Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
399/15.4T9GRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: ACUSAÇÃO
REJEIÇÃO DA ACUSAÇÃO
IDENTIFICAÇÃO DO ARGUIDO
Data do Acordão: 04/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA (J L CRIMINAL)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 285.º, N.º 2, E 311.º, N.º 3, DO CPP
Sumário: I -A acusação tem de conter, por si só, todos os elementos essenciais constitutivos do crime imputado, começando pela imputação dos mesmos a um determinado agente.

II - Estabelecido que, sendo possível, a identificação do arguido deverá integrar o «nome, filiação, freguesia e concelho de naturalidade, data de nascimento, estado civil, profissão, residência, local de trabalho», a jurisprudência vem estabelecendo consequências diversas aos graus de omissão, na acusação, destes elementos.

III - Resultando da acusação particular, deduzida pela assistente, que em lugar algum do articulado é indicado qualquer elemento tendente à identificação do arguido, não merece censura a decisão recorrida, de rejeição da acusação, por manifestamente infundada, nos termos art. 311.º, n.ºs 2, alínea a), e 3, alínea a), do CPP.

Decisão Texto Integral:


Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

           

     Relatório

Por despacho de 29 de janeiro de 2016, proferido pelo Ex.mo Juiz da Comarca da Guarda, Instância Local da Guarda, Secção Criminal - J1, foi decidido rejeitar a acusação particular e o pedido de indemnização formulados pela assistente e demandante A... de fls. 70 a 74, considerando-se tal acusação como manifestamente infundada.

           Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso a assistente A, concluindo a sua motivação do modo seguinte (transcrição):

A. A fundamentação do douto despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, despacho de rejeição da acusação particular pedido de indemnização civil viola os direitos da ofendida, ora recorrente.

B. Definido na acusação o objecto do processo há-de a mesma obedecer a determinados requisitos de forma e de conteúdo estabelecidos no art.283º do C.P.P., e no seu nº 3 vêm enumeradas as diversas menções que a acusação deve conter, sob pena de nulidade, exigências essas que também a acusação particular há-de observar

C. A falta de identificação do arguido é um dos casos enumerados no nº 3 do art.311º do C.P.P., de acusação manifestamente infundada, que leva à sua rejeição.

D. Mas, há que tentar conciliar os interesses da segurança e da celeridade processual, sacrificando uma exaustiva caracterização do arguido, desde que tenham sido colhidos dados nos autos que permitam a sua individualização - a complementar no decurso do processo

E. Quer isto dizer que a lei se basta com uma identificação que permita ter por seguro que o indivíduo acusado é um certo e determinado - ou seja, que seja possível a sua existência.

F. Ora, é admissível que a acusação não contenha todos os elementos de identificação pessoal do arguido, bastando que contenha os elementos que permitam identificá-lo por qualquer forma e para tal, basta apenas a referência aos autos, remetendo para outra peça processual, sendo tal insuficiência de identificação do arguido, passível de ser suprida através de consulta de outros elementos dos autos.

G. O que, não é motivo de rejeição da acusação, por falta de identificação do arguido, pois esta deve ser rejeitar a acusação, quando já omissão total do arguido, quando não há arguido - a falta de arguido - se ele não existe

H. É do conhecimento dos autos, bem como do Douto tribunal, a identificação da arguida referida na acusação particular, pois no despacho de 21/09/2015, a ora recorrente é noticiada de que “(……)…. notifique a assistente A... para, querendo, deduzir acusação particular contra a arguida C... , no prazo de 10 dias a contar da notificação

I. Recebendo tal despacho, no qual é claramente identificada a assistente para deduzir acusação particular contra a arguida C... , concreta e completamente identificada.

J. Mais, atento os autos no seu todo, constituído de diligências, despachos e notificações é claramente visível a quem a assistente se quer referir na sua acusação particular, pois que é na sequência de despacho notificado pelo Digníssimo Procurador, onde identifica quer a assistente, quer a arguida, contra quem deverá ser deduzida acusação particular.

K. Ao remeter a identificação da arguida com remessa para os autos, refere-se aos sinais constantes dos autos, através do próprio despacho de notificação à recorrente de possibilidade de dedução de acusação particular contra a arguida C... .

L. Tendo por base tal despacho do sempre seria de admitir-se que a arguida referida na acusação particular seria a arguida C...

M. Quando muito estamos perante uma insuficiência ou inexatidão da sua identificação na acusação que não determina a rejeição desta, sendo de admitir que a rejeição da acusação criaria um desproporcionado obstáculo no acesso ao direito, que não se conforma com o direito garantido pelo art.20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa,

N. Não devendo, desta forma, ser a acusação particular rejeitada por manifestamente infundada, por não se verificarem tais pressupostos

Termos em que deverá proceder o presente recurso, devendo ser o despacho recorrido anulado e em consequência devem os autos baixar ao tribunal a quo, ser proferido despacho de admissão de acusação particular seguindo os autos para julgamento.

O Ministério Público na Comarca da Guarda respondeu ao recurso interposto pela assistente pugnando pela manutenção, nos seus precisos termos, da decisão de rejeição da acusação particular deduzida pela assistente ora recorrente A  e consequente negação de provimento do recurso.

O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer  no sentido de que o recurso deverá improceder, mantendo-se a decisão recorrida.

Notificado deste parecer, nos termos e para efeitos do n.º 2 do art.417.º do Código de Processo Penal, a recorrente nada disse.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

      Fundamentação

            O despacho recorrido tem o seguinte teor:

          «O Tribunal é o competente.

Autue como processo comum com intervenção do tribunal singular.


*

A fls. 70 a 74, veio a assistente e demandante A... deduzir a sua acusação particular (posteriormente não acompanhada pelo Ministério Público) e formular o seu pedido de indemnização civil.

Sucede, no entanto, que, vista tal peça processual, que naturalmente deve valer por si própria e enquanto tal, a verdade é que de parte alguma se compreende contra quem é que a aludida assistente a pretende dirigir.

Na verdade, a assistente refere-se sistematicamente e sempre, sem mais, a uma qualquer “arguida”, ou, quando muito, a uma “arguida identificada nos autos”, mas de parte alguma consta sequer o nome da pessoa em causa, nem mesmo do cabeçalho da peça, ficando-se de todo sem saber quem seja afinal tal “arguida”.

Aliás, é de registar até a agravante de que a própria assistente foi inclusivamente também ela constituída como arguida nos autos a fls. 29 (ainda que se admita que a assistente não terá propriamente pretendido deduzir acusação e pedido de indemnização contra si própria), assim como foram constituídas arguidas ainda duas outras pessoas, aliás todas elas igualmente do sexo feminino, de nome B... (fls. 33) e C... (fls. 37).

Ora, nestes termos, não só o artigo 283º, n.º 3, al. a), do Cód. de Proc. Penal (aqui aplicável por força do artigo 285º, n.º 3, do mesmo Código) nos diz que a acusação deve naturalmente conter a identificação do arguido, como sobretudo nos diz o artigo 311º, n.º 2, al. a) e n.º 3, al. a), do mesmo Cód. de Proc. Penal, que o juiz deve rejeitar a acusação, por esta se revelar manifestamente infundada, quando não contiver a identificação do arguido. É o que neste caso se verifica, ou seja, a acusação particular aqui deduzida não contém a mínima identificação de quem seja a pessoa da arguida a que se refere.

E o que se acaba de dizer vale igualmente quanto ao pedido de indemnização civil, verificando-se que não se encontra igualmente identificada de todo quem seja a pessoa da demandada, vício este que será equiparável ao que resulta dos artigos 552º, n.º 1, al. a), e 558º, al. b), ambos do Cód. de Proc. Civil, por falta de identificação de uma das partes, o que levaria à rejeição da petição inicial pela secretaria, caso de processo civil aqui propriamente se tratasse. De todo o modo, como é óbvio, sempre se dirá que, sendo rejeitada a acusação, não pode ser naturalmente julgada a causa civil conexa que daquela dependia.

Assim, por todo o exposto, decide-se rejeitar a acusação particular e o pedido de indemnização formulados pela assistente e demandante A... a fls. 70 a 74, considerando-se tal acusação como manifestamente infundada.

Custas na parte criminal pela assistente (artigo 515º, n.º 1, al. f), do Cód. de Proc. Penal), fixando-se a taxa de justiça em 2 UC’s.

Sem custas na parte civil, atenta a isenção prevista no artigo 4º, n.º 1, al. n), do Regulamento das Custas Processuais, fixando-se o valor da causa nesta parte em €1.800,00 (mil e oitocentos euros).

Notifique.».

                                                                               *

                                                                        *

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação. (Cf. entre outros, os acórdãos do STJ de 19-6-96   e de 24-3-1999   e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar , sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

Como bem esclarecem os Cons. Simas Santos e Leal-Henriques, « Se o recorrente não retoma nas conclusões, as questões que suscitou na motivação, o tribunal superior, como vem entendendo o STJ, só conhece das questões resumidas nas conclusões, por aplicação do disposto no art. 684.º, n.º3 do CPC. [art.635.º, n.º 4 do Novo C.P.C.]» , in Código de Processo Penal anotado, 2.ª edição, Vol. II, pág. 801).  

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recorrente A... a questão a decidir é a seguinte:

- se apenas a inexistência de arguido no processo é causa de rejeição de acusação manifestamente infundada, nos termos do n.º 3 do art.311º do C.P.P., pelo que, encontrando-se concreta e completamente identificada nos autos a arguida C... , deve o despacho recorrido ser anulado e substituído por outro que admita a acusação particular.

Passemos ao conhecimento da questão.

O inquérito é a fase processual legalmente prevista que visa, especificamente, «… investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação.» ( art.261.º, n.º1 do C.P.P.).

A direção do inquérito cabe ao Ministério Público (art.263.º, n.º 1, do C.P.P.), tendo o assistente a posição de colaborador deste, a cuja atividade subordina a sua intervenção no processo, salvas as exceções previstas na lei (art.69.º do C.P.P.).

Encerrado o inquérito, quando o crime depende de acusação particular, o Ministério Público procede, por despacho, à notificação do assistente para deduzir, querendo, acusação particular, nos termos do art.285.º, n.º1 do Código de Processo Penal.

Por força do n.º 2 do art.285.º do C.P.P., é correspondentemente aplicável à acusação particular o disposto nos n.ºs 3, 7 e 8 do art.283.º, do C.P.P.. 

De acordo com o estatuído no n.º 3 deste art.283.º, « A acusação contém, sob pena de nulidade:
a) As indicações tendentes à identificação do arguido;
b) A indicação ainda que sintética dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;
c) A indicação das disposições legais aplicáveis.».    

O Código de Processo Penal menciona no art.141.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, que na identificação do arguido deverá ser perguntado o « nome, filiação, freguesia e concelho de naturalidade, data de nascimento, estado civil, profissão, residência, local de trabalho» . Embora esta norma esteja integrada no regime do 1.º interrogatório judicial de arguido detido, também é aplicável ao interrogatório não judicial do arguido não detido (art.143.º, n.º 2 do C.P.P.).   

Estes mesmos elementos de identificação são perguntados também na fase de julgamento, aquando da identificação do arguido (art.342.º, n.º 1 do C.P.P.).

A respeito da al. a), n.º 3, do art.283.º, do C.P.P., ensina o Prof. Germano Marques da Silva, que da “ acusação devem constar todos os elementos necessários à identificação do arguido e, pelo menos, o seu nome.”.[1]

Tendo o processo penal uma estrutura acusatória, por imposição constitucional ( art.32.º, n.º 6 da C.R.P.) e sendo primacialmente orientado para a proteção das garantias da defesa, o objeto do processo tem de ser fixado com rigor e precisão.

Assim, a acusação tem de conter, por si só, todos os elementos essenciais constitutivos do crime imputado, começando pela imputação dos mesmos a um determinado agente

A acusação define e fixa o objeto do processo, ou seja, a infração e o autor acusado.

A respeito das indicações tendentes à identificação do arguido, a que alude a alínea a), n.º 3, do art.283.º, do C.P.P., o Prof. Germano Marques da Silva, realça que da “ acusação devem constar todos os elementos necessários à identificação do arguido e, pelo menos, o seu nome.”.[2]

A nulidade cominada naquele n.º3 não é insanável, uma vez que como tal não é referida no preceito, nem está abrangida na enumeração taxativa do art.119.º do Código de Processo Penal.

O art.311.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, estabelece que se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente pode despachar no sentido, designadamente:

        « a) De rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada».

Clarificando este conceito, o n.º 3 do mesmo preceito estabelece que « Para efeitos do disposto no número anterior, a acusação considera-se manifestamente infundada:

      a) Quando não contenha a identificação do arguido;

      b) Quando não contenha a narração dos factos;

      c) Se não identificar as disposições legais aplicáveis ou as provas que a fundamentam; ou

      d) Se os factos não constituírem crime

As alíneas a), b) e c) do n.º 3 do art.311.º do C.P.P., são nitidamente casos de nulidade da acusação, constituindo a alínea d) o único caso de verdadeira acusação manifestamente infundada.

O Prof. Germano Marques da Silva sustenta, e com ele concordamos, que “ O art.311.º parece ter querido transformar a nulidade sanável do art.283.º, n.º 3, al. a), em nulidade de conhecimento oficioso.”[3].

Estabelecido que, sendo possível, a identificação do arguido deverá integrar o « nome, filiação, freguesia e concelho de naturalidade, data de nascimento, estado civil, profissão, residência, local de trabalho», a jurisprudência vem estabelecendo consequências diversas ao graus de omissão, na acusação, destes elementos.

Assim, no sentido de que a identificação do arguido na acusação, apenas pelo nome, com remessa dos restantes elementos para documentos dos autos, não é suficiente para rejeição da acusação ao abrigo do art.311.º, n.ºs 2, al. a) e 3, al a), do C.P.P., decidiram, entre outros, os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 3 de dezembro de 2003 (Proc. n.º 3444/03, Des. Jorge Dias) e de 03 de novembro de 010 ( proc. n.º 19/09.1GBOBR.C1, Des. Esteves Marques); da Relação do Porto de 23 de março de 2011 (proc. n.º 485/09.0PBMTS.P1, Des. José Alberto Vaz Carreto)[4] e da Relação de Lisboa de 26 de setembro de 2001 (CJ 2001, XXVI, 4, pág.135).

Ainda no sentido de que a acusação não pode ser rejeitada com o fundamento de que não contém a identificação do arguido, se nela se indica o nome e a morada deste, decidiu também o Tribunal da Relação do Porto, no acórdão de 15/10/2007 (Des. Élia São Pedro). [5]

Também no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 27 de junho de 2000, se decidiu que ainda que da acusação não conste o nome dos pais do arguido, bem como o estado civil, profissão e morada, a sua identificação deve considerar-se validamente efetuada desde que seja mencionado o seu nome e outros elementos que, conjugados entre si, conduzam à sua individualização ( CJ, ano XXV, 3.º, pág. 280).

Já a omissão completa, na acusação, dos elementos de identificação do arguido, incluindo o nome, deve determinar, no entendimento do acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 2 de novembro de 2002, rejeição da acusação.» ( CJ, ano XXVII, 5.º, pág. 250),

O entendimento trazido aos autos pela recorrente A, no sentido de que só é motivo de rejeição da acusação a “ omissão total do arguido, quando não há arguido – a falta de arguido – se ele não existe” , parece-nos, salvo o devido respeito, não ser sufragado nem na doutrina, nem na jurisprudência.

Se falta arguido no processo, se não existe arguido, vemos com dificuldade como pode o assistente deduzir acusação particular contra um arguido, única situação que no entender da assistente poderia levar à rejeição da acusação por não conter a “identificação do arguido”.

No caso em apreciação, resulta do processo que o inquérito se iniciou com um “auto de notícia” de um agente da PSP, informando que se havia deslocado à Rua das B (...) , na Guarda, em virtude de haver desentendimentos, e que aí B... e A... se haviam dirigido a si declarando que momentos antes C... lhes havia dirigido várias expressões e que, também a C... o informou que aquelas lhe haviam dirigido diversas expressões, para além de lançar pedras.

Durante o inquérito foram constituídas, como arguidas, a A, a B... e a C... .

A A... constituiu-se como assistente na sequência de apresentação de queixa contra a arguida C... , e no final do inquérito, como bem refere a ora recorrente, foi notificada para, querendo, deduzir acusação particular contra a arguida C... .

É evidente que quando o Ministério Público manda notificar a assistente A, para deduzir em acusação particular é para esta o fazer contra quem apresentou queixa.

Esse facto, porém, não permite à assistente omitir completamente a indicação na acusação da identificação do arguido, designadamente o seu nome, ainda mais quando a C... não foi a única arguida constituída nos autos.

Ao contrário do que defende a recorrente, não estamos aqui “quando muito” perante uma insuficiência ou inexatidão da sua identificação na acusação, mas perante uma completa omissão de identificação da arguida na acusação.

Dada a função de segurança e vinculação temática da acusação no processo, tem ela de conter, por si só, todos os elementos essenciais enunciados no art.283.º, n.º 3 do C.P.P., começando pelos elementos de identificação do arguido.

Faz parte das garantias de defesa do arguido, consagradas no art.32.º, n.º1 da CRP, poder conhecer, pela simples consulta do texto da acusação os elementos factos que esta deve conter, o que exige o conhecimento da identidade do arguido.

Embora relativamente à remissão para factos, decidiu já o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 674/99, que a acusação pode remeter para documentos juntos aos autos (acórdão do STJ., de 6 de Dezembro de 2002)[6], mas apenas quando essas remissões se não refiram a factos constitutivos do crime, sob pena de inconstitucionalidade [7].       

A rejeição, na situação concreta, da acusação da assistente, não cria, pelo exposto, um desproporcionado obstáculo no acesso ao direito daquela, garantido pelo art.20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.

Sendo constante o entendimento jurisprudencial - e cremos que doutrinário - sobre os termos mínimos de identificação do arguido na acusação e resultando da acusação particular, deduzida pela assistente A, que em lugar algum do articulado é indicado qualquer elemento tendente á identificação da arguida, não merece censura a decisão recorrida, de rejeição da acusação, por manifestamente infundada, nos termos art.311º, n.ºs 2, alínea a) e 3, alínea a), do Código de Processo Penal.

Improcede, deste modo, a questão e o recurso.             

Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pela assistente A... e manter o douto despacho recorrido.

Custas pela assistente A, fixando em 3 Ucs a taxa de justiça.            

                                                                         *

(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.). 

                                                                                             
   *

Coimbra, 26 de Abril de 2017

(Orlando Gonçalves – relator)

(Inácio Monteiro – adjunto)                                                                


[1] In “ Curso de Processo Penal”, Verbo, 2000, II, pág.114.
[2] In “ Curso de Processo Penal”, Verbo, 2000, II, pág.114.
[3] Obra citada, Vol. III,  pág. 207.
[4] In www.dgsi.pt

[5] In www.dgsi.pt
[6]in CJ, ASTJ, XI, 3.º, pág. 238.
[7] - in www.tribunalconstitucional.pt