caso a obrigação dos devedores fosse de prestação única. Sendo obrigação a cumprir em prestações e pedindo-se apenas a regularização, não se pode entender que se reportavam (exigiam) ao pagamento de toda a dívida.

Ou seja, a Apelante não alegou e consequentemente não provou que, após se ter iniciado a falta de pagamento das prestações acordadas e durante o decurso do período previsto para o reembolso do total do empréstimo, alguma vez tenha exercido o direito de considerar antecipadamente vencida toda a dívida que lhe era conferido pela transcrita cláusula, provocando o vencimento das prestações, na parte relativa à amortização da quantia mutuada, cujo prazo de pagamento ainda não tivesse decorrido.

Para declarar extinta a execução, no tocante ao contrato de mútuo, a 1.ª instância escreve assim:

“No caso concreto, o título executivo é um título de crédito, sujeito a determinadas formalidades, em concreto, trata-se de livrança, pela qual uma pessoa (subscritor) se obriga a pagar uma determinada soma, numa determinada data, a um beneficiário (o tomador) ou à ordem dele determinada importância, sendo que o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele avalizada (arts. 30.º e 32.º da LULL) (…)

Enquanto título de crédito reveste todas as características que o caracterizam: incorporação da obrigação no título (a obrigação e o título constituem uma unidade), literalidade da obrigação (a reconstituição da obrigação faz-se pela simples inspecção do título), abstracção da obrigação (é independente da causa debendi), independência recíproca das várias obrigações incorporadas no título e a autonomia do direito do portador (o portador é considerado credor originário) – cfr. Abel Delgado, Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças, Anotada, 7ª ed., Petrony, págs. 107-108 e 110.

Por outro lado, no caso concreto, o título dado à execução foi subscrito pelo executado no âmbito do acordo denominado “crédito individual”, o qual configura um contrato de mútuo (art. 1142.º do CC), conforme as partes assumem, sem necessidade de outras considerações.

Importa agora analisar a invocada questão da prescrição relativa à relação subjacente à livrança dada à execução, com enquadramento no art. 310.º, alíneas d) e e), do CC (…)

Assim, a questão que agora importa analisar respeita à prescrição da obrigação subjacente à emissão da livrança dada à execução (e não a prescrição da livrança) – o contrato de mútuo –, sendo que se entende admissível invocar aquela prescrição uma vez que, conforme acima mencionado, a livrança dada à execução encontra-se nas relações imediatas, considerando que o exequente é o seu portador imediato (entenda-se, o exequente “ B. ”, que sucedeu na posição do “ BB. ”, incluindo a livrança) e o executado é subscritor da livrança, pelo que pode esta opor as excepções decorrentes da relação subjacente – cfr., quanto a isto, entre outros, o Ac. do STJ de 19/06/2012, disponível em www.dgsi.pt.

Está aqui em causa a norma prevista no art. 310.º, alínea e), do CC (“as quotas de amortização do capital mutuado pagáveis com os juros respectivos”), uma vez que se trata, in casu, de um contrato de mútuo a cumprir mediante o pagamento de prestações mensais de capital e juros (84 meses; cfr. “contrato”), ou seja, trata-se de uma obrigação fraccionada ou repartida, que corresponde a uma única obrigação (relativa ao pagamento do capital emprestado e respectivos juros remuneratórios) mas cujo cumprimento se protela no tempo, através de prestações mensais.

Afigura-se certo que “Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art. 310º do CC, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos” – Ac. do STJ de 29/09/2016, disponível em www.dgsi.pt.

Conforme refere o douto Acórdão, “Note-se que efectivamente, no caso do débito do capital mutuado, estamos confrontados com uma obrigação de valor predeterminado cujo cumprimento, por acordo das partes, foi fraccionado ou parcelado num número fixado de prestações mensais; ou seja, em bom rigor, não estamos aqui perante uma pluralidade de obrigações que se vão constituindo ao longo do tempo, como é típico das prestações periodicamente renováveis, mas antes perante uma obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações.

Porém, o reconhecimento desta específica natureza jurídica da obrigação de restituição do capital mutuado não preclude, sem mais, a aplicabilidade do regime contido no citado art. 310º, já que – por explicita opção legislativa - esta situação foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis, ao considerar a citada al. e) que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição.

Ou seja, o legislador entendeu que , neste caso peculiar, o regime prescricional do débito parcelado ou fraccionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo, consequentemente, valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido art. 310º”.

Todavia, a aludida questão da prescrição das “quotas de amortização do capital pagáveis com os juros” mostra-se controvertida a partir do momento em que se considere que o plano de amortização inicial se altera por via da resolução do contrato (art. 432.º do CC) ou do vencimento antecipado das prestações (art. 781.º do CC), surgindo então um determinado entendimento quanto à aplicação do prazo geral de prescrição de vinte anos (art. 309.º do CC) à obrigação unitária (no seu todo) em vez do prazo quinquenal acima mencionado.

A respeito do vencimento antecipado e da prescrição, propende-se agora a considerar como melhor entendimento o que vem sendo assumido em termos aparentemente dominantes no STJ, conforme plasmado no recente Ac. do STJ de 10/09/2020, também disponível em www.dgsi.pt: “O vencimento imediato de todas as prestações por via da falta de pagamento de uma deles, nos termos do art.º 781º do CCiv, implica apenas e tão só isso mesmo: o vencimento imediato, com perda do benefício do prazo; não tem por efeito alterar a natureza da dívida, repristinando a anterior obrigação única que foi substituída por uma obrigação fracionada. O que é devido continua a ser todas as quotas de amortização individualmente consideradas e não a quantia global do capital em dívida. E o facto de as quotas de amortização deixarem nessa situação de estar ligadas ao pagamento dos juros (cf. AUJ 7/2009, DR, I, 05MAI2009), por via dessa antecipação do vencimento, não interfere, em nosso modo de ver, com o tipo de prescrição aplicável em função da natureza da obrigação, que não é alterada pelas vicissitudes do incumprimento.

Por outro lado, se é certo que se logrou um dos fundamentos da aplicação da prescrição quinquenal (o evitar a acumulação dos montantes em dívida tornando o pagamento excessivamente oneroso para o devedor) não deixa de subsistir a necessidade de uma acrescida diligência do credor na recuperação do seu crédito, tendo em vista, numa óptica do ‘favor debitoris’ imanente ao CCiv, evitando a perpetuação, com a consequente incerteza e insegurança, da situação do devedor.

Relativamente ao acórdão da Relação de Coimbra de 12JUN2018, que invoca a resolução do contrato e a consequente ‘relação de liquidação’ desde logo não se nos afigura que a invocada cláusula contratual (“o banco poderá considerar o presente contrato rescindido, sendo consideradas então imediatamente vencidas todas as obrigações decorrentes para o mutuário do mesmo, exigindo o cumprimento imediato de todos os valores em dívida sempre que se verifique alguma das seguintes situações: a) falta de pagamento pontual de qualquer prestação de capital, juros ou outros encargos previstos neste contrato) e o conteúdo da missiva enviada ( constatando que continua sem ser efectuado o pagamento das prestações em mora, concede-se um prazo adicional de 8 dias para que proceda à regularização da situação, findo o qual entregaremos o processo ao nosso advogado para que, de imediato e sem qualquer outra comunicação, promova o competente procedimento judicial) configure uma resolução contratual.

Pelo contrário, o credor está a invocar o vencimento imediato de todas as prestações e a exigir o cumprimento do contrato; daí que na apontada missiva refira as prestações em mora. É, aliás, usual as entidades credoras virem invocar que face ao incumprimento, rescindiram, denunciaram ou resolveram o contrato, mas em função do seu comportamento e do que vêm peticionar, é manifesto que o que estão a exigir é, ainda, o cumprimento do contrato de financiamento (com a devolução do capital mutuado, o pagamento dos juros remuneratórios e moratórios e accionando as garantias estabelecidas) e não a extinção de tal vínculo contratual.

Em conclusão: às quotas de amortização do capital integrantes das prestações para amortização de contratos de financiamento aplica-se a prescrição quinquenal prevista no art.º 310º, al. e), do CCiv, ainda que se verifique o vencimento antecipado das mesmas”.

Neste contexto, importa notar que, em rigor, afigura-se que a resolução não equivale ao vencimento antecipado das prestações previsto no art. 781.º do CC, na medida em que a resolução implica a cessação do contrato (origina uma obrigação de restituir, no âmbito da denominada “relação de liquidação” – arts. 289.º e 433.º do CC), enquanto o vencimento antecipado pressupõe a manutenção do contrato (a interpelação para o cumprimento origina o vencimento imediato das prestações vincendas) - no regime típico e supletivo do CC (resolução legal), a resolução será, em regra, sequência da mora no pagamento de prestações após conversão da mora em incumprimento definitivo (arts. 802.º e 808.º do CC – sem prejuízo, pode existir cláusula resolutiva prevista pelas partes, resolução convencional).

Em todo o caso, conforme se refere no Ac. do STJ de 10/09/2020, “É, aliás, usual as entidades credoras virem invocar que face ao incumprimento, rescindiram, denunciaram ou resolveram o contrato, mas em função do seu comportamento e do que vêm peticionar, é manifesto que o que estão a exigir é, ainda, o cumprimento do contrato de financiamento (com a devolução do capital mutuado, o pagamento dos juros remuneratórios e moratórios e accionando as garantias estabelecidas) e não a extinção de tal vínculo contratual”.

Dir-se-á que, à partida, para o credor poder invocar o vencimento da totalidade das prestações, ao abrigo do disposto no art. 781.º do CC, cabe-lhe o ónus de alegação (e prova) – facto essencial (art. 5.º, n.º 1, do CPC) – de ter procedido à interpelação do devedor para poder exigir antecipadamente as prestações, nos termos do art. 781.º do CC, por se afigurar estar em causa um facto constitutivo do direito às mencionadas prestações (enquanto faculdade do credor que ele pode exercer ou não). Quanto ao normativo referido, tem sido entendimento aparentemente maioritário que o imediato vencimento das prestações vincendas ali previsto não representa esse mesmo vencimento imediato, mas apenas a exigibilidade imediata, sendo necessária ainda a prévia interpelação, salvo se existir convenção em contrário – cfr. quanto a isto, entre outros, o Ac. da RP de 25/01/2010, disponível em www.dgsi.pt (“Apesar de o art. 781º do CC descrever a situação como de vencimento antecipado, prevê-se ali antes a perda do benefício do prazo por parte do devedor e, assim, se o credor não exigir as prestações restantes, o devedor não fica logo constituído em mora pela totalidade da obrigação: tem de ser interpelado para tal, ou seja, o credor tem de lhe manifestar vontade em se aproveitar daquele benefício”).

(…)

Em todo o caso, mesmo que fosse possível considerar um vencimento antecipado (mas sendo inútil a produção de prova atinente ao envio da missiva, no entendimento que se perfilha), também aqui se considera que faria sentido a aplicação do prazo especial de cinco anos para cada uma das prestações, atento o objectivo do legislador (Ac. do STJ de 29/09/2016, acima citado: “o prazo especial de prescrição de cinco anos, previsto no artigo 310.º do Código Civil, visa proteger o devedor contra a acumulação da sua dívida, que, de dívida de prazos periódicos mais curtos ou anuidades, se transformaria em dívida de montante suscetível de o arruinar, se o pagamento pudesse ser exigido pelo credor de uma só vez, ao final de vários anos, situação que o legislador quis prevenir exigindo do credor acrescida diligência temporal na recuperação do seu crédito”) – a questão não se coloca quando inexista vencimento antecipado e apenas se considere o termo do plano de amortização normal.

Portanto, conforme se afigura ser a actual posição maioritária que tem vindo a ser defendida na jurisprudência, a circunstância de existir uma situação que determina o vencimento da totalidade da dívida, não altera a aplicação do aludido art. 310.º, alínea e), do CC: no citado Ac. do STJ de 10/09/2020, “Às quotas de amortização do capital integrantes das prestações para amortização de contratos de financiamento aplica-se a prescrição quinquenal prevista no art.º 310º, al. e), do CCiv, ainda que se verifique o vencimento antecipado das mesmas”; no Ac. do STJ de 12/11/2020, “A circunstância de o direito de crédito se encontrar vencido na totalidade, em consequência de patologias ocorridas no plano do (in)cumprimento do contrato, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição”; no Ac. do STJ de 08/04/2021, «Em contratos de mútuo, em que se “compartimenta” a obrigação de restituição do capital em quotas de amortização, o vencimento antecipado de todas as prestações, em consequência do art. 781.º do Código Civil, não prejudica a aplicação do prazo do art. 310.º do Código Civil»; ou no Ac. do STJ de 28/04/2021, “Não releva para efeitos de enquadramento em termos de prescrição a circunstância de, em consequência da perda do benefício do prazo, o direito de crédito se vencer na sua totalidade com o vencimento imediato de todas as fracções” – todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Nesta sequência, quer se considere um hipotético vencimento antecipado em Agosto/2012, quer se considere o simples fim do prazo de amortização do contrato em 26/10/2013, entende-se ser aplicável ao caso dos autos o prazo quinquenal previsto no art. 310.º, alínea e), do CC, seja por via do entendimento que sempre se considerará agora mais correcto – cfr. os citados Acórdãos – mesmo que se considerasse aqui um hipotético vencimento antecipado, seja por via da consideração que «não existe uma prestação “única” em mora, mas sim tantas quantas as que foram incumpridas, às quais acrescem juros sobre o capital de cada uma e desde a data do vencimento respectivo» (citado Ac. da RL de 30/10/2018), por via do termo final do “contrato”, atenta a ausência de alegação factual mínima quanto ao vencimento antecipado.

Consequentemente, entende-se verificada a aludida prescrição das “quotas de amortização”, sendo irrelevante, com o devido respeito, o alegado pelo exequente quanto ao exercício do direito, face à natureza do contrato e à existência de prazo certo. Com efeito, tendo ocorrido o termo do plano de amortização, o mais tardar em Outubro/2013 (mas seria idêntico caso se considerasse Agosto/2012 ou mesmo Dezembro/2013), data muito anterior à instauração à execução em 15/09/2020 - nota-se que, tendo presente o disposto no art.724.º, n.º 6, alínea a), do CPC, perfilha-se agora do entendimento de Lebre de Freitas, A acção executiva, 6ª Ed., Coimbra Ed., pág. 184, e secundado pelo Ac. do STJ de 11/07/2019, disponível em www.dgsi.pt, quanto à relevância da data do próprio r.e. para o efeito –, torna-se certo que se mostram decorridos mais de cinco anos, sem que alguma circunstância interruptiva tenha sido alegada (e não releva agora o regime previsto no art. 323.º do CC, visto que, à data da instauração da execução ou, em rigor, à data resultante da citação ficcionada pela instauração da execução decorridos cinco dias, nenhum prazo de prescrição estava em curso, ou seja, os aludidos cinco anos mostravam-se integralmente decorridos nessa data, a contar da data de vencimento de cada uma das prestações vencidas).

Por outro lado, entende-se que tal conclusão se aplica igualmente aos correspondentes juros, que partilham de idêntico prazo quinquenal de prescrição, nos termos do art. 310.º, alínea d), do CC.

Em concreto, no que respeita aos juros, afigura-se certo que não podem ser contabilizados juros quando esteja prescrita a dívida de capital, ou seja, entende-se que a partir da prescrição ora constatada, ocorrida o mais tardar em 2018 (cinco anos após a data da última prestação que se venceria), não se podem vencer mais juros, sendo que quanto aos juros vencidos antes e até essa data, uma vez que decorreram os mesmos cinco anos da prescrição do capital, também se encontram prescritos os respectivos juros (…).

Adiantamos, desde já, que concordamos com a argumentação da 1.ª instância, que é aquela, que vem sendo seguida pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Em Acórdão de 6.7.2021, assim o entende:

“Em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fracciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fracciona é uma quota de amortização.

Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do art. 310.º, alínea e), do Código Civil.

A circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição da alínea e) do art. 310.º do Código Civil”.

Escreve-se no Acórdão do STJ de 14.7.2021, “seguindo de perto o acórdão do STJ 27.03.2014 diremos, em síntese, que, “desde há muito tempo que a doutrina e a jurisprudência vêm explicitando que a razão da “prescrição” se vai buscar à praticada negligência do titular de discriminado direito, consubstanciada na omissão do seu exercício durante certo tempo, que o legislador contabiliza e durante o qual se faz presumir a renúncia ao direito, ou, torna aquele indigno de protecção jurídica (Prof. Manuel de Andrade; Teoria Geral da Relação Jurídica; II; pág. 445-446).

A prescrição, tal como a caducidade e o não uso, exprimem a relevância do tempo (do seu decurso sobre as relações jurídicas), visando a certeza e a segurança do tráfego jurídico, tendo como fundamento a consideração de que não merece a protecção do ordenamento jurídico quem descura o exercício dos direitos que lhes assistem, porque a paz social não se compadece com a inércia, para lá de limites temporais impostos pelo legislador (Ac. STJ de 19.06.2012; Relator o Ex.mo Cons. Dr. Fonseca Ramos; www.dgsi.pt). O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos (art.º 309.º do C.Civil).”

(…) Em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fracciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fracciona é uma quota de amortização. Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do art. 310.º, alínea e), do Código Civil (…)”.

“Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art. 310º do CC, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos.

Na verdade, neste caso – apesar de obrigação de pagamento das quotas de capital se traduzir numa obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações, - a circunstância de a amortização fraccionada do capital em dívida ser realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, determinou, por expressa determinação legislativa, a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição”.

O legislador equiparou a amortização do capital, designadamente do mútuo, realizada de forma parcelar ou fracionada por numerosos anos, como o mútuo bancário destinado a habitação própria, ao regime dos juros, ficando sujeito ao mesmo prazo de prescrição, nomeadamente cinco anos – art. 310.º, alínea e), do Código Civil. A circunstância de tal direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição”.

No Acórdão de 29.4.2021: “O disposto no artigo 781.º do Código Civil aplica-se às prestações fracionadas ou repartidas, isto é, aquelas em que o objeto global está previamente determinado, mas o seu cumprimento se divide no tempo por várias e sucessivas prestações instantâneas, nelas se incluindo a prestação de reembolso do mútuo, quando é dividida em amortizações parcelares que devem ocorrer periodicamente.

Apesar da redação equívoca do referido artigo 781.º, a mesma deve ser interpretada no sentido de que o vencimento antecipado das demais prestações, tendo por causa a falta de pagamento de uma delas, não ocorre automaticamente, sendo apenas concedida ao credor a faculdade de exigir, antecipadamente, o cumprimento de todas as prestações.

As prescrições de curto prazo das alíneas d) e e), do art.º 310º, do Código Civil, abrangem de obrigações periódicas, pagáveis em prestações sucessivas, englobando o pagamento de juros convencionais e a amortização de capital mutuado, com origem na celebração de um contrato de mútuo.”

Acórdão de 26.1.2021: “No mútuo bancário, as obrigações que visam simultaneamente amortizar e remunerar o capital - obrigações híbridas ou mistas não são nem obrigações de reembolso de capital e nem obrigações de pagamento de juros. São obrigações unitárias, ainda que se destinem a cumprir uma dupla função: restituição e remuneração do capital mutuado.

Segundo a doutrina dominante, o incumprimento de uma das prestações em que a obrigação de reembolso é dividida ou repartida preenche a facti-species do art. 781.º, ainda que o incumprimento se reporte a uma prestação com função simultaneamente amortizadora e remuneratória do capital.

De modo a evitar que o credor deixe acumular excessivamente os seus créditos, para tutelar o devedor contra a acumulação da sua dívida, deve aplicar-se o prazo de prescrição do art. 310.º, als. d) e e) do CC - de cinco anos a contar do respetivo vencimento.

O facto de o incumprimento de uma prestação implicar o vencimento antecipado das restantes prestações em “nada releva para o problema em causa, porque nesse caso a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização e não ao todo em dívida”.

Ou seja, a sujeição do capital ao prazo de prescrição da al. e), do artigo 310.º justifica-se na medida em que constitui um modo de tutela do devedor contra a cumulação da dívida que, em última instância, será fator desencadeador da sua insolvência e, do mesmo passo, visa estimular-se a cobrança pontual do crédito pelo credor/mutuante. A evolução do ordenamento jurídico vem acentuando a proteção progressiva do consumidor, da parte contratual mais fraca (cf., nomeadamente, os Artigos 4º, nº1, al. d), 27º e 28º do Decreto-lei nº 74-A/2017, de 23.6, o Decreto-lei nº 227/2012, de 25.10 e, mais recentemente, o Decreto-lei nº 84/2021, de 18.10).

Os juros remuneratórios, tendo a finalidade de compensar o mutuante pelo tempo que se priva do capital por o ter cedido ao devedor por meio de mútuo, exigindo-se a remuneração por essa cedência, a antecipação do vencimento das quotas de amortização do capital, por sua natureza, não permite que o credor beneficie de tais juros sem que isso signifique uma convolação de um mútuo remunerado num mútuo não remunerado. O mutuante não pode receber juros remuneratórios quando não chega a ocorrer o vencimento de tais juros. A alínea e), do Artigo 310º, nos seus próprios termos, não se reporta a mútuos gratuitos (“pagáveis com juros”).

Mais, o regime da prescrição visa, em primeira linha, tutelar a posição do devedor e, bem assim, fomentar a segurança no comércio jurídico. O estabelecimento de um prazo de prescrição de cinco anos serve esses dois propósitos.

O credor, primeiro interessado na salvaguarda do seu direito de propriedade, tem um dever de atuação diligente na cobrança do seu crédito para obviar que tal pretensão seja neutralizada pelo instituto da prescrição. Mas esse é o resultado natural e precípuo da invocação procedente da prescrição, não se tratando de um benefício excessivo ou ilegítimo.

E é esta a interpretação defendida pelo STJ, à qual aderimos.

Em recente acórdão do STJ– de 9.2.20221 -, escreve-se:

“Com efeito, estamos perante uma situação perfeitamente subsumível à alínea e) daquele preceito, porquanto se trata de uma obrigação de reembolso de dívida que foi objecto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, que compreendem uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios e que traduzem a existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos.

Nestes casos, a doutrina entende que “na situação prevista no artigo 310.º, alínea e), não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano, reitera-se, obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respectiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido. Por outro lado, visa-se estimular a cobrança pontual dos montantes fraccionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objecto a totalidade do montante em dívida” - Cf. Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, anotação aos artigos 296.º a 333.º, do Código Civil, Coimbra editora, 2ª edição, Junho de 2014, pág. 12.

Por conseguinte, “a estipulação de um plano de amortização do capital, de forma periódica, assente na individualização de duas frações, uma relativa ao capital em dívida e outra relativa aos juros devidos a título de remuneração de capital – a pagar conjuntamente – indicia o preenchimento da situação prevista na referida alínea e), do artigo 310º, do CC e prejudica a aplicação do prazo ordinário de prescrição de vinte anos.” - as citadas decisões são  pesquisáveis em www.dgsi.pt.

Avançando.

Alega o Apelante, quanto à validade da livrança como título executivo, que:” a procedência da oposição à execução mediante embargos de executado e a consequente total extinção da execução baseia-se, em primeiro lugar, no facto de o tribunal a quo julgar prescrita a relação subjacente à livrança dada à execução, pese embora reconheça a exequibilidade do título e a sua suficiência.

Ora, apesar de se estar no domínio das relações imediatas (actual beneficiário e subscritor da livrança, respectivamente Exequente e Embargante), isso não significa que a livrança deixe de valer enquanto tal (verdadeiramente, depois de preenchida). Com efeito, uma livrança constitui, por si, título executivo (como decorrência das características próprias dos títulos de crédito, como são as livranças – literalidade, autonomia e abstracção) e dispensa o seu portador de invocar a relação jurídica subjacente, ainda que o portador seja parte nessa relação.

 No caso dos autos, resulta provado que houve uma subscrição válida e, nesse contexto, foi-lhe aposta a data de vencimento (11/09/2020); cfr. factos 1, 2 e 3 provados. E sabendo-se que o prazo de prescrição das livranças é de 3 anos (cfr. art.º 70 da LULL, ex vi art.º 77 do mesmo diploma), é manifesto que esse prazo não estava decorrido (a contar da data do respectivo vencimento), quando a acção foi instaurada ainda em 2020 – como, de resto, o tribunal a quo afirma; cfr. facto 5 provado.

De tudo isto, se infere que a livrança em causa pode continuar a ser feita valer contra o Embargante. Estando diante de “livranças em branco”, entende, em suma, a nossa jurisprudência que, o momento decisivo para se determinar a validade da livrança é o do seu vencimento.

É, pois, no momento do vencimento que se gera a obrigação cartular.

Resulta, então, claro para a nossa jurisprudência – constituindo, aliás, orientação consolidada - ao contrário do defendido pela sentença recorrida, que, tratando-se de livrança emitida em branco, o prazo prescricional corre desde o dia do vencimento aposto pelo exequente/beneficiário.

Conclui-se, portanto, que o Exequente poderia apor na livrança a data de vencimento que entendesse, desde que se verificasse – como sucedeu in casu - o incumprimento, nos termos dados como provados.

Numa primeira síntese, tratando-se de livrança em branco, o prazo prescricional corre desde a data do respectivo vencimento: in casu, revisite-se que, a livrança dada à execução venceu-se em 11/09/2020 e a presente acção foi interposta em 15/09/2020 não se verificando, por conseguinte, qualquer prescrição”.

O Juízo de Execução de Alcobaça, neste particular, decidiu assim:

“Dito isto e conforme inicialmente referido, entende-se que a prescrição reportada à relação subjacente não pode deixar de produzir efeitos no que respeita à livrança dada à execução.

Nas palavras do citado Ac. da RL de 30/10/2018, “No domínio das relações imediatas o executado, subscritor da livrança dada à execução, pode livremente deduzir contra o credor qualquer meio de defesa, incluindo os decorrentes da invalidade, ineficácia ou extinção da obrigação causal.

Estando subjacente à emissão da livrança um direito de crédito emergente de contrato de mútuo bancário, em que se estabelecia o pagamento do montante financiado em prestações mensais que incluíam juros remuneratórios e amortização do capital, essas obrigações estão sujeitas ao prazo prescricional de 5 anos, por força do Art. 310.º al.s d) e e) do C.C.

Tendo a livrança dada à execução sido entregue em branco, com autorização de preenchimento, com o propósito de servir de garantia do cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contrato de mútuo, no domínio das relações imediatas, a prescrição da obrigação causal determina a necessária extinção da obrigação cartular.

Extinta a obrigação garantida, extingue-se a relação jurídica de garantia que lhe é meramente acessória” (no mesmo sentido, entre outros, o Ac. da RC de 26/04/2016, acima citado)” (…)  certo que está apurado que a livrança foi assinada pelo executado no âmbito do contrato de mútuo acima mencionado, o qual, por sua vez, continha um pacto de preenchimento (v. factualidade provada), mediante o qual o exequente foi autorizado, verificado o incumprimento, a preencher a livrança pelo valor devido e a fixar-lhe a data de vencimento, ou seja, o título de crédito – livrança –, como é usual na prática bancária e financeira, encontrava-se por preencher no momento da assinatura, nomeadamente no que respeita ao valor e data de vencimento, tratando-se da denominada livrança em branco, sendo que dispõe o art. 10.º da LULL (ex vi do art. 75.º do mesmo diploma) que se uma letra (livrança) incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra (livrança) de má-fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave.

Previamente, nota-se que a livrança tem aposta como data de vencimento 11/09/2020, assim afastando o disposto no art. 70.º, § 1º da LULL, aplicável às livranças por via do art. 77.º da LULL, segundo qual todas as acções contra o aceitante (subscritor) relativas a letras (livranças) prescrevem em três anos a contar do seu vencimento.

Embora a questão da prescrição da livrança face à data do vencimento nela aposta em contraponto com a relação subjacente, por si só, não seja pacífica, propende-se a considerar que releva aquela data, face ao pacto de preenchimento que atribui ao credor a liberdade para fixar a data de vencimento – cfr., quanto a isto, o Ac. do STJ de 24/10/2019, disponível em www.dgsi.pt, com outras referências jurisprudenciais, v.g: “A prescrição da obrigação cambiária conta-se a partir da data do vencimento e essa data é a que consta do título e não aquela que, eventualmente, deveria constar de acordo com o pacto de preenchimento”).

Em todo o caso, conforme se refere no Ac. da RC de 26/04/2016, disponível em www.dgsi.pt, “Nas relações imediatas, a prescrição da obrigação fundamental acarretará, em regra, a extinção da obrigação cambiária”, pelo que a questão deve ser apreciada em conformidade quanto à invocada prescrição no âmbito da relação subjacente”.

Vejamos se lhe assiste razão.

Nos termos da norma do art.º 10º, nº 5 do Código de Processo Civil, “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.”

O título executivo apresenta-se como requisito essencial da acção executiva e há-de constituir instrumento probatório suficiente da obrigação exequenda, isto é, documento susceptível de, por si próprio, revelar com um mínimo aceitável de segurança, a existência do crédito em que assenta a formulação da pretensão exequenda.

Os títulos executivos estão taxativamente enunciados na alínea c) do art.º 703º do citado diploma, entre os quais “os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo.”

Como observam António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, II, pag. 24 e ss) -, “na alínea c) do art. 703º preveem-se duas realidades diferentes: os títulos de crédito, as letras, livranças e cheques, que reúnam os requisitos previstos no respectivo regime jurídico (Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças e Lei Uniforme Sobre Cheques), e aqueles que perderam a força de títulos cambiários, por vicissitudes decorrentes daqueles regimes (v.g., prescrição), que podem valer como quirógrafos, ou seja documentos autógrafos de reconhecimento de dívida.

Só nestes casos, em que a letra, a livrança ou o cheque, perderam a natureza de títulos cambiários, o exequente tem o ónus de invocar no requerimento executivo os factos constitutivos da relação subjacente, quer resultem do próprio documento quer não (art. 724º, nº 1, alínea e)), recaindo sobre ele, exequente, a prova de tais factos.

Não assim na execução cambiária, em que o exequente não tem que invocar outra relação para além da que resulta do próprio título, bastando a sua conjugação com as normas jurídicas que atribuem ao portador um direito de crédito e que vinculam o obrigado ao correspondente cumprimento. Por isso, na data do vencimento ou nas circunstâncias referidas no art. 43º da LULL, o legítimo portador pode exigir dos responsáveis o pagamento do capital inscrito, dos juros de mora e restantes acréscimos referidos no art. 48º da LULL, ou no art. 45º da LUch (Abrantes Geraldes e outros, obra citada, pag. 25 e 26).

Isto porque a relação cartular é independente da causa que lhe dá origem, da que constitui o motivo da subscrição cambiária, da relação fundamental, que pode assumir diversas figuras jurídicas. A obrigação cambiária é abstrata, não se prende nem depende da causa que motivou a emissão do título. Por isso, em regra, as pessoas accionadas por essa via não podem opor ao portador da letra/livrança as excepções fundadas nas relações pessoais com o sacador ou portador anteriores (arts. 17º e 77º da LU)”.

Mas, tal não sucede nas relações imediatas, em que entre os dois signatários não se interpõe qualquer outro ou em que os sujeitos da relação cambiária são concomitantemente os sujeitos da relação causal.

Neste caso, em que não há interesses de terceiros de boa fé a defender, os princípios da literalidade, abstração e autonomia que caracterizam os títulos cambiários deixam de funcionar, podendo fundar-se a defesa nas excepções emergentes da relação causal.

A livrança exequenda foi subscrita pelo embargante, no âmbito da celebração de um contrato de mútuo celebrado entre si e o Exequente/Apelante, encontrando-nos no domínio das relações imediatas.

A par da obrigação cambiária resultante da assinatura do título por parte do embargante - relação cartular -, existem as obrigações decorrentes da celebração de um contrato de mútuo entre o embargante e o ora Apelante - relação fundamental ou subjacente. O negócio cambiário possui uma causa - contrato de mútuo- que levou à subscrição da livrança.

Ora, de harmonia com o disposto no artigo 17º da L.U.L.L.  - aplicável às livranças por força do disposto no artigo 77º -, no domínio das relações imediatas podem, em regra, ser invocadas as excepções inerentes à relação fundamental ou subjacente.

Nas relações imediatas, isto é, nas relações entre um subscritor e o sujeito cambiário imediato (relações sacador/sacado, sacador/tomador, tomador/1º endossado, etc.), nas quais os sujeitos cambiários o são concomitantemente de convenções extracartulares, é comum afirmar-se que tudo se passa como se a obrigação cambiária deixasse de ser literal e abstrata, ficando sujeita às exceções que nessas relações pessoais se fundamentem – ver Professor Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, 1994, pág. 449 e 450.  Ou, como prefere Carolina Cunha - “Manual de Letras e Livranças”, Almedina 2016, págs. 66 a 69 -, sendo a obrigação cambiária instrumental da relação fundamental - instrumentalidade que é definida pela convenção executiva - é legítimo que as vicissitudes que afetem a relação subjacente tenham reflexos na pretensão cambiária.

Quanto à determinação sobre quais as vicissitudes causais que relevam e em que termos, deverá ser levada a cabo partindo do teor da convenção executiva, dependendo dos contornos da situação concreta. Sempre que o devedor esteja em condições de fazer valer factos extintivos da pretensão fundamental do credor, o carater instrumental da pretensão cambiária determina a sua vulneração: a circunstância de a obrigação fundamental não se ter validamente constituído ou de vir a ser extinta não pode deixar de comprometer irremediavelmente a obrigação cambiária criada para a solver, garantir, novar, etc.  - Neste sentido, Carolina Cunha, “Manual (…), págs. 67 a 69”.

A prescrição da obrigação subjacente, atribuindo ao beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou se se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito acarretará, assim, em regra, a extinção da obrigação cambiária.

No Acórdão do STJ de 28.9.2017, pesquisável em www.dgsi.pt., pondera-se que, mesmo no domínio das relações mediatas, é lícito aos signatários cartulares, impugnarem a assinatura que lhe é atribuída no título, invocar a invalidade formal do ato cambiário assumido, bem como as excepções de prescrição ou de pagamento da obrigação cartular, incumbindo-lhes alegar e provar, como fundamentos de oposição por embargos, tais meios de defesa.

Conforme se esclarece no Acórdão desta Relação de Coimbra de 26.04.2016, disponível em www.dgsi.pt, citado pela 1.ª instância,  “nas relações imediatas, a prescrição da obrigação fundamental acarretará, em regra, a extinção da obrigação cambiária”, pelo que a questão deve ser apreciada em conformidade quanto à invocada prescrição no âmbito da relação subjacente”.

 Assim, prescrita que está a divida, prescrito fica a livrança levada aos autos. 

Improcedem, assim, as conclusões do apelante, mantendo-se o decidido pelo Juízo de Execução de Alcobaça.

As conclusões (sumário):

(…)
3.Decisão
Assim, na improcedência do recurso, mantemos a decisão proferida pelo Juízo de Execução de Alcobaça.

As custas ficam a cargo do apelante.

Coimbra, 25 de Janeiro de 2022

(José Avelino Gonçalves - Relator)

(António Freitas Neto- 1.º adjunto)

(Paulo Brandão – 2.º adjunto