Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
247/19.6T8FNVN-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: RECURSO
PLURALIDADE DE PARTES
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
Data do Acordão: 09/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - F.VINHOS - JUÍZO C. GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 33, 635 CPC
Sumário: Nos termos do n.º 1 do artigo 635.º (Delimitação subjetiva e objetiva do recurso) do Código de Processo Civil, em caso de litisconsórcio necessário, o recorrente não pode recorrer quanto a um dos vencedores e excluir do recurso os restantes, sob pena de ilegitimidade desse vencedor contra o qual foi unicamente dirigido o recurso.
Decisão Texto Integral:





Sumário:

Nos termos do n.º 1 do artigo 635.º (Delimitação subjetiva e objetiva do recurso) do Código de Processo Civil, em caso de litisconsórcio necessário, o recorrente não pode recorrer quanto a um dos vencedores e excluir do recurso os restantes, sob pena de ilegitimidade desse vencedor contra o qual foi unicamente dirigido o recurso.


*

Recorrente …………F (…)

Recorrido……………M (…)

Ambos melhor identificados nos autos.


*

I. Relatório

a) O presente recurso vem interposto pela Autora e respeita ao despacho saneador na parte em que absolveu o réu M (…) (senhorio) da instância quanto ao primeiro pedido formulado na petição, por ilegitimidade ativa, e na parte em que absolveu este mesmo réu quanto aos pedidos formulados em segundo e terceiro lugares, porquanto, nos termos da decisão, os pedidos alicerçados na causa de pedir invocada pela Autora são manifestamente inviáveis e improcedentes.

Em síntese, a Autora demanda o réu M (…) na qualidade de senhorio   por ter arrendado um prédio para aí funcionar um café/pub, quando na verdade, diz, não o podia fazer porque o prédio não tinha licença administrativa para serem aí exercidas essas atividades; e demanda os outros réus (arrendatários) por serem responsáveis pelo ruído gerado com a exploração do estabelecimento, ruído que, dizem, não os deixa sossegar durante parte da noite e também pelos prejuízos gerados por maus-cheiros e lixo feito pelos clientes do estabelecimento, o qual se acumula em frente ao prédio da autora, ao ponto de inviabilizar a hipótese da autora arrendar a sua casa para habitação.

No saneador, na parte que aqui interessa, foram proferidas as seguintes decisões:

Primeira decisão

«B. Ilegitimidade da Autora para o pedido no ponto 1 do pedido principal

O Réu M (…) - a fls. 29 verso - veio invocar a ilegitimidade activa da Autora para a dedução do pedido principal n.º 1, pelo qual é requerida a declaração de nulidade do contrato de arrendamento celebrado entre os Réus, respeitante ao estabelecimento sito (…), (...) .

A Autora respondeu - a fls. 200 -, defendendo que por ser titular do direito a habitar o imóvel do artigo 1.º da petição inicial em sossego, tem também o direito de invocar a nulidade de um contrato de arrendamento celebrado entre os Réus, porquanto o fim do arrendamento apenas poderia ser habitacional e foi destinado à indústria da restauração e eventos recreativos.

Cumpre apreciar e decidir.

Ao apuramento da legitimidade processual - que se reporta à relação de interesse das partes com o objecto da acção - releva, apenas, a consideração do concreto pedido e da respectiva causa de pedir, independentemente da prova dos factos que integram a última e do mérito da causa.

A legitimidade processual afere-se pela titularidade da relação material controvertida tal como é configurada pelo Autor, na petição inicial, e é nestes termos que tem que ser apreciada.

Os direitos de crédito são direitos relativos, ou seja, apenas concedem ao seu titular o poder de exigir o comportamento prescrito de uma determinada ou de várias determinadas pessoas – o devedor ou devedores -, não tendo o poder de exigir ou pretender de mais ninguém a realização da prestação, e, por isso, apenas têm eficácia e oponibilidade inter partes.

Opõem-se aos direitos absolutos, como os direitos reais e direitos de personalidade, que implicam no pólo passivo da relação jurídica, respectivamente, um dever geral de abstenção e um dever geral de respeito (nestes exactos termos, Nuno Pinto Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, 2011, p. 23).

Nas acções constitutivas e de anulação, a causa de pedir é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o direito pretendido, conforme o artigo 581.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.

Ora, o facto que a Autora invoca - artigo 23.º da petição - para fundamentar a «nulidade» do contrato de arrendamento é o da circunstância de o Réu M (…)arrendar um prédio destinado a habitação e a arrendatária F (…) ter destinado tal prédio para actividade de bar e café, afectando o prédio a um uso diverso do fim a que se destina.

Tal alegação comporta dois problemas. O primeiro é o de que a factualidade alegada não é susceptível de comportar aquele pedido de nulidade, pelo que se poderia dizer que se estaria perante uma inconcludência jurídica, porquanto nenhuma previsão normativa sanciona com declaração de nulidade o facto de se usar um prédio para fim diverso daquele a que se destina. Ou seja, o pedido deduzido pela Autora não se pode alicerçar naqueles factos. O segundo será que, mesmo que se leia o pedido «declarado nulo» como efeito jurídico-prático análogo ao efeito da resolução do contrato (artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil), a Autora não teria legitimidade para o concreto pedido.

Vejamos, a anulação do contrato de arrendamento por uso do prédio para fim diverso daquele a que se destina é possível por via do artigo 1083.º, n.º 2, alínea c), do Código Civil, que dispõe:

«2. É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente quanto à resolução pelo senhorio:

[…]

c) O uso do prédio para fim diverso daquele a que se destina, ainda que a alteração do uso não implique maior desgaste ou desvalorização para o prédio;»

Considerando que anulação do negócio tem o mesmo efeito jurídico-prático pretendido pela Autora - declaração de nulidade do contrato de arrendamento -, não se pode de todo afirmar-se com segurança firmar-se que existe inconcludência jurídica, mas, porventura, errada subsunção jurídica do efeito jurídico pretendido.

Mas ainda que assim se considere, analisando o artigo 1083.º, n.º 1, do Código Civil, constata-se que a lei outorga a possibilidade de resolução do contrato de arrendamento somente às partes do contrato. E no n.º 2 do mesmo artigo conclui-se que a lei apenas confere ao senhorio a possibilidade de resolver o contrato com base no uso do prédio locado para fim diverso daquele a que se destina.

Ora, uma vez que a Autora não é sujeito da relação contratual locatícia, como descrito na petição inicial, e uma vez que a lei apenas atribui às partes do contrato a titularidade do interesse legítimo consistente na resolução daquele, a Autora não é titular do interesse relevante para efeito de legitimidade do pedido principal n.º 1. Não sendo a Autora parte do negócio, é manifesto que o fundamento de resolução apontado ao mesmo não pode ser arguido por esta, que para tanto e por essa razão carece de legitimidade.

Em face do exposto, declara-se a Autora parte ilegítima para formular o pedido principal n.º 1 contra os Réus, sendo estes absolvidos da instância quanto ao referido pedido formulado como n.º 1 na petição, atenta a declarada ilegitimidade ativa e tudo conforme o disposto nos artigos 30.º, 577.º, alínea e), e 576.º, todos do Código de Processo Civil.

Custas da acção, nesta parte, a cargo da Autora (artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 1, e Tabela I do Regulamento das Custas Processuais)».

Segunda decisão

«C. Ininteligibilidade dos pedidos principais formulados como n.ºs 2 e 3 quanto ao Réu M (…)

O Réu M (…) invocou a ininteligibilidade dos pedidos formulados como n.ºs 1 (este prejudicado face ao anteriormente decidido), 2 e 3, porquanto, no seu entender, quanto a estes últimos, não lhe foi imputado qualquer facto gerador de responsabilidade civil extra-contratual - fls. 30.

A Autora respondeu - a fls. 200 -, tendo referido quanto à ineptidão da petição inicial que «A A. vive em Tomar, mas tem o usufruto da casa de Figueiró do Vinhos como residência secundária sua e da sua família».

Cumpre apreciar e decidir.

A ineptidão da petição inicial consiste numa excepção dilatória que, uma vez verificada, conduz à abstenção do conhecimento do mérito da causa e à absolvição do réu da instância, sendo de conhecimento oficioso pelo Tribunal, em conformidade com o disposto nos artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, 278.º, n.º 1, alínea b), 576.º, n.º 2, 577.º, alínea b), e 578.º, todos do Código de Processo Civil.

Nos termos do artigo 186.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil, a petição inicial diz-se inepta se for ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir.

Ou seja, seria necessário que existisse uma falta de formulação do pedido ou da causa de pedir por parte da Autora, traduzindo-se tal «na falta do objecto do processo» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, volume 1.º, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2014, p. 353). Ora, no caso concreto, a Autora pede a condenação do primeiro Réu no pagamento de uma indemnização assentando esse pedido no facto de este ter celebrado «com a R. F (…), Lda., um contrato de arrendamento de dois prédios urbanos destinados, apenas a habitação e a garagem, contrato esse que se mantém com o terceiro R. (…), com o seu consentimento expresso ou tácito», conforme artigo 35.º da petição inicial. Não se pode afirmar portanto que o pedido é formulado de forma obscura ou que a causa de pedir é apresentada em termos tão genéricos que não constituam alegação de factos concretos. Na verdade, a Autora radica a pretensão indemnizatória no respeitante ao primeiro Réu, no facto de este ter celebrado com o segundo Réu um contrato de arrendamento.

A causa de pedir é o agregado de factos operativos à luz do ordenamento jurídico, factos que fundamentam o pedido, não quaisquer abstracções ou repetições das hipóteses normativas. Numa definição também impressiva, é o «acto ou facto central da demanda, o núcleo essencial de que emerge o direito do autor» (José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, volume II, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2012, p. 351), ou ainda o «facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido» (Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, 1985, p. 245).

Ora a obrigação de indemnizar apenas surge, no quadro da responsabilidade civil, na responsabilidade extra-contratual (artigo 483.º e seguintes do Código Civil), contratual (que encontra o seu campo privilegiado nas obrigações nascidas de um contrato) e também précontratual (artigo 227.º do Código Civil). Ora, estando as duas últimas afastadas do caso concreto por razões óbvias – uma vez que não é alegada a existência de um contrato entre a Autora e o primeiro Réu ou uma ruptura injustificada de negociações que coubesse no artigo 227.º do Código Civil -, resta naturalmente o campo da responsabilidade civil extra-contratual. E é neste campo que a Autora se plasma para fundamentar, quanto ao primeiro Réu, as pretensões indemnizatórias cristalizadas nos pedidos n.ºs 2 e 3.

Estatui o artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil: «Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».

Definem-se, nesta sede normativa, os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual: facto voluntário ilícito, culpa, dano, e nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano.

Em relação ao primeiro pressuposto o facto ilícito, a conduta do agente, traduzida numa acção ou omissão, é pressuposto indispensável da responsabilidade civil, mas sem obnubilar que «a conduta do agente só releva normativamente se for valorada por referência ao carácter ilícito da mesma» (Mafalda Miranda Barbosa, Lições de Responsabilidade Civil, Principia, 1.ª edição, 2017, p. 128). No entanto, sem conduta também não se pode aferir a própria ilicitude, pois aquela «é o pressuposto mínimo imprescindível» desta (Idem).

A ilicitude pode desdobrar-se em três modalidades: a violação de direitos de outrem (maxime, direitos absolutos), a violação de disposições legais de protecção de interesses alheios, e o abuso de direito (na esteira de Sinde Monteiro, Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações, Almedina, 1989, p. 180-181, «violação de regras elementares de conduta social, aquele soit disant mínimo ético», Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, volume I, 10.ª edição, Almedina, 2013, pp. 544-547, Mafalda Miranda Barbosa, Lições de Responsabilidade Civil, Principia, 1.ª edição, 2017, p. 183).

Ora, o facto ou acto humano voluntário imputado ao primeiro Réu - celebração de contrato de arrendamento com o segundo Réu – não está revestido de ilicitude ou antijuridicidade.

Pois bem, o facto de celebrar um contrato de arrendamento não é ilícito em si mesmo, sendo aliás uma liberdade garantida constitucionalmente (artigos 26.º, n.º 1, 62.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa) e por lei ordinária, nomeadamente no artigo 405.º do Código Civil. O facto foi praticado, por isso, no exercício regular de um direito sendo consequentemente lícito, deixando de satisfazer às exigências do artigo 483.º, n.º 1 do Código Civil. Nem com a prática do mesmo se violou um qualquer direito absoluto da Autora ou uma disposição legal de protecção de interesses alheios.

A situação em que é alegada uma causa de pedir da qual não se pode tirar, por não preenchimento da previsão normativa, o efeito jurídico pretendido, só pode acarretar improcedência da acção (José Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum à luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2013, p. 47). Existe manifesta improcedência dos pedidos formulados sob os n.ºs 2 e 3, em relação ao Réu M (…), atenta a inviabilidade da pretensão por falta de facto ilícito imputado ao mesmo - ou melhor, por imputação de um facto que não é ilícito -, não devendo haver absolvição do mesmo quanto à instância, mas sim quanto ao pedido, porquanto a tese propugnada pela Autora não tem possibilidades de ser acolhida face à lei em vigor, «significando que seja inequívoco que o procedimento nunca poderá proceder, qualquer que seja a interpretação jurídica que se faça dos preceitos legais» (v. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, 30 de Junho de 2016, Processo n.º 25802/15.0YIPRT). A este título falam ainda José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil anotado, volume I, 3.ª edição, 2014, p. 357) de ininteligibilidade da causa de pedir enquanto fundamento do pedido, que se encontrará no plano da inviabilidade   não no da ineptidão.

Em face do exposto, absolve-se o Réu M (…) dos pedidos formulados sob os n.ºs 2 e 3, porquanto os pedidos alicerçados na causa de pedir invocada pelo Autor são manifestamente inviáveis e improcedentes.

Custas da acção, nesta parte, a cargo da Autora (artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 1, e Tabela I do Regulamento das Custas Processuais)».

b) É destas decisões que vem interposto o recurso por parte da Autora, cujas conclusões são as seguintes:

«Primeira - O R. M (…), obteve, de forma ilegal, violando o disposto no artigo 5.º do DL160/2006 um alvará municipal para o exercício da actividade de café - restaurante.

Segunda - Violando uma norma imperativa, uma vez que apenas poderia utilizar o rés do chão da sua casa para habitação.

Terceira - Violando as regras de boa vizinhança, do direito ao bem-estar, ao sossego e à tranquilidade da A. quando habita a sua casa, com a sua família. (artigos citados 70. 1, 81 e 1083.2, todos do CCivil).

Quarta - A nulidade dum negócio jurídico é invocável a todo o tempo por qualquer interessado ­artigo 285 do CC.

Quinta - A A. tem interesse em demandar o R. M (…), porque ele, com a sua conduta contra a lei, não lhe permitiu nem permite viver saudavelmente na sua casa, com a sua família, o que com a sua idade avançada maior sofrimento lhe causa.

Nestes termos e nos melhores, doutamente, supridos por VV Exas, deve ser revogado o despacho saneador nos segmentos recorridos, declarando-se a legitimidade activa da A. e quanto aos pedidos formulados contra o R. M (…) e ordenando-­se que os autos prossigam os seus termos para decidir sobre os pedidos de que foi absolvido.

Assim será feita JUSTIÇA».

c) O réu M (…) contra-alegou e concluiu deste modo:

«a) O Recurso interposto pela autora é ininteligível porquanto o Douto Despacho recorrido absolveu da instância os Réus, e a Autora só Recorreu na parte que diz respeito ao Réu M (…);

b) Daqui resulta que, a Autora, invoca a nulidade do contrato de arrendamento apenas, no que diz respeito ao Contraente M (…), porém no que diz respeito aos restantes Réus, aceita tal contrato como válido ao deixar transitar em julgado, a absolvição da instância dos mesmos relativamente ao 1º pedido;

c) A absolvição da instância dos restantes Réus, transitada em julgado por ilegitimidade da autora para formular o pedido principal 1, aproveita o co-Réu M (…), nos termos do art. 635 n.º 5 do CPC

d) O Réu M (…), atento facto de a autora só ter recorrido contra si, e ter deixado transitar o Despacho Saneador quanto aos restantes Réus, é parte ilegítima para o Recurso,

e) - O nº 3 do art. 635 do Código Processo Civil, obriga a que o recorrente nas conclusões da alegação, invoque os fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão.

f) - A Recorrente, nas conclusões das suas alegações, limitou-se no que concerne aos pedidos 2 e 3 a alegar factos novos, factos que não alegou na sua P.I.

g) - A recorrente na sua P.I. para fundamentar os pedidos 2 e 3 de indeminização por danos morais contra o Recorrido M (…), limitou-se a alegar no art. 35 que : “O primeiro Réu é solidariamente responsável pelo pagamento dos danos morais infra peticionados, porque, celebrou com a R. F (…) Lda. um contrato de arrendamento de dois prédios ... ..”

h) – Não alegou quaisquer outros factos, para fundamentar os seus pedidos 2 e 3.

i) - A decisão de mérito proferida, e recorrida, foi completamente omitida das conclusões apresentadas pela recorrente, não fazendo, aquela ali qualquer referência, à errada interpretação ou aplicação da lei, no sentido em que a Douta decisão o fez.

j) – A Recorrente não cumpriu com o ónus( art. 639 n.º 1 alínea b) do CPC) de indicar o sentido com que, no seu entender as normas que constituíram fundamento jurídico da decisão (art. 26 n.º 1 e 62 n.º 1 da CRP e art. 405.º e 483.º n.º 1 do CC). deviam ter sido interpretadas e aplicadas.

k) - Bem como, não cumpriu o ónus de alegar e concluir porque é que a decisão recorrida, não deveria ter considerado tais pedidos, pedidos inviáveis e improcedentes

l) - A recorrente limitou-se a alegar factos novos, e concluiu que a decisão impugnada deverá ser revogada porque não atendeu a tais factos.

m) - Acresce que, não tendo sido abordada a questão de mérito que foi objecto de decisão, nas conclusões apresentadas pela Recorrente, tem tal decisão de ser considerada decidida e arrumada, não podendo delas conhecer-se em Recurso. (Ac. STJ de 18/3.66; 4/2/76; 2/12/82; 5/6/84 e 16/19/86.

n) - Não deve pois o Tribunal da Relação conhecer o Recurso no que concerne aos pedidos 2 e 3, por a Recorrente, não ter dado cumprimento ao disposto nos artº 635 e 639 do CPC e pretender isso sim submeter ao Tribunal de recurso matéria que não alegou em sede de P.I.

o) Da Certidão de Teor que agora se junta como documento 1, consta que o 2719 urbano da Extinta Freguesia de (...) foi Reconstruído em Setembro de 1977, e que Proveio do extinto artigo urbano 1334 da freguesia de (...) ,

p) Resulta de tal documento que o prédio arrendado foi construído ANTES de 7 de Agosto de 1951 (art. 1334.º),

q) Atento esse facto, o disposto no art. 5.º do Dec. Lei 160/2006, por força do nº 2 de tal disposição legal, não se aplica ao imóvel arrendando pelo réu e objecto da presente acção.

r) Não se verificando assim, a violação de quaisquer dispositivo legal no contrato de arrendamento celebrado pelo réu, não existindo assim, nulidade dos contrato por violação de tal normativo legal.

s) O imóvel arrendado pelo Réu, artº 2719, tem Alvará de licença de utilização para serviços de restauração e de bebidas;

t) Tal Alvará de Licença foi emitido Pela Câmara Municipal de (...) , com o numero 2/98 de 14/05; (Doc.2)

u) No dia 19 de Julho de 2007, entrou em vigor o Decreto Lei nº 234/2007, publicado no DR I Série, o qual revogou o citado Dec. Lei 168/97 de 4 de Julho,

v) O artº 24º do Regime Jurídico instituído pelo Decreto Lei 234/2007 de 19 de Julho, estabeleceu que os estabelecimentos que à data dispunham de titulo habilitante do seu funcionamento, designadamente alvará sanitário ou alvará de licença ou autorização emitidos ao abrigo do Dec. Lei 168/97, Tais títulos se manteriam válidos, até que os proprietários/exploradores dos estabelecimentos realizem obras de modificação dos mesmos.

w) Resulta pois, do exposto que, à data dos arrendamentos, o imóvel arrendado pelo Réu, tinha Alvará de licença de utilização para serviços de restauração e de bebidas, emitido pela autoridade competente, licença legal e válida. 

x) O Réu destinou o “prédio” a uma actividade lícita, serviços de restauração e de bebidas), actividade permitida e regulada por lei.

y) Resulta do artº 23 da PI, o facto que a A. invoca para fundamentar a nulidade é que o Réu M (…) arrendou um prédio destinado à habitação e a arrendatária destinou o mesmo à actividade de bar e café, afectando o prédio para uso diverso do fim a que se destina.

z) Admitindo-se academicamente que a resolução do arrendamento por uso indevido do prédio para fim diverso daquele a que se destina prevista no artº 1083 nº 2 c) do CC, pode configurar nulidade, a verdade é que analisando o nº 1 do citado artigo 1083º, tal faculdade só é atribuída ás partes, e o nº 2 do artº 1083 do CC, apenas confere ao Senhorio a possibilidade de resolver o contrato com o fundamento invocado pela A.

aa) A Autora não é interveniente no negócio jurídico- arrendamento não é Senhoria nem arrendatária, não é pois, titular de interesse relevante para efeito de legitimidade do pedido principal nº 1.

bb) Não é, pois a Autora parte ilegítima para formular o pedido principal 1 contra os RR, devendo manter-se a decisão de primeira instância que absolveu os Réus da instância.

cc) A Autora na sua P.I. (art 35) limita-se a alegar: “O primeiro Réu é solidariamente responsável pelo pagamento dos danos morais infra peticionados, porque, celebrou com a R. F (…) Ldª um contrato de arrendamento,...”

dd) Porém, não articula qualquer facto, que implique a nulidade do contrato de arrendamento que o réu M (…) celebrou no exercício de um seu legitimo direito;

ee) Na P.I. não foi articulado pela autora, qualquer facto, invocando a nulidade do contrato, ou sobre qualquer comportamento ilícito do Réu.

ff) A autora radica os seus pedidos indemnizatórios no facto de o Réu ter celebrado com o Segundo Réu um contrato de arrendamento.

gg) Atento o teor da a P.I. e a forma como a acção é configurada pela Autora, manifesto é que, a obrigação de indemnizar por parte do Réu M (…) só poderá ocorrer no âmbito da responsabilidade civil extra contratual, prevista no artº 483 do CC .

hh) O Réu M (…), praticou um acto legal, não violando qualquer direito da Autora.

ii) Baseando a Autora os pedidos 2 e 3 no facto de o Réu M (…) – ter  arrendando um imóvel que é sua propriedade - não podem tais pedidosprocederem, por não haver a prática de qualquer acto ilícito por parte do Réu, deixando de estarem preenchidos os requisitos de que o artº 483 º faz depender a obrigação de indemnizar.

jj) Não pode vir a A. alegar em sede de recurso, factos que não alegou na P.I. nomeadamente os alegados em 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12 e nas conclusões Terceira e Quinta do recurso, para fundamentar errada interpretação e aplicação do Direito por parte do Tribunal,

kk) O Douto Despacho Saneador recorrido, não se podia pronunciar sobre estes factos, porque a Autora não os alegou na P.I. relativamente ao Réu M (...) .

ll) Bem andou, o Tribunal ao decidir pela Absolvição do Réu dos pedidos 2 e 3, por tais pedidos serem inviáveis e improcedentes.

mm) Não pode a autora em sede de Recurso vir invocar errada interpretação e aplicação da Lei, no Douto Despacho Saneador, alegando em sede de Recurso factos que, mesmo apesar de convidado a aperfeiçoar, não invocou na P.I.

nn) Mantendo todo o respeito por entendimento diverso, pensa-se que da leitura do Douto Despacho Saneador posto em crise, se conseguem extrair os fundamentos –de facto e de direito -subjacentes à decisão de questão objecto do litígio, tendo-se, nele, abordado todas as questões que se consideram pertinentes para a resolução do litígio.

oo) Perante o exposto, entende- se não ocorrer errada interpretação e aplicação da lei, motivo pelo qual, se deve manter O Douto Despacho Saneador, posto em crise.

Nestes termos não deve ser admitido o Recurso interposto por ininteligível, a não se entender assim, deve ser mantida a decisão recorrida no seu todo, por que não enferma de nulidade ou vício.

Assim se fazendo JUSTIÇA».

II. Objeto do recurso

De acordo com a sequência lógica das matérias, cumpre começar pelas questões processuais, se as houver, prosseguindo depois com as questões relativas à matéria de facto e eventual repercussão destas na análise de exceções processuais e, por fim, com as atinentes ao mérito da causa.

Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que este recurso coloca são as seguintes:

1- A primeira questão suscitada pelo recurso consiste em saber se o Tribunal da Relação deve conhecer do recurso no que concerne aos 2.º e 3.º pedidos, porquanto a Recorrente não terá dado cumprimento ao disposto nos art. 635.º e 639.º do CPC, ou seja, não terá indicado o sentido com que, no seu entender as normas que constituíram fundamento jurídico da decisão devem ser interpretadas e aplicadas.

2 – Em segundo lugar, coloca-se a questão de saber se a Autora recorrente, relativamente ao 1.º pedido, que visa a nulidade do contrato de arrendamento, devia ter recorrido contra todos os réus outorgantes nesse contrato, sob pena de recorrendo apenas quanto a um deles, o ora recorrente e senhorio, como fez, este ser parte ilegítima na instância recursiva por estarmos perante um caso de litisconsórcio necessário.

3 – Em terceiro lugar, se a questão não tiver ficado prejudicada, cumpre verificar quanto aos 2.º e 3.º pedidos se a recorrente introduziu matéria nova no recurso, não alegada nos articulados e respetivas consequências.

4 – Por fim, cumpre verificar quanto aos 2.º e 3.º pedidos se deve manter-se a decisão que absolveu o réu recorrente desses pedidos.

III. Fundamentação

a) Conclusões do recurso

Vejamos se a Recorrente não cumpriu com o disposto no art. 639.º do CPC, ou seja, se não indicou o sentido com que, no seu entender as normas que constituíram fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas.

A resposta é negativa, porquanto o recorrente identifica com clareza as normas que entende terem sido violadas e o sentido que retira delas.

b) Vejamos se quanto aos 2.º e 3.º pedidos a recorrente introduziu matéria nova no recurso, não alegada nos articulados e respetivas consequências.

O recorrido não identifica a «matéria nova», mas referir-se-á à alegada ilicitude do funcionamento do estabelecimento comercial no prédio em causa, por se tratar de prédio destinado a habitação, pelo que a emissão do alvará por parte da Câmara Municipal enfermará de ilegalidade.

Esta questão será tratada de seguida, incluída na última questão tratada.                                                                                                                                                   

c) Ilegitimidade do réu recorrido

Nos termos do n.º 1 do artigo 635.º (Delimitação subjetiva e objetiva do recurso) do CPC, «Sendo vários os vencedores, todos eles devem ser notificados do despacho que admite o recurso; mas é lícito ao recorrente, salvo no caso de litisconsórcio necessário, excluir do recurso, no requerimento de interposição, algum ou alguns dos vencedores».

Ou seja, em caso de litisconsórcio necessário, o recorrente não pode excluir os outros vencedores do recurso, sob pena de ilegitimidade do vencedor contra ao qual foi unicamente dirigido o recurso.

Como refere Jorge Noronha Silveira, «No caso de litisconsórcio necessário, o vínculo que liga os vencedores é suficientemente forte para permitir ao recorrido recusar a interposição do recurso quando este não se dirija também aos seus compartes. O recorrente tem que recorrer contra todos eles. Se o não fizer, o recorrido pode arguir a sua ilegitimidade» - Pluralidade de Partes na Fase dos Recursos em Processo Civil.  Almedina, 1981, pág. 81.

No caso, o pedido de nulidade do contrato de arrendamento celebrado entre o os recorrido, na qualidade de senhorio, e os outros réus, na qualidade de arrendatários, respeita a uma situação de litisconsórcio necessário porquanto, na definição deste conceito, que consta do n.º 2 do artigo 33.º do CPC, «É igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal».

É o caso, pois respeitando o mesmo e único contrato de arrendamento a senhorio e arrendatário não pode o mesmo, dada a sua natureza indecomponível, ser declarado nulo apenas quanto a um dos outorgantes, porquanto continuará válido em relação àquele que não foi demandado e esta validade pressupõe claro está a integridade das partes.

Como referiu o Prof. Castro Mendes, «Suponhamos que A celebra com B, C e D um contrato, que posteriormente pretende anular, por dolo, coacção ou outro vício.

Se propuser a acção só contra B, a sentença de anulação, produzindo caso julgado só em face deste, deixa o acto nulo em face duns, válido em face dos outros. Pelo que se tem entendido que, para a decisão a obter produzir o seu efeito útil normal, a acção de anulação deve ser proposta contra todos os celebrantes do negócio anulando. É um caso de litisconsórcio natural» - Direito Processual Civil, Vol. II. Edição da FDUL, 1980, pág. 227/228.

Afigura-se que o caso dos autos constitui um caso de litisconsórcio pelo que o réu recorrido carece, desacompanhado dos restantes réus, de legitimidade para ser demandado isoladamente no presente recurso, pelo que o réu recorrido será absolvido da instância recursiva quanto ao primeiro pedido formulado na petição.

e) Matéria de facto – Factos provados

A matéria a apreciar é a que resulta do relatório que antecede e que consta da sequência de atos que constituem o processo aos quais se fará referência particularizada se for necessário.

f) Apreciação da restante questão objeto do recurso

Vejamos agora se a decisão que absolveu o réu M (…)dos 2.º e 3.º pedidos deve manter-se.

A resposta é afirmativa, pelas seguintes razões:

1 – O réu M (…) é senhorio e arrendou o local, não exercendo aí, ele mesmo, qualquer atividade danosa para terceiros.

Por conseguinte, os ruídos e outras emissões produzidos pela exploração comercial do arrendatário que eventualmente afetem a qualidade de vida da Autora não podem ser diretamente imputados ao réu M (…). Só indiretamente, como a Autora faz, responsabilizando-o por ter arrendado o local para uma atividade que pode ser fonte de ruídos e outras emissões negativas para os vizinhos.

Porém, o ato de arrendar é em si mesmo e em abstrato um ato lícito, pelo que não pode, só por si, gerar responsabilidade civil.

Terá de existir algo mais, algum facto ligado à celebração do contrato de arrendamento através do qual o senhorio possa ser responsabilizado por danos verificados na esfera jurídica de terceiros.

No caso dos autos, os danos alegados respeitam ao ruído e consequente desassossego da Autora e outros residentes provocado pelo funcionamento do estabelecimento comercial (café/pub) no local arrendado.

A Autora, de facto, acrescentou um facto mais ao ato de arrendar (cfr. artigo 35.º da petição), ou seja, alegou que o local só consente arrendamento para habitação, pelo que não podia ter sido arrendado para efeitos de exploração de um café/pub.

Isto é, foi feito um contrato de arrendamento do local para uma finalidade não permitida pela lei naquele local, finalidade essa que, é sabido, frequentemente é fonte de ações lesivas de direitos de personalidade de terceiros, como é o caso da lesão do direito ao sossego noturno gerada por atividades comerciais noturnas que promovem a aglomeração de pessoas e consumo de bebidas alcoólicas.

Ora, nos termos do n.º 1 do artigo 280.º do Código Civil, «É nulo o negócio jurídico cujo objeto seja … contrário à lei …».

Pode-se, pois, formular a hipótese da existência de um nexo de causalidade entre o ato de arrendar ilícito e a posterior produção de ruídos e deterioração da qualidade de vida da autora durante a noite.

Com efeito, verificada a lesão, esta não existiria se não existisse o arrendamento, sendo previsível para o senhorio e para quaisquer outras pessoas, colocadas no seu lugar, a provável e futura produção de tais danos.

2. Porém, não é líquido que o arrendamento em apreço enferme desta nulidade.

Com efeito, o local possui licença administrativa que autoriza aí o funcionamento de um café/pub.

O Réu alegou que essa licença se encontra corporizada no «Alvará de licença de utilização para serviços de restauração e de bebidas» emitido pela Câmara Municipal de (...) em 14 de maio de 1998, com o n.º 2, do ano de 1998.

Este alvará foi emitido e nada indica que não esteja em vigor.

Efetivamente, o n.º 2 do artigo 24.º do Decreto-lei n.º 234/2007, de 19 de junho, que estabelecia o regime jurídico a que ficavam sujeitas a instalação e a modificação de estabelecimentos de restauração ou de bebidas, bem como o regime aplicável à respetiva exploração e funcionamento, veio dispor que «Sem prejuízo do disposto no número anterior, as autorizações de abertura, alvarás sanitários ou alvarás de licença ou autorização de utilização de estabelecimento de restauração ou de bebidas emitidas ao abrigo de legislação anterior, mantêm-se válidas até à realização de obras de modificação do estabelecimento».

Este diploma foi revogado pelo artigo 41.º, al. i), do Decreto-Lei n.º 48/2011, mas a respetiva norma transitória do seu artigo 39.º, n.º 1, dispõe que «Os registos efectuados ao abrigo dos Decretos-Leis n.º 462/99, de 5 de Novembro, 234/2007, de 19 de Junho, e 259/2007, de 17 de Julho, mantêm-se válidos até à verificação de qualquer dos factos referidos nos n.º 4, 5 e 6 do artigo 4.º e 1 do artigo 14.º».

Não ocorre no caso dos autos qualquer um dos «…factos referidos nos n.º 4, 5 e 6 do artigo 4.º e 1 do artigo 14.º», pelo que o alvará em questão está em vigor.

Ora, gozando o local arrendado de «licença de utilização para serviços de restauração e de bebidas» a apontada nulidade do contrato de arrendamento não ocorre.

Não pode assim ser imputada ao Réu recorrente (senhorio) qualquer ação ilícita geradora de danos indemnizáveis e, por isso, deve manter-se a absolvição do pedido.

O Réu recorrido, quanto a estes 2.º e 3.º pedidos, alegou ainda que a Autora recorrente tinha introduzido matéria nova no recurso e respetivas consequências, não alegada nos articulados.

O Recorrido não identificou expressamente a «matéria nova», mas referir-se-á à alegada ilicitude do funcionamento do estabelecimento comercial no prédio em causa, por se tratar de prédio destinado a habitação, pelo que a emissão do alvará por parte da Câmara Municipal enfermará de ilegalidade.

Esta questão da ilegalidade do alvará é de facto uma questão nova e, por isso, não pode ser analisada porque, salvo questões de conhecimento oficioso, os recursos visam modificar decisões e não emitir juízos sobre matéria nova.

Sempre se dirá, no entanto, que se acaso fizesse parte do recurso a questão de saber se o alvará foi ou não ilegalmente emitido, isso seria questão da competência dos tribunais administrativos e, por outro lado, mesmo que aqui se concluísse que tinha existido ilegalidade, tal declaração não impediria que o alvará continuasse ativo e eficaz, cobrindo a situação factual aqui em questão, pois não existe qualquer pedido de «anulação» do alvará.

Conclui-se, face ao que fica exposto, pela improcedência do recurso, pelo que se mantém a decisão recorrida.

IV. Decisão

Considerando o exposto:

1 – Declara-se que réu é parte ilegítima relativamente à apreciação recursiva do primeiro pedido formulado na petição, pelo que se absolve o mesmo da instância recursiva quanto a esse primeiro pedido.

2 - Julga-se o recurso na parte restante improcedente e mantém-se a decisão recorrida

Custas pela Recorrente.


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Coimbra, 8 de setembro de 2020

Alberto Ruço ( Relator )

Vítor Amaral

Luís Cravo