Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
11/14.9S1LSB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: DEPOIMENTO INDIRECTO
RECUSA DE DEPOIMENTO
PARENTE
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
Data do Acordão: 10/19/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (INSTÂNCIA LOCAL DE MOIMENTA DA BEIRA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 11.º, N.º 2, AL. A), DO CP; ARTS. 127.º, 128.º, 129.º E 134.º, DO CPP; ARTS. 2.º, N.º 5, AL. L), E 86.º DA LEI N.º 5/2006 DE 23-02
Sumário: I - As proibições de prova são barreiras colocadas à investigação dos factos que constituem objecto do processo, portanto, limites criados à descoberta da verdade, entre as quais se conta o depoimento indirecto, nas suas formas não admissíveis.

II - Não tendo o depoimento indirecto obedecido aos pressupostos enunciados, o art. 129.º, n.º 1 do CPP interdita a sua utilização como meio de prova, estabelecendo uma proibição de prova.

III - Resultando, nos termos imputados, a responsabilidade criminal da sociedade arguida do cometimento do crime por quem, em seu nome e no interesse colectivo, ocupa uma posição de liderança, o co-arguido, seu legal representante, não se suscitam dúvidas quanto a os factos objecto do processo contenderem, necessariamente, com a responsabilidade penal deste, relativamente ao crime por cuja prática foram ambos pronunciados.

IV - Assim sendo, não obstante a inexistência de qualquer relacionamento subsumível à previsão do n.º 1 do art. 134.º do CPP, relativamente à sociedade arguida e testemunha (…), o grau de parentesco existente entre ele e o arguido, face aos factos imputados, torna legítima a recusa de depoimento da testemunha.

V - A detenção de arma proibida é um crime comum, de perigo abstracto e de mera actividade, cujo bem jurídico tutelado é a ordem, segurança e tranquilidade pública ou seja, a segurança da comunidade, face aos riscos da livre circulação e detenção de armas proibidas, para o qual o legislador estabeleceu várias molduras penais, em função do grau de perigosidade dos materiais e instrumentos que constituem o seu objecto.

VI - Estando provado que no dia 9 de Abril de 2014, pelas 10h, na pedreira explorada pela sociedade arguida, da qual era gerente o arguido, foi apreendido um quilograma de pólvora e trinta metros de rastilho, destinados a ali serem utilizados, não tendo qualquer dos arguidos autorização para deterem tais produtos, sabendo o arguido que as substâncias, que, neste circunstancialismo, detinha, tinham capacidade explosiva, sabendo que tal detenção estava sujeita a licenciamento administrativo, querendo tal detenção, agindo sempre de forma livre, deliberada e consciente, em nome da sociedade arguida, e sabendo ainda que a sua conduta era proibida e punida por lei, dúvidas não restam de que estão preenchidos todos os elementos do tipo objectivo e subjectivo do crime em referência, em relação a ambos os arguidos, tendo em conta o disposto no art. 11.º, n.º 2, a) do CP.

Decisão Texto Integral:






Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

 

I. RELATÓRIO

            No Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Moimenta da Beira – Instância Local – Secção de Competência genérica – J1, mediante despacho de pronúncia, foram submetidos a julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, os arguidos A...., Lda. e B...., com os demais sinais nos autos, a quem era imputada a prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts. 2º, nº 5, l) e 86º, nº 1, a), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro (na redacção da Lei nº 53/2013, de 27 de Julho e por referência ao Dec. Lei nº 376/84, de 30 de Novembro) quanto ao arguido, e p. e p. pelos arts. 2º, nº 5, l), 86º, nº 1, a) e 95º da Lei nº 5/2006 de 23 de Fevereiro (na redacção da Lei nº 53/2013, de 27 de Julho e por referência ao Dec. Lei nº 376/84, de 30 de Novembro) quanto à sociedade arguida. 

            Por sentença de 29 de Setembro de 2015 foram os arguidos absolvidos da prática dos imputados crimes.


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            Inconformada com a decisão, recorreu a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            I – O Tribunal a quo não valorou o depoimento das testemunhas D.... e E....da PSP – porquanto entendeu que o seu depoimento se baseou nos elementos que obtiveram no local através de C.... (também conhecido por C.... e irmão do arguido B....) e, por força dessa relação familiar, tendo o irmão do arguido recusado prestar depoimento, em audiência de julgamento, considerou a M.ma Juíza a quo que atender ao depoimento daqueles polícias violaria o disposto nos arts. 356º, nº 6, 129º, nº 1 e 3 e 355º, nº 1 do CPP.

II – Ora, salvo o devido respeito, a M.ma Juíza labora em erro de raciocínio jurídico na aplicação das mencionadas normas, pois se é verdade que a testemunha C.... é irmão do arguido B...., tal não sucede quanto à sociedade arguida A...., ou seja, C.... não é irmão da sociedade arguida, não estando sequer em causa a violação do disposto no art.º 356º, nº 6 do CPP.

III – Ao não valorar o depoimento dos polícias, o Tribunal a quo violou o disposto nos art.º 125º, 127º, 128º e 355º do C.P.P, porquanto tal prova não era proibida, ao contrário do alegado na sentença, e nessa decorrência, deverá o julgador analisar tais depoimentos e, conjugando-os com a restante prova testemunhal e documental produzida, concluir se poderia dar como provados os factos constantes da acusação pública, o que não fez e a tal estava obrigado.

IV – Do erro notório na apreciação da prova: Da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente, do depoimento prestado pela testemunha F...., a M.ma juíza a quo refere na sentença proferida que a testemunha F.... disse "possuir uma casa perto da pedreira em causa, e sendo que há já alguns anos a empresa arguida a explorava, pedindo-lhe várias vezes para proceder ao tratamento dos explosivos, tendo em conta que o mesmo possui a formação para tal." Para logo a seguir dizer que a mesma testemunha afirmou que a empresa era do arguido B...., mas não tinha a certeza, sendo que tratava sempre de tudo com C..... Não obstante o depoimento desta testemunha ter-se apresentado, tal como a nós, como sincero, concluiu o julgador que a direcção fáctica ocorria sob as ordens de C...., irmão do arguido.

V – Ora do depoimento da referida testemunha (transcrito nas alegações que antecedem – fls. 4 a 6) verifica-se que a testemunha, a testemunha não disse que possuía uma casa, mas sim um barraco/terreno “encostadinho” à pedreira, que conhecia a empresa arguida e o arguido, que C.... (conhecido pela testemunha como C....) era irmão do arguido B.... e que as suas funções eram as de encarregado da obra, afirmando sempre que o gerente da sociedade arguida era o Sr. B.... e que, no momento da apreensão, dos explosivos, também o era. Em momento algum a testemunha referiu que não tinha a certeza se B.... era o gerente da empresa arguida A....ou que o C.... ( C....) era quem explorava aquela pedreira – cfr. minuto 4.20 a 6.55 da prova áudio digital atrás transcrito.

VI – Não foi produzida qualquer outra prova que infirmasse que aquela pedreira fosse explorada pela A...., cujo gerente é o arguido B.....

VII – Deverá, pois, ser alterada na matéria dada como provada toda a matéria constante da acusação pública e que consta na sentença como matéria não provada nas als. A a F).

IX – Assim, foram violadas as disposições constantes nos arts. 125º, 127º, 128º e 355º todos do Código Processo Penal, pelo que deverá o julgador proferir nova sentença em que valore toda a prova produzida em audiência de julgamento, designadamente, o depoimento das testemunhas D.... e E.....

Nestes termos que Vªs Exªs doutamente suprirão, deve determinar-se que o Tribunal recorrido profira nova sentença, devendo para o efeito valorar o depoimento de todas as testemunhas que prestaram depoimento em audiência de julgamento, porquanto não existe qualquer proibição de prova ao atender ao depoimento das testemunhas D.... e E....e, consequentemente, condenar as arguidas pelo crime pelo qual foram acusadas.

Contudo, V. Exas decidindo farão, uma vez mais, a costumada JUSTIÇA!


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            Respondeu ao recurso o arguido, alegando que não estava no local dos factos nem para aí foi convocado, que o auto de notícia refere como suspeito C...., que o auto de apreensão refere que o material explosivo a este foi apreendido, que o auto de destruição refere como presente o mesmo C...., que o depoimento das testemunhas agentes policiais é indirecto pois o que sabiam foi adquirido através do C.... que, por seu turno, recusou depor nos termos do art. 134º do C. Processo Penal pelo que, não podendo tais depoimentos ser valorados, é evidente a ausência total de prova contra si, e concluiu pelo não provimento do recurso.

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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador da República emitiu parecer, acompanhando os fundamentos da motivação do recurso e concluiu pela procedência do recurso.

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            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pela Digna Magistrada recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

- A indevida consideração de proibição de valoração de prova relativamente aos depoimentos dos OPC;

- O erro notório na apreciação da prova;

- O erro de julgamento e a incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto;

- A qualificação da conduta e suas consequências.


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            Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevante consta da sentença recorrida. Assim:

            A) Nela foram considerados provados os seguintes factos:

            “ (…).

            1. No dia 9 de Abril de 2014, pelas 10h, na pedreira designada “ (...) ”, na freguesia de (...) , concelho de Moimenta da Beira, na sequência de uma acção de fiscalização da Brigada da Divisão de Investigação do Departamento de Armas e Explosivos da PSP foi encontrado:

- 1 (um) quilograma de Pólvora negra comprida 2P 1.1 D e

- 30 (trinta) metros de Rastilho (cor verde) 1.4S;

2. A sociedade arguida e o arguido B...., à data não possuíam qualquer autorização para deter, usar e armazenar qualquer engenho explosivo civil.

[No mais se provou:]

3. O arguido B.... não estava presente no local, sequer, na data referida em 1.

[Das condições económicas, sociais e pessoais:]

4. O arguido B.... encontra-se, na presente data, desempregado.

5. O arguido B.... possui os seguintes antecedentes criminais registados:

a) Condenação, por sentença transitada em julgado em 26-04-2013, no proc.3384/12.4IDPRT no 1º Juízo do Tribunal Judicial do Marco de Canavezes, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de 6,00 €, num total de 900,00 €, pela prática em 07-04-2012 do crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo art.º 105º do RGIT.

b) Condenação, por sentença transitada em julgado em 26-11-2014, no proc.6778/11.9IDPRT no J5 da Secção Criminal da Instância Local do Tribunal da Comarca do Porto, na pena de 210 dias de multa, à taxa diária de 5,00€, num total de 1050,00 €, pela prática em 2012 do crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo art.º 30º nº 2 do C.P. e 105º nº 1 do R.G.I.T.

6. A arguida A....Lda não possui antecedentes criminais registados.

7. A arguida A....Lda encontra-se, actualmente, em fase de liquidação.

(…)”.

B) Nela foram considerados não provados os seguintes factos:

            “ (…).

A. A pedreira designada “ (...) ”, no citado dia, era explorada pela sociedade “ A...., Lda.”, representada pelo arguido B.... e o material lá encontrado estava destinado a ser utilizado na pedreira.

B. Sabia o arguido que a pólvora e o rastilho que tinha consigo continham produto explosivo e que tinham capacidade explosiva.

C. Sabia, de igual modo, que não podia deter, usar e armazenar qualquer engenho explosivo civil sem a respectiva autorização, e, não obstante isso, quis detê-los nas circunstâncias descritas.

D. Mais sabia o arguido que a detenção dos explosivos civis que tinha consigo está sujeita a licenciamento administrativo, de que o mesmo e a sociedade não eram titulares, e que, por isso, não podiam deter tais materiais.

E. O arguido actuou sempre de forma deliberada, livre e consciente, agindo em nome e no interesse da sociedade “ A...., Lda.”.

F. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

G. São várias as empresas que exploram a mesma pedreira, pelo que poderia ter sido qualquer outra pessoa (ao serviço dessas empresas) a praticar os factos no dia descrito na acusação.

(…)”.

C) E dela consta a seguinte motivação de facto:

“ (…).

A convicção do Tribunal para a determinação da matéria de facto dada como provada, fundou-se na ponderação da prova produzida em audiência de julgamento, a qual foi apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, nos termos do art.º 127º do C.P.P., bem como, auto de apreensão, de fls. 6 e 7; auto de destruição, de fls. 8 a 9; registo fotográfico, de fls. 10 a 16; certidão permanente da sociedade arguida, de fls. 287; certificado de registo criminal dos arguidos, de fls. 68, 69 e 90; informação da PSP, departamento de armas e explosivos, de fls. 85, quanto à falta de autorização para exploração, pelos arguidos, para detenção, uso e armazenamento de qualquer engenho explosivo civil – ponto 2 – sendo que, a autorização junta aos autos pelo arguido a fls.,253 a 257 é posterior à data dos factos (o despacho de autorização é de 28-01-2015).

O arguido declarou não prestar declarações, nos termos do art.º 343º nº 1 do C.P.P. pelo que a essencialidade da convicção probatória consistiu na prova testemunhal produzida, nomeadamente, nos depoimentos das testemunhas D...., 37 anos de idade, chefe de polícia da PSP no Departamento de Armas e Explosivos e E...., agente da PSP em Lisboa, 45 anos de idade – os quais integraram a equipa de fiscalização responsável pela operação no âmbito da qual se procedeu à apreensão dos explosivos na pedreira – bem como, F...., 42 anos de idade, pedreiro, chamado pelos OPC ao local, para efeitos de proceder à destruição do material explosivo – cujos depoimentos foram prestados de modo isento e claro, merecedor de credibilidade.

Os depoimentos dos OPC supra referidos relevaram para efeitos de confirmação das características do material constante do auto de apreensão – cuja elaboração esteve a cargo dos dois membros da PSP – bem como, o local de apreensão do mesmo – pedreira designada “ (...) ”, na freguesia de (...) , concelho de Moimenta da Beira – evidenciada ainda pelo suporte fotográfico de fls.10 a 16 – ponto 1 da matéria de facto.

Os mesmos relataram ainda que, na data da apreensão, havia sido combinada, por via aleatória, uma operação policial de fiscalização à exploração ilegal de pedreiras, tendo sido seleccionada a zona de Viseu, razão pela qual se deu a escolha pela pedreira referida em 1 da matéria de facto.

Referiram ainda que, chegados ao local, encontraram uma pedreira com sinais de extracção de pedra, com recurso a explosivos, cujo material explosivo encontraram.

Relataram ainda que não encontraram nenhuns sinais exteriores de licenciamento de exploração do local, nomeadamente, o alvará, nem ainda nenhum representante legal da empresa, com excepção do encarregado de obras.

Referiram ainda que, em diligências no local, obtiveram informação acerca da empresa exploradora do local, a aqui arguida nos autos.

Tais informações teriam sido prestadas pelo encarregado de obra, C...., 42 anos de idade, manobrador de máquinas, irmão do arguido B.....

Esta testemunha, em sede de audiência recusou-se a depor, nos termos do art.º 134º nº 2 do C.P.P. Assim sendo, tais informações obtidas pelos OPC encontram-se abrangidas pela proibição de valoração de prova, nos termos análogos ao do art.º 356º nº 6 e 129º nº 1 e 3 e 355º nº 1 do C.P.P.

Identicamente, no tocante à testemunha F...., pedreiro, o mesmo depôs – de modo isento e merecedor de credibilidade – possuir uma casa perto da pedreira em causa, sendo que, há já alguns anos a empresa arguida a explorava, pedindo-lhe várias vezes para proceder ao tratamento dos explosivos, tendo em conta que o mesmo possui a formação para tal.

O pagamento por tais serviços ocorria em troca de pedra. Relatou que, ao longo de todo o período – que fixa em cerca de 15 anos – negociou sempre com o pai do arguido e posteriormente com o seu irmão, C.....

Quando questionado afirmou achar que a empresa era do arguido B...., mas não tinha a certeza, sendo que tratava sempre de tudo com C.....

Não obstante a credibilidade que nos mereceu o depoimento da testemunha – depôs sempre de modo sincero e não obstante a relação profissional com as partes, não foi evidente a tentativa de deturpação de quaisquer factos – certo é que, da mesma resultou indiciado, cremos, a existência há vários anos de uma exploração não licenciada da referida pedreira, mas cuja direcção fáctica ocorria sob as ordens de C...., irmão do arguido.

Porém não foi provado – com inelutável rigor – se tal exploração era por este realizada a título individual ou sob comando de uma terceira empresa, neste caso, a arguida.

Tendo em conta que o mesmo não foi constituído arguido nos autos, tendo ainda se recusado a depor – e por via reflexa, sendo não valorável o depoimento indirecto obtido pelos OPC acerca de eventuais informações acerca da identidade da empresa exploradora – resultou não provada a ligação da empresa arguida à extracção de pedra, nos termos constantes da acusação pública.

No tocante à ligação do arguido B.... à extracção de pedra, enquanto gerente da arguida, na impossibilidade de imputação dos factos à empresa arguida, directamente se encontra prejudicada a imputação ao arguido derivada da sua qualidade de gerente. Distintamente, no tocante à responsabilidade individual, neste exposto e inexistindo quaisquer indícios que liguem o arguido B.... à extracção referida – não foi encontrado no local e nenhum dos meios de prova arrolados permite a ligação do mesmo aos factos em apreço – resultaram não provados os factos constantes da acusação pública no tocante à participação do mesmo, quer a título individual ou em representação da sua empresa e na sequência, tendo resultado ainda não provados os factos relativos ao elemento subjectivo e censurabilidade – pontos A a F.

O ponto G resultou não provado atenta a ausência de prova em tal sentido.

No que respeita às condições económicas, sociais e pessoais do arguido, os mesmos foram fixados com recurso às suas declarações, quanto a este ponto, as quais se revelaram credíveis – ponto 4.

Valorou-se ainda o certificado de registo criminal dos arguidos para efeitos de apuramento dos antecedentes criminais –– pontos 5 e 6.

(…)”.


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Da indevida consideração de proibição de valoração de prova relativamente aos depoimentos dos OPC

1. Alega a Digna Magistrada recorrente – conclusões I a III – que o tribunal a quo, ao não valorar os depoimentos das testemunhas D.... e E....com o entendimento de que os respectivos depoimentos se basearam em elementos que obtiveram da testemunha C...., irmão do arguido e que, em audiência de julgamento, recusou prestar declarações, violou o disposto nos arts. 125º, 127º, 128º e 355º do C. Processo Penal, uma vez que a testemunha C.... não é familiar da sociedade arguida, não estando sequer em causa o disposto no art. 356º, nº 6 do mesmo código, invocado na sentença para não serem atendidos os depoimentos das duas testemunhas supra indicadas.

Vejamos se lhe assiste ou não razão.

Na audiência de julgamento de 21 de Setembro de 2015 [acta de fls. 281 a 285] as duas primeiras testemunhas a serem ouvidas foram o chefe e o agente da Polícia de Segurança Pública, respectivamente, D.... e E..... Na mesma diligência, seguiu-se a inquirição da testemunha F.... e depois, a da testemunha C...., que se identificou como irmão do arguido e, depois de advertido nos termos do disposto no art. 134º, nº 1, a) do C. Processo Penal, recusou depor, não tendo existido oposição a esta recusa.

Na motivação de facto da sentença, a propósito da questão em análise, escreveu-se:

(…) Referiram [as testemunhas D.... e E....] ainda que, em diligências no local, obtiveram informação acerca da empresa exploradora do local, a aqui arguida nos autos. Tais informações teriam sido prestadas pelo encarregado de obra, C...., 42 anos de idade, manobrador de máquinas, irmão do arguido B..... Esta testemunha, em sede de audiência recusou-se a depor, nos termos do art.º 134º nº 2 do C.P.P. Assim sendo, tais informações obtidas pelos OPC encontram-se abrangidas pela proibição de valoração de prova, nos termos análogos ao do art.º 356º nº 6 e 129º nº 1 e 3 e 355º nº 1 do C.P.P. (…). Tendo em conta que o mesmo [ C....] não foi constituído arguido nos autos, tendo ainda se recusado a depor – e por via reflexa, sendo não valorável o depoimento indirecto obtido pelos OPC acerca de eventuais informações acerca da identidade da empresa exploradora – resultou não provada a ligação da empresa arguida à extracção de pedra, nos termos constantes da acusação pública. No tocante à ligação do arguido B.... à extracção de pedra, enquanto gerente da arguida, na impossibilidade de imputação dos factos à empresa arguida, directamente se encontra prejudicada a imputação ao arguido derivada da sua qualidade de gerente. (…).

2. A questão a decidir é, como decorre do enunciado feito, tributária da problemática da admissão do depoimento indirecto no nosso processo penal, cuja estrutura acusatória é constitucionalmente assegurada (art. 32º, nº 5 da Lei Fundamental), e no qual assumem magna relevância o princípio do contraditório e o princípio da imediação da prova.

O objecto da prova é constituído por todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis (art. 124º, nº 1 do C. Processo Penal), estando as provas estão sujeitas ao princípio da legalidade isto é, são admissíveis as que não forem proibidas por lei (art. 125º do C. Processo Penal).

Assim, a legalidade dos meios de prova, as regras da sua produção e as proibições de prova são condições de validade processual da prova e por isso, critérios da verdade material (cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1ª Ed., 1974, Reimpressão, Coimbra Editora, pág. 197). É que, se cabe ao julgador investigar e esclarecer o facto sujeito a julgamento e por essa via, atingir a descoberta da verdade material (cfr. art. 340º, nº 1 do C. Processo Penal) é também certo que esta não é uma verdade absoluta ou ontológica mas antes uma verdade judicial, prática e, sobretudo, não uma verdade obtida a qualquer preço mas uma verdade processualmente válida ou seja, procurada e obtida através dos meios legalmente admissíveis (cfr. Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 194).

Contra práticas abusivas no exercício da perseguição penal, os direitos dos cidadãos são garantidos, além do mais, através do estabelecimento de proibições de prova. A este propósito escreve Costa Andrade, “Como Gossel acentua, as proibições de prova são «barreiras colocadas à determinação dos factos que constituem objecto do processo». Mais do que a modalidade do seu enunciado, o que define a proibição de prova é a prescrição de um limite à descoberta da verdade. Normalmente formulada como proibição, a proibição de prova pode igualmente ser ditada através de uma imposição e, mesmo, de uma permissão. É que, e como Gossel pertinentemente assinala, «toda a regra relativa à investigação dos factos proíbe ao mesmo tempo as vias não permitidas de averiguação». Assim e por exemplo, ao prever e regulamentar as formas admissíveis de depoimento indirecto, o artigo 129º do CPP aponta e prescreve eo ipso as formas proibidas de hearsay evidence.” (Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, 1992, Coimbra Editora, pág. 83). E mais adiante (fls. 188) escreve, “Mais do que garantias processuais face à agressão e devassa das instâncias da perseguição penal, os direitos e interesses que emprestam sentido axiológico e racionalidade teleológica às proibições de prova, emergem como direitos fundamentais erigidos em autênticos bens jurídicos.”.    

As proibições de prova são, assim, barreiras colocadas à investigação dos factos que constituem objecto do processo, portanto, limites criados à descoberta da verdade, entre as quais se conta o depoimento indirecto, nas suas formas não admissíveis.

A regra na produção da prova testemunhal é a de que a testemunha é inquirida sobre os factos de que possui conhecimento directo (art. 128º, nº 1, do C. Processo Penal).

A testemunha tem conhecimento directo dos factos quando os percepcionou os factos de forma imediata e não, intermediada, através dos seus próprios sentidos. Mas já será indirecto o seu conhecimento quando o que percepcionou foi outro meio de prova relativo aos factos e não, imediatamente, os próprios factos (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 3ª Edição, 2002, Verbo, pág. 158). Simplificadamente pode dizer-se que o depoimento indirecto não versa factos objecto do processo mas sim, um depoimento ouvido e que versa tais factos.

O art. 129º do C. Processo Penal regula as formas admissíveis do depoimento indirecto, e define as formas proibidas do mesmo. Dispõe, no seu nº 1:

Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.

A valoração do depoimento das testemunhas de ‘ouvir dizer’ depende da observância de certos procedimentos que asseguram as exigências decorrentes do contraditório e da imediação, relativamente aos depoimentos envolvidos.

Assim, o depoimento indirecto pode ser probatoriamente valorado se o juiz proceder à sua confirmação através da audição das pessoas a quem a testemunha ouviu dizer. Excepcionalmente, pode também ser valorado quando seja inviável proceder à confirmação, por motivo de morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de ser encontrada da pessoa a quem a testemunha ouviu dizer.

Sendo chamada a depor a ‘testemunha-fonte’ da testemunha de ‘ouvir dizer’, o depoimento indirecto pode ser valorado, mesmo nos casos em que aquela [fonte] recusa ilicitamente prestar o depoimento ou quando, por exemplo, diz nada recordar.

Validamente produzido o depoimento indirecto, a sua valoração está sujeita ao princípio da livre apreciação da prova (art. 127º do C. Processo Penal), devendo ser avaliado conjuntamente com a demais prova produzida, incluindo o respectivo depoimento directo, quando prestado.

Não tendo o depoimento indirecto obedecido aos pressupostos enunciados, o art. 129º, nº 1 do C. Processo Penal interdita a sua utilização como meio de prova, estabelecendo uma proibição de prova. 

Como supra dissemos, o depoimento indirecto é probatoriamente valorável quando a ‘testemunha-fonte’, chamada a depor, recusa, de forma ilícita, prestar depoimento. A restrição feita à recusa ilícita prende-se com as situações em que a lei confere a determinadas testemunhas a faculdade de recusarem o depoimento, questão que não tem merecido uma resposta unânime da jurisprudência pois que, enquanto para uns, o depoimento indirecto é admissível independentemente da licitude ou ilicitude da recusa (cfr. acs. do STJ de 23 de Outubro de 2008, processo nº 08P1212, da R. do Porto de 5 de Junho de 2015, processo nº 138/14.7 GCSTS.P1, in www.dgsi.pt) para outros o depoimento indirecto só é admissível quando a recusa seja ilícita (cfr. acs. do STJ de 27 de Junho de 2012, processo nº 127/10.0JABRG.G2.S1 e da R. de Coimbra de 20 de Abril de 2016, processo nº 39/14.9 JACBR.C1 e de 19 de Setembro de 2012, processo nº 63.10/0 GJCTB.C1, in www.dgsi.pt).

Temos para nós [seguindo a posição que adoptámos no acórdão desta Relação de 10 de Dezembro de 2014, processo nº 155/13.4PBLMG.C1, mais restritiva do que a que seguimos no acórdão da mesma Relação de 26 de Novembro de 2008, 27/05.6GDFND.C1, in www.dgsi.pt] que quando a ‘testemunha-fonte’ [nesta categoria, note-se, não incluímos o arguido, considerando-se questão distinta o que se lhe ouviu dizer] recusa legitimamente prestar depoimento, no exercício de um direito, a necessária harmonização entre as normas dos arts. 129º, nº 1 e 134º, nº 1, do C. Processo Penal e respectivas limitações à descoberta da verdade material neles encerradas, determina a inadmissibilidade da valoração probatória do depoimento indirecto no descrito circunstancialismo.

3. Nos autos foram pronunciados dois arguidos, a sociedade A...., Lda. e B...., sendo evidente, pela própria natureza das coisas, que, como nota a Digna Magistrada recorrente, se a testemunha C.... é irmão do arguido, não tem já, por outro lado, qualquer grau de parentesco ou afinidade com a sociedade arguida.

Embora o desenho da recusa de depoimento, regulada no art. 134º do C. Processo Penal, pressuponha um só arguido, a verdade é que, muito frequentemente, no processo existe uma pluralidade de arguidos, colocando-se então a questão de saber se aquela recusa pode ser exercida relativamente a todos os arguidos ou apenas relativamente ao arguido de quem a testemunha é parente ou afim.   

Cremos que não existe uma solução unitária para o problema, havendo que ponderá-la caso a caso. Assim, se os factos objecto do processo não tocarem a responsabilidade criminal do arguido pelo crime em que é autor ou comparticipante, não é admissível a recusa, não obstante o relacionamento entre o arguido e a testemunha, pois que o depoimento desta não é susceptível de colocar em causa aquela relação familiar que o legislador quis proteger (Santos Cabral, Código de Processo Penal Comentado, 2014, Almedina, pág. 532). Na hipótese contrária, é legítima a recusa.

In casu, o despacho de pronúncia, dando por reproduzidos os factos e incriminação da acusação pública, imputou aos arguidos a prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts. 2º, nº 5, l) e 86º, nº 1, a), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro (na redacção da Lei nº 53/2013, de 27 de Julho e por referência ao Dec. Lei nº 376/84, de 30 de Novembro), sendo a sociedade arguida responsável por efeito do disposto no art. 95º do mesmo diploma.

Resultando, nos termos imputados, a responsabilidade criminal da sociedade arguida do cometimento do crime por quem, em seu nome e no interesse colectivo, ocupa uma posição de liderança, o co-arguido, seu legal representante, não se suscitam dúvidas quanto a os factos objecto do processo contenderem, necessariamente, com a responsabilidade penal deste, relativamente ao crime por cuja prática foram ambos pronunciados.

Assim sendo, não obstante a inexistência de qualquer relacionamento subsumível à previsão do nº 1 do art. 134º do C. Processo Penal, relativamente à sociedade arguida e testemunha C...., o grau de parentesco existente entre ele e o arguido, face aos factos imputados, torna legítima a recusa de depoimento da testemunha.

Aqui chegados, concluímos que:

- Sendo legítima a recusa de depoimento da testemunha C....;

- Tendo as testemunhas D.... e E....conhecimento de determinados factos, relativos à exploração da pedreira, através do que lhes foi dito pela testemunha C....;

- Não merece censura a sentença recorrida quando considerou não ser probatoriamente valorável o depoimento das testemunhas D.... e E...., na parte em que é depoimento indirecto [depoimento por ‘ouvir dizer’ à testemunha C....].     


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            Do erro notório na apreciação da prova

            4. Alega a Digna Magistrada recorrente – conclusões IV a VII – que a sentença recorrida padece de erro notório na apreciação da prova pois que da respectiva motivação de facto constam como atribuídas à testemunha F.... afirmações relativas à titularidade da sociedade arguida e às tarefas nela desempenhadas pela testemunha C.... que não têm correspondência com o que foi efectivamente dito pela referida testemunha na audiência de julgamento, como resulta das transcrições feitas do respectivo depoimento, não tendo sido produzida prova que infirmasse que a pedreira era explorada pela sociedade arguida cujo gerente é o arguido.

            Os termos em que a alegação é feita coloca-nos, ressalvado sempre o devido respeito por diversa opinião, fora do campo de actuação do vício invocado, sendo certo que a mesma se orienta no sentido da impugnação da matéria de facto. Explicando.

            O erro notório na apreciação da prova é um vício da decisão e, como tal, porque consiste num defeito estrutural da sentença, a sua demonstração só pode ser feita através do respectivo texto, eventualmente conjugado com regras da experiência comum, não sendo para este fim, permitido o recurso a elementos alheios à sentença, ainda que constem do processo (cfr. art. 410º, nº 2 do C. Processo Penal).

Existe erro notório na apreciação da prova – alínea c) do nº 2 do art. 410º do C. Processo Penal – quando o tribunal a valora contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, por ser grosseiro, ostensivo, evidente (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª, Edição, 2000, Editorial Verbo, pág. 341). Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Edição, 2007, Rei dos Livros, pág. 74).

Resulta da alegação da Digna Magistrada recorrente, supra sintetizada, que a sua discordância quanto à valoração probatória feita pela Mma. Juíza a quo não resulta, apenas, do texto da sentença e, em especial, da motivação de facto, mas do confronto desta quando relata o que certa testemunha terá dito, com o concreto teor do depoimento da mesma, prestado na audiência de julgamento, depoimento que, como é bom de ver, não faz parte da sentença, quanto mais não seja porque nela se não encontra transcrito. Vale isto dizer que a Digna Magistrada recorrente recorreu a elementos constantes do processo [o registo áudio das declarações prestadas oralmente na audiência] mas que não integram a sentença para a demonstração do vício invocado, o que não é legalmente admissível.

Aliás, a invocação do erro notório na apreciação da prova, como já tivemos oportunidade de referir, apresenta-se feita na perspectiva da alegação do erro na apreciação da prova ou seja, no âmbito da impugnação ampla da matéria de facto portanto, num plano diverso do dos vícios da decisão, aspecto de que cuidaremos de seguida.

Assim, e sem necessidade de mais considerações, concluímos que a sentença recorrida não padece de vício de erro notório na apreciação da prova sendo certo que nela também não se evidencia qualquer outro dos vícios da decisão, previstos nas alíneas a) e b) do nº 2 do art. 410º do C. Processo Penal.


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            Do erro de julgamento e da incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto

            5. Alega a Digna Magistrada recorrente – conclusões V a VII – que foi incorrectamente julgada a matéria das alíneas A a F dos factos não provados que, por isso, deverá ser alterada, passando a constar dos factos provados, pois que a testemunha F...., cujo depoimento se mostra transcrito no corpo da motivação, afirmou conhecer a empresa arguida e o arguido, afirmou ser a testemunha C.... o encarregado da pedreira e ser o arguido o gerente da arguida, nunca tendo manifestado incerteza quanto a quem exercia a gerência nem dito que quem explorava a pedreira era a testemunha C...., não tendo, em consequência, sido produzida prova que infirmasse ser pedreira explorada pela sociedade arguida cujo gerente era o arguido. No corpo da motivação constam efectivamente os segmentos do depoimento prestado na audiência pela testemunha F...., em que se funda a impugnação deduzida.

                        Deste modo, tendo-se por cumprido, ainda que de forma longe de ser modelar, o ónus de especificação previsto no art. 412º, nºs 3 e 4 do C. Processo Penal, não existem obstáculos ao conhecimento da impugnação ampla da matéria de facto deduzida pela Digna Magistrada recorrente, com o objecto e limites que lhe foram por si fixados, supra, enunciados. 

            6. Os pontos de facto especificadamente impugnados têm a seguinte redacção:

            - [A] A pedreira designada “ (...) ”, no citado dia, era explorada pela sociedade “ A...., Lda.”, representada pelo arguido B.... e o material lá encontrado estava destinado a ser utilizado na pedreira;

- [B] Sabia o arguido que a pólvora e o rastilho que tinha consigo continham produto explosivo e que tinham capacidade explosiva;

- [C] Sabia, de igual modo, que não podia deter, usar e armazenar qualquer engenho explosivo civil sem a respectiva autorização, e, não obstante isso, quis detê-los nas circunstâncias descritas;

- [D] Mais sabia o arguido que a detenção dos explosivos civis que tinha consigo está sujeita a licenciamento administrativo, de que o mesmo e a sociedade não eram titulares, e que, por isso, não podiam deter tais materiais;

- [E] O arguido actuou sempre de forma deliberada, livre e consciente, agindo em nome e no interesse da sociedade “ A...., Lda.”;

- [F] O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Pois bem.

Começaremos por notar que a sociedade arguida, A...., Lda., conforme cópia da certidão comercial de fls. 278 a 280, junta pelos arguidos na audiência de julgamento e a certidão permanente de fls. 286 a 289, cuja junção foi ordenada por despacho da Mma. Juíza a quo [cfr. acta da audiência de julgamento de 21 de Setembro de 2015, fls. 281 a 285], tinha como gerente, desde a data da sua constituição, o arguido B.....          

Quanto ao mais.

A Relação ouviu o registo áudio do depoimento prestado pela testemunha F.... na audiência de julgamento de 21 de Setembro de 2015, dele resultando ter aquele afirmado, em síntese e na parte em que agora releva, que: fez alguns trabalhos para a sociedade A....e para o B... , já há mais de quinze anos que assim acontece, mas não é um trabalho diário [circa 00:00:40 do depoimento]; conhece a A...., ela explorava uma pedreira em (...) , Moimenta da Beira, foi nessa pedreira que fez a destruição dos explosivos a pedido do C...., então estava de baixa devido a um acidente que tinha sofrido em 4 de Fevereiro de 2014, mas os senhores polícias disseram que podia fazer o serviço que não havia problema [circa 00:02:30 do depoimento]; na altura estava o C.... que é irmão do B....e quatro agentes, o C.... trabalha na pedreira, os explosivos apareciam lá, fazia o serviço mas não sabe de onde eles vinham, tem em terreno e um barraco ao lado da pedreira e eles davam-lhe pedra em pagamento dos serviços tendo o negócio sido acordado com o pai do B....há mais de quinze anos [circa 00:04:25 do depoimento]; pensa que o gerente da pedreira é o B....e em 2014 também era, nos últimos anos o C.... punha-lhe a pedra no barraco, o C.... é o que anda com as máquinas, quando não está o B....está o C...., é o encarregado da pedreira [circa 00:05:30 do depoimento]; o que havia para destruir era pólvora e rastilho, já os conhece há muitos anos e como é encartado em explosivos, fazia os serviços [circa 00:07:09 do depoimento]; na sua opinião, a empresa não tinha licença e por isso recorriam a si que tinha licença [circa 00:09:05 do depoimento]; no dia em que chegou ao local para destruir os explosivos estes já estavam na posse das autoridades, das outras vezes em que ia à pedreira para fazer explosões já a pólvora estava num balde mas não sabe de onde ela vinha [circa 00:09:59 do depoimento]; desde que sofreu o acidente em 4 de Fevereiro de 2014 o único serviço que fez para eles foi a destruição dos explosivos, para este serviço foi chamado pelo C...., o C.... quando precisava de si, ligava, o B....não, desde que passou para lá há quatro ou cinco anos, era sempre o C.... que ligava [circa 00:11:10 do depoimento].

Este depoimento foi qualificado pela Mma. Juíza a quo como «isento e merecedor de credibilidade» que a ele e à testemunha se referiu ainda da seguinte forma, «Não obstante a credibilidade que nos mereceu o depoimento da testemunha – depôs sempre de modo sincero e não obstante a relação profissional com as partes, não foi evidente a tentativa de deturpação de quaisquer factos (…)». Ora, tanto quanto a audição do registo áudio permite a imediação da prova, nela não descortinámos qualquer razão objectiva para discordar da credibilidade atribuída à testemunha.

Ressalvado sempre o devido respeito, que é muito, apesar de se tratar de um pormenor sem relevância, porque suscitada a divergência pela Digna Magistrada recorrente, há que reconhecer não ter testemunha afirmado que possuía uma casa perto da pedreira em causa mas antes, que tem um terreno e um barraco ao lado da dita pedreira.

Por outro lado, também não é exacto que a testemunha tenha afirmado que ao longo de quinze anos negociou sempre com o pai do arguido e depois, com o irmão do arguido, a testemunha C..... O que a testemunha efectivamente disse, se bem entendemos as suas declarações, supra sintetizadas, foi que, há já mais de quinze anos que presta os seus serviços, na pedreira, como técnico de explosivos, mas não de forma diária, tendo acordado então, com o pai do arguido, que a contrapartida de tais serviços é feita em pedra a qual, nos últimos anos, lhe é colocada pelo C...., no seu referido barraco.      

Acresce que não vemos como possa extrair-se do depoimento da testemunha a indiciação da «existência há vários anos de uma exploração não licenciada da referida pedreira, mas cuja direcção fáctica ocorria sob as ordens de C...., irmão do arguido. Porém não foi provado – com inelutável rigor – se tal exploração era por este realizada a título individual ou sob comando de uma terceira empresa, nesta caso, a arguida».  

Com efeito, a razão de ciência da testemunha é evidente e inatacável – possui um terreno com um barraco ao lado da pedreira a que se referem os factos e prestou vários anos serviços a quem a explorava – e afirmou, de forma concisa e inequívoca, conhecer a A...., sociedade arguida, pois é ela quem explora a pedreira, estar convencido de que o gerente da sociedade é o arguido B.... – convencimento que é, aliás, confirmado pelo teor da certidão permanente de fls. 286 a 289 – e ser o C.... – a testemunha C...., irmão do arguido – quem anda com as máquinas e substitui o arguido nas ausências deste, sendo o encarregado da pedreira.

Por outro lado, o próprio auto de notícia é claro na definição da situação presenciada pelos OPC. 

Não se vê pois, como possa ser legítima a dúvida quanto a ser a pedreira explorada pela sociedade arguida, e ser esta gerida pelo arguido. Na verdade, a figura do encarregado da pedreira [com o sentido comum a tantas outras actividades, v.g., o encarregado de armazém, no comércio grossista, o encarregado da obra, na construção civil] não é compatível com a exploração da pedreira, pelo mesmo, em nome próprio.

Aliás, questão diferente, e que em nada afecta o que antecede, é a de saber se, juntamente com aqueles dois arguidos, como tal não deveria ter sido também constituído o dito C..... Certo é que não o foi e a questão está agora processualmente ultrapassada.

Numa outra perspectiva, é completamente irrelevante que o arguido não tenha estado presente na data em que a pedreira foi fiscalizada pelo OPC e foi levantado o respectivo auto de notícia, como é irrelevante que não conste do auto de apreensão dos explosivos.

Como gerente da actividade da sociedade arguida – cujo objecto é a extracção, transformação e comercialização de granitos e rochas ornamentais (cfr. certidão permanente de fls. 286 a 289) – é quem actua a sua vontade.

Quanto ao mais,  a demonstração probatória do dolo – o conhecimento e vontade de praticar o facto com consciência da sua censurabilidade –, sabido que é tratar-se de um facto subjectivo isto é, um facto da vida interior do agente e por isso, não directamente apreensível ou percepcionavel por terceiro, sobretudo nos casos em que não existe confissão, não pode ser feita através de prova testemunhal, tendo antes que ser feita por inferência, resultando da conjugação da prova de factos objectivos – em especial, dos que integram o tipo objectivo de ilícito – com as regras de normalidade e da experiência comum.

Assim, perante a conjugação destes meios de prova, que confirmam a única versão dos factos trazida aos autos, e tendo em conta o que acabou de ser dito quanto ao dolo, resta concluir que os meios de prova especificados impõem efectivamente uma decisão de facto diversa, que acolha a pretensão da Digna Magistrada recorrente.   

7. Deste modo, e pelas razões sobreditas, modifica-se a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos que seguem:

- O ponto A) dos factos não provados passa a facto provado, com a mesma redacção, e com a designação, 1. a);

- O ponto B) dos factos não provados passa a facto provado, com a designação, 2., a), e com a seguinte redacção:

Sabia o arguido que a pólvora e o rastilho por si detidos nas circunstâncias referidas em 1. dos factos provados, continham produto explosivo e que tinham capacidade explosiva

- O ponto C) dos factos não provados passa a facto provado, com a mesma redacção, e com a designação, 2. b);

- O ponto D) dos factos não provados passa a facto provado, com a mesma redacção, e com a designação, 2. c);

- O ponto E) dos factos não provados passa a facto provado, com a mesma redacção, e com a designação, 2. d);

- O ponto F) dos factos não provados passa a facto provado, com a mesma redacção, e com a designação, 2. e).


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Da qualificação da conduta e suas consequências

8. Definitivamente fixada a matéria de facto, cumpre agora proceder à sua qualificação jurídico-penal.

Vejamos.

Como dissemos, aos arguidos era imputada a prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts. 2º, nº 5, l) e 86º, nº 1, a), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro (na redacção da Lei nº 53/2013, de 27 de Julho e por referência ao Dec. Lei nº 376/84, de 30 de Novembro) relativamente ao arguido, e p. e p. pelos arts. 2º, nº 5, l), 86º, nº 1, a) e 95º da Lei nº 5/2006 de 23 de Fevereiro (na redacção da Lei nº 53/2013, de 27 de Julho e por referência ao Dec. Lei nº 376/84, de 30 de Novembro) relativamente à sociedade arguida, na modalidade de detenção não autorizada de explosivo civil, vindo ambos a ser absolvidos de tal prática.

A detenção de arma proibida é um crime comum, de perigo abstracto e de mera actividade, cujo bem jurídico tutelado é ordem, segurança e tranquilidade pública ou seja, a segurança da comunidade, face aos riscos da livre circulação e detenção de armas proibidas, para o qual o legislador estabeleceu várias molduras penais, em função do grau de perigosidade dos materiais e instrumentos que constituem o seu objecto. 

Encontra-se previsto no art. 86º, nº 1 da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro [sucessivamente alterada, sendo que a última alteração, operada pela Lei nº 50/2013, de 24 de Julho que, além do mais, deu nova redacção às alíneas a) e d) do número em referência] e doravante, designado por Regime Jurídico das Armas e Munições [RJAM]. No corpo deste nº 1 são descritas as modalidades da acção típica – detenção, transporte, importação, guarda, compra, aquisição a qualquer título ou por qualquer meio ou obtenção por fabrico, transformação, importação ou exportação, uso ou porte, sem autorização, fora das condições legais ou contra as prescrições da autoridade competente. Depois, nas suas quatro alíneas, são enunciados os equipamentos, materiais, engenhos, produtos, armas, munições e acessórios, susceptíveis de inclusão no objecto daquelas modalidades da acção, agrupados em razão do respectivo grau de perigosidade e daí, as distintas penas previstas em cada alínea. A alínea a) tem a seguinte redacção, na parte em que agora releva:

(…) explosivo civil (…), é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos; (…).

A alínea l) do nº 5 do art. 2º do RJAM define explosivo civil como,  todas as substâncias ou produtos explosivos cujo fabrico, comércio, transferência, importação e utilização estejam sujeitos a autorização concedida pela autoridade competente

            Estando agora provado que no dia 9 de Abril de 2014, pelas 10h, na pedreira (...) em (...) , Moimenta da Beira, explorada pela sociedade arguida, da qual era gerente o arguido, foi apreendido um quilograma de pólvora e trinta metros de rastilho, destinados a ali serem utilizados, não tendo qualquer dos arguidos autorização para deterem tais produtos, sabendo o arguido que as substâncias que, neste circunstancialismo detinha, tinham capacidade explosiva, sabendo que tal detenção estava sujeita a licenciamento administrativo, querendo tal detenção, agindo sempre de forma livre, deliberada e consciente, em nome da sociedade arguida, e sabendo ainda que a sua conduta era proibida e punida por lei, dúvidas não restam de que estão preenchidos todos os elementos do tipo objectivo e subjectivo do crime em referência, em relação a ambos os arguidos, tendo em conta o disposto no art. 11º, nº 2, a) do C. Penal.

            Assim, praticaram, arguido e sociedade arguida, o crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelas supra mencionadas disposições legais, que lhes era imputado no despacho de pronúncia.

            9. Resta agora fixar as consequências jurídicas da prática deste crime (cfr. Acórdão Uniformizador 4/2016, DR 36, I, de 22 de Fevereiro de 2016).

            Como se viu, sendo o agente uma pessoa singular, a moldura penal aplicável é a de 2 a 8 anos de prisão.

            Sendo o agente pessoa colectiva são aplicáveis as penas principais de multa ou de dissolução (art. 90º-A, nº 1 do C. Penal).

            Os limites mínimo e máximo da pena de multa têm como referência a pena de prisão prevista para as pessoas singulares, correspondendo um mês de prisão a 10 dias de multa (art. 90º-B, nºs 1 e 2 do C. Penal). Assim, in casu, a pena de multa varia entre 240 e 960 dias.

            A dissolução é decretada quando a pessoa colectiva tiver sido criada com a intenção exclusiva ou predominante da prática dos crimes do catálogo ou quando a prática reiterada dos mesmos mostre que ela está a ser utilizada, exclusivamente, para esse efeito, por quem a lidera (art. 90º-F do C. Penal).

            Posto isto.

9.1. Relativamente ao arguido.

Prevenção e culpa são os factores a ter em conta na aplicação da pena e determinação da sua medida (art. 40º, nºs 1 e 2 do C. Penal), reflectindo a primeira a necessidade comunitária da punição do caso concreto e constituindo a segunda, dirigida ao agente do crime, o limite inultrapassável da pena (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, pág. 214 e ss.). A pena concreta resultará da medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos requerida pelo caso concreto – tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada [prevenção geral positiva ou de integração] –, temperada, quando possível, pela necessidade de reintegração social do agente [prevenção especial positiva de socialização] e, em qualquer caso, com respeito pelo limite inultrapassável da medida da culpa. Por isso que, toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição, 2ª Reimpressão, 2012, Coimbra Editora, pág. 84). 

Com muita frequência a determinação da pena, entendida em sentido amplo, passa pela operação da respectiva escolha. Assim acontece, desde logo, quando o crime é punido, em alternativa, com pena privativa e com pena não privativa da liberdade. Nestes casos, o critério de escolha da pena encontra-se fixado no art. 70º do C. Penal segundo o qual, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. 

Não é, porém, o caso dos autos, pois que apenas se encontra prevista a pena de prisão.

 Escolhida a pena, há que determinar a sua medida concreta, em função, como vimos, da culpa e das exigências de prevenção (art. 71º, nº 1 do C. Penal), ponderando que a moldura penal abstracta de cada crime é fixada pelo legislador, tendo em conta todas as formas e graus de cometimento do facto típico, fazendo corresponder aos de menor gravidade o limite mínimo da pena e aos de maior gravidade o limite máximo da pena.

O tribunal deve, então, considerando aqueles limites, atender a todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuserem a favor e contra o agente do crime, havendo, entre outras, que ponderar o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita (art. 71º, nº 2 do C. Penal).

            Não é elevado o grau de ilicitude do facto, atenta a pouco significativa quantidade de explosivo detida, nem dele resultaram consequências a assinalar.

            O arguido agiu com dolo directo e por isso, intenso.

            São significativas as exigências de prevenção geral, dada a frequência com que é repetido este tipo de conduta, e não sendo elevadas as exigências de prevenção especial, as duas condenações que o arguido regista, é certo, pela prática de crimes fiscais, fazem soar as campainhas de alarme.

            O arguido não manifestou qualquer sinal de ter interiorizado o desvalor da sua conduta e necessidade da respectiva censura, e encontra-se desempregado.

            Tudo ponderado, entende-se que a pena a aplicar se deve situar próximo do limite mínimo da moldura abstracta aplicável, considerando-se proporcionada e plenamente suportada pela medida da culpa do arguido a pena de 2 anos e 2 meses de prisão.

            Apesar de o arguido não ter, como se disse, manifestado a interiorização da sua culpa, tendo o crime sido praticado no âmbito da actividade empresarial que desenvolvia, não serem significativas as consequências da conduta, não tendo aquele antecedentes criminais por este tipo de ilícito e tendo já, como se refere no primeiro parágrafo da motivação de facto, e se comprova pelo teor de fls. 253 a 257 e verso, obtido a necessária autorização, entende-se ser possível a formulação de um juízo de prognose favorável no sentido de que a simples censura do facto e ameaça da prisão constituirão suficiente incentivo para o afastar da prática de novos crimes, deste modo prevenindo a sua ‘reincidência’ e dando adequada satisfação às exigências de prevenção.

            Assim, porque a pena decretada é inferior a cinco anos de prisão, verificados que estão os pressupostos, formal e material, da suspensão da execução da pena de prisão, previstos no art. 50º, nº 1 do C. Penal, deve o arguido beneficiar da aplicação desta pena de substituição.

            Nos termos do disposto no nº 5 do citado art. 50º, o período de suspensão tem a duração de 2 anos e 2 meses, a contar do trânsito do presente acórdão.

9.2. Relativamente à sociedade arguida.

Não estão verificados os pressupostos de facto de que depende a aplicação da pena de dissolução (cfr. art. 90º-F do C. Penal). Por outro lado, e como vimos, a pena de multa aplicável varia entre 240 e 960 dias. 

Para a determinação da pena de multa o art. 90º-B do C. Penal estabelece a aplicação dos critérios estabelecidos no nº 1 do seu art. 71º.

Assim, também aqui haverá que considerar não ser elevado o grau de ilicitude do facto e dele não terem resultado consequências assinaláveis. Por outro lado, a sociedade arguida encontra-se em fase de liquidação, o que em muito dilui a necessidade da pena.

Tudo ponderado, entende-se que a pena de multa a aplicar se deve situar no limite mínimo da moldura abstracta aplicável portanto, em 240 dias de multa.

O critério legal de quantificação da taxa diária da multa encontra-se previsto no nº 5 do art. 90º-B do C. Penal. Considerando que a sociedade arguida se encontra em liquidação, o que, necessariamente, implica a inexistência de actividade e precária situação económica e financeira, fixa-se o quantitativo diário da multa em € 100.

Não existindo dano causado a reparar, não tendo a arguida antecedentes criminais, considerando ainda a sua actual situação, entendemos que a admoestação dará adequada e suficiente realização às finalidades da punição.

Assim, nos termos do disposto nos arts. 60º, nº 2 e 90º-C, ambos do C. Penal, verificados que estão os pressupostos, formal e material, desta pena de substituição, deve a pena de multa decretada ser substituída por admoestação.

Atento o disposto no art. 90º-C, nº 2 do C. Penal, e porque o presente recurso não comporta a fase de julgamento em audiência, a admoestação será proferida, oportunamente, pela 1ª instância.


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III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em, concedendo provimento ao recurso:

A) Modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto, conforme descrito no ponto II., 7., que antecede, e aqui se dá por reproduzido.

B) Revogar a sentença recorrida na parte em que absolveu os arguidos A...., Lda. e B.... da prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts. 2º, nº 5, l) e 86º, nº 1, a), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro (na redacção da Lei nº 53/2013, de 27 de Julho e por referência ao Dec. Lei nº 376/84, de 30 de Novembro) quanto ao segundo e p. e p. pelos arts. 2º, nº 5, l), 86º, nº 1, a) e 95º da Lei nº 5/2006 de 23 de Fevereiro (na redacção da Lei nº 53/2013, de 27 de Julho e por referência ao Dec. Lei nº 376/84, de 30 de Novembro) quanto à primeira.

C) 1. Condenar o arguido B.... pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts. 2º, nº 5, l) e 86º, nº 1, a), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro (na redacção da Lei nº 53/2013, de 27 de Julho e por referência ao Dec. Lei nº 376/84, de 30 de Novembro), na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão.

2. Suspender a execução da pena de prisão pelo período de dois anos e dois meses, a contar do trânsito do presente acórdão.

D) 1. Condenar a arguida A...., Lda. pela prática de um crime de detenção de arma proibida, pelos arts. 2º, nº 5, l), 86º, nº 1, a) e 95º da Lei nº 5/2006 de 23 de Fevereiro (na redacção da Lei nº 53/2013, de 27 de Julho e por referência ao Dec. Lei nº 376/84, de 30 de Novembro), na pena de 240 (duzentos e quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 100 (cem euros), o que perfaz a multa global de € 24.000 (vinte e quatro mil euros).

2. Substituir a multa decretada por admoestação.



E) Recurso sem tributação.

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A 1ª instância procederá, oportunamente à admoestação da arguida, nos termos prescritos no art. 90º-C, nº 2 do C. Penal.


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Coimbra, 19 de Outubro de 2016


(Heitor Vasques Osório – relator)


(Helena Bolieiro – adjunta)