Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
77/10.0TTCTB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
ENTIDADE PATRONAL
INTERVENÇÃO PRINCIPAL
LEGITIMIDADE
VIOLAÇÃO
REGRAS DE SEGURANÇA
Data do Acordão: 04/24/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 79º, Nº 3 DA LEI Nº 98/2009, DE 04/09 (NLAT); 321º, Nº1 DO CPC.
Sumário: I – Actualmente, no caso de se verificar que não foram observadas normas sobre segurança no trabalho, a seguradora não responde apenas subsidiariamente. Responde por via principal perante o sinistrado ou beneficiário, assistindo-lhe direito de regresso sobre aquele que não observou as regras sobre segurança no trabalho.
II – Á entidade empregadora do sinistrado a quem se imputa a violação de normas sobre a segurança no trabalho não assiste legitimidade para intervir na acção de acidente de trabalho como parte principal, na medida em que, atento o disposto no nº 3 do artº 79º, nº 3 da NLAT, quem pode e deve ser condenado nessa acção é a seguradora e não o empregador.

III – A intervenção deste é meramente acessória, não assumindo a qualidade de parte principal mas sim o estatuto de assistente – artº 323º, nº 1 do CPC.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I O FUNDO DE ACIDENTES DE TRABALHO, gerido pelo ISP, com sede na AVª da República nº 59º - Lisboa instaurou a presente acção especial emergente de acidente de trabalho contra COMPANHIA DE SEGUROS A..., SA, com sede na (...) Lisboa pedindo que seja declarado como de trabalho o acidente sofrido por B... e a ré condenada a pagar-lhe a quantia de € 26.481,00.
Alegou que o dito A... sofreu um acidente de trabalho quando trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização de C...., Lda, com sede em (...) Sertã.
Desse acidente resultou a morte do dito A..., que faleceu no estado de solteiro sem deixar familiares com direito a pensões por morte, não tendo comparecido qualquer beneficiário legal nos termos do artigo 104º nºs 4 e 5 do Cód. Proc. Trabalho.
Daí que tenha o FAT direito a uma importância igual o triplo da retribuição anual da vítima em conformidade com o disposto no artigo 63º da Lei 98/09 de 04/09, que reclama da ré por a responsabilidade infortunística para esta estar transferida através de contrato de seguro.
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Na contestação, a ré veio alegar que o acidente se ficou a dever a violação de normas de segurança no trabalho por parte da entidade patronal do sinistrado e requereu a intervenção desta ao abrigo do disposto nos artºs 79º nº 3 da Lei 98/09 e 321º nº 3 do Cód. Proc. Civil.
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II – O tribunal “a quo” não admitiu a intervenção nos termos e com os fundamentos do despacho que a seguir se transcreve:
“Na contestação, veio a Ré seguradora requerer a intervenção provocada da entidade empregadora, a " C...s, Leia", com sede no Fundão, porquanto, refere, o acidente de trabalho dos autos e a morte do sinistrado deveram-se a violação das normas de segurança no trabalho pela empregadora e segurada da Ré, sobre a qual tem direito de regresso pela quantia que venha a ter de pagar ao A em consequência do acidente.
Cumpre apreciar e decidir.
Estabelece o nº 1, do artigo 127° do CPT, que "Quando estiver em discussão a determinação da entidade responsável, o juiz pode, até ao encerramento da audiência, mandar intervir na acção qualquer entidade que julgue ser eventual responsável, para o que é citada ( ... )".
Como refere Abílio Neto (C.P.T. anotado, 4ª edic., pg. 254) Por "responsável" ou "entidade responsável' entende-se "a entidade à qual é imputável a responsabilidade pelo acidente ou pela sua reparação (artigo 2º do DL 143/99, de 30- 4), ou seja, o empregador ou a seguradora para quem ele tenha validamente transferido a sua responsabilidade infortunística, e não terceiros que possam ser responsáveis pela produção do acidente, eventualmente demandáveis em vias de regresso (artigo 31º 4º da Lei 100/2007, de 13-9).
No caso que nos ocupa, o A (o FAT) limitou o seu pedido à importância aludida no artigo 63° da NLAT, ou seja, uma importância igual ao triplo da retribuição anual. Tal quantia encontra-se dentro dos limites da apólice de seguro em causa nos autos. Destarte, a empregadora transferiu a sua responsabilidade para a R seguradora (artigo 79º da NLAT) e o A não demandou a empregadora nos presentes autos. Donde, a empregadora, no presente processo, nunca seria condenada no pagamento de tal importância, mesmo que a seguradora lograsse provar a violação de regras de segurança por banda da empregadora, nem tal situação, a provar-se, desresponsabilizará a Ré seguradora da sua obrigação de satisfazer o pagamento de tal prestação (artigo 79º/3 da NLAT). O direito de regresso que lhe poderá assistir há-de ter que ser accionado contra a segurada, a empregadora, mas numa outra acção judicial.
Em suma, pelas razões mencionadas, não admito o suscitado incidente de intervenção principal provocada”.
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III. Não se conformando com esta decisão dela a seguradora veio apelar alegando e concluindo:
[…]
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Não houve contra alegações e Exmº PGA entendeu não ser de emitir parecer.
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Corridos os vistos cumpre decidir
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IV – Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões, sem prejuízo do conhecimento de questões que a lei imponha, a questão a decidir na presente apelação consiste em saber se é de admitir a intervenção da entidade patronal do sinistrado
Considerando a data da ocorrência do acidente - 09-03-2010 – é aplicável a LAT aprovada pela Lei 98/09 de 04/09.
No regime anterior a esta Lei e também no domínio da Lei 2127, entendia-se que, quando se invocava ter o acidente sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante ou quando a sua eclosão tivesse resultado da falta de observância das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho (artigo 18º da Lei 100/97 de 13/09) - caso em que a empregadora responderia pela reparação e de forma agravada e a seguradora apenas subsidiariamente pelas prestações normais (artigo 37º nº 2 da mesma Lei) - podia a entidade responsável pela violação (desde que esta fosse entidade empregadora ou seguradora) intervir nos autos de acidente de trabalho quando não demandada.
Já não quando a culpa na eclosão do evento infortunístico tivesse sido de um terceiro alheio à relação juslaboral pois que conforme se lê no Ac desta Relação de Coimbra de 07/02/2002, consultável em Acidentes de Trabalho, Jurisprudência 2000-2007, págªs 456 e 457 “no âmbito desta jurisdição especializada a reparação das consequências infortunísticas de um acidente de trabalho só pode ser pedida ao empregador (ou à seguradora para quem tenha validamente transferido a respectiva responsabilidade) independentemente de ter havido ou não culpa sua”.
No mesmo sentido pode ver-se o Ac. da mesma Relação, ob. cit págªs 459 a 461.
No domínio da legislação anterior, no caso do demandado ter alegado que o acidente resultou da inobservância de normas sobre segurança no trabalho, a intervenção no processo do pretenso violador (desde que não alheio à relação laboral) devia até ser ordenada oficiosamente (artigo 127º nº 1 do Cód. Proc. Trabalho) na medida em que, a provar-se essa violação, deve esse violador ser condenado em via principal e de forma agravada pela reparação do acidente no processo de acidente de trabalho, nos termos do nº 2 do artigo37º da Lei 100/97 que dispõe que “verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18º nº 1, a responsabilidade nela prevista recai sobre a entidade empregadora, sendo a instituição seguradora apenas subsidiariamente responsável pelas prestações normais previstas na lei”.
Na Lei 98/09 de 04/09 este regime deixou de existir.
A norma equivalente (nº 3 do artigo 79 da NLAT) dispõe que “verificando-se alguma das situações previstas no artigo 18º, a seguradora satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso
Actualmente, a seguradora no caso de se verificar que não foram observadas normas sobre segurança no trabalho, não responde apenas subsidiariamente. Responde por via principal perante o sinistrado ou beneficiário, assistindo-lhe direito de regresso sobre aquele que não observou as regras sobre segurança no trabalho.
Ora, dispõe o artigo 321º nº 1 do Cód. Proc. Civil que “o réu que tenha acção de regresso contra terceiro para ser indemnizado pelo prejuízo que lhe causa a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir com parte principal”.
No caso, o pretenso violador das normas sobre segurança é a entidade empregadora do sinistrado e não um terceiro alheio a essa relação. Por esse motivo, e na sequência da jurisprudência referida, nenhum óbice se vislumbra para que não possa intervir nos presentes autos.
Por outro lado, não lhe assiste legitimidade para intervir nos autos como parte principal na medida em que, atenta o disposto no nº 3 do artigo 79º nº 3 da NLAT, quem pode e deve ser condenado na acção emergente do acidente é a seguradora e não o empregador.
A sua intervenção é meramente acessória, não assumindo a qualidade de parte principal mas sim o estatuto do assistente (nº 1 do artigo 323º do Cód.Proc. Civil); sobre ele não incidirá qualquer condenação, apenas constituindo a sentença que vier a ser proferida caso julgado com o alcance previsto nos artigos 323º nº 3 e 332º do Cód. Proc. Civil.
Por fim, como o acidente ocorreu quando o sinistrado se encontrava ao serviço do empregador e, atribuindo-se a este a violação de regras sobre segurança, será ele o melhor colocado para discutir essa pretensa violação, ou seja, para auxiliar a ré na defesa.
Consequentemente, não vislumbramos impedimento legal para que não seja a admitida a requerida intervenção.
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III- DECISÃO
Termos em que delibera julgar procedente a apelação em função do que, na revogação do despacho recorrido, se decide admitir a intervenção acessória da empregadora do sinistrado, devendo aquela ser citada nos termos do disposto no artigo 323º nº 1 do CPC, seguindo-se os ulteriores termos até final.
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Custas a cargo do recorrido.
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Coimbra, 24 de Abril de 2014
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(Joaquim José Felizardo Paiva - Relator)
(Jorge Manuel da Silva Loureiro)
(José Luís Ramalho Pinto)