Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
164/09.8GBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: CONDUÇÃO SOB INFLUÊNCIA DO ÁLCOOL
EXAMES EM CASO DE ACIDENTE
RECUSA
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 10/19/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE POMBAL – 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 152.°, N.°3, 153.°, N.°8 E 156.°, N.°2, DO CÓDIGO DA ESTRADA
Sumário: 1-O actual regime dos artigos 152.°, n.°3, 153.°, n.°8 e 156.°, n.°2, todos do Código da Estrada, foi alterado/aprovado por Decreto-Lei emanado do Governo, sem a necessária autorização legislativa do órgão competente, a Assembleia da República.
2-A retirada do direito de poder recusar a recolha de sangue, padece de inconstitucionalidade orgânica
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra
I
1. Nos autos de processo comum singular nº 164/09.8GBPBL, do 3º Juízo do Tribunal de Pombal, foi o arguido A..., casado, manobrador de máquinas, natural da freguesia e concelho de Leiria, residente na Rua …………, julgado e condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e sob a influência de substâncias psicotrópicas, p. e p. pelo artigo 292º, nºs 1 e 2 e 69º, nº 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão; pela prática de um crime de violação de proibições ou interdições, p. e p. pelo artigo 353º, do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão. Em cúmulo jurídico de tais penas, foi o arguido A... condenado na pena única de 12 (doze) meses de prisão e na sanção de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 2 (dois) anos.
Foi ainda condenado como autor material de uma contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 82º, nºs 3 e 6 do Código da Estrada, na coima de € 120,00 (cento e vinte euros).
Ficou ainda sujeito à obrigação de entregar a carta de condução de que seja titular na secretaria do tribunal, no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da sentença, sob pena de, não o fazendo, ser ordenada a sua apreensão e incorrer na prática de um crime de desobediência.
2. Desta sentença recorre o arguido, formulando, em síntese, as seguintes conclusões:
“(…)
1 - Por sentença proferida nos autos à margem referenciados foi o arguido condenado como autor material de um crime de condução em estado de embriaguez e sob a influência de substâncias psicotrópicas, p. e p., pelo art. 292.°, n.° s 1 e 2 e 69.°, n.° 1, do C.P., na pena de 10 meses de prisão; como autor material de um crime de violação de proibições ou interdições, p. e p., pelo art. 353.°, do C.P., na pena de 8 meses de prisão. Operando o cúmulo jurídico de tais penas, na pena única de 12 meses de prisão; na sanção de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 2 anos, e como autor material de uma contra-ordenação, p. e p. pelo art. 82.°, n.° s 3 e 6, do Código da Estrada, na coima de € 120,00.
2 Com efeito, a Mm.ª Juiz a quo, no caso sub iudice, considerou válida a recolha de sangue para a determinação da Taxa de álcool no Sangue ( TAS ) efectuada ao arguido, no Hospital Distrital de Pombal, na sequência do acidente de viação em que o mesmo foi interveniente, por despiste.
3 Porém, salvo o devido respeito, o arguido discorda em absoluto da douta sentença recorrida, pois que, a recolha de sangue efectuada ao arguido para se apurar o seu grau de alcoolemia, porque efectuada sem possibilitar ao arguido a sua recusa, constitui uma prova ilegal, inválida ou nula, que não pode produzir efeitos em juízo, conforme defendido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 09/12/2009, disponível in www.dgsi.pt, e no Acórdão do tribunal Constitucional n.° 275/2009, de 27 de Maio, publicado no DR, 2.a Série, n.° 129, de 7 de Julho de 2009.
4. No caso em apreço, houve uma recolha de sangue para análise, a condutor/sinistrado/arguido transportado a estabelecimento hospitalar, ao qual foi diagnosticado a impossibilidade de realizar teste de pesquisa de álcool no ar expirado, porque este se encontrava em coma e inconsciente, e que, por isso, não é informado do fim da colheita, nem lhe é solicitado qualquer consentimento para a sua recusa.
5. Efectivamente, nos actuais artigos 152.°, n.° 3, 153.°, n.° 8 e 156.°, n.°2, todos do Código da Estrada, não está expressamente prevista a possibilidade de recusa aos exames aí previstos, em caso de acidente de viação.
6. Porém, a actual lei está ferida de inconstitucionalidade orgânica, porquanto o actual regime dos artigos 152.°, n.°3, 153.°, n.°8 e 156.°, n.°2, todos do Código da Estrada, foi alterado/aprovado por Decreto-Lei emanado do Governo, sem a necessária autorização legislativa do órgão competente, a Assembleia da República.
7. Donde que, a retirada do direito de o arguido poder recusar a recolha de sangue, padece de inconstitucionalidade orgânica.
8. E, sendo assim, in casu, o arguido poderia ter recusado expressamente a colheita do sangue, sem que o mesmo praticasse qualquer crime de desobediência.
9. Mas, para que o arguido, no caso concreto, pudesse recusar a colheita de sangue ou para se entender que o mesmo consentiu em tal colheita, forçoso é concluir que o arguido deveria estar, primeiramente consciente, e depois, saber, estar informado do fim a que se destinava a colheita de sangue.
10. De resto, resulta da normal experiência e práticas hospitalares, que nestas situações de internamento em consequência de acidentes, retirar sangue ao doente para efeitos de diagnóstico, é comum. E, é de presumir um consentimento ainda que tácito do doente para a recolha do sangue, pressupondo que tal colheita se destina a ser usada em seu benefício.
11. Donde resulta que, destinando-se a colheita do sangue a outro fim que não o benefício clínico do doente, como foi o caso da análise para efeitos de apurar o grau de alcoolemia, deveria o arguido ter sido informado previamente desse fim, dando-lhe a possibilidade de poder recusar ou poder consentir nessa recolha.
12. É que, ao ser submetido ao teste de pesquisa do álcool no ar expirado, qualquer condutor sabe a que se destina esse teste, o mesmo já não se pode dizer quando se está internado num hospital ou estabelecimento de saúde e um médico faz uma colheita de sangue ao sinistrado.
13. Aqui, o sinistrado adquire a qualidade e é tratado como doente. E deve ser nessa qualidade que se deve interpretar e presumir qualquer consentimento seu, ainda que tácito, quanto aos actos médicos.
14. Ora, a colheita de sangue para análise do álcool no sangue do condutor sinistrado embora praticado por um médico, não tem, a natureza de acto médico em sentido estrito, mas sim de um acto ou diligência de prova para efeitos de procedimento criminal.
15. E tratando-se de um acto que viola a integridade física e tem como objectivo, uma possível incriminação do doente/sinistrado, o mesmo deve ser informado ou estar devidamente esclarecido do fim a que se destina a recolha de sangue.

16. Para o suprimento do direito de o condutor/sinistrado/arguido poder livremente recusar a colheita de sangue para efeitos de análise ao grau de alcoolemia, na medida em que esta alteração legislativa tem um conteúdo inovatório, necessitava o legislador governamental de autorização legislativa, pois que a decisão normativa primária cabia à Assembleia da República, por força da alínea c), do n.° 1, do art. 165.°, da CRP.
17. Assim, a colheita de sangue para aqueles fins, ao abrigo dos actuais artigos 152.°, n.° 3, art. 153.°, n.° 8, e art. 156.°, n.° 2, todos do Código da Estrada, na redacção dada pelo DL n.° 44/2005-A/2001, de 28 de Setembro - sem possibilitar ao condutor/arguido a sua recusa, está ferida de inconstitucionalidade orgânica.
18. Com efeito, do factualismo dado como provado pela Mm.ª Juiz a quo, não resulta que o arguido in casu tenha sido previamente informado do destino ou fim da colheita de sangue a que foi sujeito no Hospital Distrital de Pombal, até porque o mesmo se encontrava em coma, inconsciente.
19. Nestes termos, no presente caso, a concreta recolha de sangue ao arguido que serviu de base à análise para apurar o seu grau de alcoolemia, constitui prova ilegal, inválida ou nula, que não pode produzir efeitos.
20. Pelo que a douta sentença violou o disposto nos artigos 25.° e 32.°, n.° 8, da Constituição da República Portuguesa e art. 126.°, do Código de Processo Penal.
21. Devendo, em consequência, a douta sentença recorrida ser revogada e, em consequência, substituída por outra que absolva o arguido da prática dos crimes de que vem acusado, pelos fundamentos supra expostos.
22. Por mera cautela e sem prescindir, sempre se analisará, porém, a medida da pena concretamente aplicada ao arguido relativamente a cada um dos crimes por que foi condenado e, por conseguinte, à pena única resultante do cúmulo jurídico de cada uma daquelas.
23. Sucede que, balizando-se a moldura penal abstracta para esses tipos legais de crime entre pena de multa e pena de prisão até 1 e 2 anos, respectivamente, afigura-se manifestamente exagerado, desajustado, injusto e, também por isso, ilegal, o quantum concreto das penas recortadas pela Mm.ª Juiz para cada um dos crimes por que condenou o arguido e, consequentemente, o quantum resultante do cúmulo jurídico das mesmas.
24. Na verdade, para a determinação do tipo de pena a aplicar, estatui o art. 70.°, do Código Penal que, se ao crime em questão forem aplicáveis, em alternativa, a pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dará preferência à segunda, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
25. Acrescentando, depois, o art. 71°, do mesmo diploma, que uma vez assim determinada a espécie de pena a aplicar, atender-se-á de seguida à culpa do agente e às exigências de prevenção ( n.º 1 ), bem como a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente ( n. °2 ).
26. Sendo certo, porém, que há-de ser sempre essa culpa que há-de fixar o limite máximo e inultrapassável da punição, segundo imposição do art. 40. °, desse citado código.
27. Ora, salvo o devido respeito, a decisão recorrida, no que à medida concreta da pena em particular concerne, viola o disposto nos citados normativos.
28. E que, de facto, se atentarmos nas razões aduzidas pela Mm.ª Juiz a quo na sua douta sentença para sustentar as penas aplicadas, ressalta, sem sombra de dúvidas, que a lex motiv para a escolha e medida das mesmas foi apenas o passado criminal do arguido.
29. Ademais, se é certo e correcto que, contra tudo isso, jogam prementes necessidades de prevenção geral e especial, como referiu, e bem, a Mm.ª Juiz a quo, também é verdade que, salvo o devido respeito, a Mmª Juiz a quo parece ter ignorado, para a escolha e medida da pena, todo o circunstancialismo fáctico que rodeou o caso sub iudice.
30. Pois, para além de não terem advindo consequências danosas da sua conduta, o arguido colaborou com a justiça confessando os factos constantes da acusação, tendo mostrado arrependimento, o que não deixa de revelar um traço positivo da sua personalidade e que se reflecte na culpa. O arguido tem bom comportamento social, encontrando-se profissional e socialmente integrado.
31. Devendo ainda ter-se em linha de conta a sua situação pessoal de degradação da personalidade por factores exógenos, como sejam a sua acentuada dependência do consumo de bebidas alcoólicas e a actuação nesse quadro potenciador, bem como, a sua condição económico-social de grau médio/baixo.
32. Pelo que, por muito prementes que, in casu, sejam as necessidades de prevenção geral e especial, também é certo que o grau de ilicitude dos factos imputados ao arguido, o modo de execução destes e a gravidade das suas consequências são circunstâncias que jogam a favor do arguido e, por isso mesmo, que atenuam especialmente a sua culpa.
33. Circunstâncias essas que, não tendo sido devidamente valoradas em favor do arguido, contribuíram para a escolha e determinação de uma pena que, para além de manifestamente desajustada, inadequada e violadora de alguns princípios básicos do escopo da política criminal vigente e da ideologia sociológica de reinserção e ressocialização que está subjacente à sua aplicação, ultrapassa, em larga medida a culpa do arguido.
34. Aplicar ao arguido uma pena de prisão efectiva de 12 meses, será colocar em sério risco, para além da sua estabilidade emocional, a sua própria profissão.
35. Em face de todo este circunstancialismo, a pena de prisão efectiva aplicada pela Mmª Juiz a quo na douta sentença, excede a medida da culpa subjacente ao crime, devendo ser fixada em medida inferior.

36. Por outro lado, no que refere à Pena acessória de inibição de conduzir, tendo em conta as circunstâncias previstas no art. 71.°, n.° 2, do C.P., mais uma vez se considera exagerada e desadequada a sua fixação em 2 anos.

37. Assim, perante uma moldura abstracta de 3 meses a 3 anos de inibição de conduzir, e atentas as circunstâncias factuais sobreditas, não deverá a pena acessória de inibição de conduzir concretizar-se acima de 1 ano.
38. Em face do exposto, a douta sentença recorrida violou, salvo o devido respeito, o disposto nos citados artigos 70.°, 71.°, 40.°, e 69.°, do Código Penal.
39. Termos em que, deve, pois a mesma ser revogada e, em consequência, substituída por outra que reduza a moldura penal concretamente aplicada ao arguido, em consonância com o exposto e em observância dos supra referidos normativos legais, bem como, lhe aplique pena de inibição de condução por período não superior a 12 meses.
40. Por outro lado, e sem prescindir, rejeita-se o entendimento da Mm.ª Juiz a quo de que só a pena de prisão efectiva poderá cumprir de forma adequada as finalidades da punição exigíveis no caso "sub iudice", não obstante, as suas anteriores condenações pela prática do mesmo crime.
41. Aliás, é entendimento maioritário dos tribunais suspender a pena de prisão aplicada ou optar por outra pena não privativa da liberdade.
42. Deste modo, o recurso às penas privativas da liberdade só será legítimo quando, dadas as circunstâncias, não se mostrem adequadas as sanções não detentivas, dando-se, assim, realização aos princípios político-criminais da necessidade, proporcionalidade e subsidiariedade da pena de prisão.
43. Além do mais, o infractor típico no Direito Estradal não pertence a estratos sociais ditos marginais e, por isso, não precisa, propriamente, de tratamento penitenciário, uma vez que as suas perspectivas de reinserção social são muito diferentes dos demais condenados.
44. Por outro lado, "os crimes supõem um certo desvalor ético, enquanto que, nos chamados delitos de tráfico, sobretudo quando não produzem resultado danoso, não se suscita no meio ético e social uma reprovação com a categoria de um "verdadeiro" delito. (Vide Acórdão da Relação de Coimbra, de 07/02/2001, in www.dgsi.pt )
45. Assim, no caso concreto, com o cumprimento pelo arguido de uma pena de 12 meses de prisão efectiva, esta pena terá certamente efeitos muito gravosos, não só para o próprio como, quem sabe, no futuro, para toda a comunidade.
46. Aliás, ela terá efeitos inversos aos pretendidos, designadamente no que se prende com a ressocialização e a sua reintegração na sociedade, operando-se, assim, uma "dessocialização" e uma "desintegração" na sociedade do arguido.
47. Assim sendo, deverá determinar-se a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, por tempo aceitável ou adequado, conforme o previsto no art. 50. °, do Código Penal.
48. Ainda que, subordinando-a ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, destinados a facilitar a sua reintegração na sociedade, nos termos do disposto nos arts. 51. ° e 52. °, do Código Penal, nomeadamente determinando-se a sua sujeição a cura em instituição adequada, pois que a conduta do arguido foi determinada por uma dependência acentuada de consumo de álcool.
49. Por mera cautela e sem prescindir, ainda que se considere que in casu a suspensão da pena de prisão não será suficiente para acautelar de forma adequada as finalidades da punição, o que não se concede, sempre se terá de lançar mão dos outros meios que a lei põe, à disposição do Julgador.
50. Com efeito, sempre poderá ser aplicada ao arguido a prestação de trabalho a favor da comunidade, ao abrigo do disposto no art. 58.°, do Código Penal, na redacção da Lei 59/2007, de 4 de Setembro.
51. No caso sub iudice estão preenchidos os pressupostos da substituição da pena de prisão efectiva pela prestação de trabalho a favor da comunidade, designadamente o consentimento do arguido, a circunstância de a pena de prisão aplicada não ser superior a 1 ano, e se entender que o cumprimento desta pena realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ou seja, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
52. Com efeito, a prestação de trabalho a favor da comunidade, adequa-se às circunstâncias concretas do presente caso, tendo em conta que o arguido está inserido sócio-profissionalmente, se mostrou arrependido da sua conduta e está perfeitamente consciencializado da necessidade de correcção do seu comportamento futuro no que concerne à prática de factos similares.
53. As penas de substituição são verdadeiras penas autónomas e o tribunal só deve negar a aplicação de uma delas quando a execução da prisão se revele do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessário ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas; coisa que só raramente acontecerá se não se perder de vista o já tantas vezes referido carácter criminógeno da prisão, em especial da de curta duração.
54. Sendo certo que, como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10/12/2008, in www.dgsi.pt: I — A aplicação pelo tribunal de uma pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade ou qualquer outra, não constitui uma faculdade discricionária, antes se prefigura como um poder/dever ou um poder vinculado, tal como sucede com a suspensão da execução da pena, pelo que, uma vez verificados os respectivos pressupostos, o tribunal não pode deixar de aplicar a pena de substituição."
55. Caso, porém, assim não se entenda, a execução daquela pena deverá ser feita em regime de permanência na habitação, nos termos do art. 44.°, do Código Penal, na versão actualmente em vigor, decorrente da alteração introduzida ao mesmo pela Lei n.° 59/2007, de 4 de Setembro. Cumprindo o arguido a pena de prisão aplicada de 1 ano, na sua residência, mediante a fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.
56. "O regime de permanência na habitação é uma nova forma de pena de substituição privativa de liberdade, a aplicar como alternativa a um cumprimento de pena em ambiente de estabelecimento prisional". (Vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 31/01/2008, tn www.dgsi.pt.)
57. Com efeito, in casu estão preenchidos os pressupostos objectivos de aplicação ao arguido da execução da pena de prisão em regime de permanência na sua habitação ( Cfr. art. 44.°, n.° 1, alínea a) ), nomeadamente o consentimento do arguido, a condenação numa pena de prisão efectiva não superior a 1 ano, e entender-se que o cumprimento desta pena realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ou seja, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
58. Por outro lado, acresce que, o crime em questão nos autos — condução de veículo em estado de embriaguez — têm como requisito necessário para o seu cometimento que o arguido saia do seu domicílio para, no exterior, conduzir veículo automóvel.
59. Assim, a sua inserção em regime prisional só apresentaria desvantagens, ao passo que a sua limitação física ao espaço residencial cumpre as finalidades de prevenção especial.
60. Por mera cautela e sem conceder, caso assim não se entenda, sempre aquela pena deverá ser cumprida em regime de prisão por dias livres ou, em alternativa, em regime de semidetenção, previstos nos artigos 45. ° e 46. °, do Código Penal.
61. De forma a limitar os efeitos perniciosos de uma curta detenção de cumprimento continuado e furtando o arguido à contaminação do meio prisional, impedindo, ao mesmo tempo, que a privação da liberdade interrompa por completo as suas relações sociais, familiares e profissionais, permitindo ao arguido prosseguir a sua actividade profissional.
62. Atendendo a que o arguido está profissionalmente integrado, que ainda não sentiu o carácter repressivo da prisão, e que esta pena, a ser cumprida continuamente, pode pôr irremediavelmente em causa o seu emprego e, nessa medida, vai tornar mais difícil a sua ressocialização, sendo que, o cumprimento da prisão por dias livres ou, em alternativa, em regime de semidetenção, realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
63. Pelo que, a douta sentença recorrida violou, assim, o disposto nos artigos 43.°, 44.°, 45.°, 46.°, 50.°, 51.°, 52.°, 58.°, 70.°, todos do Código Penal.

64. Devendo a mesma ser revogada e, em consequência, substituída por outra que suspenda a execução da pena de prisão efectiva de 12 meses aplicada ao arguido, ou, se assim não se entender, o que não se concede, deve a mesma ser substituída pela prestação de trabalho a favor da comunidade ou, em alternativa, pelo regime de permanência na habitação.
65. Ou, caso assim, também, não se decida, deverá ser determinado o cumprimento da pena aplicada em regime de prisão por dias livres ou, em alternativa, em regime de semidetenção.

Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso, decidindo-se como se propugna nas conclusões supra, assim se fazendo a necessária e costumada
JUSTIÇA!”
*
3. Respondeu o Ministério Público, concluindo como se transcreve:

“(…)

1a
Estatui o artigo 125.° do Código de Processo Penal que "São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.".
2a
Por seu turno, preceitua o artigo 126.°, n.° l, do mesmo Código que "São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas."
3a
Estabelece, por sua vez, o artigo 152.°, n.° l, al. a), do Código da Estrada, que os condutores devem submeter-se às provas estabelecidas para a detecção do estado de influência pelo álcool.
4a
Relativamente à detecção desse estado de influência, o nosso ordenamento jurídico prevê dois métodos de pesquisa: um através do ar expirado, outro através da análise de sangue (cfr. art. 153.° do Código da Estrada).
5a
Conforme resulta da douta decisão recorrida, não foi considerado provado qualquer facto que possa sustentar validamente a alegada omissão de procedimentos essenciais relativos à ausência de consentimento do arguido quanto ao fim a que se destinava a recolha do seu sangue.
6a
Em consequência, entende-se que a recolha de sangue efectuada ao arguido para determinação da T.A.S., na sequência do acidente de viação em que o mesmo foi interveniente, é válida por ter sido realizada de harmonia com o disposto no art. 156°, n.° 2, do Código da Estrada, bem como com o estabelecido nos artigos 5°, 6° e 7o, todos da Lei n° 18/07, de 17/05 (que determina os métodos da fiscalização para avaliação do estado de influenciado pelo álcool).
7a
Segundo o art.°48°, n.° l, do CP, «o tribunal pode suspender a execução da pena de prisão não superior a 3 anos, com ou sem multa...». Não se trata aqui de uma mera «faculdade» em sentido técnico-jurídico, mas de um poder-dever, pois a suspensão será decretada se estiverem verificados os pressupostos formais e materiais de que a lei faz depender.
8a

Relativamente à detecção desse estado de influência, o nosso ordenamento jurídico prevê dois métodos de pesquisa: um através do ar expirado, outro através da análise de sangue (cfr. art. 153.° do Código da Estrada).

5a
Conforme resulta da douta decisão recorrida, não foi considerado provado qualquer facto que possa sustentar validamente a alegada omissão de procedimentos essenciais relativos à ausência de consentimento do arguido quanto ao fim a que se destinava a recolha do seu sangue.
6a
Em consequência, entende-se que a recolha de sangue efectuada ao arguido para determinação da T.A.S., na sequência do acidente de viação em que o mesmo foi interveniente, é válida por ter sido realizada de harmonia com o disposto no art. 156°, n.° 2, do Código da Estrada, bem como com o estabelecido nos artigos 5o, 6o e 7o, todos da Lei n° 18/07, de 17/05 (que determina os métodos da fiscalização para avaliação do estado de influenciado pelo álcool).
7a
Segundo o art.°48°, n.°l, do CP, «o tribunal pode suspender a execução da pena de prisão não superior a 3 anos, com ou sem multa...». Não se trata aqui de uma mera «faculdade» em sentido técnico-jurídico, mas de um poder-dever, pois a suspensão será decretada se estiverem verificados os pressupostos formais e materiais de que a lei faz depender.
8a

No caso, não obstante os avisos solenes que ao Recorrente foram feitos, continua ele a revelar uma manifesta falta de preparação para manter uma conduta lícita, ou dizer, continua a revelar uma personalidade que não consente que o Tribunal possa formular a seu respeito um qualquer juízo de prognose favorável à sua reinserção em liberdade, em face dos seus antecedentes criminais.

9a
Nem as exigências de prevenção geral nem as exigências de prevenção especial saem compatíveis, in casu, com a suspensão da execução da pena de prisão cominada.
10a
O artigo 58° do Código Penal prevê "l. Se o agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o Tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".
11a
Ou seja, o tribunal só deve negar a aplicação desta pena, ou outra de substituição, quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquela pena.
12a
Dado que o arguido está activo e socialmente inserido e a pena de prisão é a ultima ratio das consequências jurídicas do crime, há que tentar esgotar todas as penas substitutivas, permitindo assim que não sejam cortados os laços familiares e sociais, sem esquecer, no caso que nos interessa - prestação de trabalho a favor da comunidade - que esta medida constitui um meio de expiação do ilícito criminal praticado pelo agente, alivia a comunidade dos encargos económicos inerentes à pena de prisão e fomenta no condenado o sentimento de pertença e de membro útil e activo na comunidade em que se insere.
13a
Nesta conformidade, concordando com o recorrente somos do entendimento que a decisão recorrida deveria ter considerado a possibilidade de ao arguido ser aplicada uma pena substitutiva de trabalho a favor da comunidade ou mesmo de prisão por dias livres.

Pelo exposto, deverá ser dado, parcialmente, provimento ao recurso interposto,
Assim se fazendo A costumada
JUSTIÇA!
(…)”
4. Nesta instância, o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, concluindo que:
5. “(…)

Ora, quanto ao objecto do recurso, designadamente no que toca à validade da prova, deveremos desde já assinalar que não nos parece que assista razão ao recorrente, e bem ainda que sufragamos a bem elaborada resposta à motivação de recurso do recorrente, apresentada pela Exm.a Procuradora-Adjunta junto da 1.ª instância, a qual, de forma cuidada e proficiente, ponto por ponto, desmonta eficientemente as inconsistentes razões da motivação do recurso do arguido, e à qual, com a devida vénia, nada mais se nos oferecendo aditar-lhe com relevo para a decisão, aqui a damos por inteiramente reproduzida.

Porém, no que toca à escolha da pena, já entendemos fazer algumas reservas à amplitude da posição que a Exm.a Magistrada deixou em aberto quanto à não efectividade da pena de prisão, em função dos seus antecedentes criminais, pois que o arguido, tendo já sido anteriormente condenado por crime da mesma natureza, à data da prática dos factos dos presentes autos, se encontrava em período de suspensão de pena de prisão aplicada, a qual não foi bastante para o demover de reiterar o mesmo tipo de conduta anti-social, frustrando assim a expectativa e sentido ressocializador dessas anteriores penas, particularmente esta suspensa.

Com efeito, sendo o crime punido com pena de prisão ou com pena de multa, não merecerá efectivamente qualquer reparo no que toca, não só à escolha da pena de prisão, já que, nos termos do art.° 70.° do Código Penal, o tribunal deverá dar preferência à pena não

detentiva, "sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição", bem ainda à própria efectividade da mesma.

De facto, a opção pela aplicação da pena de prisão, resultou da especial gravidade da reiterada conduta criminal do arguido, tendo designadamente em atenção, não só razões de especial gravidade, derivadas de, como resulta da matéria de facto, o arguido já anteriormente ter sido condenado por três vezes no âmbito rodoviário, por condução em estado de embriaguez, as duas primeiras em pena de multa e a terceira já com pena de prisão, embora suspensa na sua execução (e em cujo decurso, como se disse, praticou os factos desta nova condenação), tudo demonstrando que as anteriores penas não realizaram de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, tendo assim sido insuficientes para promover a sua recuperação social, pois que não foram bastante para demover o arguido de praticar nova similar infracção, como o demonstra a prática dos factos que levaram a esta nova condenação.

Nada pois a aduzir contra aquela opção e efectividade da prisão em face da escalada do comportamento temeroso do arguido, já que se apresenta como manifesto que outra pena que não a da prisão efectiva não seria de facto adequada para cumprir as finalidades da pena, impondo-se assim a aplicação de uma pena privativa da liberdade.

Com efeito, não podem as anteriores condenações entretanto já sofridas pelo arguido, designadamente por similar comportamento, deixar de ser consideradas, ampliando-se assim o negativismo da sua personalidade, não só para esses efeitos da escolha da pena nos termos do art.º 70.° do C.P., mas também para efeitos da exacta medida da pena, de acordo com os critérios dos referidos art.°s 71.° e 40.° do mesmo Diploma, já que ela revela destemor e indiferença, não só à reacção criminal de que pudesse vir a ser alvo se detectado, numa atitude de perfeito desprezo pelas proibições que são impostas, não interiorizando minimamente a censura ético-social do seu comportamento anti-jurídico, tudo reforçando, não só da inadequação de uma outra pena que não seja detentiva, mas também da própria não efectividade da pena de prisão, impondo-se no caso concreto a necessidade de alguma dureza na própria expressão da medida da pena de prisão.

Pois que, para estas reiteradas situações delituosas, justificar-se-á uma repressão mais enérgica e firme (porque assim também mais eficazmente dissuasora para os que, apesar de tal proibidos, não abdicam da condução), como forma de proteger a Comunidade das reiteradas persistências na condução fora das regras que presidem à condução de veículos motorizados.

Como se escreveu no acórdão do S.T J. de 14/03/01 (Col. Jur., Acs. S.T.J., Tomo I, 245):
IV- Na escolha entre uma pena privativa da liberdade e outra não privativa, deve optar-se por aquela, sempre que a conduta do arguido revele uma particular censurabilidade e a sua personalidade se mostre desajustada aos valores da sociedade.

Por isso, atentas as exigências de prevenção geral e especial, tendo em atenção nesta a personalidade, destemor e indiferença do arguido perante as decisões dos tribunais, parece-nos que a pena de prisão será de manter.

Com efeito, o arguido tem reiteradamente vindo a demonstrar insensibilidade e destemor perante a administração da justiça, pois que continua a mostrar o seu afrontamento e soberba aquelas advertências, numa ascensão a que urge pôr cobro, já que a anterior ameaça de prisão não surtiu qualquer efeito.

De facto, visto o disposto no art.° 50.° n.° 1 do C. P., parece-nos que deveria estar fora de qualquer cogitação a possibilidade de lhe suspender de novo a pena, já que o arguido, pelo seu comportamento e postura, comprovou de forma categórica e indesmentível, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pois que já em anteriores situações de sério aviso, esta medida não se mostrou ser bastante e suficiente para o afastar da prática de novos factos similares, frustrando assim as expectativas criadas, e não satisfazendo desse forma as necessidades de prevenção e reprovação do crime.

Sendo ainda certo também que, pelas mesmas razões, igualmente estará fora de hipótese, quer o cumprimento dessa pena de prisão em regime de permanência na habitação com controlo à distância, nos termos do art.° 44.° n.° s 1 e 2, quer a sua substituição por trabalho em favor da comunidade, nos termos do art.° 58.° n.° 1 do C.P., pois que se torna manifesto que por essas formas também não se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Afigura-se-nos pois que, perante este comportamento temerário de afrontamento às reacções criminais, se apresenta como manifesto que outra pena que não a da prisão não será de facto adequada para cumprir as finalidades da pena, impondo-se assim a aplicação de uma pena privativa da liberdade.

Excepcionalmente, (e na linha da referida abertura do Ministério Público na 1.ª instância) SÓ se compreenderia que o cumprimento dessa pena de prisão possa ser equacionada para ser cumprida em dias livres ou em regime de semi-detenção, nos termos dos art.° s 45.° e 46.° do CP. e 487.° do C.P.P., atento que o arguido está inserido familiar, e sócio profissionalmente.

Nestes termos, face a tudo o que ficou exposto, (sem embargo da residual referida abertura), somos de parecer que o recurso do arguido deverá improceder.

(…)”
*
6. Foram colhidos os vistos e realizou-se a conferência.
II
São os seguintes os factos dados como provados na sentença recorrida:
“Factos provados

1. Por sentença de 19 de Fevereiro de 2009, proferida no âmbito do Processo nº 184/08.0GBPBL, do 3º juízo do Tribunal Judicial de Pombal, foi o arguido condenado como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, numa pena de multa e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pelo período de 12 meses;
2. Mais se determinou que o arguido, a fim de cumprir esse período de inibição, entregasse a sua carta de condução na secretaria do tribunal ou em qualquer posto policial, no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da sentença;
3. A referida sentença criminal transitou em julgado no dia 23 de Março de 2009 e o arguido entregou a sua licença de condução, neste Tribunal, nesse mesmo dia;
4. No dia 15 de Abril de 2009, cerca das 22 h00, o arguido conduzia o veículo ciclomotor de matrícula …, na Rua do Castelo, em Albergaria dos Doze, Pombal, tendo sido interveniente num acidente de viação, por despiste;
5. Efectuada a análise toxicológica ao sangue no Hospital Distrital de Pombal, apurou-se que o arguido conduzia o aludido veículo com uma taxa de álcool no sangue de 2,34 g/l e 5 ng/ml de substâncias estupefacientes/psicotrópicas (tetrahidrocanabinol);
6. No momento da condução o arguido não usava capacete de protecção de modelo oficialmente aprovado, devidamente ajustado e apertado;
7. O arguido previu e quis conduzir o respectivo veículo automóvel após ter ingerido bebidas alcoólicas em excesso e ter consumido substâncias psicotrópicas;
8. Actuou com o propósito concretizado de conduzir tal veículo, bem sabendo que, com a sua descrita conduta, violava a pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 12 meses que lhe tinha sido imposta por sentença criminal, conforme foi expressamente advertido, o que tomou consciência;
9. Sabia o arguido que para conduzir veículos ciclomotores necessitava de proteger a cabeça usando capacete de modelo oficialmente aprovado e mesmo assim decidiu conduzir sem o utilizar;
10. Nas descritas condutas, o arguido agiu sempre de modo livre, consciente e voluntário, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;
11. O arguido confessou os factos de forma integral e sem reservas;
12. O arguido é operador de máquinas, auferindo mensalmente entre € 800,00 e € 900,00;
13. Vive em casa própria com a esposa e um filho com 16 anos de idade que está a estudar;
14. Paga mensalmente a quantia de € 150,00 ao sogro pela aquisição da habitação;
15. A esposa do arguido é empregada comercial, auferindo o ordenado mínimo;
16. O arguido tem um veículo de marca Renault, modelo 21, com 15 anos de idade;
17. Tem 2 ciclomotores;
18. De escolaridade tem o 6º ano;
19. O arguido foi condenado, por sentença de 08.09.2003, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 65 dias de multa, à taxa diária de € 4,00 e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos pelo período de 4 meses; por sentença de 18.03.2005, o arguido foi condenado pela prática de um crime de desobediência e um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 8 meses; por sentença de 19.02.2009, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e dois crimes de injúria agravada, na pena de 7 meses de prisão, suspensa por um ano, na condição de o arguido frequentar o programa “Responsabilidade e Segurança” da DGRS, ou outro equiparado, designadamente as acções que o integram: frequência de um curso sobre condução segura dinamizado pela Prevenção Rodoviária Portuguesa, suportando os respectivos encargos; frequência de um curso sobre comportamento criminal e estratégias de prevenção da reincidência, dinamizado pela DGRS; apresentar-se na DGRS quando para tal for convocado e prestar quaisquer esclarecimentos sempre que necessário.
*

FACTOS NÃO PROVADOS

“Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.”

*

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

“O Tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade provada com base no documento de fls. 42 e com base na confissão do arguido dos factos pelos quais vinha acusado.

Quanto à situação económica e familiar do arguido consideraram-se as suas declarações, as quais se nos afiguraram espontâneas e credíveis.

No que se refere aos antecedentes criminais, foi considerado o certificado de registo criminal junto aos autos a fls. 69 e seguintes.”

III
Tendo por base as conclusões do recorrente, as questões a apreciar são as seguintes:
- inconstitucionalidade orgânica da Lei152.°, n.° 3, art. 153.°, n.° 8, e art. 156.°, n.° 2, todos do Código da Estrada, na redacção dada pelo DL n.° 44/2005-A/2001, de 28 de Setembro;
- recolha de sangue ao arguido sem o seu conhecimento/consentimento para efectuar a pesquisa de álcool - meio ilegal de prova, proibido pelo disposto nos artigos 25° e 32°, nº8, da Constituição da República Portuguesa e 126°, nº1, do Código de Processo Penal;
- Escolha e medida da pena;
- Medida da pena de inibição de conduzir;
- Suspensão da pena de prisão.
-IV
Apreciando:
Nos presentes autos foi efectuada ao recorrente uma recolha de sangue para análise, - enquanto condutor/sinistrado. Com efeito, transportado a estabelecimento hospitalar, foi-lhe diagnosticada a impossibilidade de realizar teste de pesquisa de álcool no ar expirado, porque se encontrava em coma e inconsciente, por isso que, alega o recorrente, não foi informado do fim da colheita, nem lhe foi solicitado qualquer consentimento para a sua colheita.
Aceita o recorrente que nos artigos 152.°, n.° 3, 153.°, n.° 8 e 156.°, n.°2, todos do Código da Estrada, não está expressamente prevista a possibilidade de recusa aos exames aí previstos, em caso de acidente de viação. Porém, em seu entender, a actual lei está ferida de inconstitucionalidade orgânica, porquanto o actual regime dos artigos 152.°, n.°3, 153.°, n.°8 e 156.°, n.°2, todos do Código da estrada, foi alterado/aprovado por Decreto-Lei emanado do Governo, sem a necessária autorização legislativa do órgão competente, a Assembleia da República. E conclui que, a retirada do direito de poder recusar a recolha de sangue, padece de inconstitucionalidade orgânica.
A questão já foi tratada no Acórdão nº 275-2009, do Tribunal Constitucional 27 de Maio de 2009, a propósito do crime de desobediência qualificada, resultante da conjugação do artigo 348º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, e dos artigos 152º, n.º 3 e 153º, n.º 8, ambos do Código da Estrada, de acordo com a redacção fixada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro. Aí se fez notar que a possibilidade de tipificação de um crime se encontra inscrita na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia de República [alínea c) do n.º 1 do artigo 165º, da CRP, assim como a ausência de autorização legislativa ao Governo para legislar sobre tal matéria, na medida em que a Lei n.º 53/2004, de 4 de Novembro – que o Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, expressamente invoca –, não contém qualquer disposição normativa nesse sentido.
“Porém, por si só, esta não será razão suficiente para optar pela inconstitucionalidade orgânica da norma.” - lê-se no mencionado acórdão, que acrescenta:
“Com efeito, a análise da jurisprudência consolidada no Tribunal Constitucional aponta no sentido de que a falta de lei de autorização legislativa, em matéria de competência legislativa relativamente reservada da Assembleia da República, não obsta a que o Governo possa legislar, desde que a normação adoptada não se revista de conteúdo inovatório face à anteriormente vigente. A título de exemplo, cite-se o Acórdão n.º 114/08 da 3ª Secção do Tribunal Constitucional (disponível in www.tribunalconstitucional.pt):

“Com efeito, o Tribunal já por diversas vezes afirmou, em jurisprudência que remonta à Comissão Constitucional, que o facto de o Governo aprovar actos normativos respeitantes a matérias inscritas no âmbito da reserva relativa de competência da Assembleia da República não determina, por si só e automaticamente, a invalidação das normas que assim decretem, por vício de inconstitucionalidade orgânica. Força é que se demonstre que as normas postas sob observação não criaram um regime jurídico materialmente diverso daquele que até essa nova normação vigorava, limitando-se a retomar e a reproduzir substancialmente o que já constava de textos legais anteriores emanados do órgão de soberania competente (Cfr. os acórdãos n.ºs 502/97, 589/99, 377/02, 414/02, 450/02, 416/03, 340/05 estes tirados em Secção e publicados no Diário da República, II Série, de 4 de Novembro de 1998, de 20 de Março de 2000, de 14 de Fevereiro de 2002, de 17 de Dezembro de 2002, de 12 de Dezembro de 2002, de 6 de Abril de 2004 e de 29 de Julho de 2005, bem como o acórdão n.º 123/04 (Plenário) publicado no Diário da República, I Série-A, de 30 de Março de 2004. Cfr. ainda, aliás com posição discordante, a indicação de jorge miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo V, págs. 234/235).
Para tanto, para que essa intromissão formal em domínios de reserva relativa de competência parlamentar seja irrelevante, é necessário que se possa concluir pelo carácter não inovatório da normação suspeita. Não bastará a mera verificação da identidade textual dos dispositivos legais em sucessão, tendo também de ponderar-se os demais elementos de interpretação da lei, pois o mesmo texto, reproduzido em novo contexto, pode adquirir diverso conteúdo normativo.
Mas, adquirida a certeza do carácter materialmente não inovatório da norma editada pelo Governo, na perspectiva da distribuição constitucional de competências legislativas tutelada pela inconstitucionalidade orgânica, não se vê razão para a invalidade da norma. A opção política e a volição legislativa primária do parlamento materializadas em determinado acto legislativo da Assembleia da República ou parlamentarmente autorizado mantêm-se intocadas no ordenamento jurídico, apesar da recompilação no novo acto legislativo do Governo.
(…)
Em consequência da violação da reserva relativa de competência da Assembleia da República, verifica-se inconstitucionalidade orgânica dos artigos 348° n.º 1, alínea a) do Código Penal, bem como dos artigos 152º nº 3 e 153° n.º 8 do Código da Estrada.

Foi o que ficou afirmado no referido Acórdão n.º 275/09, cuja conclusão se transcreve:

Da mera comparação literal entre o n.º 8 do actual artigo 153º do Código da Estrada e as anteriores normas – seja ela a extraída do n.º 3 do artigo 158º [segundo o Decreto-Lei n.º 2/98] ou a extraída da conjugação entre o n.º 3 do artigo 158º e o n.º 7 do artigo 159º [segundo o Decreto-Lei n.º 265-A/2001] – resulta evidente que o legislador governamental substituiu o elemento negativo do tipo de crime de desobediência a realização de exame “se recusar”, substituindo-o por “se esta não for possível por razões médicas”. Com efeito, o legislador governamental pretendeu retirar aos condutores sujeitos aos exames para comprovação do teor de influência sob álcool o direito à recusa de colheita de sangue – note-se – mesmo nos casos em que a impossibilidade de realização de exame por método de ar expirado é apenas imputável ao Estado. Quando antes qualquer condutor podia recusar a sujeição a exame mediante colheita de sangue, sem necessidade de fundamentação em razões médicas – frise-se bem –, passa agora a exigir-se que a não realização da colheita de sangue apenas possa ser justificada pela impossibilidade técnica de tal operação médica.
(…)
Ora, a nova redacção do n.º 8 do artigo 153º do Código da Estrada vem, de modo manifesto, agravar a responsabilidade criminal dos condutores que pretendam – muitas vezes, admite-se, por razões plenamente justificadas e até protegidas pela Lei Fundamental [direito à integridade física e moral, direito à intimidade privada, direito à objecção de consciência] –, na medida em que passa a punir como crime de desobediência a recusa de sujeição a colheita de sangue nos casos em que seja tecnicamente possível fazê-lo.

Verificado esse mesmo conteúdo inovatório, é forçoso concluir-se que o legislador governamental necessitava da autorização legislativa, na medida em que a decisão normativa primária cabia à Assembleia da República, por força da alínea c) do n.º 1 do artigo 165º da CRP.

Opta-se, assim, pela inconstitucionalidade orgânica da norma objecto do presente recurso, razão pela qual não se conhecerá da também alegada inconstitucionalidade material por violação do princípio da proporcionalidade (artigo 18º, n.º 2, da CRP) ou por violação da proibição de obtenção de prova mediante ofensa da integridade física ou moral da pessoa ou abusiva intromissão na vida privada (artigo 32º, nº 8, da CRP)”

Para eliminar o direito de o condutor/arguido poder livremente recusar a colheita de sangue para efeitos de análise ao grau de alcoolemia, - porque a alteração legislativa tem um conteúdo inovatório, - o legislador governamental necessitava de autorização legislativa, atenta a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, a quem cabe a decisão normativa primária, por força das alíneas b) e c), do n.° 1, do art. 165.°, da CRP, que se transcreve:
“1 - É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo:

a) Estado e capacidade das pessoas;

b) Direitos, liberdades e garantias;

c) Definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respectivos pressupostos, bem como processo criminal;

d) Regime geral de punição das infracções disciplinares, bem como dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo;

e) Regime geral da requisição e da expropriação por utilidade pública;

f) Bases do sistema de segurança social e do serviço nacional de saúde;

g) Bases do sistema de protecção da natureza, do equilíbrio ecológico e do património cultural;

h) Regime geral do arrendamento rural e urbano;

i) Criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas;

j) Definição dos sectores de propriedade dos meios de produção, incluindo a dos sectores básicos nos quais seja vedada a actividade às empresas privadas e a outras entidades da mesma natureza;

l) Meios e formas de intervenção, expropriação, nacionalização e privatização dos meios de produção e solos por motivo de interesse público, bem como critérios de fixação, naqueles casos, de indemnizações;

m) Regime dos planos de desenvolvimento económico e social e composição do Conselho Económico e Social;

n) Bases da política agrícola, incluindo a fixação dos limites máximos e mínimos das unidades de exploração agrícola;

o) Sistema monetário e padrão de pesos e medidas;

p) Organização e competência dos tribunais e do Ministério Público e estatuto dos respectivos magistrados, bem como das entidades não jurisdicionais de composição de conflitos;

q) Estatuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças locais;

r) Participação das organizações de moradores no exercício do poder local;

s) Associações públicas, garantias dos administrados e responsabilidade civil da Administração;

t) Bases do regime e âmbito da função pública;

u) Bases gerais do estatuto das empresas públicas e das fundações públicas;

v) Definição e regime dos bens do domínio público;

x) Regime dos meios de produção integrados no sector cooperativo e social de propriedade;

z) Bases do ordenamento do território e do urbanismo;

aa) Regime e forma de criação das polícias municipais.

2 - As leis de autorização legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização, a qual pode ser prorrogada.
3 - As autorizações legislativas não podem ser utilizadas mais de uma vez, sem prejuízo da sua execução parcelada.
4 - As autorizações caducam com a demissão do Governo a que tiverem sido concedidas, com o termo da legislatura ou com a dissolução da Assembleia da República.
5 - As autorizações concedidas ao Governo na lei do Orçamento observam o disposto no presente artigo e, quando incidam sobre matéria fiscal, só caducam no termo do ano económico a que respeitam.” – sublinhado nosso.
(Artigo 165.º renumerado e alterado pelo artigo 109.º da Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, Quarta revisão constitucional (DR 20 Setembro). Anterior artigo 168.º, alterado pelas Leis Constitucionais n.ºs 1/82, de 30 de Setembro e 1/89, de 8 de Julho. Vigência: 5 Outubro 1997).
Certo é também que as normas ora colocadas em crise não beneficiam de qualquer autorização legislativa concedida pela Assembleia da República ao Governo.
Efectivamente, não há na Lei n.º 53/2004, de 4 de Novembro, que concedeu ao Governo a autorização para proceder à revisão do Código da Estrada ao abrigo da qual foi publicado o Decreto-Lei n.º 44/2005, qualquer referência à possibilidade de o fazer.
Basta ler o art Artigo 3º - Extensão - da Lei n.º 53/2004, de 4 de Novembro, que para facilidade de percepção se transcreve:
“A autorização referida no artigo 1.º contempla:
a) A obrigação de entrega das cartas e de licenças de condução apreendidas ou cassadas por força de decisão judicial na Direcção-Geral de Viação, para efeitos de controlo da execução da pena ou da medida de segurança aplicada;
b) Atribuição à Direcção-Geral de Viação da competência, actualmente exercida pelas câmaras municipais, para emissão de licenças de condução de ciclomotores, de motociclos de cilindrada não superior a 50 cm3 e de veículos agrícolas, bem como para a matrícula daqueles veículos e de triciclos de cilindrada não superior a 50 cm3;
c) Atribuição de competência à Direcção-Geral de Viação para organizar os registos nacionais de condutores, e infractores e de matrículas de veículos;
d) A apreensão, pelas autoridades de fiscalização do trânsito ou seus agentes, do documento de identificação do veículo que circule desrespeitando as regras relativas à poluição do solo ou do ar ou cujas chapas de matrícula não obedeçam às condições regulamentares;
e) A apreensão, pelas autoridades de fiscalização do trânsito ou seus agentes, do veículo que circule sem os sistemas, componentes ou acessórios com que foi aprovado, que utilize sistemas, componentes ou acessórios não aprovados, que tenha sido objecto de transformação não aprovada, que falte a inspecção extraordinária ou a inspecção para confirmação da correcção de anomalias;
f) O alargamento para três anos do período em que a carta de condução tem carácter provisório;
g) A qualificação como contra-ordenações de todas as infracções rodoviárias e a aplicação do regime contra-ordenacional previsto no Código da Estrada a todas elas;
h) A responsabilização do titular do documento de identificação do veículo pelas infracções praticadas com o mesmo no exercício da condução, caso não identifique o infractor, bem como pelas infracções relativas às diposições que condicionem a admissão do veículo ao trânsito;
i) A responsabilização dos pais ou tutores de menores habilitados com licença especial de condução pelas infracções por estes praticadas;
j) A determinação da medida e regime de execução das sanções tendo em conta os antecedentes do infractor relativamente ao diploma legal infringido ou seus regulamentos;
l) A previsão, como circunstância agravante, da violação de especiais deveres de cuidado que recaem sobre os condutores de determinados veículos;
m) A previsão de atenuação especial e de suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir condicionadas ao prévio pagamento da coima e ao facto de o infractor não ter praticado outras infracções no período fixado;
n) A consagração do princípio de que a suspensão da execução da sanção acessória possa ser condicionada,
além da prestação de caução de boa conduta, à frequência de acções de formação ou ao cumprimento de deveres específicos previstos em legislação própria;
o) A alteração dos limites mínimo e máximo da caução de boa conduta para, respectivamente, € 500 e € 5000;
p) O alargamento para cinco anos do período relevante para efeitos de reincidência;
q) A cassação do título de condução quando o infractor tenha sido condenado, nos cinco anos anteriores, pela prática de três contra-ordenações muito graves ou de cinco entre graves e muito graves, bem como da proibição da concessão de novo título de condução durante o período de dois anos e a atribuição ao director-geral de Viação da competência administrativa exclusiva para determinar aquela cassação;
r) A fixação, em 15 dias utéis, dos prazos para pagamento das coimas, para apresentação de defesa e para impugnação da decisão;
s) A apreensão do título de condução e do veículo, pelas autoridades de fiscalização do trânsito ou seus agentes, quando os infractores domiciliados em Portugal com coimas em dívida não paguem as coimas devidas, apreensão que se manterá até que o pagamento se efectue;
t) A notificação do arguido por meio de carta registada, com aviso de recepção, considerando-se a mesma efectuada na data da assinatura daquele aviso, quando assinado pelo arguido, ou no 3.o dia útil após essa data, quando assinado por outrem que se encontre no seu domicílio;
u) A previsão da obrigação de o infractor apresentar as suas testemunhas, da impossibilidade de adiamento da diligência de inquirição por mais de uma vez, bem como do prosseguimento do processo quando o arguido falte a diligência de inquirição que lhe tenha sido comunicada;
v) A previsão da possibilidade de imposição de medidas cautelares quando tal se revele necessário para a instrução do processo ou para a segurança rodoviária e ainda quando o arguido exerça actividade profissional autorizada, titulada por alvará ou licenciada pela Direcção-Geral de Viação;
x) Previsão da possibilidade de pagamento da coima em prestações, pelo período de 12 meses, desde que o seu valor seja superior a 2 UC e cada prestação mensal não seja inferior a € 50;
z) A previsão da possibilidade de a entidade administrativa alterar, após a decisão, o modo de cumprimento da sanção acessória;
aa) A fixação do valor do reembolso das despesas para efeitos de custas, bem como a isenção do pagamento de taxa de justiça na execução de decisões proferidas em processos de contra-ordenação;
bb) A inadmissibilidade do recurso de decisões judiciais proferidas em sede de impugnação judicial de decisões administrativas;
cc) A previsão de recurso da decisão do director--geral de Viação que determine a cassação do título de condução, com efeito meramente devolutivo e apenas até à Relação;
dd) A previsão de prazos de dois anos para prescrição do procedimento contra-ordenacional, da coima e das sanções acessórias;
ee) A apreensão provisória dos documentos relativos ao veículo ou ao condutor, quando, no acto da verificação de contra-ordenação, os infractores não efectuem o pagamento voluntário imediato da coima nem prestem imediatamente depósito de valor igual ao mínimo da coima, sendo que este depósito ou apreensão
se manterão até que o pagamento se efectue ou haja decisão absolutória.”

Ora, basta comparar as versões do Código da Estrada em sucessão, (vd Ac Rel Porto de 09/12/2009) para se perceber houve uma alteração, com a supressão dum direito do arguido, já que o legislador governamental pretendeu retirar aos condutores sujeitos aos exames para comprovação do teor de influência sob álcool o direito à recusa de colheita de sangue, mesmo nos casos em que a impossibilidade de realização de exame por método de ar expirado é apenas imputável ao Estado, quando é certo que antes qualquer condutor podia recusar a sujeição a exame mediante colheita de sangue, sem necessidade de fundamentação em razões médicas e agora exige-se que a não realização da colheita de sangue apenas possa ser justificada pela impossibilidade técnica de tal operação médica.
Tendo o Decreto-Lei n.º 44/2005 sido editado ao abrigo da Lei n.º 53/2004, de 4 de Novembro, que não continha autorização ao Governo para inovar em tal matéria – vide art 3º supra transcrito - a redacção dada aos artigos artigos 152.°, n.°3, 153.°, n.°8 e 156.°, n.°2, do Código da Estrada é organicamente inconstitucional na parte em que inovatoriamente suprime o direito de o condutor/sinistrado/arguido poder livremente recusar a colheita de sangue para efeitos de análise ao grau de alcoolemia.
Em concordância com a tese defendida no acórdão da relação do Porto de 9/12/2009, disponível in www.dgsi.pt , considerando que o artigo 18º, da CRP prevê a restrição a direitos fundamentais e individuais dos cidadãos, “Em termos de lei a constituir, aceita-se que possa vir a ser adoptada em termos legislativos, sem qualquer vício de inconstitucionalidade, uma posição em que o condutor possa ser sujeito a uma recolha obrigatória de amostra de sangue, nos mesmos termos em que agora já o é para o exame de pesquisa do álcool no ar expirado” , sem prejuízo de o condutor poder recusar o exame ou a colheita de sangue, consoante o método que no caso couber ou for necessário realizar.
A propósito da recolha de DNA "[...] Costa Andrade, admitindo "que a Constituição não se opõe, em definitivo, à recolha coactiva de substâncias biológicas e à sua análise genética não consentida", considera, contudo, que "estas medidas são portadoras de um potencial de danosidade e de devassa que está muito para além da que foi pressuposta pelo legislador ao regular os «normais» exames e perícias ou, mesmo, ao prescrever a recolha de sangue para determinar se um condutor está influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas", pelo que a sua legitimação não pode "pura e simplesmente pedir-se às normas que prevêem a submissão a exames da pessoa" (artigo 6º da Lei nº 45/2002, de 19 de Agosto ou artigo 152º do Código da Estrada), sendo "indispensável", para que aquelas medidas fossem juridicamente admissíveis, "uma lei específica que as autorizasse e prescrevesse o respectivo regime (pressupostos materiais, formais, orgânicos e procedimentais)".
No mesmo sentido, Ac da Rel de Coimbra de Ac rel Coimbra de 28/11/2007 onde se entende que “…a recolha de sangue para determinação do grau de alcoolemia não ofende nem viola o direito à integridade e à autodeterminação corporal. A extensão do conteúdo da análise, comprovação da existência de álcool na sangue, o fim a que destina, a fixação do resultado em quaisquer bases de dados, o fim preventivo que se pretende alcançar são alguns dos argumentos que poderiam ser aduzidos a favor da tese por que propugnamos. Ainda assim não evitaríamos contra-argumentação retorsiva pois que sempre se poderá argumentar que através de uma recolha de sangue se poderão obter uma série de resultados que, usados de má-fé, poderiam ser lesivos da intimidade e da privacidade do sujeito submetido a exame.”
Também o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), em sentença proferida em 17 de Dezembro de 1996 (caso Sauders v. Reino Unido), concluiu que o citado direito à não auto-incriminação se refere, em primeira linha, ao respeito pela vontade do arguido em não prestar declarações, ao direito ao silêncio, acrescentando que esse direito se não estende ao uso, em processo penal, de elementos obtidos do arguido por meio de poderes coercivos, mas que existam independentemente da vontade do sujeito, por exemplo as colheitas, por expiração, de sangue, de urina, assim como de tecidos corporais com finalidade de análises de A.D.N.
E ainda o ac. nº 616/98, do Tribunal Constitucional, onde se afirma que uma mera colheita de sangue, para posterior exame pericial, constitui uma intervenção banal, trata-se de uma medida realizada por alguém habilitado (médico) e com um “grau mínimo de ofensa corporal”, que afecta de forma reduzida, transitória e momentânea o corpo do visado.
Poder-se-ia pensar que o problema da validade da prova estaria ultrapassado pela Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio, que aprova o Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas ( DR N.º 95 , Série I 17 Maio 2007 17 Maio 2007 ), em vigor desde 15 de Agosto de 2007.
O que não sucede. A validade dos métodos que este diploma prevê depende da validade das normas do Código da Estrada, do qual constitui mera regulamentação, não obstante a sua aprovação através de Lei da Assembleia da República, ao invés de simples decreto-regulamentar – pois é evidente que não tem autonomia em relação às referidas normas do Código da Estrada.
Senão repare-se nas normas dos seguintes artigos do Regulamento:

Artigo 3. Contraprova .

Os métodos e equipamentos previstos na presente lei e disposições complementares, para a realização dos exames de avaliação do estado de influenciado pelo álcool, são aplicáveis à contraprova prevista no n.º 3 do artigo 153.º do Código da Estrada.

Artigo 7. Exame médico para determinação do estado de influenciado pelo álcool.

1 - Para efeitos do disposto no n.º 8 do artigo 153.º e no n.º 3 do artigo 156.º do Código da Estrada, considera-se não ser possível a realização do exame de pesquisa de álcool no sangue quando, após repetidas tentativas, não se lograr retirar ao examinando uma amostra de sangue em quantidade suficiente.

Artigo 9. Indícios.
Para efeitos de aplicação do n.º 1 do artigo 157.º do Código da Estrada, deve ser aprovado um guia orientador de indícios de influência por substâncias psicotrópicas, por despacho normativo do membro do Governo responsável pela saúde.”
A simples leitura revela a ausência de autonomia entre os citados diplomas, de forma que esta Lei não tem o mérito de ultrapassar a questão da inconstitucionalidade orgânica referenciada e já decretada pelo tribunal constitucional.
Reportando-nos ao caso presente, dos autos – doc de fls.. auto hospitalar - conclui-se que o arguido não foi previamente informado da finalidade da colheita de sangue, para a qual não deu o seu consentimento e não teve hipótese de recusar, sendo certo que o consentimento apenas se presume quando opera em benefício da pessoa privada da capacidade de o declarar.
Assim, a colheita de sangue para aqueles fins, ao abrigo dos actuais artigos 152º, nº 3, 153º, nº 8 e 156º, nº 2, todos do Código da Estrada, na redacção dada pelo DL nº 44/2005, de 23 de Fevereiro – sendo a deste último preceito já desde a redacção dada pelo DL nº 265-A/2001, de 28 de Setembro – sem possibilitar ao condutor a sua recusa, está ferida de inconstitucionalidade orgânica.
Nestes termos, a concreta recolha de sangue ao arguido recorrente que serviu de base à análise para apurar o seu grau de alcoolemia, constitui prova ilegal, inválida ou nula, que não pode produzir efeitos em juízo.
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C - Dispositivo:

Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste tribunal em conceder provimento ao recurso e, consequentemente, absolve-se o recorrente quer do crime quer da pena acessória de inibição de conduzir em que foi condenado.
Sem custas.


Isabel Valongo (Relator)
Paulo Guerra