Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
877/05.3TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: RECURSO DE REVISÃO DE SENTENÇA
FUNDAMENTOS E ADMISSIBILIDADE
DESPACHO QUE PÕE FIM AO PROCESSO
Data do Acordão: 05/12/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: DENEGADA A REVISÃO
Legislação Nacional: ARTIGO 449º DO CPP
Sumário: 1. O despacho que não admite recurso ordinário, por não ser um despacho que ponha fim ao processo, não é admite recurso extraordinário de revisão (artigo 449º,nº1 e 2 do CPP )
Decisão Texto Integral: 7

Acordam em conferência na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

“J. B… Lda." impugnou judicialmente a coima aplicada n.º P.º n.º …/05.3TBCBR. do 3.° Juízo Criminal de Coimbra, porém o recurso em causa não foi admitido por extemporâneo pela M.ª Juiz. por despacho de 18.2.2008, reclamando aquela para o Exmo Juiz Desembargador, Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, que, por despacho de 20 de Junho de 2008, indeferiu a citada reclamação.

Dessa decisão foi interposto recurso para o TC de cujo objecto não tomou conhecimento por decisão sumária sua de 23.9.2008 .

Interpôs, então, recurso extraordinário de revisão concluindo no sentido de:
“Ordenar-se a emissão de competentes guias para o pagamento da multa correspondente ao 3º dia útil, após o termo do prazo legal para apresentar as alegações considerando-se, assim, o recurso como tempestivamente interposto;
Consequentemente ordenar-se a revisão dos despachos que declararam o recurso como extemporâneo designadamente a douta decisão singular proferida pelo V enerando Desembargador, do Presidente da Relação de Coimbra " .

Por despacho de 26.10.2009 foi decidido, em 1ª instância, não admitir o recurso extraordinário de revisão entretanto interposto, com o fundamento de que o despacho de que se recorre não" é claramente um despacho que põe fim ao processo”, nos termos supostos pelo art." 449.º, do CPP, impondo-se a rejeição do recurso, por força do art.º 414.° n.º 2 do CPP, aqui aplicável.

Reclamou, então, a arguida para o STJ, proferindo o seu Exm.º Vice-presidente despacho em 25 de Janeiro de 2010, onde, fazendo menção prévia e expressa da ausência de competência da Exmª juiz para indeferir “in limine" o recurso extraordinário de revisão, para emitir qualquer juízo autónomo sobre a admissibilidade ou inadmissibilidade do pedido de revisão, vindo, na sequência processual a dirimir a reclamação em moldes favoráveis, deferindo-se-lhe e ordenando o cumprimento do art.º 454 .º do CPP .

A M.ª Juiz ordenou a subida dos autos ao STJ onde este Tribunal por falta de “competência funcional e material para apreciar o recurso extraordinário de revisão, através do qual a recorrente se propõe a declaração de que “efectivamente foram remetidos pela recorrente por correio electrónico as alegações de recurso no dia 7 de Fevereiro de 2008, referentes ao processo nº 877/05.3TBCBR que pendeu no 3º Juízo Criminal da vara Mista de Coimbra”, ordenou a remessa dos autos a este Tribunal da Relação para apreciação.

O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta no sentido da improcedência do recurso.


Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
Tal como vem referido no Ac. do STJ de 18/2/2009 e que seguiremos de perto, “Apresentando-se como uma válvula de segurança do sistema, mais justificadamente no âmbito do direito processual penal do que no direito privado, por neste a estabilidade e segurança das decisões judiciais ser um valor superior depois de alcançado o trânsito em julgado, já o fim da descoberta da verdade material a prosseguir naquele ramo de direito público, pode levar a que uma condenação penal com trânsito em julgado não seja nem deva manter-se à custa da postergação de direitos fundamentais, transformando-se os seus destinatários “então cruelmente em vítimas ou mártires de uma ideia mais que errada “, ainda que com prejuízo para a certeza e segurança do direito, no dizer do Prof. Cavaleiro de Ferreira , in Scientia Jurídica , Tomo XIV , n.ºs 75/76 , págs. 520/521.
A abstracta superioridade do Estado na relação punitiva não pode, contudo, prevalecer à custa do clamoroso sacrifício do condenado, vítima de um erro judiciário comunitariamente intolerável.
Erigir o valor da certeza e da segurança em fim incontornável, prevalente, ideal único do direito e processo penal, pôr-nos–ia face a uma segurança do injusto, a uma aparente segurança e ser só, no fundo, a segurança da tirania, no dizer do Prof. Figueiredo Dias , Direito Processual Penal , 44 .
A revisão da sentença ou despacho é a relativização, ainda dentro de limites apertados, do valor do caso julgado penal, e realiza o formato da concordância prática entre a segurança e a estabilidade e o ideal de justiça, que, em situações de clamorosa ofensa, de ostensiva lesividade do sentimento de justiça reinante no tecido social, reclama atenuação da eficácia da decisão a coberto do trânsito em julgado.
O trânsito em julgado não cobre, na filosofia deste recurso extraordinário, a injustiça da condenação penal.
Qualquer sentença ou despacho pondo fim ao processo pode ser objecto de recurso extraordinário de revisão, nos termos dos n.ºs 1 e 2 , do CPP , que , na sua revisão operada pela Lei n.º 48/07, de 29/8 , nas suas alíneas e) , f) e g) , alargou o leque das causas, taxativas, de revisão, deixando intocado o fundamento de revisão previsto no art.º 449.º n.º 1 d) , do CPP .
Para efeito de revisão equipara-se à sentença o despacho que tiver posto termo ao processo –n.º 2 , do artº 449.º , do CPP .
Objecto de revisão é o despacho judicial de 18.2.2008 que não admitiu o recurso.
Ora, o despacho, fundamento da revisão, tem de ser um despacho que ponha termo ao processo. Despacho que põe fim ao processo é aquele que, segundo jurisprudência pacífica do STJ , conhece da relação substantiva, pondo-lhe termo ou, não o conhecendo, tem por consequência o arquivamento ou encerramento do processo.
É aquele que determina o fim da relação jurídico-processual ou seja que importa o terminus da relação entre o Estado e o cidadão, sujeito processual , no âmbito de um concreto objecto processual, decidiu-se no Ac. do STJ , de 27/9/06, 3.ª Sec., P.º n.º 2798/06 .
A decisão que põe termo à causa nem sempre é uma decisão final, mas a decisão final é sempre uma decisão que põe termo à causa, definindo a existência ou inexistência da responsabilidade criminal e, quando for o caso, a culpa e a ilicitude, no sentido expresso no Ac. do STJ de 25.5.2005 , P.º n.º 1254 /05 -3 .ª Sec.
A decisão que conhece de contigências sobre a relação processual ou sobre uma questão avulsa, sobre incidências meramente processuais, próprias do desenvolvimento da relação processual, escapam ao conceito de decisão final e poderão, quando muito, constituir decisão que ponham termo ao processo –cfr. Acs. do STJ , de 4.5.2005 , P.º n.º 887/05-3 , de 25.5.2005 , P.º n.º 1254/04 -3.ª Sec. , de 8.7.2003 , P.º n.º 2298/03-5.ª e de 6.4.2006 , in CJ , STJ , Ano XIV, TII, 160 .
Na doutrina, decisão que põe termo à causa significa que a questão substantiva fica definitivamente decidida, que o processo não prosseguirá para a sua apreciação, esta a posição do Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2.ª ed., Verbo 2000, 323.
O recurso extraordinário de revisão impõe a quebra de caso julgado e é permitido nos art.ºs 29.º n.º 6 da CRP e 4.º n.º 2, da CEDH, supondo a ocorrência de factos novos que são aqueles que eram desconhecidos do recorrente na data da decisão revidenda ou só posteriormente vieram ao seu conhecimento; são circunstâncias “ substantivas e imperiosas “ que devem permitir essa quebra de modo a não transformar-se o recurso numa apelação disfarçada “ appeal in disguise “ , no entendimento de Paulo Pinto de Albuquerque , in Comentário do Código de Processo Penal , pág. 1210 .
É essa novidade que há-de suportar grave dúvida, não qualquer dúvida, mas uma dúvida tal que quase atinja a certeza, sobre a justiça da decisão, enquanto verdadeira dimensão normativa do recurso, nos termos do art.º 449.º n.º 1d) , do CPP , e , visto o que dos autos consta é óbvio que o despacho aqui em causa não põe fim ao processo. Na verdade, a decisão que “definiu o direito e nesta medida pôs termo ao processo foi a sentença de 22/1/2008” que julgou improcedente a impugnação judicial que a arguida “J. Batista Carvalho, Lda” apresentou contra a decisão da autoridade administrativa, esta sim pôs termo ao processo. O despacho aqui em causa apenas se pronunciou sobre a tempestividade do recurso.
Por todo o exposto, para fins do preceituado no art.º 449.º n.ºs 1 al d) e 2 , do CPP, e cingindo-nos a esse pressuposto processual do recurso extraordinário de revisão, a pretensão do requerente não se enquadra no conceito de decisão pondo termo ao processo, e sem necessidade de quaisquer outras considerações, está votada ao insucesso, denegando–se a revisão .

Custas pela recorrente fixando-se a taxa de justiça em 7 Uc,s

Coimbra,

Alice Santos

Belmiro Andrade