Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
146/16.3T8MMV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
BENEFICIÁRIOS
Data do Acordão: 10/24/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - M.-O-VELHO - JUÍZO C. GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.496 Nº2 CC
Sumário: Nos termos e para os efeitos do disposto no nº 2 do art. 496º do C.Civil, cabendo o direito à indemnização por danos não patrimoniais, em simultaneidade, ao cônjuge e aos filhos e, representativamente, a outros descendentes que hajam sucedido a algum filho pré-falecido, documentando-se que o ora autor é neto da vítima mortal, filho de um filho pré-falecido daquela, integra o mesmo o primeiro grupo de beneficiários, a título conjunto e simultâneo, mais concretamente, com o cônjuge e os outros filhos da vítima mortal.
Decisão Texto Integral:  








           Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                                       *

            1 – RELATÓRIO

S (…), intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra “COMPANHIA DE SEGUROS (…), S.A.”, pedindo que na sua procedência, seja a ré condenada a pagar-lhe as quantias discriminadas nos artigos 37º a 40º da p.i, no montante global de € 14.944,06, acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

Tais quantias surgem assim discriminadas:

- € 7.400,00, a título de compensação pelos danos não patrimoniais por si sofridos em consequência do falecimento de seu avô, K... ;

- € 2.343,75, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima antes do seu falecimento;

- € 4.875,00, a título de indemnização pelo dano morte sofrido pela vítima;

- € 325,13, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos pela vítima em consequência do sinistro.

Alega para tanto, em síntese, que no dia 01.10.2014, pelas 8.40 horas, na Rua da Cooperativa, em Bebedouro, Arazede, Montemor-o-Velho, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes (…), seu avô, que seguia no sentido Rua do Bebedouro/EN nº 595, apeado com um velocípede pela mão, pelo seu lado direito, junto à berma, e o veículo automóvel ligeiro de mercadorias com a matrícula G(...) , conduzido por (…) que seguia no mesmo sentido de marcha, consistente no atropelamento de (…) pelo dito veículo.

Que em consequência do sinistro, A (…) sofreu lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas e requimedulares cervicais, que foram causa adequada e necessária da sua morte.

Que o sinistro em apreço ocorreu por culpa única e exclusiva da condutora do veículo com a matrícula G(...) , já condenada pela prática de crime de homicídio por negligência em processo sumaríssimo.

Que por contrato de seguro válido e em vigor à data do sinistro, titulado pela apólice nº (...) ,encontrava-se transferida para a ré a responsabilidade civil decorrente da circulação do GF.

Que a ré reconheceu e reconhece a culpa da condutora do veículo segurado pela ocorrência do sinistro, e o direito à indemnização dos herdeiros do falecido, tendo, consequentemente, em 07.08.2015 procedido ao pagamento da indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais à viúva e aos três filhos do falecido, excluindo, contudo, ilicitamente, do direito à indemnização os netos do falecido, entre os quais o autor, filho de um filho pré-falecido do sinistrado, que outro filho também deixou.

Que o autor, em representação de seu pai, filho pré-falecido da vítima mortal, tem direito a ser indemnizado pelo dano morte, pelos danos sofridos pela própria vítima, e pelos danos sofridos por si em consequência da morte de seu avô, nos termos do disposto no art. 496º do Código Civil, bem como a ser indemnizado pelos danos patrimoniais sofridos pela vítima em consequência do sinistro, os dois primeiros danos e o último, na proporção de metade do valor em que sucederia o seu ascendente.

*

Regularmente citada, ofereceu a ré contestação, por impugnação, e arguindo a excepção dilatória de ilegitimidade activa, alegando para tanto, em síntese, que face ao disposto no art. 496º, nº 2 do Código Civil, o direito à indemnização por danos não patrimoniais, cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes, decorrendo do citado normativo legal que o direito à indemnização nele previsto, é um direito próprio, atribuído a um grupo de familiares, não se transmitindo por via sucessória, pelo que havendo cônjuge e filhos da vítima, o direito à indemnização cabe a estes por direito próprio, não tendo os netos, do filho pré-falecido, legitimidade para reclamar a respectiva indemnização.

Termina pedindo que se julgue procedente a arguida excepção, com as legais consequências.

*

Respondeu o autor, pugnando pela improcedência da arguida excepção dilatória, pelos fundamentos aduzidos em tal articulado.

*

Foi, ao abrigo do disposto no art. 593º, nº 1 do Código de Processo Civil, dispensada a realização da audiência prévia.

Foi proferido despacho saneador, que julgou improcedente a arguida excepção dilatória de ilegitimidade activa, e julgado quanto ao demais válida e regular a instância.

Foi proferido despacho a enunciar os termos do litígio e a fixar os temas da prova, sem reclamações.

*

Realizou-se audiência final, com observância do legal formalismo, conforme consta da respectiva ata.

Na sentença, considerou-se, em suma, que era de perfilhar o entendimento de que do teor literal do nº2 do art. 496º do C.Civil, decorria que esse direito de indemnização cabia, em simultaneidade, ao cônjuge e aos filhos e, representativamente, a outros descendentes que houvessem sucedido a algum filho pré-falecido, donde a procedência da pretensão do Autor, sendo que, tendo em conta a factualidade apurada, ponderou-se o valor indemnizatório a atribuir-lhe por cada uma das parcelas do dano em causa, vindo-se a concluir pela fixação do mesmo no total de € 10.500,00, o que se concretizou no seguinte concreto “dispositivo”:

«V – DECISÃO

Pelo exposto, e decidindo, julgo a acção parcialmente provada e procedente e, consequentemente, condeno a ré a pagar ao autor a quantia de € 10.500 (dez mil e quinhentos euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais por si sofridos em consequência da morte de seu avô, acrescida de juros de mora legais desde a data da presente decisão, até efectivo e integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado.

*

Custas por autor e ré na proporção dos respectivos decaimentos.

*

Registe e notifique.»

                                                           *

Inconformado com essa sentença, apresentou a Ré recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

«(…)

                                                                       *

Contra-alegou o Autor, pugnando a final do respetivo articulado no sentido de que devia ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida nos seus exactos e precisos termos.

                                                           *

            A Exma. Juíza a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando pela sua subida devidamente instruído.

            Nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2QUESTÕES A DECIDIR: o âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 635º, nº4 e 639º do n.C.P.Civil – e, por via disso, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, as questões são:

 - desacerto da decisão de direito que, na interpretação do n.º2 do artigo 496º do Código Civil, decidiu que era de conferir indemnização ao Autor, a título de danos não patrimoniais resultantes do falecimento do seu avô, por considerar que em representação do seu pai, filho pré-falecido do de cujus, e como legal herdeiro, tinha direito à dita indemnização

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A factualidade que interessa ao conhecimento do presente recurso, é a que foi alinhada na decisão recorrida (e que não foi expressamente alvo de impugnação nas alegações recursivas), a saber:

«FACTOS PROVADOS

1. No dia 01.10.2014, pelas 8.40 horas, na Rua da Cooperativa, em Bebedouro, Arazede, Montemor-o-Velho, ocorreu um sinistro em que foram intervenientes o veículo automóvel ligeiro de mercadorias com a matrícula G (...) , conduzido por M (…), e A (…), traduzido no atropelamento deste pelo GF.

2. Nas circunstâncias de tempo e lugar supra referidas em 1., A (…), seguia no sentido Rua do Bebedouro/EN nº 595, apeado, com um velocípede pela mão, pelo seu lado direito, junto à berma.

3. O GF circulava no mesmo sentido de marcha de A (…)

4. Após descrever uma curva ligeira à esquerda, o GF embateu no peão A (…), por trás, a cerca de 0,45 metros do limite da via do lado direito, atento o sentido prosseguido por ambos.

5. Em consequência do sinistro, A (…) sofreu lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas e requimedulares cervicais, que foram causa adequada e necessária da sua morte.

6. A via por onde circulava o GF apresentava-se sem obstáculos.

7. Na ocasião do sinistro o GF circulava a velocidade não inferior a 72 Km/hora.

8. A sua condutora estava encadeada pela luz solar, o que lhe dificultava a visibilidade da via à sua frente.

9. O tempo atmosférico era bom.

10. No local onde ocorreu o sinistro, dentro de localidade, a velocidade máxima permitida é de 50 km/hora.

11. A via tem dois sentidos de trânsito, tendo 3,30 metros de largura.

12. O piso, em betuminoso, estava em razoável estado de conservação.

13. A berma do lado direito tem 1,19 metros de largura.

14. Por via do referido sinistro foi instaurado processo crime sob a forma de processo sumaríssimo, contra a condutora do GF, M (…), que correu termos nesta Instância Local de Montemor-o-Velho sob o nº 376/14.2GAMMV, no qual a mesma foi constituída arguida, e acusada e condenada pela prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelos arts. 137º, nº 1 e 15º, al. a) do Código Penal.

15. Por contrato de seguro válido e em vigor à data do sinistro, titulado pela apólice nº (...) , encontrava-se transferida para a ora ré a responsabilidade civil decorrente da circulação do GF.

16. Em 16.01.2015, na Conservatória do Registo Civil da (...) , foi lavrado procedimento simplificado de habilitação de herdeiros, pelo qual M (…), na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de A (…), declarou que o autor da herança, faleceu no dia 01 de Outubro de 2014, no estado de casado com a declarante em primeiras núpcias de ambos, no regime da comunhão geral de bens, sem testamento ou qualquer disposição de última vontade, e que por vocação legal e sem preferência ou concorrência de outrem, lhe sucederam a sua viúva e aí declarante, os seus filhos (…), e os seus netos, (…) filho pré-falecido do autor da herança.

17. Aí de documenta que a conservadora procedeu à consulta da base de dados do registo civil SIRIC, para verificação do óbito, da qualidade de herdeiro invocada, parentesco e elementos de estado civil, em relação à cabeça de casal e aos herdeiros.

18. A ré reconheceu a culpa da condutora do veículo segurado pela ocorrência do sinistro.

19. Em 02.06.2015, (…) “na qualidade de únicos e universais herdeiros” de K... , como primeiros outorgantes, e a ora ré, no acto devidamente representada, como segunda outorgante, subscreveram o documento junto por cópia a fls. 105, intitulado “Ata de Transacção”, no qual consignaram as seguintes cláusulas:

“1ª As partes acordam expressamente transigir quanto à indemnização derivada do acidente de viação ocorrido em 01/10/2014, no qual foi interveniente o veículo seguro matrícula G(...) .

2ª Os primeiros outorgantes aceitam receber e a segunda outorgante pagar, as seguintes quantias respeitantes aos seguintes danos:

Danos a indemnizar Valor

Direito à vida e dano moral da vítima 40.000,00 €

Danos morais herdeiros 62.700,00 €

Danos patrimoniais 1.300,00 €

Total 104.000,00 €

3ª Atento o teor da cláusula anterior, os primeiros outorgantes aceitam receber e a segunda outorgante pagar a quantia líquida total de € 104.000,00 (cento e quatro mil euros).

4ª Com o recebimento da quantia liquida indicada na cláusula terceira, os primeiros outorgantes consideram-se ressarcidos de todos os danos presentes e futuros decorrentes do acidente de viação em causa, nada mais tendo a reclamar da segunda outorgante (…)”.

20. A ré pagou aos herdeiros de A (…) supra identificados em 19., a quantia acordada de € 104.000,00, através de cheque, emitido 24.07.2015, tendo emitido o recibo de indemnização, junto por cópia a fls. 107.

21. Em consequência do sinistro, e no local da sua ocorrência, A (…) entrou em paragem cardiorrespiratória, tendo sido submetido a manobras de reanimação durante 20 minutos.

22. Sofreu fortes dores e forte sofrimento físico e psíquico, já que se apercebeu da sua morte eminente, e que ia deixar os seus entes queridos.

23. À data do sinistro, A (…) tinha 87 anos de idade.

24. Era pessoa saudável, robusta, com bom porte físico e bom aspecto físico, ágil, cheio de vida e de força.

25. Desenvolvia com autonomia as tarefas diárias da sua vida, andava sozinho, deslocava-se a pé e de bicicleta.

26. O autor mantinha com A (…), seu avô, uma relação profunda de amizade, carinho, e de grande proximidade.

27. Após a morte do seu pai, o autor projectou em seu avô, A (…), a figura paterna de que foi privado, amando-se reciprocamente como se pai e filho fossem.

28. A morte repentina e inesperada de A (…), causou ao autor grande sofrimento e angústia, profunda tristeza, desgosto, e grande vazio e solidão.

29. Em consequência do sinistro a bicicleta que A (…) trazia consigo, ficou destruída.

30. Em consequência do sinistro, o vestuário usado por A (…), composto por calças, camisa, camisola, casaco, e roupa interior, ficaram inutilizados.

31. Em consequência do sinistro, os sapatos que A (…) usava ficaram inutilizados.

32. Em consequência do sinistro, o relógio que A (…) usava ficou destruído.                                                                                                                   ¨¨

FACTOS NÃO PROVADOS

1.1. A bicicleta supra referida em 29. dos factos provados, tinha o valor comercial de € 2.000,00.

2.2. As calças supra referidas em 30. dos factos provados, tinham o valor de € 50,00.

3.3. A camisa supra referida em 30. dos factos provados tinha o valor de € 25,00.

4.4. A camisola supra referida em 30. dos factos provados tinha o valor de € 50,00.

5.5. O casaco supra referido em 30. dos factos provados tinha o valor de € € 250,00.

6.6. A roupa interior supra referida em 30. dos factos provados tinha o valor de € 25,00.

7.7. Os sapatos supra referidos em 31. dos factos provados, tinham o valor de € 70,00.

8.8. O relógio supra referido em 32. dos factos provados, valia € 1.000,00. »                                                                    *

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Cumpre então proceder à apreciação da questão supra enunciada, directamente reportada ao mérito da sentença, na vertente da fundamentação de direito da mesma, a saber, haver desacerto da decisão de direito que, na interpretação do nº2 do artigo 496º do Código Civil[2], decidiu que era de conferir indemnização ao Autor, a título de danos não patrimoniais resultantes do falecimento do seu avô, por considerar que em representação do seu pai, filho pré-falecido do de cujus, e como legal herdeiro, tinha direito à dita indemnização.

Será assim?

Recorde-se que a decisão recorrida assentou no seguinte entendimento:

«(…)

Como conclui Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, I, 10ª ed., pág. 613, “da leitura deste preceito decorre que nenhum direito de indemnização se atribui, por via sucessória, aos herdeiros da vítima, como sucessores mortis causa, pelos danos morais correspondentes à perda da vida, quando a morte da pessoa atingida tenha sido consequência imediata da lesão e que, no caso de a agressão ou lesão ser mortal, toda a indemnização correspondente aos danos morais (quer sofridos pela vítima, quer pelos familiares mais próximos) cabe, não aos herdeiros por via sucessória, mas aos familiares por direito próprio, nos termos e segundo a ordem do disposto no n.°2 do artigo 496º”.

Esta é a posição maioritária da jurisprudência e doutrina, e que por nós também se perfilha.

Assim, no caso de morte, toda a indemnização correspondente aos danos não patrimoniais (incluindo o dano pela perda do direito à vida), quer sejam os sofridos pela vítima, quer sejam os sofridos pelos familiares, cabe não aos herdeiros por via sucessória, mas antes aos familiares por direito próprio e de acordo e pela ordem prevista no nº 2 do art. 496º do Código Civil.

Temos, pois, que os familiares com direito a indemnização por danos não patrimoniais decorrentes da morte da vítima são apenas os referidos no nº 2 do art. 496º do Código Civil. E, como resulta do citado normativo legal, por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos e outros descendentes (1º grupo); e, só na falta destes, aos pais ou outros ascendentes (2º grupo); e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem (3º grupo).

Quanto aos “outros descendentes”, que são os descendentes de segundo grau (netos), ou de terceiro grau (bisnetos), não oferece dúvidas, face à ordem de precedência estabelecida no citado normativo, que tendo a vítima falecida deixado cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e todos os seus filhos vivos, o direito à indemnização por danos não patrimoniais, só a estes caberá, em conjunto, não podendo ser atribuído a outros descendentes, ou seja, a netos e bisnetos.

Mas tal já não sucederá se à data do seu falecimento a vítima tiver filhos pré-falecidos, pois neste caso, o chamamento desses parentes de grau subsequente dentro da mesma estirpe, integra-se no primeiro grupo de beneficiários, a título conjunto e simultâneo.

Temos, pois, que do teor literal do nº 2 do art. 496º, decorre que esse direito de indemnização cabe, em simultaneidade, ao cônjuge e aos filhos e, representativamente, a outros descendentes que hajam sucedido a algum filho pré-falecido (cfr. neste sentido, entre outros, acórdãos do STJ de 24.05.2007, in www.dgsi.pt.).

Assim, e revertendo ao caso em apreço, cabendo o direito à indemnização por danos não patrimoniais, em simultaneidade, ao cônjuge e aos filhos e, representativamente, a outros descendentes que hajam sucedido a algum filho pré-falecido, documentando-se que o ora autor é neto da vítima mortal, filho de um filho pré-falecido daquela, integra o mesmo o primeiro grupo de beneficiários, a título conjunto e simultâneo.

(…)»

Desde já se adianta – e releve-se o juízo antecipatório! – que não vemos como dissentir deste entendimento.

Contrapõe a Ré/recorrente que o legislador, ao prever o Instituto da Responsabilidade Civil Extra-Contratual, quis compensar o dano da perda, presumindo que essa perda é mais incidente, mais notória nos parentes mais próximos e que terão por essa via, mais afeto e proximidade com a vítima, isto porque o artigo 496ºnº2 do C.Civil, exclui a via sucessória no direito à indemnização por danos não patrimoniais e atribui este direito a sucessivos grupos de beneficiários, a primeira linha dos quais é constituída por “cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens (…) e filhos ou outros descendentes”, donde, este preceito, no segmento considerado usa uma alternativa “filhos ou outros descendentes” – o que aponta, necessária e imperiosamente, para um comando legal que só permite a consideração de “outros descendentes” nomeadamente de netos, quando os primeiros, os “filhos”, não existirem!

Que dizer?

Que a questão fulcral está em saber se os “outros descendentes” concorrem com o cônjuge e os filhos do falecido, ou se são titulares do direito de indemnização apenas no caso de não existirem aqueles familiares mais próximos.

A nossa resposta a esta questão é inequivocamente no sentido de validar aquele primeiro termo da alternativa, mas com o sentido de que o direito de “chamamento” dos mesmos só pode operar-se a título sucessivo ou subsidiário, isto é por direito de representação de seus falecidos progenitores,… posto que o direito à indemnização não cabe em conjunto, ao cônjuge, aos filhos “e” outros descendentes!

Senão vejamos.

«É verdade que o aludido inciso normativo - nº 2 do artº 496º - junta no primeiro grupo de beneficiários, a título conjunto e simultâneo, o cônjuge" e "os filhos ou outros descendentes". Mas, quanto aos "outros descendentes" que não os filhos, isto é quanto v.g aos descendentes de 2º grau (netos) ou de 3º grau (bisnetos), a precedência da respectiva enunciação pela disjuntiva "ou" mais não pode deixar de significar que o "chamamento" desses parentes de graus subsequentes dentro da mesma estirpe só pode operar-se a título sucessivo ou subsidiário, isto é por direito de representação de seus falecidos progenitores.

O direito à indemnização caberá pois em conjunto, não ao cônjuge, aos filhos "e" outros descendentes, mas sim ao cônjuge e aos filhos e também (ou) a outros descendentes que eventualmente hajam sucedido a algum desse filhos pré-falecidos por direito de representação.

Interpretação esta que, não só é claramente sugerida pelo texto da norma ao apor a sobredita disjuntiva "ou" em vez da copulativa "e", como vai de encontro à regra estabelecida para a sucessão legal no art.º 2135º do CCIV segundo a qual, dentro de cada classe de sucessíveis os parentes de grau mais próximo, preferem aos de grau mais afastado.

Também aos sobrinhos da vítima tal direito só é conferido em representação dos irmãos desta pré-falecidos, nos termos da parte final do inciso que vimos interpretando.

Abona ainda a favor desta tese "restritiva" o elemento racional da interpretação: o alargamento do direito de indemnização, em simultâneo, aos diversos graus de descendentes seria potencialmente subversor do princípio da proximidade comunitária e afectiva incito na indemnização por danos não patrimoniais e pulverizador dos cômputos indemnizatórios, mormente nos casos de limitação legal em função da ocorrência de simples risco.

No sentido da atribuição do direito dos descendentes de 2º grau a tal indemnização apenas em representação dos filhos da vítima, vide o Prof. A. Varela, in "Das Obrigações em Geral", vol. I, 9ª ed., pág. 646.»[3]

Dito de outra forma: nos termos e para os efeitos do disposto no art. 496º, nº2 do C.Civil, o direito à indemnização caberá em conjunto, não ao cônjuge, aos filhos “e” outros descendentes, mas sim ao cônjuge e aos filhos e também (ou) a outros descendentes que eventualmente hajam sucedido a algum desse filhos pré-falecidos por direito de representação.

Ademais, o argumento de que é o afeto e a proximidade que justificam a compensação do dano da perda a apenas cônjuge e filhos (desgosto este, naturalmente, tanto maior quanto mais fortes e próximos forem os laços afectivos que ligavam a pessoa falecida e os seus familiares), não colhe, quando, como no caso vertente, resultou apurado o natural desgosto do aqui Autor pela morte de seu avô!

 Termos em que não vislumbramos que se possa ou deva censurar a sentença recorrida – enquanto decidiu dar procedência à pretensão do Autor, conferindo-lhe indemnização, a título de danos não patrimoniais resultantes do falecimento do seu avô, por considerar que aquele, em representação do seu pai, filho pré-falecido do de cujus, e como legal herdeiro, tinha direito à dita indemnização – donde a fatal improcedência do recurso.

Sendo certo, em todo o caso, que o montante indemnizatório concedido, em si, não foi questionado e também não vislumbramos que padeça ele de algum desacerto!

Assim sendo e sem necessidade de maiores considerações, naufraga inapelavelmente o recurso.

                                                           *

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA

Nos termos e para os efeitos do disposto no nº 2 do art. 496º do C.Civil, cabendo o direito à indemnização por danos não patrimoniais, em simultaneidade, ao cônjuge e aos filhos e, representativamente, a outros descendentes que hajam sucedido a algum filho pré-falecido, documentando-se que o ora autor é neto da vítima mortal, filho de um filho pré-falecido daquela, integra o mesmo o primeiro grupo de beneficiários, a título conjunto e simultâneo, mais concretamente, com o cônjuge e os outros filhos da vítima mortal.

*

6 – DISPOSITIVO

            Pelo exposto, decide-se a final, pela improcedência da apelação, mantendo a sentença recorrida nos seus precisos termos.

            Custas do recurso pela Ré/recorrente.

                                                                       *

            Coimbra, 24 de Outubro de 2017   

                                  

                                                 (Luís Filipe Cravo ( Relator)

                                                (Fernando Monteiro)

                                               (António Carvalho Martins)


[1] Relator: Des. Luís Cravo
   1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
   2º Adjunto: Des. Carvalho Martins

[2] No artigo 496º nº2 do Código Civil, sob a epígrafe de “ Danos Não Patrimoniais”, preceitua-se o seguinte: “Por morte da vítima o direito à indeminização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.”

[3] Citámos agora o acórdão do STJ de 16.03.1999, no proc. nº 99B022, acessível em www.dgsi.pt/jstj, aliás, doutamente invocado pelo A. nas suas contra-alegações recursivas.