Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1422/14.5TJCBR-M.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: INSOLVÊNCIA
APREENSÃO DE BENS
MASSA INSOLVENTE
MEIO PROCESSUAL
Data do Acordão: 05/19/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – INSTÂNCIA LOCAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: 72.º E 78.º DO CIRE
Sumário: 1 - O procedimento cautelar comum (a correr por apenso ao processo de insolvência) não é um meio processual próprio para credores da insolvência requererem que sejam apreendidos bens para a massa insolvente.

2 - É suposto que o Administrador de Insolvência, no cumprimento das suas funções e no interesse dos credores, proceda à apreensão de todos os bens do insolvente; se o não tiver feito – se algum credor entender que há bens do insolvente que não foram apreendidos – deve a “questão” ser colocada à Assembleia de Credores e ser resolvida no quadro jurídico delineado pelo CIRE (onde toda a eventual “inércia” do administrador de insolvência deve ser resolvida).

Decisão Texto Integral:

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A... , residente na Rua (...) , Coimbra, e B... , residente na Rua (...) , Coimbra, instauraram procedimento cautelar comum, por apenso a processo de insolvência, contra C... S.A., com sede (...) , Lisboa, D... , S.A., com sede na Av. (...) , Lisboa, E... , Lda., Massa Insolvente de E... , Lda., representada pelo Administrador de Insolvência, Dr. F..., com domicílio na (...) Anadia, EE... , Lda., com sede na Rua (...) , Coimbra, Massa Insolvente de EE... , Lda., também representada pelo Administrador de Insolvência, Dr. F... e Credores conhecidos das massas insolventes, “melhor identificados nos autos”, tendo em vista:

“ (…) ser ordenado às requeridas que se abstenham da prática de qualquer acto que ofenda a posse de todos os bens e máquinas que se encontrem nas instalações das insolventes, acima referidas, mantendo as mesmas nas instalações das sociedades acima referidas, até que se proceda à sua venda/liquidação, no âmbito dos processos de insolvência.”

Começaram por alegar[1] que “são/foram trabalhadores e são credores das sociedades E... , Lda., declarada insolvente, e EE... , Lda., declarada insolvente (…) ”; que “ (…) exercem e sempre exerceram as suas funções de forma indistinta nos locais determinados pelos gerentes de ambas as supra referidas empresas (…) ”; que “apesar de formalmente constarem das folhas de remunerações como inscritos na segurança social como trabalhadores da E... , Lda., substancialmente são trabalhadores de ambas as empresas (…) ”; pelo que “estando ambas as sociedades requeridas em processo de insolvência, o decretamento da insolvência de qualquer uma delas determina a inviabilidade da prestação laboral dos requerentes, por inteiro a cada uma das empresas, e a perda de garantia patrimonial dos requerentes, motivo pelo qual, urge proceder à apreensão de todas as máquinas que se encontram na sede das requeridas para assegurar o pagamento dos créditos, nomeadamente, dos créditos laborais, como os detidos pelos ora requerentes.”

Alegaram de seguida factos conducentes a fazer “totalizar os créditos do 1.º requerente no valor de € 14.818,49, sem prejuízo do montante que resultar à data da cessação do contrato, caso se venha a verificar”; e conducentes a fazer “totalizar os créditos do 2.º requerente no valor de € 68.548,99”; acrescentando que “ a estes créditos, acrescem os demais créditos reconhecidos (…) na insolvência da E... , Lda.” (…) e na da EE... , Lda.”

Após o que alegaram que “tomaram conhecimento que, pelo menos, as requeridas C... e D... , S.A. pretendem apoderar-se (desmantelar e remover), pelo menos, no imediato, das seguintes máquinas: a) Impressora A2 cores, modelo rápida, 142-2 SW1S/N363914DAKBA Koenig e Bauer – Planeta; b) Impressora digital Rank Xerox, modelo Docucolor 250 + Finisher; c) Linha de alceamento e de cozedura de livro multiplex – da Messanoteclica, ano de 2012; d) Extensão de máquina de encadernar com marginador de guardas da Muller Martini 2004; e) Linha de brochura automática acoro A5 de 2003, incluindo guilhotina em linha para apara do livro – linha de encadernação; f) Máquina de impressão Of7, 4 cores da KBA, modelo Sheet press rápida de 2004, 142-4SW2, número de série 363481; g) Máquina de colocar capa Muller Martini Monostar; Serra circular e Máquina de meter capa dura Muller Martini Diamant. Máquinas, como todas as que se encontram nas instalações das duas sociedades insolventes, devedoras dos requerentes, que eram usadas, indistintamente para a realização de trabalhos contratados a uma ou outra das sociedades gráficas. (…) máquinas, como todas as demais, que [estão na posse e] são propriedade exclusiva das sociedades E... e EE... .

Conclusos os autos e cumprido o devido “contraditório” imposto pelo art. 3.º/3 do CPC, foi de imediato proferido o seguinte despacho (indeferindo o procedimento cautelar por o processo não ser o próprio):

“ (…)

No caso concreto, verificamos que a providência cautelar deu entrada neste tribunal, por correio electrónico, no dia 13.02.2015 (cfr. fls. 62).

Ora, a requerida foi declarada insolvente por sentença de 26.05.2014 (fls. 33 a 39 do processo principal), transitada em julgado no dia 01.07.2014, ou seja, quando foi proposta a presente providência cautelar já a sentença que declarou a insolvência da requerida E... , Ldª, tinha transitado em julgado.

Por sua vez, a requerida EE... , Ldª, foi declarada insolvente por sentença de 08.05.2014, transitada em julgado em 19.06.2014.

Nos termos do artigo 1º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas “O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores”.

Nos termos do disposto no artigo 36º, alínea g), do mesmo diploma, na sentença que declara a insolvência o juiz decreta a apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvência, de todos os seus bens, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos.

Por isso, conforme refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18.03.2014, proferida a sentença declaratória da insolvência, procede-se à imediata apreensão de todos os bens integrantes da massa insolvente, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, seja em que processo for, com ressalva apenas dos que hajam sido apreendidos por virtude de infracção, quer de carácter criminal, quer de mera ordenação social.

Ora, o processo de insolvência é um processo especial que tem no respectivo Código (CIRE) os preceitos especialmente talhados para o prosseguimento da sua finalidade principal, que é a satisfação do interesse dos credores (cfr. acórdão citado).

Assim sendo, todas as questões que digam respeito à massa insolvente deverão ser resolvidas com recurso ao quadro jurídico especialmente delineado para o efeito.

Como está em causa a apreensão de bens da massa insolvente, o meio próprio e único de reacção à apreensão efectiva ou iminente, e indevida, em processo de insolvência é o previsto no artigo 141º e nas disposições seguintes, nos termos dos quais a lei permite àqueles que pela apreensão se sintam lesados na sua posse ou propriedade obter a restituição ou a separação de bens que tenham sido indevidamente apreendidos para a massa insolvente por via do procedimento a que aludem os artigos 141º e seguintes.

Deste modo, consideramos que o requerimento inicial é desajustado ao tipo de processo que deve ser seguido.

Por todo o exposto, (…) o tribunal decide indeferir o procedimento cautelar por o processo não ser o próprio

(…)”

Inconformados com o decidido, interpuseram os requerentes o presente recurso, visando a sua revogação e a sua substituição por decisão “que conclua pelo deferimento da providência”.

Terminaram com as seguintes conclusões:

2. Aqui peticionam que seja ordenado às requeridas que se abstenham da prática de qualquer ato que ofenda a posse de todos os bens e máquinas que se encontrem nas instalações das insolventes, ali referidas, mantendo as mesmas nas instalações das sociedades referidas, até que se proceda à sua venda/liquidação, no âmbito dos processos de insolvência.

3. Assim, é incorrecto que o “meio próprio e único de reacção”, atentos os factos vertidos na petição inicial e, o aí peticionado, seja o previsto no artigo 141.º e seguintes do CIRE.

4. No caso, não se pretende reagir contra a “apreensão efectiva ou iminente, e indevida, em processo de insolvência”.

5. Ao invés, o que se pretende é exigir essa apreensão.

(…)

7. Ora, como é manifesto da simples leitura do requerimento inicial, nada disso se verifica no caso concreto.

8. No caso concreto, não está em causa a restituição, a seus donos, dos bens apreendidos para a massa insolvente.

9. No caso concreto, não está em causa a separação de bens de terceiro indevidamente apreendidos ou quaisquer outros bens dos quais as insolventes não tenham a plena e exclusiva propriedade ou sejam estranhos à insolvência ou insusceptíveis de apreensão para a massa.

10. No caso concreto, em causa, está a apreensão, efectiva e acertada, para a massa insolvente de bens que ainda não foram apreendidos.

11. É, precisamente, esta apreensão que aqui se pede e que devia ser indeferida.

12. Bens que correm o risco de ser desmontados e removidos e, assim, danificados, por quem entende, indevidamente, ser o dono dos mesmos.

13. Assim, manifestamente que, no caso concreto, não tem aplicação o disposto no artigo 141.º e seguintes do CIRE.

14. Importando, por isso, admitir, apreciar e, a final, deferir o procedimento cautelar inominado, por ser o processo “próprio”.

15. Termos em que importa proceder à apreensão, precisamente, para a massa insolvente, de todas as máquinas que se encontrem nas instalações das requeridas, impedindo o seu desmantelamento, remoção e danificação, sob pena de prejudicar os créditos dos requerentes e demais credores, sem justificação válida.

16. Assim, não se acautela o pretendido e peticionado nesta providência com o previsto no artigo 141º e nas disposições seguintes,

17. Nos termos daqueles normativos legais, ao contrário do aqui peticionado, a lei permite àqueles que pela apreensão se sintam lesados na sua posse ou propriedade obter a restituição ou a separação de bens que tenham sido indevidamente apreendidos para a massa insolvente por via do procedimento a que aludem os artigos 141º e seguintes.

18. Deste modo, consideramos que o requerimento inicial não é desajustado ao tipo de processo que deve ser seguido.

Não foi apresentada qualquer resposta.

Dispensados os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.

*

II – Fundamentação

A – Os factos pertinentes são os que estão retratados no relatório precedente.

B – Quanto ao direito:

É por demais evidente, com todo o respeito, a falta de razão dos requerentes/recorrentes.

Invocando ser credores[2] de duas sociedades já declaradas insolventes, vêm os requerentes pedir que se “(…) ordene às requeridas que se abstenham da prática de qualquer acto que ofenda a posse de todos os bens e máquinas que se encontrem nas instalações das insolventes, mantendo as mesmas nas instalações das sociedades acima referidas, até que se proceda à sua venda/liquidação, no âmbito dos processos de insolvência.”

“Todos os bens e máquinas” foi seguramente uma força de expressão dos requerentes, pretendendo certamente aludir apenas às referidas no art. 54.º da PI (identificadas no relatório inicial), uma vez que só em relação a estas se invocou terem “tomado conhecimento que, pelo menos, as requeridas C... e D... , S.A. pretendem apoderar-se (desmantelar e remover) delas”.

Máquinas essas (as referidas no art. 54.º da PI) de que se diz encontrarem-se nas instalações das duas sociedades insolventes[3] e serem propriedade exclusiva de tais sociedades; assim mesmo, numa alegação “à molhada”, perdoe-se-nos a expressão, como se as duas sociedades não fossem pessoas jurídicas diferentes.

Perante tal modo pouco cuidadoso de alegar, não espanta que, lendo-se e relendo-se a PI, se fique sem perceber – por não ser explicitamente dito – se as máquinas (as referidas no art. 54.º da PI) estão/foram ou não apreendidas para alguma das duas massas insolventes.

Num primeiro momento, em face da redacção dada à pretensão deduzida – cujo efeito útil é a apreensão, mas em que parece haver o cuidado de evitar chamar-lhe apreensão – fica a sensação de que se evitou ser explícito em tal informação[4], porém, agora, perante a “interpretação autêntica” constante da alegação recursiva, outro pode ser o entendimento.

Efectivamente, refere-se nas conclusões 5.ª e 7.º, supra transcritas, que “o que se pretende é exigir essa apreensão (…) como é manifesto da simples leitura do requerimento inicial”.

Como já se mencionou, tal não é, sequer minimamente, claro do requerimento inicial – desde logo por não se dizer, em momento algum, se as máquinas (as referidas no art. 54.º da PI) estão/foram ou não apreendidas para alguma das duas massas insolventes – porém, não repugna aceitar[5], como boa, a “interpretação autêntica” constante da alegação recursiva[6].

Tanto mais que – é o ponto – é/era isto que se antevia estar subjacente à finalidade pretendida pelos requerentes.

Ou seja, em síntese, os requerentes/recorrentes pretendem, com o presente procedimento cautelar, que sejam apreendidos, para as massas insolventes[7], máquinas (que identificam) que nas mesmas não estão apreendidas.

Apreensão que, naturalmente, não se faz através dum procedimento cautelar comum (a correr por apenso a um processo de insolvência).

Vejamos porquê:

O processo de insolvência é, no direito português actual (CIRE), um processo de apreensão e execução universal dos bens de um devedor insolvente com vista à sua liquidação a favor dos credores (cfr. 1.º do CIRE).

Pressuposto do desenvolvimento dum tal processo é que o devedor esteja em situação ou estado de insolvência e, para isso, para apurar de tal situação ou estado, o CIRE prevê uma fase declarativa, prévia à apreensão e execução universal dos bens, de características especiais para a declaração de insolvência.

É pois após ser proferida em tal fase declarativa a sentença de insolvência – cujo conteúdo deve preencher as 13 alíneas do art. 36.º do CIRE – que se abre a chamada “fase executiva” do processo de insolvência[8], em que, em simultâneo, se abrem (com a sentença declaratória de insolvência) dois momentos processuais determinantes: a verificação dos créditos e a liquidação do activo, as quais confluem na fase subsequente do pagamento de credores.

A importância do apenso de verificação de créditos – em que por sentença se verificam e graduam créditos sobre a insolvência – resulta do princípio da exclusividade, de acordo com o qual o pagamento dos créditos sobre a insolvência apenas contempla os que estiverem verificados por sentença transitada em julgado (art. 173.º do CIRE)[9].

A fase da liquidação[10] destina-se à conversão do património que integra a massa insolvente numa quantia pecuniária a distribuir pelos credores, havendo, para isso, que proceder à cobrança dos créditos e à venda dos bens da massa insolvente, por forma a obter os respectivos valores (art. 55.º/1/a) e 158.º do CIRE).

Assim, tendo em vista tal liquidação, proferida a sentença declaratória da insolvência, procede-se à imediata apreensão dos elementos da contabilidade e de todos os bens integrantes da massa insolvente (art. 149.º/1 do CIRE); ou seja, os bens do insolvente são apreendidos pelo administrador de insolvência e, deste modo, separados, por forma a constitui um património autónomo – a massa insolvente (que se destina à satisfação dos interesses dos credores; aliás, é essa a função do próprio processo de insolvência – art. 1.º do CIRE).

Massa insolvente que abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens que ele adquira na pendência do processo (art. 46.º/1 do CIRE); resultando a identificação dos bens do insolvente que devem passar a integrar a massa insolvente do que se dispõe nos art. 601.º do C. Civil, 46.º/2 do CIRE e 735.º do CPC

Identificação em que o Administrador da Insolvência desempenha um papel crucial; uma vez que constitui função do administrador da insolvência a prossecução dos interesses de terceiros e não do próprio insolvente; uma vez que os poderes atribuídos ao administrador de insolvência apresentam a natureza de poderes-deveres ou poderes funcionais, os quais devem ser exercidos no interesse de terceiros, mormente dos credores.

É pois suposto que o Administrador de Insolvência, no cumprimento das suas funções e no interesse dos credores, proceda à apreensão de todos os bens do insolvente.

E se porventura o não tiver feito – se algum credor, como porventura parece ser o caso, entender que há bens do insolvente que não foram apreendidos – deve a “questão” ser colocada à Assembleia de Credores (art. 72.º do CIRE), órgão central do processo de insolvência (e em que qualquer credor pode participar), sendo o que na mesma for deliberado sobre a “questão” jurisdicionalmente controlável; uma vez que, quer o administrador da insolvência, quer qualquer credor com direito de voto, podem reclamar para o juiz na própria assembleia de credores, oralmente ou por escrito, com fundamento na violação do interesse comum dos credores (art. 78.º/1 do CIRE), e a decisão do juiz que julgue procedente a reclamação é recorrível por qualquer dos credores que tenha votado no sentido que fez vencimento e a decisão do juiz que indefira a reclamação é passível de recurso pelo reclamante (art. 78.º/2 do CIRE)

É por tudo isto que concordamos com a decisão recorrida quando na mesma se referiu que “todas as questões que digam respeito à massa insolvente deverão ser resolvidas com recurso ao quadro jurídico especialmente delineado para o efeito”; e quando na mesma se concluiu “que o requerimento inicial é desajustado ao tipo de processo que deve ser seguido”.

Ademais, ao mesmo “resultado” chegamos se entrarmos um pouco no “fundo” duma providência cautelar como a aqui intentada (em que os devedores já foram declarados insolventes e em que os credores têm que reclamar, para ser pagos pelo produto dos bens ali apreendidos, os seus créditos no processo de insolvência).

O decretamento duma providência cautelar – não especificada, cfr. art. 362.º/1 e 365.º/1, ambos do CPC, ou especificada – está genericamente dependente da conjugação de 2 requisitos:

-- Probabilidade séria da existência do direito invocado;

-- Fundado receio de que outrem, antes da acção ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito.

O que, naturalmente, nos obriga a reflectir juridicamente sobre qual é o direito invocado/invocável pelos requerentes/recorrentes e sobre qual será/seria a futura acção principal que irão/iriam intentar (e de que a presente providência é preliminar).

É que, não é despiciendo enfatizá-lo, caso fosse decretada a presente providência, teriam os requerentes, sob pena de caducidade (cfr. art. 373.º do CPC), que propor “a acção da qual a providência depende”.

Ora, a nosso ver, pretendendo os requerentes/recorrentes que os bens que aqui iriam ser apreendidos respondam/respondessem pelas dívidas das insolventes, o direito invocado/invocável não pode ser a mera alegação de serem os requerentes/recorrentes credores das insolventes e das máquinas em causa pertencerem às insolventes (para isto existe e está vocacionado o processo insolvência); a nosso ver, o direito invocado/invocável teria que passar e ser configurado à luz dos meios de conservação da garantia patrimonial que a lei (art. 605.º a 618.º do C. Civil) faculta aos credores: que são a declaração de nulidade, a sub-rogação do credor ao devedor e a impugnação pauliana[11].

Sucede, quanto à declaração de nulidade e à impugnação pauliana, que nada é dito que possa retratá-las.

Restaria pois, quando muito, a sub-rogação do credor ao devedor, nos termos da qual a lei (art. 606.º do C. Civil) admite que o credor se substitua (sub-rogue) ao devedor no exercício de direitos ou poderes que a este último competem, desde que se verifiquem os 3 seguintes pressupostos: que faça valer contra o terceiro um direito de conteúdo patrimonial; que haja inércia do devedor; e que tal substituição se apresente como essencial à satisfação ou garantia do direito do credor.

Mas, desde logo, não se vislumbra onde é que possa estar ou onde é que haja sido invocada/invocável a “inércia do devedor”.

Tendo os devedores sido já declarados insolventes, estão limitados na sua capacidade patrimonial para as matérias relativas à insolvência, sendo/estando, para tais matérias, substituídos pelo administrador da insolvência, cuja função, como já se referiu, é exercida no interesse de terceiros/credores.

Enfim, voltamos ao que referimos atrás, para haver “inércia do devedor” – ou, mais exactamente, do administrador de insolvência – necessário seria que o “assunto/questão” já tivesse sido colocado à Assembleia de Credores e que a deliberação desta (ou a decisão do juiz) não estivesse a ser executada pelo administrador de insolvência; mas, mesmo nesta hipótese, era/seria no quadro jurídico do CIRE e do processo de insolvência que a “inércia” do administrador de insolvência teria que ser resolvida, o que mais uma vez imporia a conclusão de não ser o presente procedimento cautelar o meio próprio a ser seguido.

*

Improcede assim tudo o que os recorrentes/requerentes concluíram na sua alegação recursiva, o que determina o naufrágio do recurso e a confirmação do decidido na 1ª instância.

*

III - Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirma-se a decisão recorrida.

Custas pelos apelantes.

Coimbra, 19/05/2015

 (Barateiro Martins)

 (Arlindo Oliveira)

 (Emídio Santos)


[1] Procedemos sucessivamente à transcrição de trechos da alegação, por não ser fácil e muito menos cómodo dizer, por palavras nossas, o que foi alegado.
[2] Dum modo, a nosso ver, pouco rigoroso, uma vez que dizem que constam formalmente das folhas de remunerações duma das insolventes, sendo substancialmente trabalhadores de ambas; e acabam a invocar em relação a ambas a totalidade dos seus pretensos créditos.
[3] Que, segundo o alegado, são instalações diferentes.

[4] Não obstante também se dizer que a “abstenção” pedida tem em vista “proceder-se à sua venda/liquidação, no âmbito dos processos de insolvência; e, claro está, só se vende/liquida num processo de insolvência o que antes nele foi apreendido.
[5] Esquecendo que, então, sendo assim, talvez se devesse ter recorrido à providência cautelar especificada de arresto.

[6] Não obstante os recursos serem meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamentos de questões novas; o que significa que, em regra, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados.
[7] Para qual das duas, não sabemos; mas para as duas ao mesmo tempo é que não poderia ser.
[8] O processo executivo só prosseguirá se se apurar nessa primeira fase a existência de estado de insolvência actual.

[9] Mesmo que o crédito já tenha sido reconhecido por sentença transitada em julgado proferida fora do âmbito do processo de insolvência (art. 128.º/3 do CIRE).

[10] Momento da abertura da fase de liquidação que depende do preenchimento em simultâneo do trânsito em julgado da sentença declaratória de insolvência e da realização da assembleia de apreciação do relatório (art. 158.º/1).

[11] Não falamos no arresto (art. 619º a 622.º do C. Civil), uma vez que tal direito – enquanto apreensão judicial de bens que é – é exercido, como supra se referiu, pelo administrador de insolvência nos termos do CIRE; e uma vez que sendo um procedimento cautelar, se coloca também, em relação a ele, a questão do direito invocável na acção principal.