Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1531/19.4T8PBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: SEGURO DE GRUPO
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
DEVER DE INFORMAÇÃO DA SEGURADORA
EXCLUSÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS
Data do Acordão: 10/12/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JL CÍVEL DE POMBAL . JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 5º E 8º DO DL 446/85, 25/10; DL 72/2008, DE 16/04.
Sumário: I- Estabelece o art. 5º do DL 446/85, regulador do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, que o contratante que submeta a outrem essas cláusulas contratuais gerais, deve comunicar e informar o seu conteúdo, e dispõe o art. 8º desse mesmo diploma que ficam excluídas do contrato as cláusulas que não tenham sido comunicadas ou que o tenham sido com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo.
II- Por sua vez, o DL 72/2008, que estabelece o regime jurídico do contrato de seguro, depois de no seu art.18º firmar o dever de informação do segurador e estabelecer no art.23º como cominação para a violação de tal dever a incursão em responsabilidade civil, nos termos gerais, repete para os contratos de seguro de grupo a mesma previsão de obrigação do dever de informar para o tomador do seguro (no art.78º) e a mesma cominação de responsabilidade civil nos termos gerais (no art.79º).

III- Independentemente de se defender que exista ou não uma relação de especialidade do DL 72/2008 referente ao DL 446/85, por força da qual não se aplicaria no caso dos seguros de grupo a cominação da exclusão da cláusula nula por falta do dever de comunicação e informação, o que importa como decisivo, para apurar a responsabilidade pela falta do dever de comunicação e informação nos seguros de grupo, é saber em concreto, quem tem esse dever de comunicar e informar o segurado/aderente das condições do contrato onde se inserem as cláusulas contratuais gerais.

IV- O dever de informação do tomador do seguro para com o segurado/aderente tem como base um modelo contratual elaborado pela seguradora, o que determina que esta seja pessoalmente responsável pelos vícios ou insuficiências do mesmo que determinem causalmente o cumprimento deficiente do referido dever de esclarecimento, por parte do tomador do seguro, ou pela omissão do dever de facultar, a pedido dos segurados, quaisquer informações complementares, que lhe tenha sido directamente solicitada, necessárias à efectiva compreensão da disciplina contratual.

V- Nos contratos de seguro de grupo, por obrigação decorrente do art.78º do DL 446/85, cabe ao tomador do seguro a obrigação de informar, que nos contratos individuais é da seguradora (art.18º) e com a mesma extensão, ocorrendo uma substituição desta por aquele.

VI- Tal substituição determina que o incumprimento do dever de informação e esclarecimento se repercute na seguradora, porque, sendo ela a contraente que recorra a cláusulas contratuais gerais e pertencendo-lhe  o espécimen do contrato criado e fornecido por si, sendo ela contraente do mesmo contrato de que faz parte o tomador e o aderente,  e não salvaguardando para si o dever de informar a pessoa segura de todas ou algumas cláusulas do contrato, a falta do mesmo e único dever de informação por parte do tomador do seguro só pode ter como consequência o considerar-se cláusula nula e excluída.

Decisão Texto Integral:  








          Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

Relatório

No Tribunal Judicial da Comarca de Leiria - Juízo Local Cível de Pombal - Juiz 2,  a “Herança indivisa aberta por óbito de T...” instaurou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra “Transportes ..., Lda.” e “Companhia de Seguros A..., S.A.”, alegando que T..., já falecido, era motorista de pesados ao serviço internacional, por conta da 1.ª ré e beneficiava de um seguro de vida, que a 1.ª ré tinha contratado com a 2ª ré, titulado pela apólice n.º ...;  no dia 4 de junho de 2016, cerca das 17h00m, T... conduzia o seu veículo ligeiro de passageiros, com destino a sua casa quando faleceu vitima de ataque cardíaco; nos termos do referido seguro de grupo, figura como beneficiário, em caso de morte ou de invalidez, o tomador do seguro, no caso, a 1.ª ré; esse seguro de vida é uma regalia que a 1.ª ré concede aos seus trabalhadores, conferindo-lhes a legítima expetativa de dele beneficiarem e por isso, o valor do seguro de vida deve integrar o acervo hereditário do falecido T...; contudo, esse valor foi pago pela 2.ª ré à 1.ª ré; nas condições particulares da apólice, não consta a indicação de qualquer beneficiário, pelo que, não havendo beneficiário designado, serão beneficiários, em caso de morte, os herdeiros legais da pessoa segura; por isso, são os herdeiros legais de T... os beneficiários do seu seguro de vida e não a 1.ª ré; T... não foi informado do conteúdo e das cláusulas do seguro firmado entre as rés, pelo que as rés não cumpriram os deveres de informação a que estavam obrigadas, sendo que a 1.ª ré atua em abuso de direito ao ter criado no falecido T... a convicção de que, no âmbito do contrato de trabalho, era o mesmo beneficiário de um seguro de vida;

Assim, pede a autora que, na procedência da ação, se condenem as rés a  reconhecerem que são os herdeiros legais, a viúva, L..., e os seus filhos, I... e C..., os únicos beneficiários do seguro de vida titulado pela apólice n.º ...; a  pagarem, solidariamente, à autora a quantia de 37.500,00 EUR devida a título de indemnização relativa à vida do falecido T...; a pagarem, solidariamente, à autora os juros vencidos e vincendos, contados sobre a mencionada quantia, à taxa legal de 4%, desde a data da morte de T... até efetivo e integral pagamento.

A primeira ré contestou, alegando que celebrou com a 2.ª ré o “contrato de seguro grupo” o qual tem por objeto, além do mais, a cobertura principal do risco de morte dos empregados da 1.ª ré; nos termos das condições particulares da referida apólice, e foi identificada como beneficiária do seguro em caso de morte de T..., razão pela qual a 1.ª ré reclamou da 2.ª ré, que lhe pagou, o pagamento do referido capital.

A segunda ré contestou, dizendo, tal como a 1.ª ré, que as pessoas seguras pelo contrato em questão são os empregados desta última; que o falecido T... fazia parte da lista de pessoas seguras; que a 1.ª ré, enquanto tomadora do seguro, é a sua beneficiária e não os herdeiros legais da pessoa segura, porquanto se trata de um seguro de grupo não contributivo; que, após participação da 1.ª ré da morte de T..., a 2.ª ré realizou o pagamento do capital seguro ao tomador do seguro. Mais disse que o dever de informar cabia ao tomador do seguro (a 1.ª ré), não existindo fundamento legal para excluir qualquer cláusula da apólice por incumprimento do dever se informação ao segurado.

O tribunal em primeira instância, por considerar que os autos permitiam que se conhecesse de imediato do mérito da causa, apreciou e decidiu julgar a acção improcedente a absolver as rés do pedido.

Inconformada com esta decisão dela interpôs recurso a Autora concluindo que:

...

A ré seguradora contra-alegou defendendo a confirmação da sentença recorrida.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação

A matéria provada que serve a decisão é aquela que consta do relatório, nomeadamente que:

“ - no dia 4 de junho de 2016 faleceu, no estado de casado em segundas núpcias com L..., T...;

- T... deixou como seus herdeiros a viúva e os filhos, I... e C...;

- T... era motorista de pesados ao serviço internacional, por conta da 1.ª ré;

- T... figurava como a pessoa segura de um seguro de vida, que a 1.ª ré tinha contratado com a 2ª ré, titulado pela apólice n.º ...;

- no dia 4 de junho de 2016, cerca das 17h00m, T... conduzia o seu veículo ligeiro de passageiros, com destino a sua casa, sita na Rua ..., quando caiu inanimado;

- através da autópsia que lhe foi efetuada, apurou-se que o falecimento ocorreu na sequência de um ataque cardíaco;

- nos termos do referido seguro de grupo, figura como beneficiário, em caso de morte ou de invalidez, o tomador do seguro, no caso, a 1.ª ré;

- esse valor, que ascende a 37.500,00 EUR, foi pago pela 2.ª ré à 1.ª ré;

- em 18 de julho de 2016 L... intentou processo de inventário no Cartório Notarial de Pombal, a cargo de ..., ao qual foi atribuído o n.º ..., para partilha dos bens deixados por óbito de T...;

- a senhora notária decidiu remeter os interessados para os meios comuns, no que respeita à questão da integração, ou não, do seguro de vida no acervo hereditário de T..., com a consequente suspensão dos autos de inventário”

… …

Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (arts. 635 nº3 e 4 e 637 nº2 do CPC).

Na observação destas prescrições normativas concluímos que o objecto do recurso é o de apreciar se se a cláusula que prevê que, em caso de morte da pessoa segura, é o tomador do seguro o beneficiário do mesmo, deve considerar-se excluída do contrato de seguro firmado entre as rés protestando também a apelante que a sentença é nula por violação do art. 615 nº1 al. c) do CPC.

 Iniciando o conhecimento do objeto do recurso pela alegação da nulidade da sentença, diremos, desde já, que não vemos razões para julgar procedente essa nulidade consistente na existência de oposição entre a fundamentação e a decisão. Ainda que sinalizada por epigrafe esta nulidade, nem nas alegações nem nas conclusões do recurso se indica, em concreto, quais os fundamentos da subsunção jurídica face á decisão em que se registaria tal a oposição. Em verdade, para se verificar essa nulidade, não basta uma qualquer divergência inferida entre os factos provados e a solução jurídica, pois tal divergência pode consubstanciar um mero erro de julgamento (error in judicando) sem a gravidade de uma nulidade da sentença não se precipitando numa errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento mas, diversamente, à contradição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, importa a certificação de a sentença apresentar uma construção viciosa por os fundamentos referidos pelo Juiz conduzirem necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente. Ora, a decisão recorrida não está ferida de qualquer contradição sendo de todo coerentes os argumentos fundadores e a decisão acolhida, para além do que, a Apelante não sinalizou em concreto onde residiria a oposição limitando-se a, de forma avulsa, afirmar que era nula por esse motivo.

Assim improcedem quanto à alegação de nulidade da sentença as conclusões de recurso.

Quanto ao objecto substantivo do recurso, a autora sustenta que, por nem o falecido T... nem a sua viúva terem sido informados do conteúdo e das cláusulas do seguro firmado entre as rés, estas não cumpriram o dever de informação a que estavam obrigadas, importando a violação desse dever de comunicação a exclusão da cláusula segundo a qual é o tomador do seguro, ou seja, a 1.ª ré, em caso de morte da pessoa segura, o beneficiário do mesmo.

Analisando a questão suscitada, numa primeira observação normativa poder-se-ia dizer que não seria necessário que os deveres de comunicação e informação estivessem especificamente previstos (no regime das cláusulas contratuais gerais) uma vez que, como defende alguma jurisprudência[1], esses deveres decorrem directamente do princípio da boa fé que, no caso do direito português, encontram consagração positiva expressa principalmente no artigo 227º do Código Civil [2] que trata da boa fé na formação dos contratos. No entanto, em face da necessidade de aclaração e alargamento da protecção pretendida, o Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, estabelece o regime das cláusulas contratuais gerais, que são o conjunto das proposições pré-elaboradas apresentadas pelas seguradoras e que os proponentes ou destinatários indeterminados se limitam a propor ou aceitar. E traduzindo estas cláusulas uma posição de prevalência negocial, como forma de proteger a parte contratual mais fraca, a validade daquelas está condicionada à sua comunicação e informação previstas nos artigos 5.º e 6.º do referido Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10, comunicação que se dirige essencialmente à forma e à possibilidade de ter acesso ao contrato enquanto a informação precavê a percepção do conteúdo. Isto é, quando o legislador estabelece deveres relativos à comunicação do contrato, a sua preocupação essencial é a de que sejam criadas condições para que, sem exagerado esforço, um aderente “normal” possa conhecer as suas cláusulas. A reforçar esta ideia, o artigo 8º alínea b) estabelece que se consideram excluídas dos contratos singulares “As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo”, considerando a lei, deste modo, que o utilizador das cláusulas não respeitou o dever de informar quando uma cláusula integral e atempadamente comunicada, de um modo adequado, tem um conteúdo que não seja normalmente perceptível por um “homem médio”.

As consequências para a violação dos deveres de comunicação e de informação estabelecidas no art. 8º devem ser lidas, equilibradamente, em conjugação com o subsequente artigo 9º que estabelece, sempre que possível, a subsistência dos respectivos contratos. Note-se, no entanto, neste domínio, alguma dificuldade sentida quanto à qualificação jurídica da figura em causa, nomeadamente em alguma jurisprudência e doutrina[3] que, desde a inexistência jurídica, passando pela nulidade, pela anulabilidade, pelo abuso de direito ou pelo incumprimento de pressupostos de inclusão, adianta tais soluções. Certo é, porém, que independentemente da sua rigorosa qualificação jurídica, tais cláusulas são, tal como a lei expressamente estabelece, “excluídas dos contratos” que, salvo real impossibilidade, se mantêm após o “expurgo”.

Anotada em tese a exigência de comunicação adequada e efetiva bem como o cumprimento do dever de informar acolhido no Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril, este diploma alude expressamente aos contratos de seguro de grupo que “cobrem riscos de um conjunto de pessoas ligadas ao tomador do seguro por um vínculo que não seja o de segurar (artigo 76.º),  sendo estes celebrados por um tomador, por conta de vários segurados (terceiros segurados), ligados ao subscritor por um vínculo distinto do de segurar, cobrindo cumulativamente riscos homogéneos de todos os terceiros-segurados, com perfeita separação e sem uma correlação positiva forte entre os riscos dos terceiros-segurados podendo tais contratos ser, segundo a sua tipologia, contributivos ou não contributivos (artigo 77.º, n.º 1, do RJCS). Os contributivos têm a característica de os segurados suportarem no todo ou em parte o pagamento do montante correspondente ao prémio devido pelo tomador do seguro (artigo 77.º, n.º 2, do RJCS) por oposição aos não contributivos onde o segurado não comparticipa com qualquer valor.

A disciplina do art. 78º desse diploma, aplicável tanto aos seguros de grupo contributivos como aos não contributivos, estabelece que “ 1 - Sem prejuízo do disposto nos artigos 18.º a 21.º, que são aplicáveis com as necessárias adaptações, o tomador do seguro deve informar os segurados sobre as coberturas contratadas e as suas exclusões, as obrigações e os direitos em caso de sinistro, bem como sobre as alterações ao contrato, em conformidade com um espécimen elaborado pelo segurador.

2 - No seguro de pessoas, o tomador do seguro deve ainda informar as pessoas seguras do regime de designação e alteração do beneficiário.

3 - Compete ao tomador do seguro provar que forneceu as informações referidas nos números anteriores.

4 - O segurador deve facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efetiva compreensão do contrato.

5 - O contrato de seguro pode prever que o dever de informar referido nos n.os 1 e 2 seja assumido pelo segurador.”

Numa explicação do léxico, o «tomador do seguro» que é a entidade que celebra o contrato de seguro com a seguradora, sendo responsável, no todo ou em parte, pelo pagamento do prémio (artigo 1.º do RJCS) não se confunde com o segurado/pessoa segura e, nesta sinalização de diferença, por oposição aos contratos individuais, nos de grupo compete ao tomador do seguro a obrigação de prestar toda a informação aos segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e os direitos em caso de sinistro, bem como as alterações posteriores que ocorram[4]. E, no seguro de pessoas, o tomador do seguro deve ainda informar os segurados do regime de designação e alteração do beneficiário.

Em abono interpretativo desse normativo o STJ[5] sustentou que o segurado não poderá responsabilizar objetivamente o segurador pelo incumprimento, por parte do tomador do seguro, dos seus deveres de informação porquanto, existindo para o contrato de seguro de grupo um regime especial, será sempre de afastar “a aplicabilidade do regime das cláusulas  contratuais gerais, definido genericamente pelo DL n.º 446/85, de 25-10, no que é incompatível com aquele. Assim sucede quanto à definição dos sujeitos do dever de informação.”. E, por conseguinte, socorrendo-se do disposto no art. 79º do RJCS que dispõe que “o incumprimento do dever de informar faz incorrer aquele sobre quem o dever impende em responsabilidade civil nos termos gerais.”, esse mesmo acórdão concluiu que o incumprimento dos deveres de informação por parte do tomador de seguro não é desprovido de sanção sendo ele responsável pelos prejuízos que causar ao segurado. Igualmente muitas outras decisões do STJ repetiram esta ideia de que, embora as cláusulas das condições gerais do contrato estejam sujeitas ao regime previsto no Dec. Lei n.º 446/85, de 25/10, quando se esteja no âmbito de um seguro de grupo o dever de informação respetivo, salvo convenção em contrário, compete não à seguradora, mas antes à tomadora do  seguro [6].

Exposto desta maneira o problema suscitado no recurso, a apelante defende que o disciplina respeitante aos contratos de seguro de grupo não derrogou a obrigação de informação contidas no Decreto-Lei n.º 446/85 e que não pode tomar-se o Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, como especial relativamente àquele outro, uma vez que o preceito do artigo 4º, nº 1, do DL nº 176/95, e do actual artigo 78º, nº 1, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, instituído pelo DL nº 72/2008, de 16 de Abril, não colide com o regime do DL nº 446/85, quanto à obrigação de informação, pois o seu alcance se restringe às relações entre o segurador e o tomador. Com este enquadramento, o dever de informação quanto às clausulas contratuais gerais impenderia sempre sobre a seguradora, com a particularidade de, para reduzir o potencial conflito entre tomadores e seguradoras, o DL 72/2008 teria clarificado os direitos e obrigações nas relações entre estes. De âmbito restrito, a obrigação que recai sobre o tomador de informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações posteriores que ocorram neste âmbito, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora, nunca poderia significar uma dispensa de tal dever de informação da seguradora para com o segurado e a este validamente oponível por aquela. Sustentando-se então a prossecução do objectivo de reforçar a protecção do aderente e não a sua diminuição, não se poderia considerar o regime jurídico do contrato de seguro como uma lei especial que derroga o diploma que fixa o regime das cláusulas contratuais gerais, enquanto lei geral ou comum, porque nem se poderia considerar o DL n.º 446/85 como lei geral ou comum por ser ele mesmo uma lei especial em relação ao regime comum dos contratos e que o derroga.

Julgamos que independentemente da relação de especialidade que se queira ou não encontrar e definir entre esses dois diplomas, é decisivo saber como se harmonizam os deveres de informação, no caso concreto dos seguros de grupo, onde existe uma relação tripartida entre seguradora, tomador e segurado, cientes de que é pacífico que nestes seguros foi criada a obrigação de o tomador do seguro informar o segurado o que não acontece nos restantes. É importante sublinhar que no seguro de grupo existe uma “dissociação subjectiva entre o tomador, segurado e segurador” [7], pertencendo à seguradora como contraente o fornecimento do formulário do contrato com as respectivas cláusulas por si elaboradas, cabendo ao tomador do seguro, o sujeito que celebra o contrato de seguro com a seguradora, a adesão a essas mesmas cláusulas e a indicação dos membros do grupo e sendo o segurado a pessoa no interesse da qual o contrato é celebrado ou a pessoa (pessoa segura) cuja vida, saúde ou integridade física se segura, impondo-se que dê o seu consentimento e esclarecendo-se que  nestes contratos (de seguro de grupo), o beneficiário pode coincidir com o tomador de seguro[8], o aderente/pessoa segura ou um terceiro. 

Com este quadro de relações, uma abordagem de resposta à questão em recurso poderia ser a de considerar que a disciplina jurídica dos contratos de grupo veio acrescentar à obrigação da seguradora informar o segurado uma outra, igual, por parte do tomador, de forma a termos dois obrigados em modos e intensidades iguais, pelo que, seria indiferente em termos de responsabilidade que esta fosse assacada a um ou a outro, desde que o segurado não tivesse sido informado. Porém, a isto opõe-se, em nosso entender, a apontada estrutura dos contratos de grupo em que a proximidade dos envolvidos é diversa, uma vez que há, por um lado, uma relação directa entre a seguradora e o tomador e entre este e o segurado, mas não já entre a seguradora e o segurado. Figurando os três no contrato, a geometria das suas relações é distinta, razão para que façamos esta advertência que acomoda a atenção à diversidade que assinalámos.

É verdade que o acto de consentimento da pessoa segura em relação às condições do contrato consubstancia uma manifestação de vontade de que é contraparte a seguradora, mas com isto não aceitamos que se passe a configurar a pessoa segura como se configuraria num contrato individual, acrescentando-se-lhe, apenas, o direito de poder responsabilizar não só a seguradora mas também o tomador do seguro, na falta de informação que lhe não tivesse sido transmitida, acolhendo esse dever de informação como igual para ambos. Mesmo quando se diz que, numa primeira análise, é o tomador do seguro quem (no seguro de grupo) tem o dever de informar o teor das cláusulas e que a falta de informação por parte dele se repercute na seguradora, não pode de forma automática sustentar-se que a seguradora tenha de suportar as respectivas consequências da falta de informação que, todos aceitam, “em primeira análise” é obrigação do tomador do seguro. A ideia de a seguradora responder perante o segurado, sem prejuízo de poder, eventualmente, vir depois a accionar o intermediário (tomador do seguro de grupo) pelo prejuízo que tal falta de informação lhe tenha acarretado, parece-nos não respeitar a estrutura relacional dos seguros de grupo quer na sua fase estática - de celebração do contrato entre a seguradora e o tomador do seguro, quer na dinâmica - em que o tomador do seguro promove a adesão ao contrato junto dos membros do grupo, constituindo-se uma relação trilateral entre a seguradora, o tomador do seguro e o aderente.

A compreensão de que, no contrato de seguro de grupo, compete ao tomador de seguro comunicar ao aderente todo o conteúdo contratual e a informação adequada ao completo conhecimento desse mesmo conteúdo, radica na circunstância de ser o tomador de seguro quem contacta directamente com o aderente, estando por isso em melhores condições para lhe facultar esses elementos. Assim sendo, não aderimos à ideia de a seguradora e o tomador do seguro serem em igual e indistinta medida responsáveis iguais pelo dever de informar estendendo-se, sempre, essa responsabilidade à seguradora quando a omissão tenha sido cometida pelo tomador do seguro. E existe uma razão fundamental para que não aceitemos tal entendimento, qual é a de o art. 78º do DL 72/2008 , ao estabelecer no seu nº 1 e 2 o dever de informação do tomador do seguro nos contratos de grupo, separa esta obrigação da do segurador firmando no seu nº 5 que “o contrato de seguro pode prever que o dever de informar referido nos nº 1 e 2 seja assumido pelo segurador”. Então, se a seguradora não está impedida de reclamar para si o dever de informar a pessoa segura, atribuído legalmente ao tomador, tal faz concluir que, não só o dever de informar a cargo do tomador do seguro vem como primeira escolha legal, como também esse dever, estando ainda ligado à seguradora como contraente e que o pode querer manter, não funciona cumulativamente, porquanto, o dever de informar do tomador do seguro (estatuído legalmente, com diferença quanto ao regime geral do contrato de seguro individual), só é afastado por vontade das partes, ou seja, por vontade da seguradora e do próprio tomador. Acresce ainda que o DL 72/2008, estabelece igual disciplina normativa para o dever de informar quando este é atribuído à seguradora (art. 18) ou quando é deferido ao tomador de seguro (art. 78) sendo igual a sanção para a violação do mesmo (art. 23º e 79º) e que é a da incursão em responsabilidade civil, nos termos gerais.

Não aceitar a paridade cumulativa do dever de informação por parte da seguradora e do tomador do seguro nos contratos de grupo, mas sim que o legislador quis substituir o sujeito original obrigado à informação, deixando este de ser a seguradora e passando a ser o tomador do seguro, não significa, porém, que a seguradora fique afastada da problemática que envolva a falta de dever de informação por parte do tomador do seguro e isto porque, a responsabilidade de informar e comunicar decorrente do regime das cláusulas contratuais gerais (DL 446/85) é atribuída nos termos do art. 6º, nº1 ao “ (…) contraente que recorra a cláusulas contratuais gerais (…)” . A designação genérica do “contraente”, que no caso dos contratos de seguro é, por regra, a seguradora, pode sofrer uma leitura actualizada quando se estabelece ser o tomador quem, quanto aos deveres de informação para com o segurado, toma o lugar e substitui a seguradora, no entanto, essa leitura não pode alienar a certeza de as cláusulas contratuais gerais a informar terem sido elaboradas pela seguradora, que é quem melhor as pode explicar e que faz parte de um contrato em que não é só o tomador do seguro o outro participante e que a lei revela a preocupação de todos os intervenientes estarem bem informados dos termos do negócio, o tomador do seguro pela seguradora e a pessoa segura pelo tomador. 

Aceitar-se que a obrigação de comunicação e informação das cláusulas contratuais gerais, no caso dos seguros de grupo, coubesse à seguradora (e não ao tomador do seguro) e que tal obrigação, pertencendo ao tomador do seguro, não abrangesse aquelas cláusulas contratuais gerais, que este não teria de informar, admitiria a possibilidade de serem incluídas nos contratos cláusulas prejudiciais e desequilibradas aos interesses das partes[9] sem que as mesmas pudessem ser excluídas do contrato, bastando para tal que o tomador do seguro as não comunicasse ou explicasse aos segurados. Este efeito não pode ser admitido pela lei, uma vez que, o dever de informar, no regime das cláusulas contratuais gerais, visa acautelar que a cláusula não comunicada ou mal informada se possa ter por existente e daí que a sanção aplicável seja a exclusão da cláusula respectiva.

Ora, sendo verdade que tomador do seguro, mesmo nos contratos de grupo, não é um mandatário nem representante da seguradora[10], nem pode ser visto como um auxiliar no cumprimento do dever de informação que recaia sobre aquela, quando o dever de informação lhe cabe a si, tomador, não cremos que a seguradora esgote o seu encargo, no quadro das responsabilidades informativas, com a simples entrega do prospecto justificando-se que responda,  se o incumprimento do dever de informação pelo tomador lhe for oponível, sendo os casos mais evidentes os de ela ter assumido o dever de fazer chegar a informação ao aderente ou quando o “espécimen” entregue não corresponda ao conteúdo do texto contratual.

Como já se decidiu em acórdão desta Relação tirado no proc.  “a questão de saber se era a seguradora ou o tomador do seguro que tinha o dever de proceder a essa comunicação é irrelevante para o efeito de aquela cláusula poder ou não operar relativamente ao segurado e apenas releva no âmbito das relações entre a seguradora e o tomador do seguro para o efeito de determinar qual deles deverá suportar o prejuízo inerente ao facto de aquela cláusula não poder ser oposta ao segurado. Importa reafirmar que o segurado não tem qualquer interferência na determinação da entidade que deverá proceder a tais comunicações; tal determinação é feita pela seguradora e pelo tomador do seguro (que têm total liberdade para o fazer) e, portanto, é no âmbito das relações entre esses intervenientes que aquela circunstância deve operar em termos de responsabilizar o tomador do seguro (quando sobre ele recaia o dever de comunicação das cláusulas) pelos prejuízos que a seguradora venha a sofrer pelo facto de a cláusula em questão não poder operar por força da omissão daquele dever”

De facto, o ter sido a seguradora a elaborar o espécimen do contrato em que se contêm as cláusulas, como modelo sobre o qual assentam as adesões como declarações de vontade; o ser uma contraente no contrato, quer na relação com o tomador do seguro, quer com a pessoa segura[11], o poder reservar para si o dever de informar (não só o tomador como é sua obrigação exclusiva) mas também o aderente, julgamos que admite a conclusão de se faça repercutir na seguradora, a falha do dever de informação em que tenha incorrido o tomador do seguro de forma a que a sanção, da cláusula excluída, lhe seja oponível também

Em evolução de raciocínio, como antes observámos, nos termos do regime contrato de seguro, a violação do dever de informação por parte da seguradora ou do tomador do seguro, quanto ao dever de informar, é cominada de forma igual, com a remissão para a responsabilidade civil nos termos gerais, enquanto que, aquela outra cominação, referente à exclusão da cláusula contratual geral não informada, incide sobre aquele que tenha o dever de comunicar e informar essa mesma cláusula. Contudo, não ousamos dizer que nos contratos de seguro de grupo a falta de informação da pessoa segura não é sancionada com a exclusão da cláusula só porque a seguradora que elaborou o espécimen do contrato não tem de informar aquele do que quer que seja e, por outro lado, o tomador do seguro, sobre quem cabe o efectivamente o dever de informar, afinal, não informando o segurado/aderente das próprias cláusulas contratuais gerais, como estava obrigado, apenas  responderá nos termos da responsabilidade civil mas sem ver excluída a cláusula não comunicada ou informada. Aliás, neste âmbito é interessante colocar a questão de saber que regime adoptar, então, quando o dever de informar nos contratos de seguro “regressa” como obrigação à seguradora, por estipulação das partes, uma vez que, recebendo a obrigação do tomador do seguro a quem a lei a deferira, seroa a nosso ver anómalo admitir-se, por excesso de lógica, que, nesse caso, a responsabilidade da seguradora, ao agir “na vez” do tomador não teria como sanção a exclusão da cláusula porque tal se não aplicava a este (tomador). Mantendo a regulamentação das cláusulas contratuais gerais intocados os direitos do segurado, nomeadamente a proteção que lhe é conferida por esse regime no confronto com a sua contraparte no contrato de seguro, a definição dos direitos e obrigações do tomador do seguro e da seguradora no seu relacionamento recíproco não poderá, consoante decida ser um ou outro que tem o dever de informar, impedir-se o aderente de ver satisfeitos os seus interesses e o que a lei lhe concede em face de não ter sido informada ou mal informada.

Na consideração de todas estas observações, é importante tomar em atenção, articulando as responsabilidades decorrentes do dever de comunicar e informar nos contratos de grupo, o que se decidiu no acórdão do STJ de 20 de Maio de 2015[12], que aceitou a ideia de, no equilíbrio das diversas responsabilidades que o dever de informação implica, ser o tomador do seguro quem tem o dever de esclarecer o aderente acerca do teor das cláusulas de exclusão incluídas no contrato (nomeadamente a de não serem os familiares do segurado os beneficiários do seguro), por ser esta a ideia e o sentido que respeita o regime especial, por diferente em si mesmo, ainda que sem razão de especialidade normativa, produzido para confortar a peculiar natureza e estrutura tripartida da figura do seguro de grupo. Assim, em primeira linha, esse dever de informar não incide sobre a seguradora, a menos que algo diferente resulte das estipulações das partes mas, como se assinala nesse acórdão “(…) a seguradora responde pelo incumprimento de quaisquer obrigações acessórias a que a lei a vincule. assim, por exemplo:

   a)  o dever de informação do tomador do seguro para com o aderente tem como base ou matriz um espécimen elaborado pela seguradora – pelo que, se este documento padecer de vícios ou insuficiências que determinem causalmente o cumprimento deficiente do referido dever de esclarecimento, é evidente que a seguradora responde também pelas consequências de tal incumprimento, na medida em que surge, neste caso, como verdadeira co-autora do facto lesivo (por isso, não estará a responder objectivamente por uma omissão culposa de outro sujeito contratual, o tomador de seguro, mas antes, subjectivamente, por um facto pessoal, como autora de um comportamento negligente que lhe é directamente imputado). E, assim, se do documento elaborado pela seguradora constarem, por exemplo, cláusulas contratuais de conteúdo equívoco, que acabem por determinar deficiente compreensão do aderente acerca do seu efectivo âmbito, temos como certo que será plenamente aplicável, mesmo no confronto da seguradora, o regime constante do art. 1.º do DL 446/85 (cfr. Ac. de 29/10/09, proferido pelo STJ no P. 2157/06.8TVLSB. Sl).”.

(…) b) o dever de facultar, a pedido dos segurados, quaisquer informações necessárias à efectiva compreensão da disciplina contratual: assim, se tivesse sido alegado e ficasse demonstrado que a seguradora incumpriu este dever acessório de esclarecimento complementar, legalmente colocado a seu cargo, é evidente que a sua responsabilidade decorreria directa e integralmente deste facto pessoal – e não do anterior incumprimento do dever de esclarecimento adequado pelo tomador de seguro, no momento da adesão.”

Porém, aceitando este segmento da decisão, entendemos que, os efeitos da omissão do dever de comunicação imputável ao tomador de seguro, transmitem-se à própria seguradora em virtude de ela ser a contraente que no contrato recorre a cláusulas contratuais gerais, sendo seu o espécimen do mesmo, e consente na transferência dos deveres de informação para o tomador do seguro, com os riscos que isso comporta, riscos que decorrem de ser a contraente que mais domínio tem sobre a informação, por serem suas as cláusulas do contrato, e por, aceitando que a obrigação ao aderente passe a ser realizada por outrem, só salvaguardando que o tomador cumpra regularmente esse papel de informar (reservando por exemplo para si o dever de informação de todas ou algumas delas) pode seguramente evitar que o regime da exclusão pelo incumprimento de informação lhe seja aplicável. Por isto, entendemos que não deve entender-se, sem embargo e com respeito por diferente opinião ou fundamento, que a cláusula do contrato não devidamente informada à pessoa segura pelo tomador do seguro não pode ser excluída, porque a violação do dever de informar as cláusulas contratuais gerais, esteja em primeira linha a cargo da seguradora ou do tomador do seguro, no caso do contrato de seguro de grupo, é sempre cominada com a exclusão da respectiva cláusula. 

Se a análise de todos os acórdãos referidos reporta a contratos de seguro contributivos, nos quais o segurado suportava na totalidade o pagamento do prémio, e se em todos eles a exclusão da cláusula não comunicada ou mal informada importava o não pagamento do capital seguro por parte da seguradora, no caso dos autos o contrato celebrado entre Transportes ... , Lda.” e “Companhia de Seguros A... S.A.”, tendo por segurado T... , é um contrato não contributivo onde não se discute (nem a recorrida seguradora o faz) que o capital segurado não deva ser pago pela seguradora mas somente quem deva ser o beneficiário, situação que reforça de forma evidente a posição mais “intermediada” e distante entre a seguradora e o segurado, nos contartos não contributivos. Colhe-se   nessa característica uma melhor explicação do que se defende no sentido da responsabilidade da seguradora existir, directamente, nos casos sublinhados dos deveres acessórios, mas sem que possa opor a impossibilidade legal da exclusão da cláusula não comunicada ou mal informada pelo tomador do seguro, uma vez que a violação desse dever por parte do obrigado a prestá-lo tem essa cominação e não outra.

No caso em decisão, por se tratar de um seguro de grupo não contributivo, o beneficiário de cada pessoa segura é designado pelo tomador do seguro (artigo 20.º das condições gerais do contrato de seguro) e na proposta de subscrição de fls. 185, consta que o tomador do seguro indicou como «beneficiário em caso de vida ou morte: o tomador». Sublinhe-se também que, de acordo com a clausula 12 das condições particulares do contrato celebrado no capítulo VI referente aos direitos e obrigações do tomador do seguro e da pessoa segura, acorda-se que constitui direito da pessoa seguira quando esta seja distinta do tomador do seguro “ dar ou recusar o seu consentimento escrito para a celebração do contrato de seguro, expresso na assinatura do respectivo Boletim de Adesão, salvo se o contrato for celebrado para garantia de uma responsabilidade do tomador do seguro relativa á pessoa segura , em caso de ocorrência de riscos cobertos pelo contrato de seguro”. Nestes termos, a posição e vontade da pessoa segura não é indiferente à celebração do contrato percebendo-se que ela possa recusar o seu consentimento, designadamente por nada beneficiar com essa celebração porque em caso de sinistro será o tomador do seguro a receber o capital segurado e não os seus familiares, razão pela qual tenha interesse e importância a descoberta de ter havido ou não essa informação e consentimento, no caso de se entender, como entendemos, que a violação da obrigação de o tomador do seguro informar quem é o benificiário do contrato,  é sancionada com a exclusão da cláusula segundo a qual é o tomador do seguro quem designa o beneficiário e que se designou a si mesmo.

À data da adesão, o falecido T... fazia parte da lista de pessoas seguras e a 1.ª ré assumiu a posição de tomadora do seguro. Por isso, era a ela que competia indicar o beneficiário da pessoa segura e indicou-se a si mesma como beneficiária e, recaindo sobre ela, nos termos defendidos, como tomadora do seguro, a obrigação de informação, comunicação e esclarecimento das cláusulas contratuais constantes do referido contrato, e nisto concordamos com o raciocínio normativo da decisão. Porém, divergimos do decidido quando aí se refere que “mesmo que ficasse demonstrado que tinha omitido o cumprimento do dito dever de comunicação, nomeadamente quanto à identidade do beneficiário do contrato de seguro, a consequência de tal omissão, não é a exclusão da respetiva cláusula contratual. Com efeito, como observámos anteriormente, o transcrito artigo 79.º do RJCS prevê que o incumprimento do dever de informar faz incorrer aquele sobre quem o dever impende em responsabilidade civil nos termos gerais, sendo a sanção para o não cumprimento do dever de informação, não exclusão da cláusula que não foi comunicada – como defende a autora -, mas sim a responsabilização civil do tomador do seguro nos termos gerais. E não tendo a autora alegado qualquer falta de dever concreto por parte da seguradora nos termos em que da forma sobredita aceitaríamos que ela pudesse ser responsabilizada, mantém-se em vigor a cláusula contratual cuja exclusão se pretende do contrato de seguro - que prevê que o beneficiário da pessoa segura é designado pelo tomador do seguro (artigo 20.º das condições gerais do contrato de seguro).”

Diferentemente, e pelas razões deixadas expressas, não esquecendo que a posição defendida e claramente explicada na sentença recorrida é a dominante na jurisprudência, nomeadamente nos casos de seguro de grupo em que o segurado/aderente tem a responsabilidade do pagamento da totalidade do prémio[13], julgamos que quando o dever legal de informação dos termos do contrato recaia sobre o tomador do seguro, a falta de comunicação ou a informação deficiente deve cominada com a exclusão da cláusula do contrato.

A questão que coloca a recorrida seguradora é a de o nº1 da cláusula vigésima das condições particulares do contrato estabelecer que é o tomador do seguro quem designa o benificiário (a clausula que que os autores querem ver excluída) mas o nº 2 acrescenta que em caso de não haver benificiário designado sê-lo-ão, em caso de morte, os herdeiros da pessoa segura, defendendo que se o nº1 deveria ser excluído, também  o nº2 o deveria ser porque, deixa-o implícito, também este segmento não teria sido informado.

Julgamos que na economia interpretativa da cláusula em apreço o que deve tomar-se em atenção é que sendo o tomador do seguro quem tem o poder de designar o benificiário, é diferente ele indicar-se a si mesmo e não informar a pessoa segura ou, não ter feito qualquer indicação. A finalidade que se visa com a obrigação de informar a pessoa segura é que não figure esta num contrato sem o seu conhecimento e consentimento o que aconteceria se o empregador celebrasse contratos de seguro de vida dos seus trabalhadores sem nada lhes dizer e indicando-se a si como beneficiário, explicando-se nesta circunstância que a omissão de um tal dever importe a exclusão da cláusula respectiva, isto é, da designação do tomador do seguro como beneficiário. E se esta cláusula/ designação do beneficiário se tiver por excluída o que julgamos que tal tem de significar é que com a exclusão o contrato se tem de entender como não portador de benificiário e, nesse caso, vigorará o nº2 que contém a resposta para essa omissão, originária ou resultante da nulidade e da exclusão da indicação do benificiário. Julgamos ter deixado claro que o que importa como dever de informar não é a disciplina normativa que as cláusulas do contrato possam conter nomeadamente a que consta do nº 2 vigésima, mas sim aqueles elementos que são importantes ao conhecimento da pessoa segura para que possa dar o seu consentimento como forma de perfeição e conclusão do contrato. Neste sentido, o que o falecido marido da primeira autora precisava de saber (sem que se saiba ainda, sem julgamento, se teve conhecimento ou não) era a identidade do benificiário para que pudesse prestar o seu consentimento, decorrendo daqui e para nós que, se se vier a demonstrar que teve conhecimento e consentiu a acção deve improceder, mas se não ficar provado esse conhecimento e consentimento a solução será a de julgar excluída a cláusula por força da qual o tomador do seguro fez a indicação do benificiário e, nesse caso, proceder como se o contrato tivesse sido realizado sem indicação de quem beneficiaria. 

Em síntese, no caso dos autos, na coerência do que defendemos, importa apurar, em termos de prova, se o tomador do seguro - a ré Transportes ..., Lda. - omitiu o cumprimento de informar a pessoa segura da identidade do beneficiário do contrato, como é alegado, uma vez que será dessa prova que poderá resultar, conforme nosso entendimento, a exclusão ou não dessa cláusula.

Assim, impõe-se que, na revogação da decisão recorrida, os autos possam voltar ao tribunal recorrido para que, seguindo os seus termos com a produção de prova, se possa obter, ou não, a demonstração de que a ré Transportes ..., Lda. cumpriu o dever de informação que os autores protestam ter sido omitido e que ela reclama ter satisfeito, procedendo, então, parcialmente, as conclusões de recurso quanto a não se poder negar provimento ao pedido formulado na acção, no estado em que os autos se encontram, mas improcedendo o recurso na parte restante, quanto ao pretender-se que fosse julgado desde já procedente tal pedido.

 Em síntese conclusiva

- Estabelece o art. 5º do DL 446/85, regulador do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, que o contratante que submeta a outrem essas cláusulas contratuais gerais, deve comunicar e informar o seu conteúdo e dispõe o art. 8º desse mesmo diploma que ficam excluídas do contrato as cláusulas que não tenham sido comunicadas ou que o tenham sido com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo.

- Por sua vez, o DL 72/2008 que estabelece o regime jurídico do contrato de seguro, depois de no seu art.18º firmar o dever de informação do segurador e estabelecer no art.23º como cominação para a violação de tal dever a incursão em responsabilidade civil, nos termos gerais, repete para os contratos de seguro de grupo a mesma previsão de obrigação do dever de informar para o tomador do seguro (no art.78º) e a mesma cominação de responsabilidade civil nos termos gerais (no art.79º).

- Independentemente de se defender que exista ou não uma relação de especialidade do DL 72/2008 referente ao DL 446/85, por força da qual não se aplicaria no caso dos seguros de grupo a cominação da exclusão da cláusula nula por falta do dever de comunicação e informação, o que importa como decisivo, para apurar a responsabilidade pela falta do dever de comunicação e informação nos seguros de grupo, é saber em concreto, quem tem esse dever de comunicar e informar o segurado/aderente das condições do contrato onde se inserem as cláusulas contratuais gerais.

- O dever de informação do tomador do seguro para com o segurado/aderente tem como base um modelo contratual elaborado pela seguradora, o que determina que esta seja pessoalmente responsável pelos vícios ou insuficiências do mesmo que determinem causalmente o cumprimento deficiente do referido dever de esclarecimento, por parte do tomador do seguro, ou pela omissão do dever de facultar, a pedido dos segurados, quaisquer informações complementares, que lhe tenha sido directamente solicitada, necessárias à efectiva compreensão da disciplina contratual.

- Nos contratos de seguro de grupo, por obrigação decorrente do art.78 do DL446/85, cabe ao tomador do seguro a obrigação de informar, que nos contratos individuais é da seguradora (art.18º) e com a mesma extensão, ocorrendo uma substituição desta por aquele.

- Tal substituição determina que o incumprimento do dever de informação e esclarecimento se repercute na seguradora, porque, sendo ela a contraente que recorra a cláusulas contratuais gerais e pertencendo-lhe  o espécimen do contrato criado e fornecido por si, sendo ela contraente do mesmo contrato de que faz parte o tomador e o aderente,  e não salvaguardando para si o dever de informar a pessoa segura de todas ou algumas cláusulas do contrato, a falta do mesmo e único dever de informação por parte do tomador do seguro só pode ter como consequência o considerar-se cláusula nula e excluída.

Decisão

Pelo exposto acorda-se em julgar parcialmente procedente a Apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida determinando-se que os autos regressem ao tribunal recorrido a fim de aí prosseguirem os seus termos com a finalidade de se proceder a julgamento para prova de ter sido ou não o falecido marido da primeira autora informado por parte da primeira ré de que o beneficiário do contrato de seguro era a própria primeira ré. No mais, quanto a serem nesta decisão de Apelação as rés condenadas no pedido, julga-se o recurso improcedente.

Custas por Apelantes e Apelados em partes iguais, atento o valor da sucumbência.

Coimbra, 12 de Outubro de 2020


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[1] Nomeadamente, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13 de Setembro de 1992, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 28 de Março de 1995, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Fevereiro de 1996.
[2] Existindo, inclusive, sobre a "culpa in contrahendo", tanto a nível jurisprudencial, como a nível doutrina largos caminhos traçados.
[3]  Cfr. a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 31 de Janeiro de 1991, a Sentença do 3º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, 1ª Secção, de 25 de Março de 1994, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Março de 1995. E na jurisprudência  a título de exemplo, Paulo Duarte, Contrato de seguro à luz da lei das cláusulas contratuais gerais, in Revista Portuguesa de Direito do Consumo, nº 12, pág. 93 e segs..
[4] É discutido na jurisprudência se o citado artigo 78.º, configura uma norma especial que prevalece sobre o regime geral previsto nos artigos 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 446/85.
[5] No acórdão de 15 de Maio de 2015 (no proc.  385/12.6TBBRG.G1.S1)
[6] Vd. Assim o Ac. STJ de 05/04/2016, Proc. 36/12.9TBALD.C1-A.S1 , também o Ac. STJ de 10/03/2016, Proc. 137/11.0TBALD.C1.S1, em cujo sumário pode ler-se que, “Num seguro de grupo, não está vedado à seguradora opor ao segurado e aos beneficiários uma cláusula de exclusão do risco, no caso de a omissão do dever de informação e esclarecimento junto dos segurados ser exclusivamente imputável ao tomador de seguro”. O que bem se compreende, posto que “carece de fundamento normativo a pretensão de responsabilização objectiva da seguradora por um comportamento negligente exclusivamente imputável ao outro contraente” (o tomador do seguro), como já destacado no Ac. STJ de 25/06/2013, Proc. 24/10.0TBVNG.P1.S1 (Cons. Lopes do Rego). Todos publicados in dgsi.pt.
[7] Vd. Nuno Trigo dos Reis in “ os deveres de informação no contrato de seguro de grupo, pag. 11 a 13
[8] É o que sucede nos casos mais típicos de seguro destinado a cobrir os riscos de morte, doença ou de desemprego das pessoas seguras num seguro de grupo associado a contratos de mútuo.
[9] Desde que não contrarias à lei ou violadoras da ordem pública e dos bons costumes porque essas seriam sempre inadmissíveis nos termos do art. 271 nº1 do CC.

[10] Ao contrário do que sucede no Code des Assurances, no art. L-141 (6) (alterado pela L. de 15 de Dezembro de 2005), em que o legislador estabeleceu que se considera que o tomador do seguro age relativamente ao aderente como mandatário da seguradora a partir do momento em que o contrato foi celebrado, à excepção dos actos de que o tomador não tem o poder de cumprir e de que o segurado foi avisado.
[11] O contrato de seguro de grupo é só um e não dois, um celebrado entre a seguradora e o tomador e outro celebrado entre o tomador e a pessoa segura.
[12] No proc.  17/13.5TCGMR.G1.S1 in dgsi.pt
[13] Os casos dos seguros de vida em que nos contratos de emprestimo para habitação a beneficiária é a entidade bancária mutuantye e segurado o mutuário.