Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ANA VIEIRA | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADES PARENTAIS ACÇÃO DE ALTERAÇÃO ALIMENTOS MAIORIDADE | ||
Data do Acordão: | 01/28/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JUÍZO FAM. MENORES - JUIZ 2 | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS 26, 36, 43, 67 CRP, 1874, 1878, 1882, 1905, 1997, 2003, 2004 CC, 42 RGPTC | ||
Sumário: | I- O direito a alimentos é irrenunciável e impenhorável e cabe a ambos os progenitores prover ao sustento dos filhos. II- Mesmo no caso de se desconhecer o paradeiro e a situação económica do progenitor ou quando o mesmo não aufira rendimentos, deve-se fixar pensão de alimentos ao menor III- Se o filho menor a favor de quem foi fixada a pensão de alimentos atingir a maioridade na pendência da acção de regulação das responsabilidades parentais, a acção deve prosseguir os seus termos, porque em regra compete aos progenitores o dever de proverem ao sustento e educação do filho até que este complete o seu processo de educação e formação profissional ou até aos 25 anos de idade. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I- RELATÓRIO
T (…) instaurou a presente acção de alteração da regulação do exercício das Responsabilidades parentais contra S (…), peticionando que seja fixada uma prestação de alimentos a favor do menor a cargo do requerido. Alega no requerimento inicial o seguinte:«… “1ºA ora Requerente e o Requerido são progenitores do menor I (…). 2ºPor sentença proferida em 16 de Novembro de 2017 foi homologado o acordo constante dos autos referenciados em epígrafe, nos termos do qual ficou estabelecido o seguinte: A guarda residência do menor ficam atribuídos à mãe, ora requerente, assim com o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do menor; As responsabilidades parentais respeitantes às questões de particular importância para a vida do menor são exercidas em comum por ambos os progenitores; O pai poderá visitar o filho sempre que desejar, sem prejuízo dos horários escolares e de descanso do menor, desde que avise previamente a mãe com a antecedência de 24 horas; Não se fixa pensão de alimentos por o progenitor não ter rendimentos. 3ºSucede que a ora requerente, trabalha para uma empresa onde exerce funções de empregada de limpeza, auferindo mensalmente cerca de € 500, 00, remuneração esta que depende do número de horas que labora. 4º Desta forma recai apenas sobre a mãe, ora requerente, a obrigação de sustentar o filho de ambos. 5ºSaliente-se que a ora requerente não dispõe de ajudas monetárias de terceiros, tendo a seu cargo todas as despesas, a saber: renda de casa e todas as despesas inerentes à mesma, alimentação, vestuário, entre outras. 6ºPorém, por se tratar o direito a alimentos de um direito irrenunciável, importa fixar uma prestação de alimentos a favor do menor e a cargo do progenitor, independentemente da situação económica e laboral deste.” O requerido contestou a acção alegando em resumo que o acordo de regulação foi homologado e que não havendo incumprimento ou alteração das circunstâncias supervenientes a acção não pode ser admitida e mais alega que não tem possibilidades económicas e que deve ser oficiado o Fundo de Garantia de Alimentos devidos a menores. Foi realizada a conferencia de pais sem acordo. Na predita conferência o requerido, prestou juramento legal e nas declarações por si prestadas disse “não ter condições para pagar € 75,00; Não tem trabalho e dinheiro; Afirma ganhar € 280,00; Não tem casas arrendadas na Guiné, tendo mulher e filhos naquele país; Não tem condições para pagar qualquer montante; Está na disposição de ir para a Guiné: E mais não disse.” Instruído o processo foi proferida a seguinte sentença: « T (…) residente (…) em Coimbra, veio requerer a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente ao filho I (…), contra o pai deste, S (…) residente (…), Lisboa, no sentido de ser fixada uma prestação alimentar a cargo do requerido . O requerido foi citado e argumentou não haver motivo para a presente alteração, por não existir qualquer incumprimento nem circunstâncias supervenientes . Mais alegou não ter condições para prestar alimentos. Foi designada data para conferência de pais, onde não houve acordo entre os progenitores, pelo que foi solicitada a realização de relatórios sociais . O Ministério Público pronunciou-se a fls. 103 . *** O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia . Não existem nulidades que invalidem todo o processo . As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas . Não existem quaisquer outras excepções ou nulidades processuais de que deva conhecer-se oficiosamente . * Estão assentes os seguintes factos : 1. I (…) nasceu em 30/1/2001 e é filho da requerente e do requerido. 2. Por sentença proferida em 16/11/2017, foi homologado o acordo dos progenitores, no sentido do exercício conjunto das responsabilidades parentais referentes às questões de particular importância, da fixação da residência do I (…) com a mãe, de o pai poder visitar o filho sempre que desejar avisando previamente a mãe, e não foi fixado qualquer pagamento ao progenitor a título de pensão de alimentos, por este não ter rendimentos . 3. O I (…) vive com a mãe num apartamento de tipologia T2, com sala, cozinha e casa de banho. 4. O I (…) dispõe de quarto próprio. 5. A requerente trabalha em limpezas por conta de outrem e aufere mensalmente entre 580 e 700 euros. Recebe 41,32 euros de abono de família . 6. Paga 200 euros de renda de casa; 137 euros de consumos domésticos, televisão, telefone e internet; 35 euros de passe; 10 euros de telemóvel; 20 euros de almoços escolares; 14 euros de telemóvel do filho; 70 euros de explicações de matemática e 12,50 euros de rugby. 7. O I(…) frequenta o ensino secundário. 8. O requerido recebe 213,67 euros de RSI e vive com uma companheira e dois filhos. *** Não resultaram provados quaisquer outros factos relevantes. Para dar como assente a factualidade que antecede, o Tribunal atendeu à certidão do assento de nascimento do menor, junta a fls. 4-5 dos autos principais; ao teor da acta de fls. 15-18 desse apenso; e aos relatórios sociais de fls. 78-79 e 99-100 deste processo. *** Cumpre apreciar e decidir : A requerente pretende ver alterado o regime do exercício das responsabilidades parentais do filho no que respeita aos alimentos, sendo que de acordo com a decisão aludida no ponto 2 dos factos provados, o requerido não se encontra obrigado ao pagamento de qualquer prestação alimentar a favor do filho. Nos termos do artigo 42º, nº 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei nº 141/2015 de 8/9, «Quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, … ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal... nova regulação do exercício das responsabilidades parentais» . Assim, a alteração do regime fixado quanto ao exercício das responsabilidades parentais poderá ocorrer em duas situações: em caso de incumprimento do que foi estabelecido; ou quando surgirem circunstâncias, posteriormente a tal regime, que imponham uma sua redefinição. Os pais têm o dever de prestar alimentos aos filhos, encontrando-se os progenitores em igualdade de deveres quanto à manutenção da pessoa do filho (cfr. o artigo 36º da C.R.P.) . Por seu lado, os filhos têm direito a alimentação, alojamento, distracção e cuidados médicos adequados (cfr. princípio IV da Declaração dos Direitos da Criança) . Segundo referem Rui Epifânio e António Farinha, in OT.M. – Contributo para uma Visão Interdisciplinar do Direito de Menores e de Família, p. 307, os alimentos compreendem as necessidades relativas ao sustento (alimentação, saúde e segurança), habitação, vestuário, educação e instrução do menor, conforme artigos 2003º, 1878º, 1879º e 1885º do C.C.. O Juiz, ao determinar o quantum de alimentos a serem prestados, considerará : as necessidades do alimentando, as possibilidades do alimentante e a possibilidade do alimentando prover à sua subsistência. Ou seja, ter-se-á em conta o disposto nos artigos 2003º e 2004º do C.C., mas o Tribunal julgará de harmonia com a equidade, segundo os critérios de um bom pai de família, sendo aplicável aos processos tutelares cíveis a regra do artigo 987º do C.P.C. ex vis o artigo 12º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível. De acordo com a alegação da requerente, justifica-se a fixação de uma pensão de alimentos a cargo do progenitor, dado que o sustento do filho de ambos recai apenas sobre ela e o direito a alimentos é irrenunciável. Porém, além de não ter ocorrido qualquer incumprimento do regime de regulação das responsabilidades parentais em vigor (que nem sequer foi alegado), mantém-se a situação subjacente ao decidido nos autos principais : o requerido continua sem ter rendimentos que lhe permitam pagar o que quer que seja em termos alimentares ao filho que, entretanto, atingiu a maioridade ! Repare-se que o requerido recebe 213,67 euros de RSI, ou seja, praticamente o valor correspondente ao valor da pensão social do regime não contributivo, que é totalmente impenhorável (cfr. o nº 4 do artigo 738º do C.P.C.), e vive com dois filhos menores . Em suma, não se verifica nenhuma das duas situações, acima referidas, em que pode ocorrer a alteração do regime fixado quanto ao exercício do poder paternal : incumprimento do que foi estabelecido ; ou aparecimento de circunstâncias posteriores que imponham uma redefinição do estabelecido. *** Decisão : Pelo exposto, julgo improcedente a presente alteração do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais do Iussufo Fati. Valor da acção : 30.000,01 euros. Custas pela requerente, atendendo-se ao apoio judiciário de que goza. Registe e notifique …»(sic) * Inconformada com tal decisão, veio a requerente interpor o presente recurso que apenas abrange a matéria de direito conforme refere a recorrente, o qual foi admitido como apelação, a subir de imediato, nos autos e com efeito meramente devolutivo. A requerente com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões: «… (…) * Foi proferido despacho de admissão do recurso considerou dever subir de imediato, nos próprios autos e com efeito devolutivo. * Nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre decidir.
II- DO MÉRITO DO RECURSO 1. Definição do objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].
Porque assim, atendendo á estrutura das conclusões das alegações apresentadas pela apelante, resulta que a questão a analisar contende em se determinar se se deve ou não alterar a regulação das responsabilidades parentais quanto aos alimentos.
III- FUNDAMENTOS DE FACTO
Visando analisar o objecto do recurso, cumpre enunciar os factos provados e não provados pelo tribunal a quo, tendo-se, no entanto, em conta que essa enunciação tem natureza definitiva, visto que o recurso não versa sobre a matéria de facto mas apenas de direito.
Nesse contexto, cumpre referir que a sentença recorrida consignou a seguinte matéria de facto:« … Estão assentes os seguintes factos : 1I (…) nasceu em 30/1/2001 e é filho da requerente e do requerido . 2. Por sentença proferida em 16/11/2017, foi homologado o acordo dos progenitores, no sentido do exercício conjunto das responsabilidades parentais referentes às questões de particular importância, da fixação da residência do I (…) com a mãe, de o pai poder visitar o filho sempre que desejar avisando previamente a mãe, e não foi fixado qualquer pagamento ao progenitor a título de pensão de alimentos, por este não ter rendimentos . 3. O I(…) vive com a mãe num apartamento de tipologia T2, com sala, cozinha e casa de banho. 4. O I(…) dispõe de quarto próprio. 5. A requerente trabalha em limpezas por conta de outrem e aufere mensalmente entre 580 e 700 euros. Recebe 41,32 euros de abono de família 6. Paga 200 euros de renda de casa; 137 euros de consumos domésticos, televisão, telefone e internet; 35 euros de passe; 10 euros de telemóvel; 20 euros de almoços escolares; 14 euros de telemóvel do filho; 70 euros de explicações de matemática e 12,50 euros de rugby. 7. O I…) frequenta o ensino secundário. 8. O requerido recebe 213,67 euros de RSI e vive com uma companheira e dois filhos . *** Não resultaram provados quaisquer outros factos relevantes…»(sic).
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IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO
A regulação das responsabilidades parentais, enquanto meio de suprimento da natural incapacidade de exercício de direitos do menor (art. 124º C.C.) deve disciplinar as relações e obrigações dos pais relativamente aos menores em três aspetos fundamentais a) o destino dos menores quanto à fixação da residência habitual e modo de exercício das responsabilidades parentais; b), o regime de convívio entre as crianças e os progenitores; c) os alimentos e a forma de os prestar. O principal critério a ponderar na decisão é a prossecução do superior interesse do menor, o qual compreende a estabilidade emocional e afetiva, a sua segurança material, saúde, educação e cultura, só assim se assegurando o seu desenvolvimento harmonioso e total. As responsabilidades parentais são atribuídas aos progenitores como um fundamental e originário direito com um conteúdo destinado à promoção do bem-estar dos filhos, mas com respeito pela unidade, autonomia e intimidade da vida familiar, isto em conformidade ao disposto nos arts. 1874.º e ss. do C.C., arts. 36.º n.º 3, n.º 5 e n.º 6, 26.º, 43.º e art. 67.º da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.) e arts. 5.º, 9.º e 18.º da Convenção dos Direitos da Criança (C.D.C.). O primado dos interesses da criança é justamente um corolário da moderna conceção filiocêntrica das responsabilidades parentais e do menor como um sujeito privilegiado de direitos: a um integral desenvolvimento físico, intelectual e moral; direito ao respeito pelas suas ligações psicológicas profundas e pela continuidade das suas relações afetivas e familiares e direito a uma identidade, entre outros (cfr. arts. 1874.º, 1878.º, 1882.º e ss., 1997.º do C.C. e arts. 7.º, 9.º, 19.º, 20.º, 27.º da C.D.C.). Em sede do poder-dever de educação (atribuído em primeira linha aos pais, art. 36.º, n.º 3 e n.º 5, da C.R.P e Ato 16 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, bem como arts. 1878.º, 1885.º e 1886.º do C.C.), deverão os pais promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos, tendo a obrigação de lhes assegurar instrução geral e profissional adequada, mas com respeito pela personalidade demonstrada, aptidões e capacidades, sempre também em conformidade ao que forem os seus meios para tal fim. Quanto ao superior interesse do menor, critério que preside às decisões, refere-se tratar-se de um conceito indeterminado que deve ser ajustado à evolução da sociedade em todos os seus aspetos e concretizado em cada caso de acordo com os valores familiares, educativos e sociais dominantes que informam a vivência do menor e as várias comunidades em que simultaneamente se insere. No caso estamos perante um processo de alteração da Regulação das responsabilidades parentais, sendo que o objecto especifico dos autos contende apenas com os alimentos, já que as restantes matérias (modo de exercer as responsabilidades parentais e residência habitual e regime de convivo ou visitas) já se encontram fixadas e não é pedida a sua alteração. Conforme resulta do artigo 42 do RGPTC são pressupostos do pedido de alteração: incumprimento por ambos os pais ou terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada e a ocorrência de circunstancia de facto supervenientes que justifiquem essa alteração. A sentença recorrida alegando inexistir incumprimento ou alteração superveniente das circunstancias julgou a acção improcedente não tendo fixado nenhum valor a titulo de alimentos ao menor. Cumpre referir que no acordo inicial consta que não se fixa pensão de alimentos por o progenitor não ter rendimentos e resulta da sentença que o progenitor aufere 213,67 euros de RSI e nessa medida está demonstrada uma alteração (ausência de rendimentos não é equivalente a um rendimento de 213,67 Euros). Assim, desde logo resulta que se deveria fixar um valor a titulo de alimentos porque o progenitor tem esse rendimento e está provado que o menor frequenta o ensino secundário. No sentido da possibilidade de se alterar a decisão quanto aos alimentos perante a alteração das necessidades do menor e das possibilidades do progenitor, vide o Ac do STJ de 19-5-2011 (disponível na base de dados da DGSI, local de origem de toda a jurisprudência citada sem menção de proveniência). Por outro lado, sempre se deveria fixar uma pensão de alimentos seguindo de resto o entendimento uniforme e unanime do Supremo Tribunal de Justiça, mesmo que se desconheça a situação financeira e social do progenitor ou mesmo que o mesmo não tenha rendimentos nenhuns. No que concerne à obrigação de alimentos esta cabe a ambos os pais. A obrigação de alimentos está regulada nos artigos 2003º e seguintes do CC e os critérios a que deve obedecer a sua fixação estão previstos no artigo 2004º do CC que prescreve que “os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los” e que “na fixação dos alimentos atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência”. Nos termos do disposto no art. 2003 ss. do C.C., deve atender-se, fundamentalmente, às necessidades dos menores (em matéria de sustento, habitação, instrução, saúde e vestuário), que não possam prover à sua subsistência e às possibilidades do obrigado, sendo tal obrigação proporcional aos seus bens e rendimentos. Assim, serão considerados os seus rendimentos, necessidades, encargos familiares ou outros atendíveis, não esquecendo que, se ambos os pais devem contribuir com alimentos, a guarda e cuidados dos filhos é um trabalho com valor económico que não pode deixar de ser atendido na fixação da prestação alimentícia (neste sentido, ver, entre outros, na jurisprudência, o Ac. TRL, de 11-1-94, CJ, Tomo.1,85). Os alimentos, nos termos do art. 2004.º do C.C. são proporcionais aos meios daquele que houver de os prestar e à necessidade do que houver de os receber, sendo que na sua fixação deve atender-se também à possibilidade de o obrigado prover à sua subsistência. Em sede de alimentos é de considerar a obrigação dos progenitores, que são quem em primeira linha tem de os sustentar, sendo uma obrigação natural emergente da procriação e também jurídica, com tutela ao nível constitucional, arts. 36.º, n.º 5. da C.R.P. No caso dos autos verifica-se que o progenitor aufere 213,67 euros de Rendimento de Inserção e vive com uma companheira e dois filhos e que o menor estuda no ensino secundário e tem sido sustentado unicamente pela sua mãe. Não tem sido uniforme o entendimento jurisprudencial, quanto à questão de saber se o legal dever parental de contribuir com alimentos para o sustento dos filhos menores deve sempre ser fixado pelo Tribunal, mesmo nas situações em que nada se haja apurado acerca da vida social e profissional do progenitor vinculado à prestação de alimentos. Conforme refere Tomé d’Almeida Ramião (in Regime Geral do Processo Tutelar Cível, 2018, pág. 141 e ss) têm-se discutido na jurisprudência a questão de saber se, no âmbito da regulação das responsabilidades parentais, deve ser fixada prestação de alimentos a cargo do progenitor, ainda que se ignore a sua situação económica e social ou em que se apure não auferir rendimentos. Para uma corrente jurisprudencial, a fixação da pensão de alimentos não é obrigatória nas decisões que regulam o exercício das responsabilidades parentais, sempre que o obrigado não tiver quaisquer meios para cumprir esse dever de prestar alimentos (vide neste sentido, o Ac RL de 05.05.2011 (Pº 4393/08.3TBAMD.L1-2). Para outra corrente jurisprudencial, o Tribunal deve sempre proceder à fixação de alimentos a favor do menor, ainda que desconheça a concreta situação da vida do obrigado a alimentos, visto que o interesse do menor sobreleva a questão da indeterminação ou do não conhecimento dos meios de subsistência do obrigado a alimentos, cabendo a este o ónus da prova da impossibilidade total ou parcial de prestação de alimentos (vide, neste sentido, Ac da RL de 09.11.2010 (Pº 6140/07.8TBAMD.L1-1). Igualmente, vide o Ac RL 1343/12.6TCLRS-A.L1-1, Relator: JOÃO RAMOS DE SOUSA de 05-04-2016:«Sumário: O art. 2004 do Código Civil, não pode ser interpretado no sentido de isentar os pais de prover à subsistência dos filhos enquanto não se apurarem completamente os seus rendimentos – interpretação que não é consentida pelo princípio jurídico da responsabilidade parental com o sustento dos filhos (art. 1878-1 do Código Civil), o princípio do interesse superior da criança (art. 27-2 da Convenção dos Direitos da Criança) e o princípio fundamental da proteção às crianças (arts. 69 e 70 da Constituição). E vide o Ac da RC 648/12.0TBTNV-A.C1 , Relator: MOREIRA DO CARMO, de 12-03-2013:«Sumário: O tribunal deve proceder à fixação de alimentos a favor do menor, ainda que o respectivo progenitor esteja temporariamente desempregado ou se desconheça a concreta situação de vida desse progenitor obrigado a alimentos.». Mas a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem unanimemente defendido que o tribunal deve fixar a prestação alimentar a favor do menor, a suportar pelo progenitor, até mesmo quando se desconhecem o paradeiro e condições sócio-económicas deste ou até quando se apure não auferir rendimentos nomeadamente por estar desempregado (vide o AC STJ de 12-7-2011). Para outros desenvolvimentos e neste sentido , vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo:1015/11.9TMPRT.P1.S1, Relator: LOPES DO REGO de 08-05-2013:«Sumário : O tribunal deve proceder à fixação de alimentos a favor do menor, ainda que se desconheça no processo a concreta situação de vida de um dos progenitores obrigado a alimentos, num caso em que se não vislumbra a existência de responsáveis subsidiários pela dívida alimentar, já que o interesse fundamental do menor sobreleva a indeterminação factual dos meios de subsistência do obrigado a alimentos – cabendo às instâncias, através do recurso a presunções naturais e a juízos de equidade, estabelecer um patamar mínimo de rendimento presumível, com base no qual fixarão a contribuição a cargo do progenitor ausente, a suportar efectivamente pelo Fundo de Garantia de Alimentos a Menores.». E vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo: 2485/10.8TBGMR.G1.S1, Relator: GABRIEL CATARINO 22-05-2013:« Sumário : I - A lei estabelece uma obrigação legal, a cargo dos pais, de contribuírem para o sustento dos filhos, a qual decorre do estabelecimento de uma relação natural ou biológica constituída e tutelada pelo direito, a relação paternal. II - Independentemente do interesse do menor e para além dele, a lei constitui uma obrigação de prestação de alimentos que não se compadece com a situação económica ou familiar de cada um dos progenitores, não colhendo a tese de que não tendo o progenitor condições económicas para prover ou materializar o conteúdo do direito definido, se deva alienar o direito e aguardar pela superveniência de um estado económico pessoal que lhe permita substanciar, no plano fáctico-material, a exigência normativa que decorre da sua condição de progenitor. III - A essencialidade de que se reveste para o interesse do menor a prestação alimentar impõe ao tribunal que lhe confira o necessário conteúdo, não se podendo dar, e ter, por satisfeita pela constatação da falta de elementos das condições económicas do progenitor requerido, particularmente se por ausência deste em parte incerta ou de colaboração sua. IV - É pressuposto necessário, etapa prévia indispensável da intervenção subsidiária do FGADM, que a pessoa visada, para além de estar vinculada por lei, à obrigação de alimentos, tenha ainda sido, judicialmente, condenada a prestá-los ao menor, em consequência de uma antecedente decisão, mesmo que não transitada em julgado. V - A abstenção ou demissão do tribunal da obrigação/dever de definir o direito a alimentos, que é medida e equacionada em função das necessidades do menor e das condições do obrigado à prestação, conduzirá a uma flagrante e insustentável desigualdade do menor perante qualquer outro, que tenha obtido uma condenação do tribunal ao pagamento de uma prestação alimentar e que o obrigado, inicialmente capaz de suportar a prestação, deixou momentaneamente de a poder prestar.». Para outros desenvolvimentos e no mesmo sentido, vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 2909/15.8T8FAR-A.E1.S1 Relator: ROSA RIBEIRO COELHO de 04-10-2018:«Sumário : I – Em processo para regulação do exercício das responsabilidades parentais, quando, estando presentes ou representados ambos os pais na conferência, estes não cheguem a acordo que seja homologado, a lei impõe ao juiz a prolação de decisão provisória e cautelar. II – Nesta decisão deverá ser fixada a pensão de alimentos a pagar pelo progenitor não guardião, ainda que se desconheça a sua concreta situação económica.».
Igualmente, Remédio Marques (in Algumas Notas Sobre Alimentos Devidos a Menores, 2. Ed. 72) considera que se deve sempre fixar alimentos independentemente dos recursos económicos do progenitor porque se trata de um direito obrigatório e respeita os interesses do menor. Resulta que se adere a este entendimento desde logo porque para se accionar a intervenção do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menor, é necessário existir uma condenação judicial que fixe alimentos e nessa medida se não se fixarem os alimentos existe uma penalização ao menor que o impede de recorrer ao fundo. A solução da sentença recorrida deve ser revogada dado que a mesma ao não fixar alimentos implica uma dupla sanção ao filho do recorrido que o impediria de recorrer ao Fundo de garantia de alimentos e de se fixar o dever de o seu progenitor lhe prestar alimentos. Face à jurisprudência unânime do Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que, na acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais, deverá ser fixada pensão alimentar, ainda que seja desconhecida a concreta situação económica do obrigado a alimentos E, assim sendo, considera-se que se impõe a fixação de uma prestação mensal a favor da menor, a título de alimentos, já que justificada está a sua necessidade visto que o mesmo estuda no ensino secundário e a sua mãe ganha de forma variável a quantia entre 580 a 700 euros nas limpezas e gasta 200 euros de renda de casa, 137 euros de consumos domésticos, 70 euros em explicações, 12,0 euros no rugby e 35 euros no passe e 10 euros de telemóvel. Destarte, e atendendo às demonstradas necessidades da menor, e dado que o seu progenitor aufere o valor de 213,67 euros e vive com uma companheira e tem dois filhos, na fixação do montante, ponderar-se-á com equidade, fixando-se a pensão no valor de 75 euros a título de alimentos, a prestar pelo requerido, a favor da menor a partir do pedido de alteração da regulação. Verifica-se, por outro lado que quando se instaurou esta acção o filho do requerido era menor mas na pendência do processo atingiu a maioridade, sendo que todavia a prestação de alimentos fixada se mantem como obrigação do devedor mesmo para além dos 18 anos, cessando só quando o filho complete 25 anos ou quando o projecto educacional estiver cessão antes dos 25 anos, ou quando o filho interromper a formação ou quando o obrigado aos alimentos fizer prova da irezoabilidade da sua exigência. Segundo o art. 1905.º, n.º 2, na redacção introduzida pela Lei n.º 122/2015, de 1.09, para efeitos do disposto no art. 1880.º, entende-se que a pensão de alimentos estabelecida durante a menoridade do filho mantém-se para depois da maioridade e até que este complete 25 anos de idade, salvo se o respectivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência. Com a introdução desta norma ficou definitivamente assente que a pensão de alimentos fixada durante a menoridade do filho, designadamente no âmbito da regulação do exercício das responsabilidades parentais12, não cessa, ipso facto, com a maioridade deste, o que até então era controvertido na doutrina e na jurisprudência. Se a acção destinada à fixação de alimentos estiver pendente no momento em que o filho atinge a maioridade, a mesma deve concluir-se, mantendo-se a legitimidade indirecta do progenitor com quem aquele convive ( (vide Gonçalo Oliveira Magalhães Revista Julgar, Online, março de 2018). Igualmente neste sentido, vide o Ac da RL processo 1389-14.0T8CSC-I.L1 – 2, Relator: MARIA JOSÉ MOURO de 08-06-2017, Sumário: I – Em processo de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais em que também é pretendida a alteração da pensão de alimentos, a maioridade dos jovens não conduz à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, antes se justificando no caso o seu prosseguimento com vista à decisão sobre o pedido de alteração da prestação alimentícia, uma vez que a sentença que altera o montante dos alimentos produz efeitos a partir da data de formulação do pedido de alteração…». E vide o Ac da RL, Relator: MANUEL RODRIGUES, de 11-04-2019:«Sumário: I - Se o filho menor a favor de quem foi fixada a pensão de alimentos atingir a maioridade na pendência da acção de regulação das responsabilidades parentais, a obrigação dos pais proverem ao sustento e educação do filho mantém-se até que este complete o seu processo de educação e formação profissional ou 25 anos de idade. II - Assim, a acção de regulação do exercício de responsabilidades parentais, na qual é pedido o reconhecimento do direito a alimentos a favor de filho menor, deve prosseguir os seus termos, para esse efeito, mesmo depois deste ter atingido a maioridade, não ocorrendo, nesta parte, inutilidade superveniente da lide.».
Procede, por conseguinte, apelação, pelo que se revoga a sentença recorrida que não fixou alimentos devidos ao menor, substituindo-se por outra, na qual se fixa em € 75,00 Euros, a pensão a título de alimentos, a prestar ao menor, pelo requerido, quantia que será actualizada anualmente de acordo com os índices de inflação publicados pelo INE.
Pelo exposto, conclui-se que o presente recurso de apelação terá, por conseguinte, de proceder.
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III- DISPOSITIVO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, revogando-se integralmente a decisão, e nessa medida condena-se o requerido/recorrido a pagar a prestação de alimentos no valor de 75 euros mensais, a entregar á mãe/recorrente, por deposito em conta ou transferência bancária para conta titulada pela mãe, a indicar por esta nestes autos no prazo de cinco dias, com efeitos a partir da data de formulação do pedido de alteração, sendo o valor da prestação de alimentos actualizado anualmente por aplicação da taxa de inflação apurada pelo Instituto nacional de Estatística em relação ao ano anterior. Custas a cargo do recorrido (art. 527º, nºs 1 e 2).
Coimbra, DS
Ana Vieira ( Relatora ) Carvalho Martins Carlos Moreira
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