Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
550/08.0TTAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: PRAZO PARA CONCLUSÃO DO PROCESSO DISCIPLINAR
CADUCIDADE DA ACÇÃO DISCIPLINAR
DILIGÊNCIA DE INSTRUÇÃO
Data do Acordão: 02/11/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 414º, NºS 1 E 2, E 415º, Nº1, DO CÓDIGO DO TRABALHO DE 2003
Sumário: I – O prazo de caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar a que alude o artº 415º, nº 1, do Código do Trabalho de 2003 – de 30 dias para proferir decisão em procedimento disciplinar laboral -, inicia-se na conclusão das diligências probatórias, no caso de não existir comissão de trabalhadores na empresa do empregador ou se o trabalhador não for representante sindical.

II – A última das diligências probatórias a considerar tanto pode ser uma das requeridas pelo trabalhador na resposta à nota de culpa, como outra que, depois dela, seja levada a cabo por iniciativa do empregador.

III – As diligências de instrução a considerar devem ser exclusivamente as diligências probatórias com relevo para o apuramento dos factos apresentados na nota de culpa ou na resposta a esta.

IV – Para efeito de determinar o início daquele prazo de caducidade, não pode ser considerado um parecer técnico pedido pelo instrutor do procedimento disciplinar para avaliação dos factos apurados, uma vez que tal parecer reveste a natureza de mero acto auxiliar da decisão disciplinar do empregador, próprio da apreciação que normalmente consta num relatório final de instrução.

Decisão Texto Integral: Autores: A...

               B...

Ré: C...

      Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

  I. O autor A... instaurou contra a ré acção, com processo comum, pedindo que se declare que foi despedido sem justa causa, e por isso ilicitamente, e se declare nulo o procedimento disciplinar promovido pela ré por violação do princípio de audição do autor e do princípio do contraditório, e pedindo que se condene a ré a pagar-lhe a quantia global de € 91.369,22, conforme discrimina na petição inicial caso opte por indemnização, ou se condene a reintegrá-lo caso seja essa a sua opção, condenando-se sempre a ré a pagar-lhe as retribuições vincendas a partir da entrada da acção até trânsito em julgado da sentença, condenando-se ainda a ré a pagar-lhe todos os encargos que tiver que suportar com intervenção cirúrgica em montante a liquidar em execução de sentença, tudo acrescido de juros de mora.

Alegou, em síntese, que foi admitido ao serviço da ré em 1.04.1990 como “gerente bancário” e, depois de instaurado procedimento disciplinar, em Maio de 2008 veio a ser despedido com invocação de justa causa. Alegou que não existiu justa causa para esse despedimento porque os factos imputados são falsos e que o procedimento padece de vícios formais que geram a sua nulidade, designadamente porque não foi respeitado o princípio do contraditório, contendo a decisão final factos que não constavam da nota de culpa. E alegou que sofreu danos não patrimoniais que devem ser compensados.

Por sua vez, a autora B... instaurou contra a mesma ré acção com processo comum, pedindo que se declare ilegal e abusiva a sanção disciplinar que lhe foi aplicada, declarando-se nulo o procedimento disciplinar promovido pela ré por violação do princípio de audição da autora e do princípio do contraditório, sendo reposto o período de 20 dias descontado na contagem da sua antiguidade e na retribuição que auferiu no mês de Julho de 2008, e pedindo que se condene a ré a pagar-lhe a quantia global de € 10.915,62 (conforme discrimina na sua petição inicial), acrescida de juros de mora.

Alegou, em síntese, que foi admitida ao serviço da ré 8.07.1993 e, depois de instaurado procedimento disciplinar, em Julho de 2008 foi-lhe aplicada sanção disciplinar de suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade pelo período de 20 dias, mas não existiu razão para aplicação da sanção, porque os factos imputados são falsos. Alegou, também, que o procedimento padece de vícios formais que geram a sua nulidade, sendo ainda nulo porque não foi respeitado o princípio do contraditório, contendo a decisão final factos que não constavam da nota de culpa. E alegou que sofreu danos não patrimoniais que devem ser compensados.

Contestou a ré pedindo a improcedência das acções, alegando, em resumo, que os factos imputados em ambos os procedimentos disciplinares se verificaram e justificam as sanções disciplinares aplicadas, não padecendo os mesmos de qualquer irregularidade, impugnando os factos relativos a danos não patrimoniais.


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Foi proferido despacho a determinar a apensação de ambas as acções, passando elas a ter tramitação unitária.

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Prosseguindo o processo os seus regulares termos veio a final a ser proferida sentença que julgou as acções parcialmente procedentes e decidindo: I) reconhecer que o direito da ré aplicar sanção disciplinar no procedimento disciplinar instaurado ao autor A... caducou, e como tal declarar ilícito o seu despedimento; II) reconhecer que o direito da ré aplicar sanção disciplinar no procedimento disciplinar instaurado à autora B...  caducou, e como tal fica para todos os efeitos sem efeito sanção disciplinar aplicada à mesma (de 20 dias de suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade), que deve ser eliminada do registo (ou não levada ao registo se do mesmo ainda não constar); III) condenar a ré a reintegrar o autor A... no seu posto de trabalho sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; IV) condenar a ré a pagar ao autor A... a quantia de € 3.702,70 tantas vezes quantos meses decorreram e decorram entre 04.07.2008 (conforme despacho de rectificação da sentença proferido a fls. 559) e o trânsito em julgado da decisão a título de compensação conforme artº 437º do Código do Trabalho – incluindo o correspondente a subsídio de férias e de Natal, estes no valor de € 3.493,24 e € 1.998,26 –, com dedução daquilo que o autor tiver recebido (seja a título de subsídio de desemprego seja por via de outra actividade remunerada que tenha iniciado) na sequência do despedimento (ilícito); V) condenar a ré a pagar ao autor A... a quantia de € 3.000,00 a título de danos não patrimoniais; VI) condenar a ré a entregar à autora B... a quantia de € 915,62 correspondente ao descontado indevidamente na sua retribuição de Julho de 2008; VII) condenar a ré a pagar juros de mora sobre as quantias referidas em IV), V) e VI) desde a data da sentença até efectivo e integral pagamento, à taxa legal; VIII) absolver a ré do demais pedido.

É desta sentença que, inconformada, a ré vem apelar.

Alegando, concluiu:

[.................................................]

Nas contra-alegações os autores defendem a manutenção do julgado.

Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador-Geral Adjunto no sentido de se negar provimento ao recurso interposto pela ré.


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II- FUNDAMENTAÇÃO

1. Os Factos:

A sentença final dos autos, baseando-se no despacho que decidiu a matéria de facto enumerou assim factualidade provada:

[..........................................................]

É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação, como decorre do estatuído nos artigos 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil.

Decorre do exposto que as questões que importa resolver se podem equacionar da seguinte forma:

A. Se ocorreu ilicitude das sanções disciplinares, declaradas pela ré aos autores, em virtude da caducidade do direito de aplicar tais sanções.

B. Na resposta negativa a tal questão, se essas sanções foram justificadas;

C. No caso de ser ilícito o despedimento do autor, se se justificava a condenação da ré a pagar ao autor indemnização por danos não patrimoniais.

Vejamos:

2.1. A caducidade do direito de aplicar as sanções:

A 1ª instância considerou que, no caso de ambos os autores, ocorreu a caducidade do direito da ré aplicar as sanções disciplinares aos autores, por força do disposto no artigo 415.º n.º 1 do Código do Trabalho de 2003, uma vez que decorrerem mais de 30 dias entre a data da última diligência probatória e a data da decisão final em ambos os procedimentos disciplinares em causa.

Dando como reproduzidos os processos disciplinares (facto 9. e 14.), na sentença recortaram-se dos mesmos os seguintes actos relevantes para essa apreciação:

Quanto ao referente ao autor:

- A ré iniciou o procedimento disciplinar, após realização de averiguações, em 2.10.2007, notificando “nota de culpa” ao autor em 26.10.2007, à qual o autor respondeu por carta datada de 19.11.2007, indicando testemunhas para inquirição;

- Foram inquiridas essas testemunhas, a última delas em 18.12.2007, a que se seguiu a junção, em 30.01.2008 e 6.02.2008, de depoimentos prestados no âmbito do procedimento disciplinar (autónomo) instaurado à autora, e a inquirição em 18.02.2008 de M.... (de cujo auto não consta a presença da ilustre mandatária do autor), sendo de seguida, em 28.02.2008, proposto pelo instrutor do procedimento disciplinar à Direcção da ré a solicitação de “parecer técnico de alguém com conhecimentos e experiência, dentro do sector bancário que nos possa esclarecer, de forma clara, qual a valoração que dá aos factos como os que foram praticados pelos arguidos”;

- Em 9.04.2008 a Direcção da ré informou o instrutor do procedimento disciplinar da recepção de informação do Banco de Portugal de recusa de registo do autor enquanto membro da Direcção da ré, sendo depois junta no procedimento;

- Por carta datada de 5.05.2008 a Direcção da ré remeteu ao instrutor do procedimento disciplinar “parecer emitido pela D....”.

- Foi depois proferida a decisão final.

A data desta decisão, conforme se pode observar do procedimento, é a de 21 de Maio de 2008.

E quanto ao procedimento disciplinar referente à autora, a mesma sentença recortou os seguintes factos:

- A ré iniciou o procedimento disciplinar, após realização de averiguações, em 2.10.2007, notificando “nota de culpa” à autora por carta datada de 16.10.2007, à qual a autora respondeu por carta datada de 07.11.2007, indicando 7 testemunhas para inquirição;

- Foram inquiridas essas testemunhas, a última delas em 26.12.2007, a que se seguiu em 25.01.2008, 6.02.2008 e 18.02.2008 a inquirição de outras testemunhas (de cujo auto não consta a presença da ilustre mandatária da autora), sendo de seguida, em 28.02.2008, proposto pelo instrutor do procedimento disciplinar à Direcção da ré a solicitação de «parecer técnico de alguém com conhecimentos e experiência, dentro do sector bancário que nos possa esclarecer, de forma clara, qual a valoração que dá aos factos como os que foram praticados pelos arguidos»;

- Por carta datada de 5.05.2008 a Direcção da ré remeteu ao instrutor do procedimento disciplinar “parecer emitido pela D...”.

Foi depois proferida a decisão final.

A data desta decisão, conforme se pode observar do procedimento, será a de 4 de Julho de 2008, data da carta da ré a enviar à autora a comunicação da decisão disciplinar, já que outra não está documentada.

Trata-se então, antes de mais de saber, a partir de que data se deve considerar iniciado o prazo de caducidade do direito de aplicar a sanção.

O artigo 415.º n.º 1 do CT/2003 dispõe que “decorrido o prazo referido no nº 3 do artigo anterior, o empregador dispõe de 30 dias para proferir a decisão, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção”.

O n.º 3 do referido art. 414.º refere que “concluídas as diligências probatórias, o processo é apresentado, por cópia integral, à comissão de trabalhadores e, no caso do n.º 3 do artigo 411.º, à associação sindical respectiva, que podem, no prazo de cinco dias úteis, fazer juntar ao processo o seu parecer fundamentado”.

Ora, como não se revela existir comissão de trabalhadores ou serem os autores representantes sindicais, o prazo de 30 dias deve iniciar-se na data da conclusão das diligências probatórias (neste sentido, por todos, o Ac. da Rel. de Lisboa, de 28-11-2007, in CJ, t. V, p. 151 e segs. - CJ-on line, refª 8074 -, citado na sentença em recurso).

A primeira questão a abordar, neste âmbito, é a de saber se essas diligências probatórias devem ser as requeridas pelo trabalhador na resposta à nota de culpa ou outras que, depois delas, sejam levadas a cabo pelo empregador.

Defendendo a primeira dessas interpretações podemos encontrar, para além daquele Acórdão citado (Ac. da Rel. de Lisboa de 28-11-2007), o Ac. da Relação do Porto de 19-12-2005 (in CJ, t. V, e CJ-on line, refª 5412/2005)

Defendendo a segunda delas, podemos encontrar, segundo dos respectivos textos se pode depreender, o Ac. da Relação de Lisboa de 29-10-2008 (in www.dgsi.pt, proc.7127/2008-4), o Ac. da Relação de Évora de 4-12-2007 (in CJ, t. V, e CJ-on line, refª 8109/2007), o Ac. da Relação de Évora de 8-11-2005 (in CJ, t. V, e CJ-on line, refª 8267/2005) e o Ac. do STJ de 14-5-2008 (in www.dgsi.pt, proc.08S643).

Na interpretação do dispositivo legal, propendemos para esta segunda tese que é, afinal, a da recorrente.

Na verdade, embora os nºs 1 e 2 do art. 414.º do CT/2003 se refiram às diligências probatórias requeridas pelo trabalhador na resposta à nota de culpa, a verdade é que a epígrafe daquele artigo - “Instrução” -, bem como a 1ª parte do seu nº 3 (ao referir a expressão “concluídas as diligências probatórias”) indicam que o que releva é o conjunto dos actos de instrução probatória, quer sejam da iniciativa da acusação, quer sejam requeridos na defesa.

Dito isto, também entendemos, contudo, que o legislador do Código do Trabalho de 2003 ao estabelecer o efeito da caducidade para o decurso do prazo para proferir a decisão disciplinar – quando antes não o impôs – reforçou o interesse público da celeridade do procedimento disciplinar, interesse reforçado que o intérprete não deve ignorar.

Como se sabe, antes da entrada em vigor do Código do Trabalho, o regime legal constante Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT) estabelecia o mesmo prazo, que actualmente vigora (como já dissemos) de trinta dias para o empregador proferir a decisão do processo disciplinar. Tal prazo indicava, para além de outros aspectos na regulamentação do procedimento disciplinar, preocupações de celeridade, quer na condução, quer na conclusão do processo. O artº 10º, nº 8 da LCCT estabelecia o prazo de trinta dias, depois de concluídas as diligências probatórias, para prolação da decisão. Mas a lei não indicava, como hoje no Código do Trabalho, que o não cumprimento de tal prazo gerava a caducidade do direito de proferir a decisão. Discutia-se, então, a natureza de tal prazo: se meramente indicativo, sem consequências prático-processuais em caso de inobservância, a não ser na dimensão que podia constituir mais uma circunstância na apreciação da justa causa, ou se peremptório, em termos da sua inobservância acarretar a perda do direito de praticar o acto, como consequência de caducidade. Foi a primeira a tese que pareceu prevalecer (v. Bernardo Lobo Xavier, in Curso de Direito do Trabalho, 2.ª ed., 1996, págs. 508 e nota 1 e Pedro de Sousa Macedo, in Poder Disciplinar Patronal, 1990, págs. 153; Acórdão STJ de 28-10-1998, in BMJ 480-337, Ac. Rel. Coimbra de 17-10-1991, in CJ, t. 4, 153,  Ac. Rel. Coimbra de 28-02-1992, in BMJ, 414-647, Ac. Rel. Coimbra de 30-04-1992, in BMJ 416-721). No CT de 2003, o prazo de 30 dias é inequivocamente um prazo de caducidade do direito de aplicar a sanção, denotando progressivas preocupações de celeridade nas condução e conclusão do processo disciplinar, por parte do legislador.

Se assim é, não obstante o início do prazo de caducidade se dever iniciado com a conclusão das diligências probatórias, independentemente se elas são da iniciativa do empregador ou requeridas pelo trabalhador, não é razoável considerar que quaisquer diligências de instrução contam para o efeito da caducidade.

As diligências de instrução a considerar devem ser exclusivamente as diligências probatórias com relevo para o apuramento dos factos apresentados na nota de culpa ou na resposta a esta.

Os elementos relativos à ponderação dos factos apurados devem estar afastados dessas diligências, nos quais se devem incluir pareceres sobre a avaliação dos factos - é o caso, por exemplo, dos pareceres obrigatórios, sendo caso disso, a que alude o n.º 3 do art. 414.º ou o relatório final elaborado pelo instrutor do processo (ele mesmo um mero parecer). Como refere o Ac. da Relação de Lisboa de 9-7-2008 (in CJ, t. III, e CJ-on line, refª 5168/2008), tratam-se não de diligências probatórias, mas de actos preparatórios ou auxiliares da decisão disciplinar, para permitir ao empregador tomar a sua decisão com maior certeza.

Ora, na sentença da 1ª instância não se colocou realmente em causa que prazo de caducidade se deve iniciar com a conclusão das diligências probatórias independentemente se elas são da iniciativa do empregador ou requeridas pelo trabalhador – embora tenha citado Acórdão que defende que o prazo de caducidade se inicia com a conclusão das diligências probatórias requeridas pelo trabalhador.

O que ali se afirmou é que a solicitação do “parecer técnico”, pelo instrutor do processo, a que acima se faz referência não se traduziu – ao contrário do que defende a recorrente – em qualquer diligência probatória, já que nele não estava em causa a recolha de elementos de facto, uma vez que “como do próprio pedido consta (datado de 28 de Fevereiro), o instrutor do processo enuncia aí os factos que considera assentes, sendo com base neles que foi emitido o parecer”. Mais se acrescentou que “o parecer não surge no caso em apreço como um meio para obtenção de prova, mas como recolha de uma opinião sobre o enquadramento de factos já tidos pela instrução do procedimento como assentes”.

E que: “Assim, a última diligência probatória (…) data de 18 de Fevereiro de 2008 (tomada de declarações a M..... Compreende-se que para uma situação como a dos autos fosse procurado apoio técnico, mas este teria que ser obtido naqueles 30 dias (é este o prazo de caducidade, mas de qualquer modo a questão está suscitada pelo autor). Deste modo, sem necessidade de outras considerações, mesmo admitindo como última diligência probatória a inquirição de testemunha não indicada pelo autor/arguido no procedimento disciplinar, conclui-se que em Maio de 2008 tinha caducado o direito da ré a aplicar sanção disciplinar ao autor/arguido no procedimento disciplinar (…)”.

Ora, observado o referido pedido de parecer, pelo instrutor, não podemos deixar de concordar com o Sr. juiz “a quo”.

Naquele pedido dirigido estranhamente à direcção da ré (quando o instrutor deveria ter a competência para o formular directamente a quem entendesse dar-lhe esse auxílio técnico) sugere-se a obtenção de um “parecer técnico de alguém com conhecimentos e experiência, dentro do sector bancário que nos possa esclarecer, de forma clara, qual a valoração que dá aos factos como os que foram praticados pelos arguidos” e justifica-se tal pedido com a necessidade de auscultar, perante os factos que se elencam como apurados, “a sensibilidade de alguém exterior ao processo” para ajudar “na apreciação da gravidade ou não dos factos imputados aos trabalhadores”.

Trata-se, quanto a nós, de um acto auxiliar ou preparatório da decisão final, próprio da apreciação que normalmente consta num relatório final de instrução.

Salientamos que não podemos observar no pedido de parecer um meio de prova pericial, tal como vem indicada no artigo 388.º do Código Civil e regulamentada no art. 568.º e segs. do CPCivil. Trata-se mais dum acto de solicitação de parecer técnico como vem regulado no art. 649.º do CPCivil. A função do técnico que elabora o parecer, nos termos do estipulado pelo artigo 649º, nº 1, é diversa da função dos peritos nomeados, em conformidade com o disposto pelo artigo 568º e segs. do CPC. Enquanto que, na prova pericial, o perito funciona como agente de prova, sendo ele que capta e aprecia os factos, o técnico que elabora o parecer, no âmbito do estipulado pelo artigo 649º, do CPC, não é agente de prova, mas mero auxiliar do verdadeiro agente, que é o juiz, a quem pertence a observação e apreciação dos factos, ao passo que a esse técnico cabe prestar os esclarecimentos (pareceres técnicos) ao juiz, como acontece com as partes (v. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, IV, 1981, 319 e 507).

Um procedimento disciplinar não é uma acção judicial, é um processo de natureza inquisitória no qual é ao próprio empregador – e não a um terceiro imparcial – que cabe a decisão final no processo disciplinar, para além da sua direcção e organização. O empregador pode ou não socorrer-se de um instrutor. Se o fizer, deve assegurar-se de que o mesmo tem conhecimentos suficientes para o apoiar na apreciação dos factos disciplinares. Nada impede naturalmente que esse instrutor de apoie em pareceres alheios. Não pode é valer-se de tais pareceres como se se tratassem de diligências probatórias para apuramento de factos e, muito menos, para apreciação de factos que a ele cabem como auxiliar do empregador.

Daí que concordemos com a apreciação da 1ª instância, quando refere que o prazo não se iniciou com a junção de tal parecer, mas com a inquirição da última testemunha ouvida em cada um dos processos disciplinares.

Ora, quanto ao procedimento disciplinar referente ao autor, a última testemunha foi ouvida em 18.02.2008 (M....). Nenhum acto de diligência de prova, determinado naqueles autos, teve depois lugar. A decisão final de despedimento foi proferida a 21 de Maio de 2008. Para além dos 30 dias indicados como prazo de caducidade no art. 415.º n.º 3 do CT/2003.

E quanto ao procedimento disciplinar referente à autora, a última testemunha foi ouvida também em 18.02.2008. Também nenhum acto de diligência de prova, determinado naqueles autos, teve depois lugar. A decisão final de despedimento foi proferida em Julho de 2008. Também para além dos 30 dias indicados como prazo de caducidade no art. 415.º n.º 3 do CT/2003.

Assim sendo, caducou o direito da ré aplicar as sanções, razão pela qual as mesmas devem ser consideradas ilícitas, estando nesta parte correcta a sentença da 1ª instância.

Desta forma ficam prejudicadas as demais questões do recurso relacionadas com a licitude das sanções (e com a justa causa do despedimento, designadamente). Ficando também prejudicada a questão suscitada na conclusão 21 do recurso, relacionada com “a presença dos mandatários dos trabalhadores e respectiva notificação de diligências posteriores”, pois, para além do mais, não observamos que na sentença se tenham tirado quaisquer consequências dessa situação.

2.2. A questão da condenação da ré a pagar ao autor indemnização por danos não patrimoniais.

Como se disse, a sentença recorrida condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 3.000,00 a título de danos não patrimoniais (o autor tinha pedido a este título € 30.000,00).

A ré, no recurso, defende que essa condenação não tem qualquer fundamento na prova produzida, na sua adequação aos factos provados, nem assenta na prova de qualquer nexo de causalidade. Designadamente alega que não foi demonstrada no presente processo, qualquer causalidade entre os danos morais e este processo disciplinar, em concreto, porquanto tendo o recorrido A... outros processos em curso, não se vislumbra qual o juízo que permita relacionar as angústias do recorrido A... com o processo disciplinar que conduziu ao despedimento “e não com qualquer um dos outros processos (crime e administrativo) que o recorrido tem pendentes, aos quais de resto já tinha durante o decurso do procedimento disciplinar”.

Ora provou-se (factos 62. a 66.) que após a instauração do procedimento disciplinar, o autor viu-se confrontado com perguntas incómodas de clientes e colegas por causa da sua ausência repentina e se sentiu muitas vezes angustiado e ansioso, sem saber o que poderia ou deveria esperar do seu futuro profissional, tendo esse estado de espírito abalado a sua vida pessoal e familiar; que consultou um psicólogo para o ajudar a lidar com a ansiedade e stress provocados pela instauração e pendência do procedimento disciplinar e que decidiu abster-se de continuar a praticar as actividades sociais a que se dedicava nos seus tempos livres, no “ ...” e no “ ... de G...”, por recear que a eventual publicidade do processo disciplinar pudesse abalar a integridade destas instituições.

Esses danos psicológicos relacionam-se, claramente, com o processo de despedimento, tal como os factos o descrevem, e não com outros processos.

Esses danos são ressarcíveis nos termos do disposto no art. 436.º n.º 1 al. a) do CT/2003, de acordo com o critério enunciado no art. 496.º n.º 1 do Código Civil, tal como se enuncia na sentença recorrida.

A mesma sentença ponderou ainda, em critério de equidade, que estando a ilicitude do despedimento relacionada apenas com uma questão procedimental (a caducidade do direito de aplicar a sanção) a indemnização não deveria ser superior a € 3.000.00.

Afigura-se-nos adequado esse juízo (com aproximação, diga-se, à situação e valores tratados no Ac. do STJ de 7-5-2009, in ww.dgsi.pt, proc. 09S0376).

 

Improcederá, assim e na totalidade, a apelação.

                                                           *

Sumário (a que alude o artigo 713º nº 7 do C.P.C.):

- O prazo de caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar a que alude o artigo 415.º n.º 1 do CT/2003, de 30 dias para proferir decisão em procedimento disciplinar laboral, inicia-se na conclusão das diligências probatórias, no caso de não existir comissão de trabalhadores na empresa do empregador ou se o trabalhador não for representante sindical.

- A última das diligências probatórias a considerar tanto pode ser uma das requeridas pelo trabalhador na resposta à nota de culpa, como outra que, depois dela, seja levada a cabo por iniciativa do empregador.

- As diligências de instrução a considerar devem ser exclusivamente as diligências probatórias com relevo para o apuramento dos factos apresentados na nota de culpa ou na resposta a esta.

- Para efeito de determinar o início daquele prazo de caducidade, não pode ser considerado um parecer técnico pedido pelo instrutor do procedimento disciplinar para avaliação dos factos apurados, uma vez que tal parecer reveste a natureza de mero acto auxiliar da decisão disciplinar do empregador, próprio da apreciação que normalmente consta num relatório final de instrução.


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III- DECISÃO

Termos em que se delibera julgar improcedente a apelação e confirmar inteiramente a sentença impugnada.

Custas a cargo da apelante.