Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1956/09.3TBFIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: SIMULAÇÃO
NULIDADE
INOPONIBILIDADE
TERCEIROS
BOA FÉ
CONTRATO DE SEGURO
Data do Acordão: 03/25/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 243º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I. A inoponibilidade consagrada no art.º 243.º do Código Civil não está limitada aos terceiros que com o acto simulado os simuladores visavam enganar ou prejudicar.

II. Todavia, a proibição vale apenas em relação aos terceiros interessados na manutenção do acto para os quais a declaração de nulidade acarreta um prejuízo, não já em relação àqueles em que apenas os priva de uma vantagem.

Decisão Texto Integral: I. Relatório

No Tribunal Judicial da Figueira da Foz,

A... , solteiro, desempregado, com residência na Rua (...), Figueira da Foz;
B..., solteiro, desempregado, residente na Rua (...) Figueira da Foz; e
C..., casado, com residência na Rua (...), Figueira da Foz, instauraram acção declarativa de condenação, a seguir a forma ordinária do processo comum, contra
Companhia de Seguros D..., S.A.”, com sede no (...) Ponta Delgada, e
Fundo de Garantia Automóvel – Instituto de Seguros de Portugal, Fundo Público Autónomo, com sede na Avenida de República, n.º 59, Lisboa, pedindo a final:
“A condenação da ré Companhia de Seguros D..., SA a:
A) Reconhecer que o seguro titulado pela apólice n.º 900043786 era válido e eficaz à data do acidente;
B) Reconhecer que o E... foi o único e exclusivo culpado na ocorrência do acidente que vitimou os Autores;
C) Pagar ao Autor A... a quantia de €10.000,00 (dez mil euros) a título de danos não patrimoniais sofridos;
D) Pagar ao Autor B... a quantia de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais sofridos;
E) Reconhecer a I.P.P., “quantum doloris”, dano estético, deformação, sequelas e dores permanentes e irreversíveis, que venha a ser fixada pelo I.N.M.L. aos Autores A... e B..., bem como a indemnização decorrente da fixação das mesmas;
F) Reconhecer que serão da sua responsabilidade o pagamento de todos os cuidados médicos, medicamentosos e hospitalares que os Autores possam no futuro ter que vir a efectuar em resultado das lesões sofridas no acidente, bem como a compensação relativa a perda de rendimentos que daí possa para eles decorrer, nomeadamente respeitante a período que por aqueles motivos não possam trabalhar e a eventual agravamento da I.P.P. que venha a ser fixada, que por ainda não determinável a sua liquidação se relega para execução de sentença;
G) Reconhecer aos Autores A... e B... o direito de escolha no médico especialista a assisti-los medicamente e a operá-los, caso se mostre necessário;
H) Pagar ao Autor A... a quantia de €440,44 (quatrocentos e quarenta euros e quarenta e quatro cêntimos) a título de indemnização por danos patrimoniais;
I) Pagar ao Autor B... a quantia de €1.233,15 (mil duzentos e trinta e três euros e quinze cêntimos) a título de indemnização por perda de salário;
J) Pagar ao Autor B... a quantia de € 4.237,43 (quatro mil duzentos e trinta e sete euros e quarenta e três cêntimos) a título de indemnização por danos não patrimoniais;
K) Pagar aos Autores A... e B... a quantia de € 330,00 (trezentos e trinta euros) a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos e resultantes do acidente, na perda da roupa e sapatilhas que traziam;
L) Pagar ao Autor C... a quantia de € 2.100,00 (dois mil e cem euros) a título de indemnização pelos danos patrimoniais, respeitantes à perda total do automóvel EA;
M) No pagamento aos Autores de juros de mora, calculados à taxa legal de 4% ao ano, sobre as quantias peticionadas desde a citação e até efectivo pagamento.
Caso se entenda e decida pela não validade e eficácia do seguro automóvel do automóvel BB, deverá o Réu Fundo de Garantia Automóvel ser condenado nos termos peticionados de B) a M).
Em fundamento alegaram, em síntese útil, ter ocorrido um acidente de viação no dia 15 de Agosto de 2006, na Rua Direita do Viso, Regalheiras, freguesia de Lavos, concelho da Figueira da Foz, no qual intervieram o veículo automóvel com a matrícula (...)EA, propriedade do demandante C... e na ocasião conduzida por seu filho, o também autor A..., nele seguindo como passageiro o B..., e a viatura com a matrícula (...)BB, então conduzida por E....
O acidente ficou a dever-se a conduta culposa do condutor do BB que, por conduzir desatento, desrespeitou o sinal de Stop colocado na Rua das Carreirinhas, atento o sentido de marcha poente-norte em que seguia, entrando bruscamente na Rua Direita do Viso, aqui indo embater na viatura EA, que circulava por esta última no sentido de marcha Norte-sul, seguindo a não mais de 50 Km/hora. A colisão verificou-se no cruzamento, dentro da hemi-faixa pela qual seguia o EA que, dada violência do embate, ficou completamente destruído, tendo sido necessário proceder ao desencarceramento dos seus dois ocupantes.
Resulta da dinâmica do embate que o mesmo ficou a dever-se em exclusivo à conduta culposa do condutor do BB, por violadora das normas estradais contidas nos artigos 7.º n.º 2, 3.º, ex vi do disposto no art.º 30º nº 1, 16º nº 1, 25º n.º 1. als. c) e f), 29º n.º 1 e 43º, que foram causais do acidente.
Por via do descrito embate, o condutor e ocupante do veículo EA, aqui primeiro e segundo AA, sofreram lesões que afectaram a sua capacidade para o trabalho, no caso do autor B... de forma permanente, suportaram dores, tendo ficado destruídas as roupas e calçado que na altura usavam, para além do demandante B... ter sofrido perdas salariais, danos de natureza patrimonial e não patrimonial carecidos de indemnização, que aqui reclamam.
Também o demandante C..., na qualidade de proprietário do veículo EA, sofreu prejuízos, uma vez que, sendo à data o valor comercial da viatura € 2 100,00, foi avaliado pela ré D... em apenas € 950,00.
Sucede, porém, que a ré seguradora, tendo inicialmente assumido a responsabilidade pela regularização do sinistro, aceitando como válido o contrato de seguro titulado pela apólice n.º 90.00403786 celebrado com F..., que para aquela transferira a responsabilidade civil emergente dos acidentes de viação nos quais interviesse a viatura BB, veio a inverter a sua posição com fundamento no facto do veículo ter sido vendido a G..., filho daquele, invocando para tanto o disposto no art.º 10.º, n.º 1 das condições gerais da apólice, conforme consta da carta enviada ao autor C... em 20 de Outubro de 2006.
Embora no entender dos demandantes, enquanto terceiros de boa fé, se afigure não lhes ser oponível a posição assumida pela ré seguradora, ressalvando entendimento diverso, demandaram a título subsidiário o FGA.
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Citados os RR, contestou o FGA nos termos da peça constante de fls. 89 a 94, nela tendo arguido a excepção dilatória da sua ilegitimidade para a causa porquanto, existindo contrato de seguro válido, a pretensão dos AA há-se ser deduzida contra a seguradora; mesmo a entender-se que assim não é, a legitimidade do contestante não se encontra assegurada sem a demanda conjunta do condutor responsável pelo acidente e proprietário da viatura interveniente.
Quanto ao mais impugnou, por desconhecida, a factualidade alegada e documentos oferecidos, reputando em todo o caso de excessivos os montantes peticionados e lembrando que, no caso de se mostrarem devidos, ao montante dos danos materiais eventualmente a cargo do “F.G.A.” sempre haveria a deduzir a franquia de € 299,28 nos termos da alínea b) do nº2 e nº3 do artigo 21º do Dec. Lei nº522/85 – em vigor à data do acidente.
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Também a demandada seguradora ofereceu contestação e, reconhecendo ter-lhe sido participado o sinistro dos autos alegou que, tendo efectuado averiguações na sequência de tal participação, tomou conhecimento, embora apenas em 23 de Agosto de 2006, que o veículo havia sido vendido pelo tomador do seguro, F..., a seu filho, G..., isto em data anterior à ocorrência do acidente. Deste modo, operando a transferência do direito de propriedade por mero efeito do contrato, o contrato de seguro cessou a sua vigência às 24 horas do dia da alienação, nos termos do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31/12, uma vez que nem a apólice de seguro n.º 900403768, que segurava o BB, foi utilizada para segurar novo veículo, nem o seu titular comunicou a alienação do veículo no prazo de 24 horas.
Deste modo, conclui, após as 24 h do dia 4 de Maio de 2006 -data da alienação- não mais a contestante foi responsável pelos danos emergentes da circulação do BB, sendo responsável pelo mesmo G..., adquirente do veículo.
Aliás, acrescenta, considerando que a partir da referida data o tomador do seguro deixou de ter qualquer interesse no objecto seguro, é o mesmo nulo, nos termos do § 1 do art.º 428.º do Código Comercial, nulidade que expressamente invoca.
Face à arguição das aludidas excepções conclui pela sua ilegitimidade para a causa, a conduzir à sua absolvição da instância ou, quando assim se não entenda, à absolvição do pedido.
Cautelarmente, declarou aceitar o modo como o acidente ocorreu, discordando todavia da quantificação dos danos patrimoniais e não patrimoniais.
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Os AA replicaram, sustentando a improcedência das excepções.
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Mediante requerimento deduzido pelo FGA, foram admitidos a intervir nos autos como associados dos AA o Hospital Distrital da Figueira da Foz, o Centro Hospitalar de Coimbra e os Hospitais da Universidade de Coimbra, entidades prestadoras de cuidados de saúde aos lesados na sequência do acidente dos autos.
Citado, interveio nos autos o Centro Hospitalar de Coimbra, E.P.E. (Entidade Pública Empresarial) (cf. fls. 206/207) e, tendo declarado fazer seus os articulados apresentados pelos demandantes, formulou contra os RR pedido de reembolso no valor de € 143,50 (cento e quarenta e três euros e cinquenta cêntimos), acrescido de juros de mora legais desde a data da notificação até integral pagamento.
 O assim peticionado foi contestado pelo FGA (cf. fls.273 a 275), o qual invocou a ineptidão do requerimento por insuficiência da causa de pedir, alegando não bastar a alusão a um acidente de viação, mais arguindo a excepção peremptória da prescrição do crédito reclamado.
Também a ré seguradora contestou o pedido de reembolso apresentado pelo Centro Hospitalar de Coimbra, reeditando os termos da contestação apresentada.
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Tendo em vista sanar a excepção dilatória de ilegitimidade processual passiva invocada pelo FGA, suscitaram os AA incidente de intervenção principal provocada dos sucessores de F..., entretanto falecido, na sua qualidade de tomador do seguro, de G..., este como (novo) proprietário do veículo interveniente, e do respectivo condutor aquando do acidente, o chamado E....
Citados os aludidos intervenientes, contestou G... nos termos constantes de fls. 305 a 319, aqui arguindo a sua ilegitimidade para a causa, uma vez que na verdade nunca teve a posse da viatura em causa, sendo o negócio translativo celebrado com seu pai eivado de vícios que importam a respectiva nulidade.
Com efeito, e desde logo, não interveio no negócio a mulher do falecido F..., como quem era casado segundo o regime da comunhão geral de bens, donde ser o mesmo negócio nulo e de nenhum efeito, mantendo-se o direito de propriedade na esfera jurídica do referido F....
Acresce que a transmissão de propriedade do BB foi comunicada à ré através de carta enviada no dia 12 de Abril de 2006, data em que foi igualmente participada à Conservatória do Registo Automóvel da Figueira da Foz, donde, também por este motivo, haverá que concluir ter-se mantido em vigor. E tanto assim foi que no dia 12 de Setembro de 2006 foi a mesma apólice transferida para um novo veículo adquirido pelo falecido F....
O contestante deu ainda do acidente uma versão que permite imputar a culpa pela colisão ao condutor do EA que, ao pretender efectuar manobra de mudança de direcção à esquerda, para virar para a Rua da Choca, conforme assinalou, accionando o sinal luminoso respectivo, prolongou a trajectória para além do necessário, indo embater no BB, assim violando, entre outras, a regra contida no art.º 44º do Código da Estrada, infracção que foi causal do acidente.
Invocou finalmente que o veículo BB esteve sempre ao cuidado e guarda do falecido F... desde a data em que o adquiriu no ano de 2005, até à venda dos salvados após o acidente, foi sempre este quem o utilizou em seu proveito próprio, pagando as revisões mecânicas e as inspecções técnicas periódicas, mantendo-o à sua disposição e guardado em sua casa, assim ficando demonstrado que o utilizador habitual do veículo sempre coincidiu com o titular do seguro, ou seja, o falecido, isto antes e depois da alegada transmissão de propriedade do BB. Acresce que a transferência da propriedade ficou a dever-se ao facto do referido F... ser devedor à CGD, por via de fiança prestada a favor de um seu outro filho, tendo visado eximir o veículo a eventual penhora promovida pela credora, uma vez que se encontrava já pendente contra ambos acção executiva, e o contestante só aceitou que assim fosse com a condição de que do acto em causa não pudesse resultar para si qualquer encargo, assim confiando que todas as questões de natureza legal relacionadas com o BB estivessem devidamente salvaguardadas por seu pai.
Tal transmissão simulada e respectivas condições são do conhecimento de todos os herdeiros do falecido F..., que a elas nunca se opuseram, pelo que, vindo a concluir-se pela invalidade do contrato de seguro, deverão ser condenados todos os seus herdeiros.
Com tais fundamentos conclui pela sua absolvição da instância por força da excepção de ilegitimidade invocada; quando assim se não entenda deverá ser absolvido do pedido por dever-se o acidente a culpa do condutor do EA; no limite, caso seja condenado, deverá sê-lo enquanto herdeiro do falecido F..., dono do BB, na justa e idêntica proporção em relação aos demais herdeiros.
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Foi ainda admitido a intervir nos autos, de forma principal e como associado dos RR, E..., condutor do BB à data do acidente, o qual apresentou igualmente contestação autónoma na qual se defendeu por excepção, arguindo a sua ilegitimidade, uma vez que a responsabilidade civil emergente da circulação do BB se achava à data transferida para a demandada seguradora por contrato que há-se ter-se por válido e eficaz, atendendo a que a alteração no registo lhe havia sido comunicada sem que tivesse feito cessar o contrato.
Mais impugnou a versão do acidente constante da petição inicial e, com fundamento no facto do mesmo se ter ficado a dever a conduta culposa do condutor do EA, concluiu pela sua absolvição.
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Foi proferido despacho saneador, no qual foram julgadas improcedentes as excepções de ilegitimidade arguidas pelo FGA, Companhia de Seguros D..., SA, G... e E..., tal como improcedente foi julgada a excepção decorrente da ineptidão do requerimento deduzido pelo Centro Hospitalar de Coimbra, EPE. Foi no entanto relegado para a decisão final, por depender de prova a produzir, o conhecimento das excepções de nulidade e de caducidade do contrato de seguro invocadas pela Ré seguradora e a excepção de prescrição do pedido de reembolso formulado pelo Centro Hospitalar de Coimbra EPE, esta invocada pelo réu FGA.
Prosseguiram os autos, com selecção dos factos assentes e organização da base instrutória, peças que se fixaram sem reclamação das partes.
Teve lugar audiência de discussão e julgamento e nela, reconhecida a sua ilegitimidade para a causa, foram absolvidos da instância por despacho já transitado em julgado, os admitidos a intervir H..., I..., J..., L...e M... na qualidade de herdeiros de F... (cf. fls. 722 e 723).
O Tribunal proferiu a final decisão quanto à matéria de facto controvertida, sem reclamações.
Foi depois, e na devida oportunidade, proferida sentença, nos termos da qual foram absolvidos da instância os Réus FGA, E... e G... e, na parcial procedência da acção, foi a ré Companhia de Seguros D..., SA, condenada nos seguintes termos:
“i. a pagar ao Autor A...
- a quantia de €433,40 (quatrocentos e trinta e três euros e quarenta cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros, desde a citação até integral pagamento, à taxa legal, determinada nos termos do artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil;
- a quantia de €10.000,00 (dez mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros, desde a condenação até integral pagamento, à taxa legal, determinada nos termos do artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil;
- o montante que se vier a liquidar em execução de sentença quanto: ao dano emergente resultante das suas roupas destruídas e que usava na ocasião do acidente; ao dano futuro resultante da perda de ganho em consequência do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica que para ele resultou em consequência do acidente, acrescido de juros, desde a citação até integral pagamento, à taxa legal, determinada nos termos do artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil.
ii. a pagar ao Autor B...
- a quantia de € 5.080,34 (cinco mil e oitenta euros e trinta e quatro cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros, desde a citação até integral pagamento, à taxa legal, determinada nos termos do artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil;
- a quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros, desde a condenação até integral pagamento, à taxa legal, determinada nos termos do artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil.
- o montante que se vier a liquidar em execução de sentença quanto: ao dano emergente resultante das suas roupas destruídas e que usava na ocasião do acidente; ao dano futuro resultante da perda de ganho em consequência do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica que para ele resultou em consequência do acidente; acrescido de juros, desde a citação até integral pagamento, à taxa legal, determinada nos termos do artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil.
iii. a pagar ao Autor C... a quantia de € 950,00 (novecentos e cinquenta euros), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros, desde a citação até integral pagamento, à taxa legal, determinada nos termos do artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil.
iv. a pagar ao demandante Centro Hospitalar de Coimbra, E.P.E. a quantia de € 143,50 (cento e quarenta e três euros e cinquenta cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros, desde a notificação até integral pagamento, à taxa legal, determinada nos termos do artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil”.
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Inconformada com o decidido, apelou a ré Companhia de Seguros D... e, tendo apresentado pertinentes alegações, condensou-as (?) nas seguintes conclusões:
“I. O presente recurso ordinário de apelação tem como objecto a parte ou segmento da sentença concernente à condenação da 1.ª Ré seguradora porquanto, no entender do Tribunal recorrido, ao existir uma nulidade de um negócio de compra e venda de um veículo automóvel, alegadamente seguro, (doravante, "BB"), porque simulado, o contrato de seguro mantém-se válido e, em consequência, é a Companhia seguradora responsável ao abrigo do referido contrato de seguro e, bem assim, a decisão de arbitramento do montante condenatório em sede de indemnização pelos danos sofridos pelo Autor B....
II. Decorre do artigo 240.º n.º 1 do CC que “se, por acordo entre declarante e declaratório, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declaratário, o negócio diz-se simulado.”.
III. O n.º 2 do mesmo artigo 240.º estipula que “o negócio simulado é nulo”.
IV. Mais à frente, no artigo 243.º do CC, estabelece-se que “a nulidade proveniente da simulação não pode ser arguida pelo simulador contra terceiro de boa fé.”.
V. Por fim, o artigo 286.º do Código Civil dispõe que “a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal.”.
VI. O Tribunal a quo, ao declarar ex officio na sentença a simulação do negócio de compra e venda do veículo BB, acabou por beneficiar, indiscutivelmente, os simuladores, benefício esse que o artigo 243.º n.º 1 do CC expressa e manifestamente pretende evitar.
VII. Com a referida declaração de nulidade, permitiu o Tribunal recorrido que um contrato de seguro caducado ex lege, em consequência da venda, por força do disposto no art.º 13.º do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro, tivesse assim repristinado a produção dos seus efeitos e, com isso, garantir o ressarcimento, por parte da seguradora 1.ª Ré, ora Apelante, dos danos causados pelo condutor do veículo BB.
VIII. Com a referida declaração oficiosa da simulação, acabou por se permitir que os simuladores – no caso, F... (pai) e G... (filho), aqui Interveniente - se pudessem fazer valer das vantagens dessa declaração, e, com isso, fruiu aquele de forma ilegítima das vantagens de um contrato de seguro que estava plenamente caducado em consequência da venda do veículo BB.
IX. Tendo em conta este benefício concedido aos simuladores, é entendimento comum na doutrina que, pese embora o regime da simulação ser o da nulidade, logo de conhecimento oficioso, “numa acção onde não possa ser invocada pela parte a nulidade por efeito da simulação, o Tribunal não pode conhecer da simulação” (Castro Mendes, Teoria Geral, 1967, 3.º - 203 – citação feita por Abílio Neto, Código Civil Anotado, 16.ª Edição Revista e Actualizada Janeiro de 2009, pp. 203).
X. Além deste entendimento doutrinário, e sem conceder, importa analisar se o Tribunal a quo, na declaração de nulidade que fez, não terá ido longe de mais nos poderes que a lei lhe confere em matéria de conhecimento oficioso de nulidades.
XI. Conforme tem sido entendimento doutrinário e jurisprudencial, “o Tribunal pode declarar oficiosamente a nulidade do negócio jurídico, mas não dispõe de idêntico poder quanto aos efeitos do negócio nulo” (STJ, 30-10-1973: BMJ, 230.º-103).
XII. Com as necessárias adaptações, idêntico entendimento teve o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, num outro acórdão, ao estipular que “é de conhecimento oficioso a nulidade do negócio jurídico, mas só a pedido da parte pode ser ordenada a restituição do que tiver sido prestado” (RC, 17-03-1992: BMJ, 415.º-737) – o sublinhado é nosso.
XIII. Postas estas considerações, temos que, no caso sub specie, na Réplica, os Autores nem sequer dão enquadramento legal aos factos dispostos na peça (cfr. artigos 5.º e 9.º), concretamente que «não estávamos nem estamos presente a uma plena transferência de propriedade, nem essa era a vontade do seu proprietário, aquela "transferência" tinha apenas como fim a obstrução da justiça ou à dissipação ilícita de património com fins a obstar à penhora» deixando obscuro qual seja o fim jurídico pretendido.
XIV. Por sua vez, o Tribunal a quo, ao ter declarado oficiosamente a nulidade do contrato, sempre estaria impedido, no nosso humilde entendimento e, a nosso ver, no entendimento da jurisprudência invocada, e salvo melhor opinião, de ir além dessa declaração de nulidade e, por isso, estar-lhe-ia, crê-se, vedada a declaração dos efeitos da nulidade e que se materializam, no nosso caso, na repristinação de um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel caducado, pois tal nem sequer lhe foi pedido pelos Autores, nem pelo interveniente G... (filho).
XV. Nestes termos, inexistindo nulidade da venda do BB ocorrida em 04.05.2006 do F... (pai) ao G... (filho) - vide 48. dos factos provados na sentença - ou não se mostrando a mesma eficaz e oponível à seguradora ora Ré –inequivocamente terceira de boa-fé -, o contrato de seguro automóvel terá caducado com a referida alienação do BB às 24:00 horas do citado dia 04.05.2006 por força do disposto no citado art.º 13.º do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro.
XVI. E, consequentemente, inexistindo contrato de seguro que vinculasse a 1.ª Ré seguradora na data do acidente objecto dos presentes autos – em 15.08.2006, recorde-se – nenhuma responsabilidade lhe pode ser assacada decorrente da circulação do veículo BB e do supra mencionado sinistro viário.
XVII. Devendo, assim, ser a 1.ª Ré seguradora ser integralmente absolvida dos pedidos formulados pelos Autores.
Sem conceder, sempre se refira ainda que,
XVIII. Quanto aos danos sofridos pelo Autor B... o arbitramento da indemnização de €25.000,00 a título de danos não patrimoniais mostra-se exagerado.
XIX. Se analisarmos atentamente a douta sentença recorrida, verificamos que o arbitramento do montante atrás referido foi feito com recurso a uma qualificação de alguns dos danos como danos não patrimoniais e patrimoniais futuros, simultaneamente.
XX. Com efeito, a douta sentença, na pp. 31, sob o título “sobre o dano biológico”, qualifica, simultaneamente e paradoxalmente, alguns dos danos atrás classificados como danos não patrimoniais igualmente como danos patrimoniais (cfr. artigo 73.º da p.i. e alínea E) do pedido) e fê-lo com a seguinte fundamentação:
«Em nosso entender, trata-se de um dano patrimonial mesmo que não exista uma incapacidade para a concreta actividade profissional do lesado e, portanto, não tenha uma repercussão negativa na capacidade de ganho do lesado ou na sua actividade profissional.
Na verdade, não deixa de existir uma limitação funcional geral que terá implicações nos esforços exigíveis para o desempenho da actividade profissional, integrando, por isso, um dano futuro previsível.
 (…) Torna-se forçoso relegar as indemnizações a este título para liquidação de sentença, nos termos conjugados dos artigos 661.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, e 566.º, n.º 3 do Código Civil.
(…) Com base em lesões médico-legalmente consolidadas, pelo que não passíveis de maior agravamento.
Contudo, salvo melhor juízo, dado que o valor fixado à causa não parece incluir os pedidos que são formulados de forma ilíquida, o limitador princípio do pedido (artigo 661.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) não consente que se liquidem valores indemnizatórios não incluídos no valor da acção.»
XXI. Os danos que foram qualificados, simultaneamente, como de cariz não patrimonial e patrimonial futuro são, essencialmente, os relativos ao “dano estético, deformação, sequelas e dores permanentes irreversíveis, com condicionamento à sua mobilidade e flexibilidade”.
XXII. Sem prejuízo das considerações que se seguem, deverá o douto Tribunal de Recurso revogar esta dupla qualificação e qualificar todos os danos apenas como danos não patrimoniais, porquanto, não se mostra que em concreto tais danos diminuam a capacidade de ganho do Autor B....
XXIII. Ainda sobre a qualificação dos danos sofridos pelo Autor, o Supremo Tribunal de Justiça utilizou, inequivocamente, o critério da perda da capacidade de ganho, no sentido de perda de obtenção de rendimentos, para qualificar, sempre casuisticamente, o dano biológico como patrimonial ou não patrimonial:
«(…) Tendo a lesada em consequência directa do acidente sofrido lesões da integridade físico-psíquica, nomeadamente cefaleias, dores ao efectuar movimentos acentuados e inibição de exibir o corpo em virtude de cicatrizes, deverão estas lesões ser reparadas a título de dano biológico na vertente do dano não patrimonial ou dano moral desde que essa lesão não tenham qualquer influência na capacidade de produzir rendimentos e não importem qualquer repercussão profissional.» (Supremo Tribunal de Justiça in acórdão de 23 Nov. 2010, processo n.º 456/06, disponível em www.dgsi.pt).
XXIV. Em concreto, note-se que é o próprio Autor quem vem peticionar o montante a título de danos não patrimoniais.
XXV. Ora, não resultando evidente que o Autor tenha sofrido, ou venha a sofrer, perda concreta de capacidade de ganho em consequência dos referidos danos, tais danos só podem ser classificados como danos de cariz não patrimonial.
XXVI. Nestes termos, repete-se, pede-se que se revogue a sentença recorrida e se classifique os danos apenas como danos de cariz não patrimonial.
XXVII. Conforme referido, partilhamos da posição da jurisprudência dominante segundo a qual, inexistindo diminuição da capacidade de ganho, mas, tão só, um sofrimento psicológico, conforme alegado pelo próprio Autor, consequentemente, os referidos danos terão que ser qualificados como danos não patrimoniais ou morais.
XXVIII. Em face do exposto, atendendo aos danos efectivamente sofridos pelo Autor B..., não se conforma a Ré seguradora com o montante arbitrado de €25.000,00, pelo que, no seu entendimento, o Tribunal recorrido aplicou mal a lei aos factos, razão pela qual, deverá o douto Tribunal de recurso arbitrar um montante abaixo daquele, que se mostre adequado à factualidade dada como provada e que se deverá fixar, cremos, num valor não superior a €15.000,00.
XXIX. A sentença recorrida, ao decidir como o fez, violou o disposto nos art.ºs 240.º, 243.º, 289.º, 494.º e 496.º, n.º 3, todos do Código Civil e no art.º 13.º do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro”.
Com os aludidos fundamentos, pretende a revogação da decisão proferida e sua substituição por outra que acolha a apelação.
Contra alegaram os AA e o FGA, pugnando pela manutenção do julgado, defendendo este último que a decisão proferida transitou quanto a si, uma vez que os AA não impugnaram a sua absolvição.
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Sabido que pelas conclusões se fixa o objecto do recurso, tal como a própria apelante enuncia, são duas as questões colocadas à apreciação deste Tribunal:
i. indagar se ao Tribunal era lícito conhecer e declarar a nulidade por simulação do contrato de compra e venda tendo por objecto o veículo seguro, daí extraindo como efeito a validade do contrato de seguro;
ii. respondendo positivamente à primeira questão enunciada, indagar da adequação do montante indemnizatório arbitrado ao autor B....
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II Fundamentação
De facto
Não tendo o presente recurso por objecto a reapreciação da prova e não havendo motivo para proceder oficiosamente à alteração da matéria de facto, são os seguintes os factos a considerar para a decisão a proferir:
1. A responsabilidade civil emergente de acidente de viação relativa ao veículo automóvel de matrícula (...)BB foi transferida para a Ré D... SEGUROS - COMPANHIA DE SEGUROS D..., SA, por contrato de seguro, titulado pela apólice n.º 90.00403786, conforme resulta do documento de fls.139 e 140 junto pela ré e que se dá por reproduzido para todos os legais efeitos (al. A) dos Factos Assentes).
2. O veículo de matrícula (...)BB foi registado em 24.5.2005 em nome de F... e em 4.5.2006 em nome de G..., conforme documento de fls. 291 que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais (al. B) dos Factos Assentes).
3. F... faleceu em 28 de Dezembro de 2008, conforme documento de fls.164 (al. C) dos Factos Assentes).
4. No dia 15 de Agosto de 2006, cerca das 22.30horas na rua Direita do Viso, Regalheiras, Freguesia de Lavos, concelho da Figueira da Foz, ocorreu um embate entre o veículo automóvel de matrícula (...)EA e o veículo automóvel de matrícula (...)BB (resposta ao art.º 1.º da base instrutória).
5. O autor A... conduzia o veículo de matrícula (...)EA (resposta ao quesito 2.º da base instrutória).
6. O veículo de matrícula (...)BB era conduzido por E... (resposta ao quesito 3.º da base instrutória).
7. O EA era propriedade de C... (resposta ao quesito 4.º da base instrutória).
8. No EA seguia no lugar ao lado do condutor B... (resposta ao quesito 5.º da base instrutória).
9. No dia e hora referidos em 1.º, A... circulava na rua Direita do Viso, no sentido de marcha Norte/sul, dos Armazéns de Lavos para o Paião, a uma velocidade não superior a 50 km/h (resposta ao quesito 7.º da base instrutória).
10. O BB circulava na Rua das Carreirinhas, no sentido de marcha Poente – Nascente, em aproximação ao cruzamento com a Rua Direita do Viso, e com destino ao Paião (resposta ao quesito 8.º da base instrutória).
11. Aquele entrou bruscamente na Rua Direita do Viso, não parando no sinal de Stop, sem atender ao veículo EA que circulava no sentido Norte/Sul, embateu neste sem accionar os órgãos de travagem (resposta ao quesito 9.º da base instrutória).
12. Por força do embate, o BB abalroou, virou e arrastou pelo asfalto o EA cerca de 6,60 metros, ficando o BB imobilizado contra o EA e este imobilizado contra um poste da EDP; poste este que se encontrava do lado esquerdo da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha Norte – Sul, e que ficou danificado (resposta ao quesito 10.º da base instrutória).
13. O condutor E... conduzia de forma desatenta (resposta ao quesito 11.º da base instrutória).
14. Em consequência do embate, o EA ficou danificado ao ponto de ser necessário proceder ao desencarceramento dos seus dois ocupantes (resposta ao quesito 12.º da base instrutória).
15. No local do embate a faixa de rodagem apresenta uma largura de 5,30 metros, e cada hemi faixa de rodagem 2,65m de largura (resposta ao quesito 13.º da base instrutória).
16. O embate ocorreu numa recta com cruzamento com boa visibilidade, situando-se aquele embate, no centro deste cruzamento, dentro da hemi-faixa onde circulava o veículo EA (resposta ao quesito 15.º da base instrutória).
17. Local que se situa dentro de uma localidade (resposta ao quesito 16.º da base instrutória).
18. O piso estava seco, o tempo era quente e seco, não se verificando qualquer fenómeno atmosférico que reduzisse a visibilidade, e existia iluminação pública (resposta ao quesito 17.º da base instrutória).
19. Em virtude do embate, o Autor A... sofreu lesões ao nível da crista ilíaca direita com escoriação, lesões no fémur, joelho e ouvido direitos, lesões no antebraço direito, e dores corporais (resposta ao quesito 18.º da base instrutória).
20. Em virtude do acidente, o Autor B... sofreu de amnésia para o acidente, com traumatismo da face, feridas e edema da hemi face direita, gengiva e lábio superior interno e externo abertos, com grande edema da face, perda de um dente, diversas escoriações, hematomas e dores (resposta ao quesito 19.º da base instrutória).
21. O que o obrigou a internamento no Hospital Distrital da Figueira da Foz (HDFF) posteriormente seguiu para o Centro Hospitalar dos Covões (CHC) em Coimbra, e como precisava de ser submetido a intervenção cirúrgica maxilo-facial, seguiu para o Hospital da Universidade de Coimbra (HUC) (resposta ao quesito 20.º da base instrutória).
22. A... e B... foram transportados de ambulância para o Serviço de Urgência do Hospital Distrital da Figueira da Foz (resposta ao quesito 21.º da base instrutória).
23. Onde foram observados e radiografados ao crânio, ossos da face, tórax, com atenção ao malar, órbita e maxilar superior, coluna cervical e dorsal, tórax, bacia, ossos do antebraço esquerdo e fémur direito (resposta ao quesito 22.º da base instrutória).
24. Teve o Autor A... alta médica, mas recorreu a consultas particulares de Ortopedia e Otorrinolaringologia, uma vez que continuava com dores muito fortes (resposta ao quesito 23.º da base instrutória).
25. Foi assistido e seguido pelo Médico - Ortopedista Dr. Manuel Gameiro, na Policlínica Central da Figueira da Foz (resposta ao quesito 24.º da base instrutória).
26. Foi assistido e submetido a exames de audição realizados pelo Dr. Q.... -consulta de Otorrinolaringologia, na Policlínica referida em 24.º (resposta ao quesito 25.º da base instrutória).
27. Em virtude do embate, o Autor A... sofreu de um Défice Funcional Temporário Total entre 15-08-2006 e 22-08-2006 (8 dias) e de um Défice Funcional Temporário Parcial entre 23-08-2006 e 10-02-2007 (17 dias) (resposta ao quesito 26.º da base instrutória);
28. O B... foi desinfectado, suturado e com aplicação de penso nas cervicalgias, tendo ficado em serviço de observação (resposta ao quesito 27.º da base instrutória).
29. Internamento efectuado entre o dia 15 de Agosto de 2006 (data do acidente) e o dia 16 de Agosto de 2006, sendo transferido para os C.H.C. e mais tarde para os Hospitais da Universidade de Coimbra para ser submetido a cirurgia (resposta ao quesito 28.º da base instrutória).
30. Tendo sido objecto de vários tratamentos médicos e medicamentosos, em diversas Unidades Hospitalares (resposta ao quesito 29.º da base instrutória).
31. Foi submetido a intervenção cirúrgica maxilo-facial no HUC com data de internamento a 17 de Agosto e o dia 25 de Agosto de 2006 (resposta ao quesito 30.º da base instrutória).
32. Voltou ao Serviço de Cirurgia Maxilo Facial dos Hospitais da Universidade de Coimbra a 02-10-2006 onde foi feita extracção da placa com 4 parafusos que tinha levado na cirurgia anterior, (resposta ao quesito 31.º da base instrutória).
33. Em virtude do embate ocorrido, o Autor B... sente ocasionalmente dor residual na região temporo maxilar direita (resposta ao quesito 33.º da base instrutória).
34. Em virtude das lesões resultantes do acidente, o mesmo Autor B..., entre 15-08-2006 e 20-10-2006, padeceu um sofrimento físico e psíquico fixável no grau 4 numa escala de 7 graus de gravidade crescente; e o Autor A..., entre 15-08-2006 e 10-02-2007, padeceu um sofrimento físico e psíquico fixável no grau 3 numa escala de 7 graus de gravidade crescente (resposta ao quesito 34.º da base instrutória).
35. Viveram ambos os Autores momentos de grande angústia, desgosto e tristeza (resposta ao quesito 36.º da base instrutória).
36. Em consequência das sequelas (gonalgia residual direita) resultantes do acidente para o Autor A..., este ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 2% (dois pontos) (resposta ao quesito 37.º da base instrutória);
37. Em consequência das sequelas (cicatrizes na face, síndrome pós comocional e perda de peça dentária (47)) resultantes do acidente para o Autor B..., este ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 6% (seis pontos); e causaram-lhe uma repercussão na imagem que tem de si próprio e perante os outros (dano estético) fixável no grau 3 numa escala de 7 graus de gravidade crescente (resposta ao quesito 39.º e 40.º da base instrutória);
38. Aquando do acidente A... era estudante, vivia a expensas de seus Pais (resposta ao quesito 41.º da base instrutória).
39. O Autor A... despendeu a quantia de €433,40 a título de episódio de urgência, exames, consultas externas e receitas medicamentosas (resposta ao quesito 42.º da base instrutória).
40. O Autor B..., na altura do acidente, trabalhava por conta de outrem como ajudante de serralheiro e auferia o salário base de €400,00 mensais, acrescido de subsídio de refeição e remuneração por trabalho suplementar a 50%/75%, e descontando 11% para a Segurança Social (resposta ao quesito 43.º da base instrutória).
41. Em virtude do embate, o Autor B... sofreu de um Défice Funcional Temporário Total entre 15-08-2006 e 25-08- 2006 e entre 15-02-2007 e 19-02-2007 (16 dias); um Défice Funcional Temporário Parcial entre 26-08-2006 e 20-10-2006 e entre 19-02-2007 e 24-02-2007 (62 dias); e uma Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total entre 15-08-2006 e 20-10-2006 e entre 15-02-2007 e 24-02-2007 (77 dias) (resposta ao quesito 44.º da base instrutória).
42. As despesas Hospitalares facturadas ao próprio resultantes do acidente de viação, totalizam a quantia de €4.167,46 (resposta ao quesito 45.º da base instrutória).
43. Despendeu a quantia de €29,97 a título de exames, consultas externas e receitas medicamentosas, (resposta ao quesito 46.º da base instrutória).
44. O valor comercial do EA à data do acidente era de cerca de €950,00 (resposta ao quesito 47.º da base instrutória).
45. O EA após o acidente ficou destruído e em situação de perda total (resposta ao quesito 48.º da base instrutória).
46. Em consequência do acidente, os ocupantes do EA ficaram com as roupas que vestiam estragadas, sem possibilidade de serem usadas, tendo as mesmas um valor não concretamente apurado, (resposta ao quesito 49.º da base instrutória).
47. Foi-lhe prestada assistência pelo CHC em resultado do acidente ocorrido que importou na quantia de 143,50 euros (resposta ao quesito 52.º da base instrutória).
48. Foi efectuada a transferência da titularidade do direito de propriedade sobre o BB na Conservatória do Registo Automóvel do falecido F... (pai) para o Interveniente G....
49. A apólice referida em A) foi em 12.9.2006 transferida para um novo veículo adquirido por F..., de marca Peugeot, com matrícula XR (resposta ao quesito 57.º da base instrutória).
50. O veículo BB sempre se encontrou ao cuidado e guarda de F..., desde o ano de 2005 (resposta ao quesito 62.º da base instrutória).
51. O F... era quem cuidava e pagava as suas revisões mecânicas, inspecções técnicas periódicas, guardava-o em sua casa e o utilizava em proveito próprio (resposta ao quesito 63.º da base instrutória).
52. E sempre foi assim até à data em que F... dispôs do mesmo em contrapartida de um preço a favor da sucateira Rodapeças Pneus e Peças, Lda já depois de ter ocorrido o embate referido em 1.º (resposta ao quesito 64.º da base instrutória).
53. O nome do Interveniente G... (filho) aparece no registo automóvel como titular do direito de propriedade sobre o BB porque o falecido F... (pai) era fiador de um filho que tinha uma dívida à Caixa Geral de Depósitos (resposta ao quesito 65.º da base instrutória).
54. E com o fito de não ter o BB registado em seu nome para que o automóvel não fosse penhorado e respondesse pela dívida, decidiu transferir a titularidade do direito de propriedade para o Interveniente G..., seu filho (resposta aos quesitos 66.º e 67.º da base instrutória).
55. Foi com a condição de apenas passar para nome do demandado G..., sem que desse acto pudesse resultar qualquer outro encargo decorrente dessa transmissão de propriedade do veículo BB que o demandado F... a aceitou (resposta ao quesito 68.º da base instrutória).
56. O falecido F... (pai) sempre assegurou ao filho, o Interveniente G..., que a transmissão para ele da titularidade do registo da propriedade sobre o BB na Conservatória do Registo Automóvel era temporária e logo que fosse resolvida a questão do pagamento da fiança relacionada com a dívida do filho L..., o registo do direito na Conservatória regressaria de novo à sua titularidade (resposta ao quesito 69.º da base instrutória).
57. O F... assegurou que todas as questões relacionadas com seguros, transgressões de trânsito, multas de natureza fiscal, aspectos com o funcionamento dos componentes mecânicos eram da sua responsabilidade (resposta ao quesito 70.º da base instrutória).
58. O F... pagou todas as despesas referentes ao veículo BB em face do acordo assumido com o filho (resposta ao quesito 71.º da base instrutória).
59. A matéria constante em 62.º a 71.º era do conhecimento dos familiares directos do falecido G..., que nunca manifestaram oposição (resposta ao quesito 72.º da base instrutória).
60. O contrato referido em A) era válido até 27.12.2006 (resposta ao quesito 73.º da base instrutória).
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De Direito
i. da nulidade por simulação 
Insurge-se a ré seguradora contra a decisão recorrida, mantendo que o contrato de seguro titulado pela apólice n.º 90.00403786 cessou os seus efeitos pelas 24:00 horas do dia 4 de Maio de 2006, data da alienação do veículo BB, por força do disposto no art.º 13.º, n.º 1 do DL 522/85, de 31 de Dezembro.
A este respeito ponderou-se na sentença apelada que, resultando da factualidade apurada que o dito contrato de compra e venda da viatura BB, celebrado entre o tomador do seguro F... e seu filho e aqui interveniente G... era simulado e, portanto, nulo, atento o disposto no art.º 240.º do Código Civil[1], tinha lugar a aplicação do disposto nos artigos 286.º, 288.º e 289.º. Deste modo, considerou-se que o veículo BB “era propriedade do F... (pai) antes e depois do acidente de viação ocorrido a 15-08-2006, pelo que não se verificara a caducidade do contrato de seguro por aplicação do artigo 13.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31/12”, daqui decorrendo que “na data do acidente de viação era plenamente válido e eficaz como contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, o acordo titulado pela apólice n.º 90.00403786, pelo qual o F... (pai) tinha transferido para a Ré “ D..., S.A.” a obrigação de indemnizar terceiros em caso de responsabilidade civil decorrente da verificação dos riscos cobertos inerentes à circulação do BB (…)”.
Sem pôr em causa estarmos perante negócio simulado, invoca a apelante a proibição da arguição da nulidade pelo simulador, uma vez que lhe deve [a ela, recorrente] ser reconhecida a qualidade de terceira de boa fé. Deste modo, ao conhecer “ex officio” da simulação e decretar a nulidade do negócio com esse fundamento, o Tribunal beneficiou os simuladores, defraudando a proibição constante do art.º 243.º. Acresce que, em seu entender, ainda a reconhecer ao Tribunal legitimidade para, oficiosamente, conhecer da apontada nulidade, estava-lhe vedado decretar os seus efeitos, porque não peticionado.
Vejamos da pertinência da argumentação expendida.
No quadro da simulação importa ter presente que o negócio simulado tanto pode interferir com interesses de terceiros aos quais importa que a simulação seja posta a descoberto, como com interesses daqueles que, situando-se em plano oposto, tendo tomado como bom o negócio simulado, são titulares de direitos que ficam afectados, na sua consistência prática ou jurídica, pela eficácia retroactiva da declaração de nulidade com que a lei sanciona o negócio simulado[2].
Sob a epígrafe “Legitimidade para arguir a simulação”, o artigo 242.º proclama que “Sem prejuízo do disposto no artigo 286.º, a nulidade do negócio simulado pode ser arguida pelos próprios simuladores entre si, ainda que a simulação seja fraudulenta” (vide n.º 1), daqui resultando, pois, que fora das situações previstas no preceito, vale a regra geral de que a nulidade é invocável a todo o tempo, por qualquer interessado, e pode ser declarada oficiosamente pelo Tribunal.
Reconhecendo assim a lei ao terceiro interessado na revelação da simulação legitimidade para obter a declaração de nulidade do negócio simulado, no pólo oposto, o art.º 243.º- disposição legal que a apelante tem como violada- consagra a inoponibilidade da simulação a terceiros de boa fé. A boa fé aqui considerada assenta na concepção subjectiva, consistente na ignorância da simulação ao tempo em que foram constituídos os respectivos direitos.
Invocando a citada disposição legal e partindo do pressuposto que aos simuladores -neste caso ao simulador interveniente G...- estava vedada a invocação da simulação, conclui a apelante que o Tribunal, suprindo ex officio esta invocação, contornou a proibição legal.
Não cremos, porém, que se verifique o pressuposto de que parte a recorrente.
Sendo correcto que a inoponibilidade consagrada no preceito não está limitada àqueles que com o acto simulado os simuladores visavam enganar ou prejudicar, há todavia que indagar qual a natureza dos interesses de terceiros aqui tutelados. Com efeito, sendo indiscutível a nulidade do negócio simulado, cabe pertinentemente indagar se a proibição vale tanto para os casos em que a declaração de nulidade acarreta para o terceiro um prejuízo, como para aqueles em que apenas o priva de uma vantagem. E cremos, tal como a maioria da doutrina[3], que apenas os interesses daqueles que, em virtude da nulidade, sofrem um prejuízo, são aqui visados, só em atenção a eles tendo sido consagrada a inoponibilidade da simulação.
Buscando a razão de ser da solução legal, facilmente se conclui que se “(…) se compreende que os simuladores não se possam prevalecer da nulidade do negócio que falsamente celebraram em detrimento de terceiros que, por estarem de boa fé, confiaram na bondade do acto simulado (…) o problema ganha nova faceta quando o terceiro não visa prevenir um dano, que a invocação da nulidade criaria, mas manter um benefício emergente do acto simulado e para o qual não se vê justificação”[4]. Ora, isto mesmo ocorre no caso em apreço, pois a ré seguradora, por força do contrato de seguro celebrado, sempre teria que responder perante os lesados, nada justificando que, por força de um contrato que é nulo -o vício existe, a questão coloca-se antes ao nível da eficácia da declaração de nulidade perante o terceiro- viesse a eximir-se de uma obrigação que validamente assumiu, tendo recebido a correspondente contrapartida, no caso o prémio de seguro, que se encontrava pago, uma vez que emitiu o pertinente certificado com validade até Dezembro de 2006[5].
E tendo o interveniente simulador arguido a simulação -“transferência simulada da propriedade do veículo em questão”, conforme lhe chamou no art.º 49.º da contestação- não deixou igualmente de alegar que o negócio de compra e venda celebrado com seu pai se encontrava “eivado de vícios” que determinavam a sua nulidade (cf. art.º 3.º), pugnando claramente pela validade e vigência do contrato de seguro, tal como os AA, de resto, haviam previamente feito na petição inicial, à semelhança do que ocorreu com o FGA.
Deste modo, e em conclusão, a simulação poderia ter sido, como foi, arguida pelo simulador, no caso o interveniente no negócio G..., tal como poderia ter sido oficiosamente conhecida pelo Tribunal, nada obstando a que, em consequência, se decretasse a respectiva nulidade, com a consequente subsistência do contrato de seguro celebrado com a apelante.
Numa outra perspectiva, cremos que ainda a ter ocorrido a alienação do veículo, a cessação do contrato não seria oponível aos lesados, aqui AA, conforme estes invocaram.
Cabe, antes de mais, deixar estabelecido que, atenta a data da ocorrência do acidente dos autos e da celebração do contrato de seguro aqui em causa, a lei aplicável é, sem dúvida, o DL 522/85, de 31 /12, em cujo art.º 13.º se consagrava que “O contrato de seguro não se transmite em caso de alienação do veículo, cessando os seus efeitos às 24 horas do próprio dia da alienação, salvo se for utilizado pelo tomador do seguro inicial para segurar novo veículo”. Mas logo o preceito imediato, epigrafado de “Oponibilidade de excepções aos lesados” consagrava que “Para além das exclusões ou anulabilidades que sejam estabelecidas no presente diploma, a seguradora apenas pode opor aos lesados a cessação do contrato nos termos do n.º 1 do artigo anterior, ou a sua resolução ou nulidade, nos termos legais e regulamentares em vigor, desde que anteriores à data do sinistro”.
Ora, tendo a apelante omitido nas conclusões qualquer alusão à antes invocada nulidade do contrato de seguro por falta de interesse do tomador (art.º 428.º do Código Comercial), questão que se mostra assim definitivamente decidida no processo em seu desfavor, a verdade é que não faltava quem entendesse, face ao preceituado no transcrito artigo 14.º, que a oponibilidade da cessação do contrato aos lesados (à semelhança do que ocorria com a resolução ou nulidade) dependia de terem ocorrido -no sentido da seguradora ter dado a conhecer que pretendia prevalecer-se dos respectivos efeitos- em data anterior ao sinistro.
Dada a finalidade do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, visando, “como medida de relevante alcance social, a protecção directa (e célere) dos legítimos interesses e direitos das pessoas lesadas em consequência de acidentes de viação”, tal pressupõe “um seguro em que, sendo a responsabilidade, em regra, garantida pela seguradora (e, excepcionalmente, pelo FGA), vigore com a máxima amplitude o princípio da inoponibilidade das excepções contratuais (…)”[6]
Deste modo, a Convenção de Estrasburgo de 20 de Abril de 1959, no seu art.º 9.º 2, determinava que "O segurador não pode opor à pessoa lesada a nulidade ou a cessação do contrato, a sua suspensão ou a da garantia, a menos que se trate de sinistros ocorridos finda a expiração do prazo de 16 dias seguintes à notificação pelo segurador da nulidade, cessação ou suspensão" .
Nesta lógica, e havendo que proceder à interpretação do sentido e alcance do transcrito artigo 14.º de acordo com os critérios estabelecidos no art.º 9.º, o sentido útil a atribuir à ressalva final terá que ser aquele que se deixou expresso. Com efeito, atenta a natureza “ex tunc” dos efeitos jurídicos decorrentes da resolução ou declaração de nulidade do contrato (cf. art.ºs 289.º e 434.º), pareceria indiferente o momento em que estas viessem a ter lugar, uma vez que a produção dos seus efeitos independia da circunstância da efectivação das mesmas se verificar antes ou depois da produção do acidente gerador da responsabilidade civil da entidade seguradora. Todavia, no caso do seguro obrigatório, “o emprego, pelo legislador da ressalva contida no apontado normativo legal, outrossim não permite concluir, senão o de que as referidas formas de extinção do contrato celebrado naquele específico ramo de seguro têm, necessariamente, de ter lugar, e, consequentemente, de produzir efeitos extintivos do aludido contrato, em momento anterior à ocorrência do sinistro”.[7]
Tal raciocínio, cremos, é ainda válido para a cessação do contrato estabelecida no artigo 13.º porquanto, ocorrendo embora por força da lei, há-de a seguradora declarar querer prevalecer-se dos efeitos daí decorrente nos precisos termos em que se exige que declare a resolução ou nulidade, posto que o artigo 14.º não distingue entre uma e outras.
Ora, no caso vertente, verifica-se que não só a apelante não invocou a cessação dos efeitos do contrato em momento anterior -e note-se que a questão da propriedade é hoje em dia de fácil verificação- como permitiu a sua utilização, em data posterior à do acidente, pelo tomador do seguro, para segurar um novo veículo (cf. facto 49.), vindo apenas mais tarde a invocar a cessação, pretendendo opô-la aos AA lesados com a única finalidade de se eximir à responsabilidade de os indemnizar dos prejuízos sofridos em consequência do acidente dos autos.
Deste modo, e também por esta via, se mantinha, quanto aos AA e aqui lesados, a eficácia do contrato, improcedendo as conclusões I a XVII.
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ii. do quantum indemnizatório atribuído ao autor B... a título de danos de natureza não patrimonial
Reputa a apelante de exagerado o montante de € 25 000,00 atribuído ao autor B..., face a uma “paradoxal” qualificação do dano biológico simultaneamente como dano de natureza patrimonial e não patrimonial, estando em causa os danos “relativos ao dano estético, deformação, sequelas e dores permanentes irreversíveis, com condicionamento à sua mobilidade e flexibilidade”. Requer assim que este Tribunal, eliminando tal dupla qualificação, qualifique os danos em causa apenas como danos de natureza não patrimonial tal como, de resto, os qualificou o próprio autor, por não ter ficado provado que dos mesmos resulte diminuição da sua capacidade de ganho, e fixe o montante indemnizatório em valor não superior a € 15 000,00.
Expendeu-se, a propósito, na sentença sob recurso, que os danos de natureza não patrimonial que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito devem ser compensados, conforme estatui o n.º 1 do art.º 496.º, compensação que há-de ser calculada com recurso a critérios de equidade (cf. n.º 3 do preceito) e tendo em conta os critérios estabelecidos no art.º 494.º. E pela ponderação dos aludidos critérios encontrou como adequado, para efeitos de compensação dos danos de natureza não patrimonial sofridos pelo B..., o aludido montante de € 25 000,00.
Resulta dos termos da decisão que, tendo o Mm.º juiz autonomizado o dano biológico decorrente do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica e fazendo notar a flutuação na caracterização deste dano como dano de natureza patrimonial, não patrimonial ou mesmo como “tertium genus”, concluiu tratar-se de dano patrimonial. E assim concluiu, mesmo reconhecendo que tal incapacidade não se traduzia, no momento, em incapacidade para a concreta actividade profissional do lesado, sem repercussão negativa, portanto, na sua capacidade de ganho ou na sua actividade profissional, com base na consideração de que não deixa de existir uma limitação funcional geral, a qual terá necessariamente implicações nos esforços exigíveis para o desempenho da actividade profissional, integrando, por isso, um dano futuro previsível. E foi esta parcela indemnizatória que foi relegada para posterior liquidação, uma vez que o autor havia, a este título, formulado pedido ilíquido.
Face ao discurso argumentativo da sentença apelada cremos não assistir razão à apelante quando pretende que nela foi efectuada uma dupla qualificação do dano em causa, correspondendo-lhe uma dupla valoração. Com efeito, conforme decorre dos termos da decisão, optou o Mm.º juiz “a quo” pela caracterização do dano em causa como de natureza patrimonial, discorrendo até sobre os critérios da sua quantificação. Daqui decorre, pois, que tal dano não foi considerado para efeitos do achamento do montante indemnizatório de € 25 000,00 aqui impugnado.
De todo o modo, pretende a apelante que o dano em causa seja qualificado (apenas) como dano de natureza não patrimonial, importando a revogação deste segmento da decisão proferida, diminuindo-se, do mesmo passo, o montante indemnizatório fixado.
A este respeito, é constante o entendimento de que “O lesado que fica a padecer de determinada IPP – sendo a força de trabalho um bem patrimonial – tem direito a indemnização por danos futuros, danos esses a que a lei manda expressamente atender, desde que previsíveis, nos termos do art.º 564.º, n.º 2, do CC”, sendo tal dano indemnizável “quer acarrete para o lesado uma diminuição efectiva do seu ganho laboral, quer lhe implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais, exigindo tal incapacidade um esforço suplementar, físico e/ou psíquico, para obter o mesmo resultado”[8]. Por assim ser, “ao arbitrar-se indemnização pelo dano patrimonial futuro pode ter-se em consideração, não apenas a parcela de rendimentos salariais perdidos em função do nível de incapacidade laboral do lesado, calculados através das tabelas financeiras correntemente utilizadas, mas também o dano biológico sofrido por lesado jovem, no início da sua actividade profissional, limitador das possibilidades de emprego e reconversão profissional futura, mesmo que não imediatamente reflectidas nos valores salariais percebidos à data do acidente”[9].
Deste modo, tendo ficado apurado que o autor ficou portador de um défice funcional permanente de integridade física psíquica de 6%, não há dúvida que sofreu amputação na sua capacidade de utilizar o corpo para angariar rendimentos tratando-se, nesta medida, de um dano patrimonial, vertente em que a sua liquidação foi relegada para posterior incidente. Todavia, em nosso entender, nada obsta a que esta incapacidade genérica, enquanto prejuízo de afirmação pessoal, com reflexo no quotidiano do lesado -apurou-se que teve repercussão na imagem que tem de si próprio e perante os outros- traduzindo-se, para além do mais, em dano estético fixável no grau 3 numa escala crescente de até 7 pontos, seja igualmente valorizada como dano de natureza não patrimonial, ou seja, como perda “in natura” sofrida pelo lesado nos seus interesses espirituais.
Quanto ao montante arbitrado, tendo presente a factualidade relatada em 20., 21., 22., 23., 28., 29., 30., 31, 32., 33., 34., 35., 37., parte final, considerando ainda a data em que ocorreu o acidente e a data da fixação da indemnização, decorridos 7 anos, afigura-se equitativo e justo o montante encontrado. Note-se que estamos a falar de lesões na face, com sujeição a duas cirurgias e importante sofrimento físico (de grau 4 utilizando a mesma escala crescente de sete pontos), com sequelas -cicatrizes na face- que implicam desfiguração, a acrescer aos momentos de angústia e tristeza vivenciados, tudo a permitir sufragar a quantia arbitrada.
Improcedem, deste modo, as derradeiras conclusões recursivas.
       *
III. Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes da 1.ª secção cível deste Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão apelada.
Custas a cargo da apelante.


Maria Domingas Simões (Relatora)
Nunes Ribeiro
Helder Almeida


[1] Diploma ao qual pertencerão os demais disposições legais que vierem a ser citadas sem menção da sua origem.
[2] Cf. Carvalho Fernandes, “Estudos sobre a simulação” (simulação e tutela de terceiros), Quis Juris, 2004, pág. 70.
[3] Neste sentido, Carvalho Fernandes, ob. cit., pág. 112, com citação de outros autores, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9.ª ed., revista e aumentada, Almedina 2001, nota 4 da pág. 417, a propósito do exercício do direito de preferência.
[4] Carvalho Fernandes, ob. cit., págs. 114-115, dando como exemplo paradigmático o preferente na simulação do preço, tendo os simuladores por finalidade ludibriar o fisco.
[5] Sem entrar aqui em linha de conta com o facto de estarmos perante eventual conflito de interesses de terceiros ao negócio simulado, uns interessados na sua manutenção, como é o caso da apelante, outros vendo os seus interesses afectados caso a nulidade do mesmo não fosse reconhecida e os seus efeitos decretados -casos dos AA e do interveniente E..., condutor da viatura- com indiscutível legitimidade para arguir a simulação nos termos gerais do artigo 286.º, inexistindo pois obstáculo à sua invocação e reconhecimento.
[6] Do aresto do STJ de 21.1.2014, processo n.º 718/04.9 TJVNF.P1.S19, acessível em www.dgsi.pt
[7] Do acórdão do STJ de 28/2/2008, processo n.º 07 A 4604, de cujo sumário se destaca o seguinte ponto: “No domínio do seguro obrigatório automóvel, a extinção do contrato de seguro respeitante ao veículo causador do acidente, decorrente da sua resolução ou nulidade, apenas pode ser oposta aos respectivos lesados pela entidade seguradora, desde que a cessação do contrato se tenha verificado em momento anterior à ocorrência do sinistro”. No mesmo sentido, acórdãos da Relação de Lisboa de 28/2/2008, processo n.º 869/2008-6 e da Relação do Porto de 18/6/2008, processo n.º 0833208 e ainda, embora com fundamentação não inteiramente coincidente, Relação de Guimarães de 12/7/2006, processo n.º 1357/06.1, todos disponíveis no identificado sítio.
[8] Ac. STJ de 27/9/2012, proferido no processo n.º 560/04.7 TBVVD.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt
[9] O mesmo STJ, em acórdão de 16/12/2010, processo n.º 270/06.0 TBLSD.P1.S, disponível em www.dgsi.pt., sendo nosso o destaque.