Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
252/11.0GBVNO.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO CHAVES
Descritores: ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO
ABERTURA DA INSTRUÇÃO
ASSISTENTE
PEDIDO DE NOMEAÇÃO DE PATRONO
EXTEMPORANEIDADE DO REQUERIMENTO
Data do Acordão: 12/19/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE OURÉM
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 287º Nº 1 CPP, 24.º, N.ºS 4 E 5 DA LEI N.º 34/2004, DE 29/7
Sumário: 1.- A abertura da instrução pode ser requerida, no prazo de 20 dias a contar da notificação do arquivamento, pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação;
2.- O pedido de nomeação de patrono, com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação desse, interrompe o prazo que estava em curso, iniciando-se novamente a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;

3.- A circunstância de o ilustre patrono nomeado ter sido posteriormente notificado do despacho de arquivamento não tem a virtualidade de transferir o início do prazo para a apresentação do requerimento de abertura de instrução para depois de efetuada esta última notificação.

Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO

No encerramento do inquérito n.º 252/11.0GBVNO que correu termos pelos Serviços do Ministério Público da comarca de Ourém, o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento nos termos do artigo 277.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

Discordando desse despacho, a denunciante A... veio requerer a sua constituição como assistente e a abertura de instrução, tendo o Sr. Juiz de Instrução Criminal decidido rejeitar o requerimento de abertura de instrução por ter sido apresentado fora de prazo.

Inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso aquela A...([1]), formulando na sua motivação as seguintes conclusões (transcrição):

«a) Proferido despacho de arquivamento, a ofendida requereu apoio judiciário, no âmbito do qual foi nomeado patrono;

b) Esta nomeação foi notificada ao patrono em 27/01/2012, considerando o Tribunal “a quo”, nos termos do art.º 24°, n.º 4 da Lei de Acesso ao Direito que se reiniciou em 28/01/2012;

c) Por carta datada de 07 de Fevereiro de 2012, cuja notificação se presume efectuada em 10/02/2012, foi o patrono notificado do despacho de arquivamento, para querendo, requerer a constituição como assistente e a abertura de instrução;

d) A esta notificação, efectuada nos termos do art.º 277º, n.º 3 do C.P.P., aplica-se o disposto no art.º 113º, n.º 9, parte final do C. P. P.;

e) Razão porque, nos termos do art.º 287º do C.P.P., o requerimento de abertura de instrução foi tempestivamente apresentado;

f) O despacho recorrido violou os art.º 277º, n.º 3, 113º, n.º 9 e 287º, todos do C.P.P.;

g) Se assim se não entender, o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio;

h) Caso se considere que tal notificação não era obrigatória;

i) Sempre, em face de tal notificação, não era exigível ao patrono considerasse que tinha prazo inferior ao notificado;

  j) E, nos termos do art.º 161º, n.º 6 do C.P.C, aplicável ex vi art.º 4º do C.P.P, não pode a parte ser prejudicada.

l) Sob pena de ser mostrar violado o princípio da confiança.

Razão porque, nestes termos e melhores de direito,

revogando o douto despacho que julgou

intempestiva a apresentação do requerimento de

instrução e substituindo-o por outro que a julgue

tempestivamente apresentada, farão Vª Ex.cias a

costumada

JUSTIÇA»

                                                        *

O Ministério Público junto do tribunal a quo respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência.

                                          *

Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se refere o artigo 416.º do Código de Processo Penal, acompanhando a resposta apresentada pelo Ministério Público na 1ª instância, emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

                                          *

No âmbito do disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP ([2]), não houve resposta.

                                          *

Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

                                          *

II - Fundamentação

1. Os factos

1. Por despacho proferido em 30/11/2011 foi determinado o arquivamento dos autos de inquérito por não terem sido apurados indícios da prática dos crimes de furto simples e de alteração de marcos (fls. 31 a 32);

2. A recorrente foi notificada do despacho de arquivamento do inquérito por via postal simples com prova de depósito expedida em 2/12/2011, considerando-se a notificação efectuada no 5.º dia posterior à data do depósito na caixa de correio que ocorreu no dia 5/12/2011 (fls. 33 e 34);

3. Em 2/1/2012 juntou aos autos documento comprovativo da apresentação de requerimento junto da Segurança Social destinado à concessão de protecção jurídica nas modalidades de nomeação de patrono e dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo (fls. 35 a 37);

4. Em 27/1/2012 foi nomeado como patrono da recorrente o ilustre advogado signatário do requerimento de abertura de instrução, o qual foi notificado da nomeação efectuada na mesma data (fls. 38);

6. Em 6/2/2012 foi ordenada a notificação ao ilustre advogado, nomeado como patrono da recorrente, do teor do despacho de arquivamento de fls. 31 a 32, o que foi efectuado por via postal registada expedida em 7/2/2012 (fls. 41 e 42);

7. A recorrente, através do seu ilustre patrono, veio requerer a sua constituição como assistente e a abertura de instrução em 1/3/2012 (fls. 44 e 48 a 53);

8. Em 20/3/2012 foi proferido o despacho ora recorrido (fls. 67 a 68) cujo teor se transcreve:

«1. Vem a ofendida A... requerer a abertura de instrução em face do despacho de arquivamento de fls. 31, visando a prolação de uma subsequente pronúncia.

Despacho de que a ofendida se considerou notificado em 11 de Dezembro de 2011, tendo-se, nessa ocasião, iniciado a contagem previsto no n.º 1 do artigo 287.º do Código de Processo Penal. Prazo que, a correr ininterruptamente, findaria em 13 de Janeiro de 2012.

Juntou a ofendida, no entanto e a 2 de Janeiro de 2012, comprovativo de apresentação de requerimento tendente à nomeação de patrono no âmbito do apoio judiciário nos autos.

Junção que, à luz do artigo 24.º, n.º 4 da Lei de Acesso ao Direito, operou a interrupção do prazo em curso.

Prazo que, à luz da alínea a) do n.º 5 do mesmo preceito, se reiniciou em 28 de Janeiro de 2012 atenta a notificação concretizada no dia anterior ao Ilustre Patrono nomeado.

Significa, pois, o exposto que tal prazo reiniciado de 20 dias para peticionar a abertura de instrução findou em 16 de Fevereiro de 2012. Com o que, remetido que foi tal requerimento em 1 de Março de 2012 (a fls. 48), há que concluir que o mesmo foi apresentado em momento muito posterior ao prazo legalmente previsto.

Assim sendo, não resta senão concluir que o presente requerimento de abertura de instrução é intempestivo, sendo, nessa medida, rejeitado.

Em face do exposto,

a) Rejeito o requerimento de abertura de instrução deduzido em função da sua intempestividade ao abrigo do disposto no artigo 287.º, nº 1 do Código de Processo Penal.

Notifique.»

                                          *

2. Apreciando.

Dispõe o artigo 412.º, n.º 1 que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

Por isso é entendimento unânime que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso([3]), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso([4]).

No caso presente, de harmonia com as conclusões apresentadas, a questão a apreciar e decidir consiste em saber se o requerimento de abertura de instrução podia ou não ser rejeitado por ter sido apresentado fora de prazo.

A instrução é uma fase processual destinada a comprovar judicialmente a decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter, ou não, a causa a julgamento – artigo 286.º, n.º 1.

Trata-se de uma fase processual facultativa que está dependente de requerimento.

O artigo 287.º, depois de referir, na alínea b) do seu n.º 1, que a abertura de instrução é requerida pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação, explicita que “o requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito, de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto no artigo 283.º, n.º 3, alíneas b) e c).”.

No n.º 3 do artigo 287.º acrescenta-se que o requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.

No caso dos autos, o requerimento para abertura de instrução apresentado pela recorrente foi rejeitado, por extemporâneo, tendo o despacho recorrido contado o prazo de 20 dias assinalado no artigo 287.º, n.º 1, a partir da notificação à recorrente do despacho de arquivamento, após o que considerou que esse prazo se interrompeu com a junção aos autos do documento comprovativo de apresentação de requerimento tendente à nomeação de patrono e que se reiniciou com a notificação ao patrono nomeado da sua designação.

A recorrente, não se conformando, sustenta que tal prazo deveria ter sido contado a partir da notificação ao patrono do despacho de arquivamento, operada em 7 de Fevereiro de 2012, à qual é aplicável o disposto no artigo 113.º, n.º 9, parte final.

Nos termos do artigo 287.º, n.º 1 a abertura da instrução pode ser requerida, no prazo de 20 dias a contar da notificação do arquivamento, pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação.

Aliás, o artigo 277.º, n.º 3 manda comunicar o despacho de arquivamento, além de ao arguido e ao assistente, também ao denunciante com a faculdade de se constituir assistente, pressupondo, pois, que este se possa constituir assistente, nomeadamente para impugnar o referido despacho de arquivamento, requerendo a abertura de instrução.

A lei é, pois, muito clara: 20 dias a partir da notificação do arquivamento ao denunciante com a faculdade de se constituir assistente, como era, então, o caso da ora recorrente.

A denunciante solicitou a nomeação de patrono com vista à sua constituição como assistente e concomitante apresentação de requerimento de abertura de instrução pelo que há que ter em atenção o disposto na Lei do Apoio Judiciário.

Notificada do despacho de arquivamento do inquérito por via postal simples com prova de depósito expedida em 2/12/2011, considerando-se a notificação efectuada no 5.º dia posterior à data do depósito na caixa de correio que ocorreu no dia 5/12/2011, ou seja, em 10/12/2011, a recorrente veio em 2/1/2012 juntar aos autos documento comprovativo da apresentação de requerimento junto da Segurança Social destinado à concessão de protecção jurídica nas modalidades de nomeação de patrono e dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

Em 27/1/2012 foi nomeado como patrono da recorrente o ilustre advogado signatário do requerimento de abertura de instrução, o qual foi notificado da nomeação efectuada na mesma data.

O artigo 24.º, n.º 4 da Lei n.º 34/2004, de 29/7, na redacção dada pela Lei n.º 47/2007, de 28/8, dispõe:

“Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo”

Por outro lado, o n.º 5 do citado artigo 24.º determina a regra de contagem de prazos nos seguintes termos:

“O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:

a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;

b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.”

Assim, nos termos do artigo 24.º, n.º 4 da Lei n.º 34/2004, de 29/7, quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo, o que a recorrente fez em 2 de Janeiro de 2012.

Com a interrupção o tempo decorrido até à causa interruptiva fica inutilizado, depois começa a correr novo prazo (alínea a) do n.º 5 do artigo 24.º e artigo 326.º, n.º 1 do Código Civil)([5]).

Assim, no caso dos autos, o prazo para a recorrente requerer a sua intervenção nos autos como assistente e a abertura de instrução iniciou-se novamente a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação, o que ocorreu em 27 de Janeiro de 2012 (fls. 38).

Uma vez que o prazo para a apresentação do requerimento de abertura de instrução se iniciou no dia 28 de Janeiro de 2012, o prazo de 20 dias a que se refere o n.º 1 do artigo 287.º esgotou-se no dia 16 de Fevereiro de 2012, podendo, no entanto, mediante o pagamento de uma multa, o requerimento ser apresentado nos três dias úteis subsequentes, isto é, até 22 de Fevereiro de 2012 (o dia 21 foi dia de Carnaval) – artigo 145.º, nºs 5 e 6 do CPC ex-vi artigo 107.º, n.º 5 do CPP.

Por conseguinte, há-de concluir-se que o requerimento de abertura de instrução apresentado no dia 1 de Março de 2012, foi apresentado fora do prazo legal, bem como dos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo.

A circunstância de o ilustre patrono nomeado ter sido notificado do despacho de arquivamento não tem a virtualidade de transferir o início do prazo para a apresentação do requerimento de abertura de instrução para depois de efectuada tal notificação.

Na verdade, não só decorre expressamente da lei que o início do prazo ocorre a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação, como é manifesto que a notificação teve um carácter meramente informativo já que não contém qualquer alteração dos prazos, não isentando aquele de ver e consultar o processo e de verificar todas as condições formais e materiais para formulação do que houvesse que ser peticionado nos autos face às previsões e regras legais em vigor, o que, aliás, acabou por fazer apenas no dia 1 de Março de 2012 (fls. 43), ou seja, no dia em que deu entrada o requerimento de abertura de instrução.

Improcede, portanto, o recurso interposto.

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III – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam os juízes desta Relação em negar provimento ao interposto recurso e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.

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Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC.

                                          *

(O acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.º 2 do C. P. P.)

                                          *

                   Coimbra, 19 de Dezembro de 2012

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[1] - Não obstante ainda não ter sido formalmente admitida a intervir nos autos como assistente – o que apenas é imputável ao tribunal a quo –, certo é que se verificam, no caso, todos os requisitos necessários para o efeito, posto estar em tempo, para tanto ter legitimidade, encontrar-se devidamente representada por advogado e gozar do benefício de apoio judiciário no que respeita ao pagamento da taxa de justiça – artigos 68.º, nºs 1, a) e 3, b) e 4 e 70.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
[2] - Diploma a que se referem os demais preceitos citado sem menção de origem.
[3]  - Cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, volume III, 2ª edição, 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 7ª edição, 107; Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17/09/1997 e de 24/03/1999, in CJ, ACSTJ, Anos V, tomo III, pág. 173 e VII, tomo I, pág. 247 respectivamente.
[4] - Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado no Diário da República, Série I-A, de 28/12/1995.
[5] - Cfr. Salvador da Costa, O Apoio Judiciário, 7ª edição, 2008, pág. 173;Acórdãos da Relação de Coimbra de 8/7/2008, Proc. 4801/07.0TBVIS.C1, e da Relação de Lisboa de 6/12/2011, Proc.º 496/10.2PARGR-A.L1-5, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.