Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ISABEL VALONGO | ||
Descritores: | CONDUÇÃO SOB INFLUÊNCIA DO ÁLCOOL EXAMES EM CASO DE ACIDENTE RECUSA CONSTITUCIONALIDADE | ||
Data do Acordão: | 10/19/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE POMBAL – 3º J | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 152.°, N.°3, 153.°, N.°8 E 156.°, N.°2, DO CÓDIGO DA ESTRADA | ||
Sumário: | 1-O actual regime dos artigos 152.°, n.°3, 153.°, n.°8 e 156.°, n.°2, todos do Código da Estrada, foi alterado/aprovado por Decreto-Lei emanado do Governo, sem a necessária autorização legislativa do órgão competente, a Assembleia da República. 2-A retirada do direito de poder recusar a recolha de sangue, padece de inconstitucionalidade orgânica | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I 1. Nos autos de processo comum singular nº 164/09.8GBPBL, do 3º Juízo do Tribunal de Pombal, foi o arguido A..., casado, manobrador de máquinas, natural da freguesia e concelho de Leiria, residente na Rua …………, julgado e condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e sob a influência de substâncias psicotrópicas, p. e p. pelo artigo 292º, nºs 1 e 2 e 69º, nº 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão; pela prática de um crime de violação de proibições ou interdições, p. e p. pelo artigo 353º, do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão. Em cúmulo jurídico de tais penas, foi o arguido A... condenado na pena única de 12 (doze) meses de prisão e na sanção de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 2 (dois) anos. Foi ainda condenado como autor material de uma contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 82º, nºs 3 e 6 do Código da Estrada, na coima de € 120,00 (cento e vinte euros). Ficou ainda sujeito à obrigação de entregar a carta de condução de que seja titular na secretaria do tribunal, no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da sentença, sob pena de, não o fazendo, ser ordenada a sua apreensão e incorrer na prática de um crime de desobediência. 2. Desta sentença recorre o arguido, formulando, em síntese, as seguintes conclusões: “(…) 1 - Por sentença proferida nos autos à margem referenciados foi o arguido condenado como autor material de um crime de condução em estado de embriaguez e sob a influência de substâncias psicotrópicas, p. e p., pelo art. 292.°, n.° s 1 e 2 e 69.°, n.° 1, do C.P., na pena de 10 meses de prisão; como autor material de um crime de violação de proibições ou interdições, p. e p., pelo art. 353.°, do C.P., na pena de 8 meses de prisão. Operando o cúmulo jurídico de tais penas, na pena única de 12 meses de prisão; na sanção de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 2 anos, e como autor material de uma contra-ordenação, p. e p. pelo art. 82.°, n.° s 3 e 6, do Código da Estrada, na coima de € 120,00. 2 Com efeito, a Mm.ª Juiz a quo, no caso sub iudice, considerou válida a recolha de sangue para a determinação da Taxa de álcool no Sangue ( TAS ) efectuada ao arguido, no Hospital Distrital de Pombal, na sequência do acidente de viação em que o mesmo foi interveniente, por despiste. 3 Porém, salvo o devido respeito, o arguido discorda em absoluto da douta sentença recorrida, pois que, a recolha de sangue efectuada ao arguido para se apurar o seu grau de alcoolemia, porque efectuada sem possibilitar ao arguido a sua recusa, constitui uma prova ilegal, inválida ou nula, que não pode produzir efeitos em juízo, conforme defendido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 09/12/2009, disponível in www.dgsi.pt, e no Acórdão do tribunal Constitucional n.° 275/2009, de 27 de Maio, publicado no DR, 2.a Série, n.° 129, de 7 de Julho de 2009. 4. No caso em apreço, houve uma recolha de sangue para análise, a condutor/sinistrado/arguido transportado a estabelecimento hospitalar, ao qual foi diagnosticado a impossibilidade de realizar teste de pesquisa de álcool no ar expirado, porque este se encontrava em coma e inconsciente, e que, por isso, não é informado do fim da colheita, nem lhe é solicitado qualquer consentimento para a sua recusa. 5. Efectivamente, nos actuais artigos 152.°, n.° 3, 153.°, n.° 8 e 156.°, n.°2, todos do Código da Estrada, não está expressamente prevista a possibilidade de recusa aos exames aí previstos, em caso de acidente de viação. 6. Porém, a actual lei está ferida de inconstitucionalidade orgânica, porquanto o actual regime dos artigos 152.°, n.°3, 153.°, n.°8 e 156.°, n.°2, todos do Código da Estrada, foi alterado/aprovado por Decreto-Lei emanado do Governo, sem a necessária autorização legislativa do órgão competente, a Assembleia da República. 7. Donde que, a retirada do direito de o arguido poder recusar a recolha de sangue, padece de inconstitucionalidade orgânica. 8. E, sendo assim, in casu, o arguido poderia ter recusado expressamente a colheita do sangue, sem que o mesmo praticasse qualquer crime de desobediência. 9. Mas, para que o arguido, no caso concreto, pudesse recusar a colheita de sangue ou para se entender que o mesmo consentiu em tal colheita, forçoso é concluir que o arguido deveria estar, primeiramente consciente, e depois, saber, estar informado do fim a que se destinava a colheita de sangue. 10. De resto, resulta da normal experiência e práticas hospitalares, que nestas situações de internamento em consequência de acidentes, retirar sangue ao doente para efeitos de diagnóstico, é comum. E, é de presumir um consentimento ainda que tácito do doente para a recolha do sangue, pressupondo que tal colheita se destina a ser usada em seu benefício. 11. Donde resulta que, destinando-se a colheita do sangue a outro fim que não o benefício clínico do doente, como foi o caso da análise para efeitos de apurar o grau de alcoolemia, deveria o arguido ter sido informado previamente desse fim, dando-lhe a possibilidade de poder recusar ou poder consentir nessa recolha. 12. É que, ao ser submetido ao teste de pesquisa do álcool no ar expirado, qualquer condutor sabe a que se destina esse teste, o mesmo já não se pode dizer quando se está internado num hospital ou estabelecimento de saúde e um médico faz uma colheita de sangue ao sinistrado. 13. Aqui, o sinistrado adquire a qualidade e é tratado como doente. E deve ser nessa qualidade que se deve interpretar e presumir qualquer consentimento seu, ainda que tácito, quanto aos actos médicos. 14. Ora, a colheita de sangue para análise do álcool no sangue do condutor sinistrado embora praticado por um médico, não tem, a natureza de acto médico em sentido estrito, mas sim de um acto ou diligência de prova para efeitos de procedimento criminal. 15. E tratando-se de um acto que viola a integridade física e tem como objectivo, uma possível incriminação do doente/sinistrado, o mesmo deve ser informado ou estar devidamente esclarecido do fim a que se destina a recolha de sangue. 16. Para o suprimento do direito de o condutor/sinistrado/arguido poder livremente recusar a colheita de sangue para efeitos de análise ao grau de alcoolemia, na medida em que esta alteração legislativa tem um conteúdo inovatório, necessitava o legislador governamental de autorização legislativa, pois que a decisão normativa primária cabia à Assembleia da República, por força da alínea c), do n.° 1, do art. 165.°, da CRP. 17. Assim, a colheita de sangue para aqueles fins, ao abrigo dos actuais artigos 152.°, n.° 3, art. 153.°, n.° 8, e art. 156.°, n.° 2, todos do Código da Estrada, na redacção dada pelo DL n.° 44/2005-A/2001, de 28 de Setembro - sem possibilitar ao condutor/arguido a sua recusa, está ferida de inconstitucionalidade orgânica. 18. Com efeito, do factualismo dado como provado pela Mm.ª Juiz a quo, não resulta que o arguido in casu tenha sido previamente informado do destino ou fim da colheita de sangue a que foi sujeito no Hospital Distrital de Pombal, até porque o mesmo se encontrava em coma, inconsciente. 19. Nestes termos, no presente caso, a concreta recolha de sangue ao arguido que serviu de base à análise para apurar o seu grau de alcoolemia, constitui prova ilegal, inválida ou nula, que não pode produzir efeitos. 20. Pelo que a douta sentença violou o disposto nos artigos 25.° e 32.°, n.° 8, da Constituição da República Portuguesa e art. 126.°, do Código de Processo Penal. 21. Devendo, em consequência, a douta sentença recorrida ser revogada e, em consequência, substituída por outra que absolva o arguido da prática dos crimes de que vem acusado, pelos fundamentos supra expostos. 22. Por mera cautela e sem prescindir, sempre se analisará, porém, a medida da pena concretamente aplicada ao arguido relativamente a cada um dos crimes por que foi condenado e, por conseguinte, à pena única resultante do cúmulo jurídico de cada uma daquelas. 23. Sucede que, balizando-se a moldura penal abstracta para esses tipos legais de crime entre pena de multa e pena de prisão até 1 e 2 anos, respectivamente, afigura-se manifestamente exagerado, desajustado, injusto e, também por isso, ilegal, o quantum concreto das penas recortadas pela Mm.ª Juiz para cada um dos crimes por que condenou o arguido e, consequentemente, o quantum resultante do cúmulo jurídico das mesmas. 24. Na verdade, para a determinação do tipo de pena a aplicar, estatui o art. 70.°, do Código Penal que, se ao crime em questão forem aplicáveis, em alternativa, a pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dará preferência à segunda, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. 25. Acrescentando, depois, o art. 71°, do mesmo diploma, que uma vez assim determinada a espécie de pena a aplicar, atender-se-á de seguida à culpa do agente e às exigências de prevenção ( n.º 1 ), bem como a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente ( n. °2 ). 26. Sendo certo, porém, que há-de ser sempre essa culpa que há-de fixar o limite máximo e inultrapassável da punição, segundo imposição do art. 40. °, desse citado código. 27. Ora, salvo o devido respeito, a decisão recorrida, no que à medida concreta da pena em particular concerne, viola o disposto nos citados normativos. 28. E que, de facto, se atentarmos nas razões aduzidas pela Mm.ª Juiz a quo na sua douta sentença para sustentar as penas aplicadas, ressalta, sem sombra de dúvidas, que a lex motiv para a escolha e medida das mesmas foi apenas o passado criminal do arguido. 29. Ademais, se é certo e correcto que, contra tudo isso, jogam prementes necessidades de prevenção geral e especial, como referiu, e bem, a Mm.ª Juiz a quo, também é verdade que, salvo o devido respeito, a Mmª Juiz a quo parece ter ignorado, para a escolha e medida da pena, todo o circunstancialismo fáctico que rodeou o caso sub iudice. 30. Pois, para além de não terem advindo consequências danosas da sua conduta, o arguido colaborou com a justiça confessando os factos constantes da acusação, tendo mostrado arrependimento, o que não deixa de revelar um traço positivo da sua personalidade e que se reflecte na culpa. O arguido tem bom comportamento social, encontrando-se profissional e socialmente integrado. 31. Devendo ainda ter-se em linha de conta a sua situação pessoal de degradação da personalidade por factores exógenos, como sejam a sua acentuada dependência do consumo de bebidas alcoólicas e a actuação nesse quadro potenciador, bem como, a sua condição económico-social de grau médio/baixo. 32. Pelo que, por muito prementes que, in casu, sejam as necessidades de prevenção geral e especial, também é certo que o grau de ilicitude dos factos imputados ao arguido, o modo de execução destes e a gravidade das suas consequências são circunstâncias que jogam a favor do arguido e, por isso mesmo, que atenuam especialmente a sua culpa. 33. Circunstâncias essas que, não tendo sido devidamente valoradas em favor do arguido, contribuíram para a escolha e determinação de uma pena que, para além de manifestamente desajustada, inadequada e violadora de alguns princípios básicos do escopo da política criminal vigente e da ideologia sociológica de reinserção e ressocialização que está subjacente à sua aplicação, ultrapassa, em larga medida a culpa do arguido. 34. Aplicar ao arguido uma pena de prisão efectiva de 12 meses, será colocar em sério risco, para além da sua estabilidade emocional, a sua própria profissão. 35. Em face de todo este circunstancialismo, a pena de prisão efectiva aplicada pela Mmª Juiz a quo na douta sentença, excede a medida da culpa subjacente ao crime, devendo ser fixada em medida inferior. 36. Por outro lado, no que refere à Pena acessória de inibição de conduzir, tendo em conta as circunstâncias previstas no art. 71.°, n.° 2, do C.P., mais uma vez se considera exagerada e desadequada a sua fixação em 2 anos. 37. Assim, perante uma moldura abstracta de 3 meses a 3 anos de inibição de conduzir, e atentas as circunstâncias factuais sobreditas, não deverá a pena acessória de inibição de conduzir concretizar-se acima de 1 ano. 38. Em face do exposto, a douta sentença recorrida violou, salvo o devido respeito, o disposto nos citados artigos 70.°, 71.°, 40.°, e 69.°, do Código Penal. 39. Termos em que, deve, pois a mesma ser revogada e, em consequência, substituída por outra que reduza a moldura penal concretamente aplicada ao arguido, em consonância com o exposto e em observância dos supra referidos normativos legais, bem como, lhe aplique pena de inibição de condução por período não superior a 12 meses. 40. Por outro lado, e sem prescindir, rejeita-se o entendimento da Mm.ª Juiz a quo de que só a pena de prisão efectiva poderá cumprir de forma adequada as finalidades da punição exigíveis no caso "sub iudice", não obstante, as suas anteriores condenações pela prática do mesmo crime. 41. Aliás, é entendimento maioritário dos tribunais suspender a pena de prisão aplicada ou optar por outra pena não privativa da liberdade. 42. Deste modo, o recurso às penas privativas da liberdade só será legítimo quando, dadas as circunstâncias, não se mostrem adequadas as sanções não detentivas, dando-se, assim, realização aos princípios político-criminais da necessidade, proporcionalidade e subsidiariedade da pena de prisão. 43. Além do mais, o infractor típico no Direito Estradal não pertence a estratos sociais ditos marginais e, por isso, não precisa, propriamente, de tratamento penitenciário, uma vez que as suas perspectivas de reinserção social são muito diferentes dos demais condenados. 44. Por outro lado, "os crimes supõem um certo desvalor ético, enquanto que, nos chamados delitos de tráfico, sobretudo quando não produzem resultado danoso, não se suscita no meio ético e social uma reprovação com a categoria de um "verdadeiro" delito. (Vide Acórdão da Relação de Coimbra, de 07/02/2001, in www.dgsi.pt ) 45. Assim, no caso concreto, com o cumprimento pelo arguido de uma pena de 12 meses de prisão efectiva, esta pena terá certamente efeitos muito gravosos, não só para o próprio como, quem sabe, no futuro, para toda a comunidade. 46. Aliás, ela terá efeitos inversos aos pretendidos, designadamente no que se prende com a ressocialização e a sua reintegração na sociedade, operando-se, assim, uma "dessocialização" e uma "desintegração" na sociedade do arguido. 47. Assim sendo, deverá determinar-se a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, por tempo aceitável ou adequado, conforme o previsto no art. 50. °, do Código Penal. 48. Ainda que, subordinando-a ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, destinados a facilitar a sua reintegração na sociedade, nos termos do disposto nos arts. 51. ° e 52. °, do Código Penal, nomeadamente determinando-se a sua sujeição a cura em instituição adequada, pois que a conduta do arguido foi determinada por uma dependência acentuada de consumo de álcool. 49. Por mera cautela e sem prescindir, ainda que se considere que in casu a suspensão da pena de prisão não será suficiente para acautelar de forma adequada as finalidades da punição, o que não se concede, sempre se terá de lançar mão dos outros meios que a lei põe, à disposição do Julgador. 50. Com efeito, sempre poderá ser aplicada ao arguido a prestação de trabalho a favor da comunidade, ao abrigo do disposto no art. 58.°, do Código Penal, na redacção da Lei 59/2007, de 4 de Setembro. 51. No caso sub iudice estão preenchidos os pressupostos da substituição da pena de prisão efectiva pela prestação de trabalho a favor da comunidade, designadamente o consentimento do arguido, a circunstância de a pena de prisão aplicada não ser superior a 1 ano, e se entender que o cumprimento desta pena realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ou seja, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. 52. Com efeito, a prestação de trabalho a favor da comunidade, adequa-se às circunstâncias concretas do presente caso, tendo em conta que o arguido está inserido sócio-profissionalmente, se mostrou arrependido da sua conduta e está perfeitamente consciencializado da necessidade de correcção do seu comportamento futuro no que concerne à prática de factos similares. 53. As penas de substituição são verdadeiras penas autónomas e o tribunal só deve negar a aplicação de uma delas quando a execução da prisão se revele do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessário ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas; coisa que só raramente acontecerá se não se perder de vista o já tantas vezes referido carácter criminógeno da prisão, em especial da de curta duração. 54. Sendo certo que, como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10/12/2008, in www.dgsi.pt: I — A aplicação pelo tribunal de uma pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade ou qualquer outra, não constitui uma faculdade discricionária, antes se prefigura como um poder/dever ou um poder vinculado, tal como sucede com a suspensão da execução da pena, pelo que, uma vez verificados os respectivos pressupostos, o tribunal não pode deixar de aplicar a pena de substituição." 55. Caso, porém, assim não se entenda, a execução daquela pena deverá ser feita em regime de permanência na habitação, nos termos do art. 44.°, do Código Penal, na versão actualmente em vigor, decorrente da alteração introduzida ao mesmo pela Lei n.° 59/2007, de 4 de Setembro. Cumprindo o arguido a pena de prisão aplicada de 1 ano, na sua residência, mediante a fiscalização por meios técnicos de controlo à distância. 56. "O regime de permanência na habitação é uma nova forma de pena de substituição privativa de liberdade, a aplicar como alternativa a um cumprimento de pena em ambiente de estabelecimento prisional". (Vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 31/01/2008, tn www.dgsi.pt.) 57. Com efeito, in casu estão preenchidos os pressupostos objectivos de aplicação ao arguido da execução da pena de prisão em regime de permanência na sua habitação ( Cfr. art. 44.°, n.° 1, alínea a) ), nomeadamente o consentimento do arguido, a condenação numa pena de prisão efectiva não superior a 1 ano, e entender-se que o cumprimento desta pena realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ou seja, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. 58. Por outro lado, acresce que, o crime em questão nos autos — condução de veículo em estado de embriaguez — têm como requisito necessário para o seu cometimento que o arguido saia do seu domicílio para, no exterior, conduzir veículo automóvel. 59. Assim, a sua inserção em regime prisional só apresentaria desvantagens, ao passo que a sua limitação física ao espaço residencial cumpre as finalidades de prevenção especial. 60. Por mera cautela e sem conceder, caso assim não se entenda, sempre aquela pena deverá ser cumprida em regime de prisão por dias livres ou, em alternativa, em regime de semidetenção, previstos nos artigos 45. ° e 46. °, do Código Penal. 61. De forma a limitar os efeitos perniciosos de uma curta detenção de cumprimento continuado e furtando o arguido à contaminação do meio prisional, impedindo, ao mesmo tempo, que a privação da liberdade interrompa por completo as suas relações sociais, familiares e profissionais, permitindo ao arguido prosseguir a sua actividade profissional. 62. Atendendo a que o arguido está profissionalmente integrado, que ainda não sentiu o carácter repressivo da prisão, e que esta pena, a ser cumprida continuamente, pode pôr irremediavelmente em causa o seu emprego e, nessa medida, vai tornar mais difícil a sua ressocialização, sendo que, o cumprimento da prisão por dias livres ou, em alternativa, em regime de semidetenção, realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. 63. Pelo que, a douta sentença recorrida violou, assim, o disposto nos artigos 43.°, 44.°, 45.°, 46.°, 50.°, 51.°, 52.°, 58.°, 70.°, todos do Código Penal. 64. Devendo a mesma ser revogada e, em consequência, substituída por outra que suspenda a execução da pena de prisão efectiva de 12 meses aplicada ao arguido, ou, se assim não se entender, o que não se concede, deve a mesma ser substituída pela prestação de trabalho a favor da comunidade ou, em alternativa, pelo regime de permanência na habitação. 65. Ou, caso assim, também, não se decida, deverá ser determinado o cumprimento da pena aplicada em regime de prisão por dias livres ou, em alternativa, em regime de semidetenção. Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso, decidindo-se como se propugna nas conclusões supra, assim se fazendo a necessária e costumada “(…) 1a Relativamente à detecção desse estado de influência, o nosso ordenamento jurídico prevê dois métodos de pesquisa: um através do ar expirado, outro através da análise de sangue (cfr. art. 153.° do Código da Estrada). 5a No caso, não obstante os avisos solenes que ao Recorrente foram feitos, continua ele a revelar uma manifesta falta de preparação para manter uma conduta lícita, ou dizer, continua a revelar uma personalidade que não consente que o Tribunal possa formular a seu respeito um qualquer juízo de prognose favorável à sua reinserção em liberdade, em face dos seus antecedentes criminais. 9a Pelo exposto, deverá ser dado, parcialmente, provimento ao recurso interposto, Ora, quanto ao objecto do recurso, designadamente no que toca à validade da prova, deveremos desde já assinalar que não nos parece que assista razão ao recorrente, e bem ainda que sufragamos a bem elaborada resposta à motivação de recurso do recorrente, apresentada pela Exm.a Procuradora-Adjunta junto da 1.ª instância, a qual, de forma cuidada e proficiente, ponto por ponto, desmonta eficientemente as inconsistentes razões da motivação do recurso do arguido, e à qual, com a devida vénia, nada mais se nos oferecendo aditar-lhe com relevo para a decisão, aqui a damos por inteiramente reproduzida. Porém, no que toca à escolha da pena, já entendemos fazer algumas reservas à amplitude da posição que a Exm.a Magistrada deixou em aberto quanto à não efectividade da pena de prisão, em função dos seus antecedentes criminais, pois que o arguido, tendo já sido anteriormente condenado por crime da mesma natureza, à data da prática dos factos dos presentes autos, se encontrava em período de suspensão de pena de prisão aplicada, a qual não foi bastante para o demover de reiterar o mesmo tipo de conduta anti-social, frustrando assim a expectativa e sentido ressocializador dessas anteriores penas, particularmente esta suspensa. Com efeito, sendo o crime punido com pena de prisão ou com pena de multa, não merecerá efectivamente qualquer reparo no que toca, não só à escolha da pena de prisão, já que, nos termos do art.° 70.° do Código Penal, o tribunal deverá dar preferência à pena não detentiva, "sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição", bem ainda à própria efectividade da mesma. De facto, a opção pela aplicação da pena de prisão, resultou da especial gravidade da reiterada conduta criminal do arguido, tendo designadamente em atenção, não só razões de especial gravidade, derivadas de, como resulta da matéria de facto, o arguido já anteriormente ter sido condenado por três vezes no âmbito rodoviário, por condução em estado de embriaguez, as duas primeiras em pena de multa e a terceira já com pena de prisão, embora suspensa na sua execução (e em cujo decurso, como se disse, praticou os factos desta nova condenação), tudo demonstrando que as anteriores penas não realizaram de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, tendo assim sido insuficientes para promover a sua recuperação social, pois que não foram bastante para demover o arguido de praticar nova similar infracção, como o demonstra a prática dos factos que levaram a esta nova condenação. Nada pois a aduzir contra aquela opção e efectividade da prisão em face da escalada do comportamento temeroso do arguido, já que se apresenta como manifesto que outra pena que não a da prisão efectiva não seria de facto adequada para cumprir as finalidades da pena, impondo-se assim a aplicação de uma pena privativa da liberdade. Com efeito, não podem as anteriores condenações entretanto já sofridas pelo arguido, designadamente por similar comportamento, deixar de ser consideradas, ampliando-se assim o negativismo da sua personalidade, não só para esses efeitos da escolha da pena nos termos do art.º 70.° do C.P., mas também para efeitos da exacta medida da pena, de acordo com os critérios dos referidos art.°s 71.° e 40.° do mesmo Diploma, já que ela revela destemor e indiferença, não só à reacção criminal de que pudesse vir a ser alvo se detectado, numa atitude de perfeito desprezo pelas proibições que são impostas, não interiorizando minimamente a censura ético-social do seu comportamento anti-jurídico, tudo reforçando, não só da inadequação de uma outra pena que não seja detentiva, mas também da própria não efectividade da pena de prisão, impondo-se no caso concreto a necessidade de alguma dureza na própria expressão da medida da pena de prisão. Pois que, para estas reiteradas situações delituosas, justificar-se-á uma repressão mais enérgica e firme (porque assim também mais eficazmente dissuasora para os que, apesar de tal proibidos, não abdicam da condução), como forma de proteger a Comunidade das reiteradas persistências na condução fora das regras que presidem à condução de veículos motorizados. Como se escreveu no acórdão do S.T J. de 14/03/01 (Col. Jur., Acs. S.T.J., Tomo I, 245): Por isso, atentas as exigências de prevenção geral e especial, tendo em atenção nesta a personalidade, destemor e indiferença do arguido perante as decisões dos tribunais, parece-nos que a pena de prisão será de manter. Com efeito, o arguido tem reiteradamente vindo a demonstrar insensibilidade e destemor perante a administração da justiça, pois que continua a mostrar o seu afrontamento e soberba aquelas advertências, numa ascensão a que urge pôr cobro, já que a anterior ameaça de prisão não surtiu qualquer efeito. De facto, visto o disposto no art.° 50.° n.° 1 do C. P., parece-nos que deveria estar fora de qualquer cogitação a possibilidade de lhe suspender de novo a pena, já que o arguido, pelo seu comportamento e postura, comprovou de forma categórica e indesmentível, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pois que já em anteriores situações de sério aviso, esta medida não se mostrou ser bastante e suficiente para o afastar da prática de novos factos similares, frustrando assim as expectativas criadas, e não satisfazendo desse forma as necessidades de prevenção e reprovação do crime. Sendo ainda certo também que, pelas mesmas razões, igualmente estará fora de hipótese, quer o cumprimento dessa pena de prisão em regime de permanência na habitação com controlo à distância, nos termos do art.° 44.° n.° s 1 e 2, quer a sua substituição por trabalho em favor da comunidade, nos termos do art.° 58.° n.° 1 do C.P., pois que se torna manifesto que por essas formas também não se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Afigura-se-nos pois que, perante este comportamento temerário de afrontamento às reacções criminais, se apresenta como manifesto que outra pena que não a da prisão não será de facto adequada para cumprir as finalidades da pena, impondo-se assim a aplicação de uma pena privativa da liberdade. Excepcionalmente, (e na linha da referida abertura do Ministério Público na 1.ª instância) SÓ se compreenderia que o cumprimento dessa pena de prisão possa ser equacionada para ser cumprida em dias livres ou em regime de semi-detenção, nos termos dos art.° s 45.° e 46.° do CP. e 487.° do C.P.P., atento que o arguido está inserido familiar, e sócio profissionalmente. Nestes termos, face a tudo o que ficou exposto, (sem embargo da residual referida abertura), somos de parecer que o recurso do arguido deverá improceder. (…)” FACTOS NÃO PROVADOS “Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.” * FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO “O Tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade provada com base no documento de fls. 42 e com base na confissão do arguido dos factos pelos quais vinha acusado. Quanto à situação económica e familiar do arguido consideraram-se as suas declarações, as quais se nos afiguraram espontâneas e credíveis. No que se refere aos antecedentes criminais, foi considerado o certificado de registo criminal junto aos autos a fls. 69 e seguintes.” III Foi o que ficou afirmado no referido Acórdão n.º 275/09, cuja conclusão se transcreve: Da mera comparação literal entre o n.º 8 do actual artigo 153º do Código da Estrada e as anteriores normas – seja ela a extraída do n.º 3 do artigo 158º [segundo o Decreto-Lei n.º 2/98] ou a extraída da conjugação entre o n.º 3 do artigo 158º e o n.º 7 do artigo 159º [segundo o Decreto-Lei n.º 265-A/2001] – resulta evidente que o legislador governamental substituiu o elemento negativo do tipo de crime de desobediência a realização de exame “se recusar”, substituindo-o por “se esta não for possível por razões médicas”. Com efeito, o legislador governamental pretendeu retirar aos condutores sujeitos aos exames para comprovação do teor de influência sob álcool o direito à recusa de colheita de sangue – note-se – mesmo nos casos em que a impossibilidade de realização de exame por método de ar expirado é apenas imputável ao Estado. Quando antes qualquer condutor podia recusar a sujeição a exame mediante colheita de sangue, sem necessidade de fundamentação em razões médicas – frise-se bem –, passa agora a exigir-se que a não realização da colheita de sangue apenas possa ser justificada pela impossibilidade técnica de tal operação médica. a) Estado e capacidade das pessoas; b) Direitos, liberdades e garantias; c) Definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respectivos pressupostos, bem como processo criminal; d) Regime geral de punição das infracções disciplinares, bem como dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo; e) Regime geral da requisição e da expropriação por utilidade pública; f) Bases do sistema de segurança social e do serviço nacional de saúde; g) Bases do sistema de protecção da natureza, do equilíbrio ecológico e do património cultural; h) Regime geral do arrendamento rural e urbano; i) Criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas; j) Definição dos sectores de propriedade dos meios de produção, incluindo a dos sectores básicos nos quais seja vedada a actividade às empresas privadas e a outras entidades da mesma natureza; l) Meios e formas de intervenção, expropriação, nacionalização e privatização dos meios de produção e solos por motivo de interesse público, bem como critérios de fixação, naqueles casos, de indemnizações; m) Regime dos planos de desenvolvimento económico e social e composição do Conselho Económico e Social; n) Bases da política agrícola, incluindo a fixação dos limites máximos e mínimos das unidades de exploração agrícola; o) Sistema monetário e padrão de pesos e medidas; p) Organização e competência dos tribunais e do Ministério Público e estatuto dos respectivos magistrados, bem como das entidades não jurisdicionais de composição de conflitos; q) Estatuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças locais; r) Participação das organizações de moradores no exercício do poder local; s) Associações públicas, garantias dos administrados e responsabilidade civil da Administração; t) Bases do regime e âmbito da função pública; u) Bases gerais do estatuto das empresas públicas e das fundações públicas; v) Definição e regime dos bens do domínio público; x) Regime dos meios de produção integrados no sector cooperativo e social de propriedade; z) Bases do ordenamento do território e do urbanismo; aa) Regime e forma de criação das polícias municipais. 2 - As leis de autorização legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização, a qual pode ser prorrogada. Artigo 3. Contraprova . Os métodos e equipamentos previstos na presente lei e disposições complementares, para a realização dos exames de avaliação do estado de influenciado pelo álcool, são aplicáveis à contraprova prevista no n.º 3 do artigo 153.º do Código da Estrada. Artigo 7. Exame médico para determinação do estado de influenciado pelo álcool. 1 - Para efeitos do disposto no n.º 8 do artigo 153.º e no n.º 3 do artigo 156.º do Código da Estrada, considera-se não ser possível a realização do exame de pesquisa de álcool no sangue quando, após repetidas tentativas, não se lograr retirar ao examinando uma amostra de sangue em quantidade suficiente. Artigo 9. Indícios. Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste tribunal em conceder provimento ao recurso e, consequentemente, absolve-se o recorrente quer do crime quer da pena acessória de inibição de conduzir em que foi condenado.
Paulo Guerra
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