Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
17/09.0PECTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE JACOB
Descritores: PROVA
ÓRGÃO DE POLÍCIA CRIMINAL
TRÁFICO DE DROGA
Data do Acordão: 01/12/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 248º, 249º, 356º, 7 CPP, 21,24º E 25º DL Nº 15/93, DE 22/1
Sumário: 1. É atendível o depoimento que incide sobre diligências de investigação legitimamente efectuadas por órgão de polícia criminal relativamente a infracção de que teve conhecimento no exercício das suas funções, antes ainda da instauração do inquérito e da constituição como arguido.

2. A norma ínsita no nº 7 do art. 356º não tem um alcance de tal modo amplo que vá ao ponto de vedar o depoimento do agente que relata em audiência as diligências investigatórias que levou a cabo e as providências cautelares que tomou relativamente aos meios de prova

3. O DL nº 15/93, de 22 de Janeiro, parte de um tipo fundamental, desenhado no respectivo art. 21º, temperando a punição do crime por recurso a dois outros preceitos, vertidos nos arts. 24º e 25º, que contemplam, respectivamente, a agravação e a menor gravidade do ilícito, a determinar em função da danosidade social evidenciada pelo grau de ilicitude e da especificidade da acção em concreto desenvolvida pelo agente.

Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO:

Nestes autos de processo comum que correram termos pelo 2º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, após julgamento com documentação da prova produzida em audiência, foi proferido acórdão em que se decidiu nos seguintes termos:
(…)
Atento todo o exposto, julgamos parcialmente procedente, por provada, a acusação pública, em função do que:
1. Absolvemos:
1.1. o arguido V… da prática de:
a. um crime de receptação, previsto e punido pelo art. o 2310, n. o 1 do Código Penal;
b. Um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo art. o 250, n.º 1, do Decreto-Lei n. o 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-C anexa ao referido diploma;
1.2. a Arguida M... , da prática de:
a. Um crime de receptação, previsto e punido pelo art. o 2310, n. º 1 do Código Penal;
b. um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo art. o 250, n. o 1 do Decreto-Lei n. º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-C anexa ao referido diploma.
2) Condenamos:
2.1. o arguido A..., como autor material e na forma consumada, pela prática de:
a. dois crimes de roubo, previstos e punidos pelo art. 210°, n. ° 1 do Código Penal, nas penas de um ano e oito meses de prisão para um e um ano e seis meses de prisão para outro;
b. cinco crimes de abuso de confiança, previstos e punidos pelo artigo 205°, n. ° 1 do Código Penal, na pena de oito meses de prisão para cada um deles;
c. um crime de ameaça, previsto e punido pelo art. 153º, n. ° 1 do Código Penal, na pena de quatro meses de prisão;
d. um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelo art.o 153°, n.º 1 e 155, n.º 1, aI. a), com referência ao art. 131º, todos do Código Penal, na pena de oito meses de prisão;
e. um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo art. ° 25°, n. ° 1, do Decreto-Lei n. 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-C anexa ao referido diploma, na pena de um ano e um mês de prisão;
f. um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art. 86°, n.º 1, aI. c), com referência aos arts. 2°, n.ºs 1, ais. p) e s) e 3°, n.º 6, aI. c), todos da Lei n. ° 5/2006, de 23/2, na redacção que lhe foi dada pela Lei n. ° 17/2009, de 16/5, na pena de um ano e um mês de prisão.
Nos termos do art. 77º, do C.Penal, condena-se este arguido na pena única de cinco anos e oito meses de prisão.
2.2.Arguido V..., como autor material e na forma consumada, pela prática de:
a. um crime de receptação, previsto e punido pelo art. 2310, n.º 2, do Código Penal, na pena de três meses de prisão;
b. um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art.o 860, n.º 1, al. c), com referência aos arts. 2°, n.ºs 1, als. p) e s) e 3°, n.º 6, aI. c), todos da Lei n.º 5/2006, de 23/2, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 17/2009, de 16/5, na pena de um ano e três meses de prisão.
Nos termos do art. 77º, do C.Penal, condena-se este arguido na pena única de dezassete meses de prisão.
2.3. Arguida M... , como autora material e na forma consumada, pela prática de:
a. Um crime de receptação, previsto e punido pelo art. 2310, n. º 2, do Código Penal, na pena de três meses de prisão;
b. Um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art. o pelo art. o 860, n. o 1, 01. c), com referência aos arts. 2°, n.º 1, als. p) e s) e 3°, n.º 6, aI. c), todos da Lei n. o 5/2006, de 23/2, na redacção que lhe foi dada pela Lei n. º 17/2009, de 16/5, na pena de um ano e dois meses de prisão.
Nos termos dos arts. 77º, 50º e 53º, do C.Penal, condena-se esta arguida na pena única de dezasseis meses de prisão, cuja execução se suspende pelo período de dezasseis meses, sob regime de prova.
2.4. Arguido D..., como autor material e na forma consumada, pela prática de:
a. Um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art. o pelo art. o 860, n.º 1, al. c), com referência aos arts. 2°, n.º 1, als. p) e s) e 3°, n.º 6, aI. c), todos da Lei n.º 5/2006, de 23/2, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 17/2009, de 16/5, na pena de treze meses de prisão.
Nos termos do art. 58º, do C.Penal, substitui-se esta pena de prisão por 390 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade.

Inconformado, o M.P. interpôs recurso do acórdão do Tribunal Colectivo, impugnando a matéria de facto.
Também o arguido V… interpôs recurso, restrito à apreciação da matéria de direito, que veio a ser rejeitado.
No recurso interposto pelo M.P. forma formuladas as seguintes conclusões:
I - Por se impugnar matéria de facto, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 412°, n.º 3, aI. a) do CPP indica-se que os pontos que, concretamente, se reputam incorrectamente julgados são os factos dados como não provados nos pontos 82, 84, 87 e 88, na conjugação com os pontos n.º 79 a 83 da matéria provada do acórdão recorrido, quanto à matéria do crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo art. 25°, n.º 1 do DL nº 15/93 de 22-1 de que os arguidos V… e M... estão acusados.
2 - Estes arguidos foram absolvidos da prática do crime de tráfico de menor gravidade.
3 - A apreciação da prova feita pelo tribunal, que conduziu à matéria provada e não provada, com especial relevo para a apreciação da prova constituída pelas declarações do elemento da PSP, testemunha J..., na sua conjugação com os demais elementos de prova produzidos, designadamente, os autos de busca domiciliária e de apreensão, deveria merecer uma diferente conclusão.
4 - Considerou o tribunal recorrido, no que respeita ao facto de no momento da apreensão do haxixe na residência da arguida, a testemunha ter transmitido ao tribunal que, ao confrontar os arguidos – V… e M... ­para saber de quem era a droga, ambos disseram que era do arguido V…, e que tal depoimento não podia ser valorado, por se tratar de uma forma de contornar a lei no art. 356°, n.º 7 do CPP e por isso era depoimento de apreciação proibida por lei.
5 - Ora, o depoimento prestado em audiência por esta testemunha tal como foi transcrito nessa parte, na nossa motivação, deveria ter sido valorado pelo tribunal, não constituindo esse contributo probatório uma violação do disposto nos art. 355° e 356°, n.º 7 ambos do CPP, tal como considerou o tribunal.
6 - Aliás, não o tendo valorado, omitiu a apreciação de provas relevantes para o esclarecimento dos factos o que não constituía qualquer violação daquelas normas legais.
7 - Na verdade, no momento da apreensão de 38,895 gramas de haxixe que se encontravam na cozinha da arguida M..., estando esta presente e o seu filho, o arguido V..., estes (ambos) assumiram que a droga pertencia a este último e que a primeira sabia que ali estava guardada (na sua casa), segundo o depoimento da testemunha elemento de OPC apreensor.
8 - Não estamos a falar de situação em que a testemunha esteja a falar de conhecimento de factos que teve exclusivamente através de declarações formal ou informalmente prestadas por suspeitos ou mesmo por arguidos, mas sim de factos em relação aos quais a testemunha teve a percepção directa e havia que procurar esclarecer alguns aspectos relacionados com aqueles.
9 - Tais informações prestadas pelos arguidos são dadas a propósito de diligências que estão materializadas no processo como elementos de prova que têm autonomia, não estando os suspeitos impedidos de colaborarem com as autoridades policiais, nem estes de mais tarde prestarem depoimentos sobre os mesmos, de acordo com o que dispõem os art. 55.° n.º 2, 59°, n.º 1 e 249°, n.º 1 e 2 al. a) e b) todos do CPP.
10 - O depoimento da testemunha em causa não está suportado em autos de declarações prestados pelos arguidos cujo leitura ou valoração seja proibida.
11 - O arguido V... esteve presente em audiência e, podendo contraditar o depoimento da referida testemunha, não o quis fazer, por ter feito valer o seu direito ao silêncio, enquanto que a arguida M... não esteve presente, não justificou a sua falta, nem se conseguiu fazer comparecer no julgamento através de mandados de condução emitidos no decurso da audiência.
12 - Não tendo o tribunal aceite o depoimento da testemunha J..., elemento da PSP, na conjugação com os demais elementos de prova, designadamente, os autos de busca e apreensão, violou na sua aplicação o disposto nas normas referidas no ponto anterior, conjugadas com as dos art. 355° e 356°, n.º 7 do mesmo diploma legal.
13 - Os elementos dos OPC só depois da realização das buscas e apreensões e de ter feito os contactos verbais com os mesmos suspeitos é que foram detidos e constituídos arguidos e, após, presentes a primeiro interrogatório judicial que julgou válidas as detenções e apreensões feitas, aplicando nessa sequência as respectivas medidas de coacção.
14 - Por outro lado, resulta com clareza da prova que se produziu que o OPC não procurou aquele meio de contacto com os suspeitos como forma de "contornar" o disposto no art. 356°, n.º 7 do CPP, antes pelo contrário, ocorreu no decurso de uma outra diligência probatória autorizada judicialmente, impondo-se esclarecer no momento aspectos relacionados com o conhecimento da existência e da titularidade de um produto de posse ilícita e esses contributos foram prestados com espontaneidade. (Ac. STJ de 29-3-1995, BMJ 445, 279, entre outros e Ac. da ReI. Coimbra de 2-4-2008, in www.dgsi.pt , proc. n.º 1541/06.1 PBAVR, a propósito de depoimento tomados com referência a autos de reconstituição.)
15 - Deverá, assim, ser valorado o depoimento da testemunha J... e, tendo o mesmo sido esclarecedor no contexto e na conjugação da demais prova produzida, esta já aceite pelo tribunal, ser dada como provada a matéria que está enunciada como não provada nos pontos n.º 82, 84, 87 e 88 e assim complementando a matéria já dada como provada nos pontos n.os 79° a 83°.
16 - Em consequência, se declarando a nulidade do acórdão, nesta parte, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374°, n.º 2 e 379º, n.º 1 aI. a) ambos do CPP.
17 - Após, o que aplicado o direito aos factos, os arguidos sejam condenados pela prática do crime previsto no art. 25º, n.º 1 do DL n.º 15/93 de 22-1, em conjugação com o disposto no art. 21º do mesmo diploma legal. E assim,
18 - Sendo o acórdão substituído por outro que considere tais factos provados e que condene os arguidos pela prática do referido crime, ou então se determine a repetição do julgamento nesta conformidade.

Nesta instância, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer em que se pronuncia pela procedência do recurso interposto pelo M.P..
Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, as questões a decidir são as seguintes:
- Impugnação da matéria de facto, pressupondo a prévia verificação da admissibilidade de valoração do depoimento prestado em audiência pela testemunha J...;
- Nulidade do acórdão por omissão de valoração de provas relevantes para o apuramento da verdade;
- Condenação dos arguidos V... e M... pelo crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. p. pelo art. 25º, al. a), da Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.

II - FUNDAMENTAÇÃO:

No acórdão recorrido tiveram-se como provados os seguintes factos:
1. No dia 16 de Setembro de 2009, pelas 22 horas, F... e C... encontravam-se nas " ...", nesta cidade, na companhia do arguido A....
2. A dada altura, o arguido A... convidou-os para irem até sua casa, ao que aqueles acederam.
3. Quando já se encontravam, junto da residência do arguido A..., sita da Rua de …, nesta cidade, este pediu o telemóvel ao F... para fazer uma chamada, a que este acedeu, entregando-lhe o telemóvel de marca Nokia, modelo 5700 PR, com o n.º de série…., no valor de 210 €.
4. Então, o arguido A... entrou dentro de casa com o telemóvel, só regressando cerca de 10 minutos depois, dizendo que o telemóvel havia caído na sanita, o que sabia não ser verdade.
5. E não mais entregou o telemóvel ao F....
6. O arguido A... agiu de forma livre, consciente e deliberadamente ao actuar da forma supra descrita, fazendo seu o telemóvel que lhe havia sido entregue pelo F... apenas para efectuar uma chamada e que, portanto, não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do seu proprietário.
7. No dia 5 de Outubro de 2009, pelas 4 horas, B... e R... encontravam-se no cruzamento da Rua .. com a Rua de .., nesta cidade, quando o arguido A..., aproximou-se deles tendo pedido um cigarro ao F..., ao que este lhe respondeu que não fumava.
8. Então o arguido A... entabulou conversa de circunstância com o F..., enquanto que o R..., que se encontrava a falar a telemóvel, se afastou alguns metros daqueles.
9. Uma vez que o F... já tinha conhecimento que o arguido A... normalmente procedia daquela forma com o intuito de vir a conseguir retirar ou fazer entregarem-lhe telemóveis, escondeu o seu telemóvel de Marca Nokia, modelo Express Music, no valor de 149 €, no interior de uma meia que trazia vestida.
10. Enquanto isso, o arguido A... continuou a falar com o F...e convidou-o a irem a sua casa para lhe mostrar uns CDs, ao que o F... recusou.
11. Após tal resposta, de imediato o arguido A... agarrou o F... num dos braços, com força, enquanto que na outra mão empunhou uma navalha de pequenas dimensões, e disse-lhe "dá-me imediatamente o telemóvel".
12. Mas, também de forma repentina, o F... desferiu um muro na face do arguido A..., o que fez com que este o largasse.
13. Então o F... e o R..., que entretanto se apercebeu do que estava a suceder, começaram a correr na direcção da Esquadra da Polícia de Segurança Pública, sendo seguidos pelo arguido A....
14. Porém, pouco depois, o telemóvel do F... cai da meia onde o havia escondido, ficando no chão.
15. E o arguido A... apanha-o e, saindo daquele local, leva-o consigo.
16. O F... não recuperou, posteriormente, o seu telemóvel.
17. O arguido actuou de forma livre, deliberada e conscientemente, conseguindo fazer seu o telemóvel de F..., que na fuga deixou cair o seu telemóvel e não regressou atrás para apanhá-lo com receio do que o arguido A... lhe pudesse fazer caso o apanhasse, deixando que este o apanhasse e o fizesse seu, bem sabendo que não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do seu proprietário.
18. No dia 18 de Outubro de 2009, pelas 0 horas e 1 minuto, na Praça ..., nesta cidade, G... avistou um indivíduo, cuja identidade não foi apurada, que se encontrava perto do arguido A....
19. Enquanto que o G... trocava algumas palavras com aquele primeiro, o arguido A... pediu-lhe que enviasse uma mensagem pelo telemóvel, indicando-lhe o número destinatário e o teor da mensagem.
20. O G... acedeu ao pedido e enviou-lhe tal mensagem, continuando a falar com aquele outro indivíduo.
21. Cerca de dois minutos depois, quando o G... já se preparava para prosseguir o seu caminho, o arguido A... pediu-lhe o telemóvel para fazer um telefonema.
22. Ao que G... acedeu, tendo-lhe entregue o seu telemóvel de marca Nokia, modelo 5130 Express Music, no valor de € 90.
23. Após efectuar a chamada, o arguido A... guardou o telemóvel do G… no bolso e disse-lhe que se podia ir embora, afirmando de seguida "se fores à policia ou disseres a alguém, estás fodido porque quando te encontrar dou-te uma grande sova. Eu sou cigano e não tenho medo de ti".
24. O G... ainda insistiu com o arguido A... para que lhe devolvesse o telemóvel, mas este apenas retirou o cartão do telemóvel e entregou-lho, reafirmando novamente que lhe daria uma sova.
25. Então, o G... com receio do arguido acabou por sair daquele local.
26. O G... não recuperou, posteriormente, o seu telemóvel.
27. O arguido A... agiu de forma livre, consciente e deliberadamente ao actuar da forma supra descrita, fazendo seu o telemóvel que lhe havia sido entregue pelo G... apenas para efectuar uma chamada e que, portanto, não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do seu proprietário.
28. Actuou ainda de forma livre, deliberada e conscientemente, sabendo ainda que as expressões por si proferidas eram aptas a causar medo e inquietação no G... e actuou querendo isso mesmo.
29. No dia 2 de Novembro de 2009, pelas 23 horas, na Rua de ..., nesta cidade, o arguido A... abordou L..., que por ali passava a pé, e pediu-lhe o telemóvel para enviar uma mensagem.
30. Ao que este acedeu, tendo entregue ao arguido A... o seu telemóvel de marca Samsung, no valor de 70 €.
31. De posse do telemóvel, o arguido entrou da sua residência não mais devolvendo o referido aparelho.
32. O L... não mais recuperou o seu telemóvel.
33. O arguido A... agiu de forma livre, consciente e deliberadamente ao actuar da forma supra descrita, fazendo seu o telemóvel que lhe havia sido entregue pelo L... apenas para enviar uma mensagem e que, portanto, não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do seu proprietário.
34. No dia 5 de Novembro de 2009, pelas 12 horas, na Rua de ..., nesta cidade, o arguido A... aproximou-se de H....
35. Uma vez junto deste, o arguido A... desfere-lhe uma pancada com força nas costas do H..., ao mesmo tempo que lhe tira o computador de marca Acer, modelo 5620, que este trazia debaixo do braço.
36. E proferindo a expressão "este agora é meu", o arguido A... abandonou aquele local a correr.
37. O referido computador portátil havia sido adquirido pelo H... pelo preço de 150 €, através do programa E/Escolas, embora o mesmo tenha um valor comercial de cerca de 400 €.
38. O computador acabou por ser recuperado pela Polícia de Segurança Pública, dias mais tarde, no decurso da investigação realizada no presente processo.
39. O arguido actuou de forma livre, deliberada e conscientemente, ao actuar da forma descrita, conseguindo fazer seu computador portátil, bem sabendo que não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do seu proprietário.
40. No dia 9 de Novembro de 2009, pelas 21 horas, o arguido A... aproximou-se de I... e de GM... quando estes circulavam na Rua Dadrá, nesta cidade.
41. Então o arguido A... disse ao I... para se deslocar com ele até sua casa a fim de lhe entregar um telemóvel que tinha retirado a um conhecido daquele.
42. Ao que o I... recusou, tendo-se afastado daquele local na companhia do GM....
43. Cerca de 5 minutos depois, o I... circulava, já sozinho pela Rua, nesta cidade, quando é abordado, novamente, pelo arguido A... que lhe pede para fazer uma chamada com o telemóvel daquele.
44. Uma vez que o I... recusou tal pedido, o arguido A... pediu-lhe então para o deixar enviar uma mensagem.
45. Uma vez mais o I... recusa, dando a desculpa que não tinha bateria.
46. Então, o arguido A... pede-lhe para lhe mostrar o telemóvel.
55. No dia 10 de Novembro de 2009, pelas 19 horas e 15 minutos, o arguido A... abordou BM... quando este passava em frente à sua residência, sita na Rua de ..., n.º ..., nesta cidade, e pediu-lhe que lhe emprestasse o telemóvel para mandar uma mensagem, ao que este acedeu, entregando-lhe o seu telemóvel de marca Nokia e, modelo 5130, com o n.º de série ..., no valor de 89,90 €.
56. Assim que o arguido A... se viu na posse do telemóvel disse, de imediato, ao BM... para desaparecer dali e que se contasse o sucedido o matava, após o que entrou na sua residência.
57. O BM... continuou a insistir, junto da porta da residência do arguido, para que este lhe devolvesse o telemóvel, pelo que, passado algum tempo, o este veio à porta de casa, e deitando para o chão o cartão do telemóvel disse-lhe que saísse dali senão partia-o todo e matava-o.
58. O BM... acabou por sair daquele local, não tendo mais recuperado o telemóvel.
59. O arguido A... actuou de forma livre, deliberada e consciente ao proceder da forma supra descrita, fazendo seu o telemóvel que lhe havia sido entregue pelo BM... apenas para enviar uma mensagem e que, portanto, não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do seu proprietário.
60. Actuou ainda de forma livre, deliberada e conscientemente, sabendo ainda que as expressões por si proferidas eram aptas a causar medo e inquietação no BM... e actuou querendo isso mesmo.
61. No dia 13 de Novembro de 2009, pelas 3 horas e 30 minutos, o arguido A... abordou JF… quando este passava em frente à residência daquele, nesta cidade, e pediu-lhe para este lhe emprestar o telemóvel para fazer uma chamada.
62. O JF... acedeu ao pedido, entregando ao arguido A... o seu telemóvel de marca LG, modelo KS 360, no valor de 124,90 €.
63. Assim que o arguido A... ficou na posse do referido telemóvel, entrou na sua residência, não mais saindo.
64. O JF... não mais recuperou o seu telemóvel.
65. O arguido A... actuou de forma livre, deliberada e consciente ao proceder da forma supra descrita, fazendo seu o telemóvel que lhe havia sido entregue pelo JF... apenas para enviar uma mensagem e que, portanto, não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do seu proprietário.
66. O arguido A... é consumidor habitual de substâncias estupefacientes, nomeadamente de heroína e haxixe, encontrando-se dependente do consumo de heroína.
67. E como não tem meio de custear esse seu vício, entregou os objectos conseguidos mediante a prática dos factos supra descritos, a pessoas variadas, de identidade não apurada e designadamente ao arguido V... dois dos atrás referidos telemóveis, a troco de dinheiro.
68. No dia 5 de Novembro de 2009 e logo após o arguido A... ter retirado o supra referido computador portátil de marca Acer, conforme supra se descreveu, este dirigiu-se a casa do arguido V... e perguntou-lhe se queria comprá-lo.
69. Após regatearem o preço, o arguido V... acabou por comprá-lo pelo valor de 20 €.
70. E, posteriormente, o arguido V... entregou à arguida M..., sua mãe, o referido computador portátil, sabendo esta que o seu filho o havia adquirido ao arguido A... e admitindo como possível que este último tenha acedido à respectiva posse através de acto ilícito típico contra o património.
71. O arguido V... actuou de forma livre, deliberada e conscientemente ao adquirir o referido computador portátil pelo preço de 20 €, admitindo como possível que o arguido A... tenha acedido à respectiva posse através de acto ilícito típico contra o património e actuou conformando-se com essa possibilidade.
72. A arguida M... actuou de forma livre e consciente, conformando-se com a mencionada possibilidade de o referido computador portátil ter chegado à posse do arguido A... mediante facto ilícito típico.
73. Em data não determinada, o arguido V... adquiriu ao arguido A... a arma de fogo longa, com 119 cm. de comprimento total, de calibre 12, marca Fias Sabatti, com o n.º 130235, com dois canos sobrepostos de alma lisa, com 75, 5 cm. de comprimento cada, que se encontra registada em nome de DS…, já falecido.
74. Tal arma de fogo havia chegado à posse do arguido A... por lhe ter sido entregue por uns indivíduos de raça cigana não identificados.
75. Em data não concretamente determinada, o arguido V... entregou a referida arma à arguida M..., sua mãe.
76. Em data não concretamente determinada, mas que se situa em meados do mês de Agosto de 2009, o arguido V... pediu ao arguido D... para guardar em sua casa essa mesma arma ao que este acedeu, tendo levado a arma para sua casa e tendo-a escondido no interior do seu quarto, local onde ainda se encontrava no dia 19 de Novembro de 2009.
77. Na sequência dos factos praticados pelo arguido A... acima descritos, este foi abordado por agentes da Polícia de Segurança Pública na Rua de ..., nesta cidade, no dia 17 de Novembro de 2009, pelas 18 horas.
78. Uma vez no interior da esquadra e como medida de segurança, foi efectuada uma revista ao arguido e verificou-se que este tinha consigo heroína com o peso liquido de 0,040 gramas, que destinava ao seu consumo, e cannabis (resina), vulgo haxixe, com o peso liquido de 11,870 gramas, que destinava em parte ao seu consumo e outra parte para trocar por heroína.
79. No dia 19 de Novembro de 2009, pelas 9 horas, os Agentes J..., AS… e PM…, da Polícia de Segurança Pública de ... realizaram uma busca à residência do arguido V... e de JR…, sita na Rua…, nesta cidade.
80. No decurso desta diligência, foi encontrado no quarto do arguido uma munição de calibre 7,65 mm., uma munição de calibre 6,35 mm., uma embalagem com sementes da cannabis, com o peso bruto de 0,63 gramas, que pertenciam ao arguido V...
81. Nesse mesmo dia, pelas 10 horas e 15 minutos, os mesmos agentes da Polícia de Segurança Pública de ... realizaram uma busca à residência da arguida M..., sita na Rua …, nesta cidade, à qual tem acesso o arguido V... e onde ainda guarda alguns dos seus pertences.
82. No decurso desta diligência, foi encontrada na cozinha cannabis (resina) com o peso líquido de 38,895 gramas.
83. Foi ainda encontrado, no quarto sito no rés-do-chão, um cinturão para transportar cartuchos, contendo 12 cartuchos de 12 mm..
85. Actuou o arguido D... de forma livre, consciente e deliberada, conhecendo as características da supra descrita arma, sabendo que não a poderiam deter e actuaram querendo isso mesmo.
86. Actuaram ainda os arguidos V..., A... e M... de forma livre, consciente e deliberada, conhecendo as características da supra descrita arma, bem como das munições supra descritas, sabendo que não as poderiam deter e actuaram querendo isso mesmo.
89. O arguido A... actuou de forma livre, consciente e deliberadamente, ao deter a cannabis consigo, destinando uma parte ao seu consumo e outra parte para trocar por heroína, bem sabendo que se tratava de substância estupefaciente.
90. O arguido A... actuou sempre bem sabendo que as suas condutas atrás descritas eram proibidas e punidas pela lei.
91. O arguido V... actuou sempre bem sabendo que as suas condutas atrás descritas eram proibidas e punidas pela lei.
92. A arguido M... actuou sempre bem sabendo que as suas condutas atrás descritas eram proibidas e punidas pela lei.
93. O arguido D... actuou sempre bem sabendo que a sua conduta atrás descrita era proibida e punida pela lei.
*
Factos provados além da acusação pública:
O arguido V… encontra-se sujeito à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, no caso concreto com recurso a vigilância electrónica, desde 20/11/2009, V... viveu com ambos progenitores até aos seis anos de idade, altura em que os pais se separaram. Continuou a residir com a mãe e avô maternos e por posterior decisão judicial passou a viver períodos alternados com cada um deles e a irmã ficou entregue aos cuidados dos avós paternos.
A dinâmica e estrutura familiar em que efectuou o seu processo são problemáticas, salientando-se disfuncionalidade na relação entre os seus elementos, ausência de regras e hábitos de vida estruturados. Esta instabilidade é agravada pelos problemas do foro psiquiátrico da progenitora, que tem vindo a assumir uma posição de demissão do seu papel parental e incapacidade de imposição de normas que lhe permitam organizar um modo de vida socialmente enquadrado.
Relativamente ao progenitor, vem exteriorizando preocupação face ao processo de desenvolvimento do arguido, verificando-se alguma afectividade ainda que assuma uma figura pouco vinculativa e de ténue autoridade.
O jovem apresenta um percurso académico irregular, pautado pelo absentismo e abandono escolar aos quinze anos de idade, tendo concluído u 8° ano de escolaridade, Não prosseguiu qualquer formação ou actividade ocupacional,
Sem controlo parental consistente, iniciou precocemente o consumo de estupefacientes e bebidas alcoólicas, assumindo um modo de vida marginal passando a identificar-se com grupos de jovens conotados com práticas delinquentes. Foi alvo de intervenção tutelar e regista o primeiro contacto com o sistema de justiça penal aos 16 anos de idade, permanecendo 15 meses em prisão preventiva; neste processo foi condenado numa pena de três anos de prisão, por vários crimes de roubo, suspensa na sua execução com sujeição a regime de prova.
Após a sua libertação, V... reintegrou o agregado familiar da mãe e avô materno, passando a residir em casa deste localizada na zona medieval de ..., zona conotada com delinquência. Passou a procurar colocação laboral, cursos de formação profissional e procurou apoio na segurança social por forma a reorganizar a sua vida. Sem respostas positivas e imediatas, apenas regista um período de 2 a 3 meses de ocupação laboral num call centre. Debatendo-se com dificuldades em satisfazer as necessidades básicas, viveu um período de instabilidade pessoal, reaproximou-se de um grupo de pares com características delinquentes e envolveu-se noutro processo judicial pelo crime de roubo.
Sem rectaguarda familiar de suporte, encetou uma relação afectiva com uma jovem de 16 anos, único elemento afectivo de referência, residindo com a mesma numa casa emprestada, propriedade de sua mãe, com fracas condições de habitabilidade. Não exercia qualquer ocupação remunerada e sobrevivia do apoio económico esporádico e irregular dos pais e avô.
À data dos factos objecto dos presentes autos, V... frequentava o Curso de Formação de Adultos, com o objectivo de alcançar o 9° ano de escolaridade; demonstrava motivação em concluir esse ciclo de escolaridade, mantinha-­se assíduo e com um comportamento dentro das normas estabelecidas, actividade que constituía uma forma de facilitar a sua inserção laboral no sentido de conseguir autonomia financeira.
O seu quotidiano não obedecia a qualquer outra rotina estruturada, praticando um estilo de vida sem regras e com maior predisposição para desenvolver relações e influências anti-sociais. Relativamente ao consumo de estupefacientes e desde que esteve preso, manteve uma evolução positiva perante esta problemática. Neste momento, considera ser consumidor esporádico de drogas ditas leves.
Cumpria a execução de regime de prova no âmbito da suspensão de execução de pena em dois processos (n°s 10/07.7GHCTB e 96/07.4PBCTB, ambos do 3º Juízo do Tribunal de Castelo Branco). Apesar de existirem alguns indicadores de mudança comportamental, expressos na procura de alternativas de colocação laboral ou formação profissional, prevalecia urna frágil adesão às entrevistas que decorriam do Plano de Reinserção Social e a identificação com indivíduos associados a comportamentos delituosos.
Desde que retomou a frequência do Curso de Formação de Adultos, já no decurso da medida de coacção que cumpre nos presentes autos, prevê-se que conclua com êxito, na primeira quinzena de Junho de 2010, o 9° ano de escolaridade. Segundo a coordenadora do curso, V... tem revelado motivação, empenho pessoal, elevadas capacidades de aprendizagem e uma adequada relação com todos os docentes, funcionários e colegas.
Tem permanecido no agregado familiar do progenitor e madrasta, esta última considerada elemento estabilizador na organização do seu quotidiano familiar e na sua própria estabilidade pessoal, notando-se no arguido a ausência desta há cerca de dois meses.
Tem algumas dificuldades em perspectivar a sua vida futura, evidenciando sobretudo a necessidade de conseguir uma alternativa laboral que lhe permita garantir autonomia financeira atentas as frágeis condições familiares com que pode contar no seu processo de reinserção social.
Tem desenvolvido grande esforço pessoal para cumprir o confinamento a que se encontra sujeito bem como o cumprimento de horários na frequência do curso de Formação de Adultos.
Remete o seu envolvimento no presente processo judicial para as condições vivenciais na altura e manifesta preocupação pelo desenvolvimento da sua situação jurídica, tendo em conta que estão pendentes duas suspensões da execução de penas de prisão, receando a ameaça de lhe vir a ser aplicada pena de prisão efectiva.
São conhecidos ao arguido V... os seguintes antecedentes criminais:
- Foi condenado, por acórdão transitado em julgado, de 06.06.2008, transitado em 19.11.2008, por factos praticados em Dezembro de 2006 e Janeiro de 2007, integrantes de quatro crimes de roubo, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos;
- Foi condenado, por acórdão transitado em julgado, de 03.02.2009, transitado em 05.03.2009, por factos praticados em 09.07.2008, integrantes de um crime de roubo e um crime de tráfico de substâncias estupefacientes de menor gravidade, na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo.
Quanto ao arguido A..., a situação económica era considerada precária, mas garantia a satisfação das necessidades básicas do agregado.
A mãe é o suporte afectivo privilegiado para o arguido, que adopta uma atitude mais compreensiva e tolerante, em detrimento do pai, mais sancionatório.
Iniciou o percurso escolar no ano lectivo de 1994/95, na Escola EB 1, da sua residência. Sofreu três retenções, justificadas por dificuldades de aprendizagem e, absentismo, tendo abandonado sem concluir o 3.° ano de escolaridade, no ano lectivo de 1999/2000.
No seu decurso, foi referenciado como educado e respeitador.
Fez experiências profissionais esporádicas em feiras, ajudando familiares na venda ambulante, na agricultura, em trabalhos sazonais e na construção civil.
Com a idade dos 11 anos, o contacto e a ligação a um grupo de pares de características pró-delinquenciais com vivências de risco ligado a consumos de droga, motivaram-no para o consumo abusivo de todo o tipo de drogas. Tal situação terá ocorrido num período em que a gestão do seu quotidiano era feita de forma autónoma e conduzida de forma contrária às orientações socioculturais da sua etnia.
Neste contexto, A... estruturava o seu dia-a-dia em função de actividades de grupos de jovens que, como ele, se encontravam desocupados, passando o seu quotidiano a ser polarizado na toxicodependência. bem como. na procura de meios para assegurar o comportamento aditivo.
Em Setembro de 2004, deu entrada no Centro Educativo ..., em cumprimento de medida cautelar de guarda em regime fechado. Aqui revelou capacidade de auto-controlo, sendo colaborante face às orientações educativas. Integrou o sistema de ensino do 1.° ciclo e frequentou actividades polivalentes e pré-profissionalização, nas áreas de Arte, Vida Quotidiana, construção civil, Espaços Verdes e Carpintaria, com avaliação positiva.
O percurso de vida desregrado do arguido, aliado à condicionante aditiva e à envolvência em condutas socialmente desajustadas, implicaram um primeiro contacto com o sistema jurídico-penal e penitenciário em 2007, tinha então 18/19 anos de idade. Foi, por várias vezes, encaminhado para o CRI de ..., para tratamento, ao qual nunca chegou a aderir.
No processo n.º 302/04.7PBCTB, 1.° juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, foi condenado na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 18 meses, sujeito a regime deva. A suspensão da execução da pena foi revogada por o arguido não ter cumprido as regras inerentes.
Iniciou o cumprimento de pena em 31 Janeiro de 2008. Em 06/08/2008, foi concedida a liberdade condicional ao arguido, até o termo da pena, ocorrido em 30/09/2008.
Socialmente, o arguido era referenciado corno ligado aos consumos de drogas e a actividades ilícitas, tendo integrado um grupo de pares associados a problemáticas anti-sociais.
Durante o período de acompanhamento em liberdade condicional, A... revelou alguma desvalorização face às obrigações impostas na sentença que lhe concedeu tal beneficio, sendo que, em termos pessoais, manteve grande instabilidade, relacionada com a problemática que lhe está associada.
Mantinha a residência com os progenitores, não havendo qualquer controlo ou supervisão da sua conduta. A situação sócio-familiar e habitacional é considerada precária, mas com capacidade para satisfazer as necessidades básicas do agregado.
Em termos familiares, há proximidade entre os membros, suporte, mas também algumas fragilidades na sua dinâmica, próprias da cultura a que pertence. Em termos laborais, o percurso manteve-se muito irregular ou quase inexistente.
Face à toxicodependência, manteve uma atitude de desvalorização, tornando o acompanhamento do CRI de ... inviável.
Transferido do EPR de ... deu entrada no E.P. de ... em Novembro de 2009, ao longo da sua estada tem apresentado uma atitude de adaptação às normas instituídas.
Manifesta preocupação relativamente à sua situação processual, justificando o facto desta ter ocorrido num período de intensificação de consumo de drogas, de ausência laboral e, consequentemente, de dificuldades económicas. Acresce ainda a sua imaturidade e desorganização que caracterizava o seu quotidiano e que era consequência do seu envolvimento em grupos de pares com práticas anti-sociais.
O arguido aparenta reconhecer que o período de prisão preventiva é encarada como um meio de se afastar dos anteriores pares, que, a manter-se, implicaria o agravamento da sua situação de vida aos vários níveis, servindo a mesma para efectuar a necessária reflexão sobre a sua conduta passada e a forma menos responsável como se organizava.
No sentido de minimizar as lacunas apresentadas ao nível da aquisição de competências pessoais e académicas, está motivado para dar início ao ensino no próximo ano lectivo. Apresenta um comportamento concorde, bem como um relacionamento interpessoal ajustado com os pares e figuras de autoridade.
Confrontado com factos similares aos que deram origem ao presente processo, denota suficiente interiorização no desvalor da sua conduta.
Quanto à problemática da toxicodependência, segundo o psicólogo clínico que acompanha, o arguido está também com acompanhamento psiquiátrico e toma de metadona. Foi-nos confirmada a sua adesão com avaliação positiva.
Caso continue nesta instituição, tem assegurado o tratamento, podendo oportunamente integrar o Programa de Apoio a Reclusos Toxicodependentes, em funcionamento no EP.
O arguido A... reconheceu a maioria da factualidade que lhe foi imputada em sede de acusação pública, e pediu desculpa, em audiência, aos ofendidos F…, B…, MC…, H…, I…, BM... e JF....
São conhecidos ao arguido A... os seguintes antecedentes criminais:
- Foi condenado, por sentença transitada em julgado, datada de 22.01.2007, transitada a 06.02.2007, por factos praticados em 15.05.2004, integrantes de um crime de furto simples e de um crime de furto qualificado, nas penas de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 18 meses, sujeita a regime de prova, e na pena de 40 dias de multa, à taxa diária de €6, 00;
- a dita suspensão da execução da pena de prisão foi revogada, tendo o arguido cumprido prisão datando o fim da pena de 30 de Setembro de 2008.
A arguida M... nunca exerceu qualquer profissão remunerada, vivendo a expensas dos rendimentos do seu pai, que consigo reside, e consistentes em rendas, no valor de cerca de €180, 00, na pensão de reforma e vencimento do seu pai e na pensão de sobrevivência atribuídas a este, por óbito da sua mulher e mãe da arguida.
Possui o 9º ano de escolaridade.
São conhecidos à arguida M... os seguintes antecedentes criminais:
- Foi condenada, por sentença transitada em julgado, datada de 29.01.2007, transitada a 26.02.2007, relativamente a factos praticados a 27.05.2005, integrantes de um crime de injuria agravada, p. e p. pelo art. 181º, do C.Penal, na pena de multa de 70 dias, à taxa diária de €4, 50, já extinta;
- Foi condenada, por sentença transitada em julgado, datada de 10.03.2008, transitada a 24.04.2008, relativamente a factos praticados a 29.09.2006, integrantes de um crime de furto, p. e p. pelo art. 203º, n.º 1, do C.Penal, na pena de multa de 85 dias, à taxa diária de €4, 00, já extinta.
Relativamente ao arguido D... os pais separaram-se quando contava sete anos, tendo o arguido passado a coabitar com o pai e a madrasta. D... manteve-se nesta situação até aos seus quinze anos, idade com que foi retirado ao progenitor, devido a intervenção por parte da comissão de protecção de crianças e jovens de .... O arguido foi vítima de maus-tratos e agressões pela madrasta, tendo sido considerado um menor em situação de risco. Nesta sequência, foi entregue aos cuidados da mãe, com quem vive desde então. Frequentou o infantário, tendo posteriormente iniciado o percurso escolar na idade própria. Ao longo da frequência do 1.0 ciclo do ensino básico, passou a apresentar alterações de comportamento e absentismo às aulas, segundo o próprio considera, devido a problemas familiares que culminaram com a então separação dos pais.
Completou o 6.° ano de escolaridade, tendo sido, posteriormente, inserido numa turma de Pief - programa vocacionado para casos de abandono escolar, na escola .... Não chegou a efectuar qualquer progresso, vindo a abandonar a escolaridade, por vontade própria, aos 17 anos.
Permaneceu sem ocupação durante algum tempo, período durante o qual o arguido passou a ingerir bebidas alcoólicas e a consumir produtos estupefacientes. Paralelamente, passou a relacionar-se com pessoas conotadas com condutas socialmente desviantes, tendo o arguido, neste contexto, também ele estabelecido contactos com o sistema judiciário.
D... iniciou a frequência de um curso de formação profissional de cabeleireiro, no passado mês de Maio, cuja duração está prevista para cerca de um ano e meio. A conclusão deste curso confere-lhe a equivalência ao 9.° ano de escolaridade e a certificação profissional respectiva.
O arguido vive com a mãe e uma irmã. A mãe, com 43 anos de idade, está a frequentar um curso de formação profissional de cozinha. A irmã, tem 16 anos e frequenta o mesmo curso do arguido. D... tem urna irmã mais velha que já se autonomizou e constituiu agregado familiar próprio.
A condição sócio económica do agregado é precária. A mãe do arguido é beneficiária do rendimento social de inserção no valor mensal de 285,00 euros, sendo esta a receita mais significativo do agregado familiar. Pagam de renda 150,00 euros mensais.
O relacionamento familiar apresenta-se actualmente mais coeso. O arguido considera que as dificuldades económicas que a família tem vivido têm, de alguma forma, contribuído para unir e reforçar os laços de afectividade entre os elementos do agregado.
A mãe do arguido considera que este tem vindo a estabilizar o seu comportamento, abandonou o grupo de pares problemático com que se relacionou e iniciou "namoro" com uma jovem que apresenta um comportamento adequado, sob o ponto de vista pessoal e social a qual tem vindo a exercer um ascendente positivo sobre o arguido.
D... apresenta actualmente um modo de vida mais organizado. Frequenta o curso de formação profissional durante a semana, ocupando os tempos livres com a namorada e os novos amigos que foi conquistando fora do anterior círculo de amigos.
O arguido tem sido acompanhado pela comissão da dissuasão da toxicodependência, tendo abandonado o consulta de estupefacientes.
O arguido tem vindo a assumir uma postura de maior maturidade e responsabilidade. Mostra-se actualmente receptivo à mudança e motivado para consolidar as iniciativas já realizadas nesse sentido, das quais se destacam o abandono do consumo de estupefacientes e a adequação a um modo de vida socialmente mais normativo.
D... apresenta um raciocínio mais crítico, assumindo a sua intervenção no presente processo. Refere que, neste momento, assumiria tuna postura diferente tendo em conta os danos que o actual processo que causou a nível pessoal e à família.
O arguido manifesta-se receptivo para em caso de condenação, cumprir urna medida na comunidade.
Este arguido reconheceu a factualidade que lhe vem imputada na acusação pública.
São conhecidos ao arguido D... os seguintes antecedentes criminais:
- Foi condenado, por acórdão transitado em julgado, datado de 03.02.2009, transitada a 24.04.2009, relativamente a factos praticados a 11.08.2008, integrantes de dois crimes de furto, p. e p. pelo art. 203º, n.º 1, do C.Penal, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, mediante a obrigação de inscrição e frequência de um curso técnico-profissional.

Relativamente ao não provado foi consignado o seguinte:
Além dos que estão em contradição com os assentes e daqueles que se encontram prejudicados pela resposta dada a outros, não se provou:
66. O arguido A... encontrava-se dependente do consumo de haxixe.
67. Os objectos conseguidos mediante a prática dos factos supra descritos foram, na sua totalidade, entregues ao arguido V..., pelo arguido A..., também a troco de haxixe.
68. O arguido A... explicou ao arguido V… como havia conseguido obter o referido computador portátil de marca Acer.
70. O arguido V... entregou à arguida M..., sua mãe, o referido computador portátiI para esta o guardar e esta sabia que o arguido A... o tinha conseguido por o ter roubado.
71. O arguido V... actuou de forma deliberada e sabia que o referido portátil tinha chegado à posse do arguido A... mediante facto ilícito típico e actuou querendo isso mesmo.
72. A arguida M... actuou de forma deliberada e sabia que o referido portátil tinha chegado à posse do arguido A... e, posteriormente, do seu filho, mediante facto ilícito típico e actuou querendo isso mesmo.
73. O arguido V... adquiriu ao arguido A... cinturão com 12 cartuchos com de calibre 12 mm, pertencentes à arma de fogo longa, com 119 cm. de comprimento total, de calibre 12, marca Fias Sabatti, com o n.º 130235, com dois canos sobrepostos de alma lisa, com 75, 5 cm. de comprimento cada.
75. Em data não concretamente determinada, o arguido V... entregou a referida arma à arguida M..., sua mãe, para esta a guardar.
78. O arguido A... destinava parte do cannabis com o peso liquido de 11,870 gramas à troca por dinheiro.
82. A cannabis (resina) com o peso líquido de 38,895 gramas, encontrada na casa sita na ..., n.º ..., em ..., era pertença do arguido V..., aí se encontrando a pedido deste arguido e com o conhecimento e consentimento da arguida M..., que assim guardava tal substância.
83. O cinturão para transportar cartuchos, contendo 12 cartuchos de 12 mm., encontrados na casa sita na Rua …, em ..., era pertença do arguido V... e aí tinha sido guardado pela arguida M....
84. O arguido V... destinava a cannabis ao seu consumo e para ceder a outras pessoas a titulo oneroso.
87. O arguido V... actuou de forma livre, consciente e deliberadamente, ao deter a cannabis consigo, que guardava em casa da sua mãe, destinando uma pequena parte ao seu consumo e o restante à cedência a título oneroso e gratuito, bem sabendo que se tratava de substância estupefaciente e conhecendo as sua características psicotrópicas.
88. A arguida M... actuou de forma livre, consciente e deliberadamente, ao guardar em sua casa a cannabis pertença do arguido V..., seu filho, bem sabendo que se tratava de substância estupefaciente e conhecendo as suas características psicotrópicas

A convicção do tribunal recorrido quanto à matéria de facto foi fundamentada nos seguintes termos:
Dos arguidos, apenas o A... e o D... se dispuseram a prestar declarações.
O A... reconheceu a totalidade da matéria que lhe era imputada, à excepção:
- ponto 2º, da acusação: apenas o F... o acompanhou;
- ponto 11º, da acusação: não empunhou uma navalha;
- ponto 12º, da acusação: o F... não lhe desferiu um murro;
- ponto 18º, da acusação: não sabe se o outro indivíduo era de etnia cigana;
- ponto 35º, da acusação: não desferiu pancada , foi o H...que lhe entregou, a título de empréstimo, o computador, ainda que desconfiado quanto à sua devolução pelo arguido;
- ponto 36º, da acusação: não abandonou o local a correr;
- ponto 66º, da acusação: a sua dependência é da heroína;
- ponto 67º, da acusação: apenas dois dos telemóveis apreendidos nos termos reconhecidos foram entregues, um deles ao arguido V... e outro à arguida M... e não procedeu à sua troca – ou de qualquer outro objecto – por haxixe, o que manteve, mesmo quando confrontado com o por si declarado em sede de interrogatório judicial;
- ponto 68º, da acusação: não disse ao V... como tinha conseguido o computador, antes lhe referindo que o tinha adquirido;
- ponto 70º, da acusação: O V... entregou a arma à sua mãe (arguida M...) para esta a guardar;
- pontos 71º e 72º, da acusação: Os arguidos V... e M... actuaram de forma deliberada;
- ponto 73º, da acusação: O arguido V... adquiriu ao arguido A... o cinturão com os 12 cartuchos;
- ponto 75º, da acusação: O V... entregou a dita arma à mãe para esta a guardar;
- ponto 78º, da acusação: O arguido A... destinava parte do haxixe que lhe foi apreendido à venda (troca por dinheiro).
De qualquer modo, decidimos quanto à factualidade em causa nos referidos artigos:
- ponto 2º, da acusação: com base no depoimento da testemunha F…, atenta a forma desinibida e clara como o produziu;
- ponto 11º, da acusação: com base no depoimento da testemunha B..., atenta a forma já salientada como depôs;
- ponto 12º, da acusação: com base no depoimento da testemunha B..., atenta a forma já salientada como depôs;
- ponto 18º, da acusação: com base no depoimento da testemunha G…, atenta a forma serena e convicta como depôs;
- ponto 35º, da acusação: com base no depoimento da testemunha H…, atenta a forma serena e convicta como depôs;
- ponto 36º, da acusação: com base no depoimento da testemunha H…, atenta a forma já salientada como depôs;
- ponto 66º, da acusação: as declarações do arguido não foram contraditadas;
- ponto 67º, da acusação: as declarações do arguido não foram contraditadas e não optámos pela versão do interrogatório judicial porque o arguido manteve-se firme na versão da audiência, alegando encontrar-se a ressacar na altura do referido interrogatório;
- ponto 68º, da acusação: as declarações do arguido não foram contraditadas;
- ponto 70º, da acusação: Não foi produzida prova no sentido dado por não provado, sendo que o arguido A... referiu que, como era habitual, o próprio oferecia, contra dinheiro, os bens ao arguido V... e este, por não dispor de dinheiro, solicitava à mãe que custeasse a aquisição;
- pontos 71º e 72º, da acusação: Assim se considerou em atenção ao conhecimento, por banda dos arguidos V... e M... que o arguido A... não dispunha de qualquer fonte de rendimento, nem, consequentemente, poderia ter dinheiro para adquirir o que quer que fosse, quanto mais um computador. Por outro lado, é do conhecimento generalizado que um computador, do género do que está em causa (cfr. fls. 144), não custa €20, 00, nem o A..., por mais que estivesse a ressacar, se fora por si adquirido de forma lícita, o venderia por tal quantia. Acresce que foi o próprio arguido A... a confirmar que o arguido V... e a sua mãe – por ter escutado a conversa entre ambos - não fizeram quaisquer questões acerca das condições de aquisição do aparelho;
- ponto 73º, da acusação: O arguido A... negou-o, não tendo sido produzida qualquer outra prova, sendo certo que se desconhece se o cinturão apreendido a fls. 127, na casa onde residia a arguida M..., pertencia ao arguido V... e tinha sido cedido pelo arguido A...;
- ponto 75º, da acusação: Não foi produzida prova no sentido dado por não provado, sendo que o arguido A... referiu que, como era habitual, o próprio oferecia, contra dinheiro, os bens ao arguido V... e este, por não dispor de dinheiro, solicitava à mãe que custeasse a aquisição;
- ponto 78º, da acusação: as declarações do arguido não foram contraditadas, sendo que a sua dependência da heroína é até confirmada pelos relatórios de fls. 649-672.
Deu-se por provada a matéria do art. 75º, além do já declarado pelo arguido A..., considerando as declarações do arguido D..., que referiu ao tribunal ter sido inicialmente abordado pelo arguido V..., no sentido de guardar em sua casa a arma que se encontrava na posse da sua mãe, por esta ter medo de uma «rusga» policial. Acresce que foi a própria mãe do V... a deslocar-se, na companhia deste filho, da companheira deste e do companheiro da primeira, para entregar a arma ao D..., que apenas aceitou recebê-la das mãos do V....
O mesmo D... confirmou o acusado no art. 76º.
O questionado nos arts. 77º e 78º foi confirmado pelo arguido A....
Quanto ao dado por provado ao nível dos arts. 79º, 80º, 81º, 82º e 83º, além dos autos de busca e apreensão a que adiante se fará referência, valorámos o depoimento da testemunha JR..., ex-companheira do arguido V... e com quem o mesmo residia à data e tais factos, na Rua …, em .... Também os elementos objectos das buscas e apreensões foram confirmadas pelos agentes da PSP identificados na matéria em apreço.
Porém, não demos por provado que os 38, 895 grama s de haxixe pertenciam ao arguido V... e que se encontravam na residência da mãe com o consentimento desta, porque apenas o agente J... referiu ter confrontado estes arguidos com saber quem era o dono respectivo e ambos terem dito tratar-se do arguido V....
A este respeito, importa considerar o que segue.

Vem sendo considerado que afirmado por qualquer pessoa perante uma testemunha do processo, relacionado com a investigação, com os meios de prova obtidos e com as diligências efectuadas, desde que a testemunha não refira, como prevê a lei, quaisquer declarações do arguido ou de testemunhas cujas declarações não possam ser lidas em audiência de julgamento, sobretudo aquelas que importem a confissão por parte do arguido dos ilícitos imputados, decorra ou não tal assunção de culpa de declarações formais ou de conversas informais, pode ser valorado processualmente.

O Ac. do STJ, de 23.09.1995 (BMJ, 445, 279) ajuizou no sentido de que as conversas informais no decurso de uma investigação com diversas pessoas, designadamente com o arguido, e as informações daí resultantes, podem ser valoradas e não são uma forma de contornar o disposto no art. 356º, n.º 7 do C.P.P., a menos que se provasse que o agente investigador agiu deliberadamente escolher aquele meio para evitar a proibição da leitura das declarações em audiência.

Por seu lado, o mesmo STJ, no Ac. de 22.04.2004 (recurso n.º 902/04-5, processo 88/00.4GAOLR,do Tribunal de Oleiros), decidiu:

“(…) as circunstâncias descritas permitem o enquadramento legal da actividade investigatória dos órgãos de polícia criminal – no caso, os agentes da GNR - pois o que se mostra ter acontecido - e é o mais natural - é que os agentes em causa não tenham crido logo na primeira declaração confessória do suspeito sema terem testado nomeadamente por confronto com outros meios de prova, maxime a reconstituição dos factos, pois é do conhecimento comum que há “confissões espontâneas” que, sem, mais, desacompanhadas de outros elementos probatórios, não merecem a menor credibilidade, isto é, não são o bastante para fundar suficientemente a suspeita.

Daí que, certamente, só depois de realizadas tais diligências lhes tenha surgido “fundadamente” a suspeita da autoria do(s) crime(s), tal como é exigido pelo n.º 1, do artigo 59º, do CPP.

E, a ser assim, só a partir desse momento - isto é, do momento em que a suspeita passou a ser razoavelmente fundada - se impunha, legalmente, a suspensão “imediata” do acto e a constituição formal do recorrente, até então mero suspeito, como arguido, o que foi feito.

Até então, o processo de obtenção das diversas declarações, incluindo as do então suspeito e ora arguido, logrou cobertura legal, nomeadamente, nos artigos 55º, n.º 2, 249º, n.os 1 e 2 al. a) e b) do CPP.

Daí que, ao serem inquiridos os referidos agentes sobre o acontecido nessas diligências, nomeadamente no auto de reconstituição, não tenham deposto sobre matérias proibidas, já que não depuseram, não sobre factos que lhe tenham sido transmitidos, antes sobre o resultado da sua percepção directa, colhida durante a realização do auto respectivo”.

Este mesmo entendimento foi também, entre outros, corroborado no Ac. da RC, de 01.03.2007 (relator Desembargador Germano Fonseca, processo 495/05.6PBCTB.C1).

Ora, no caso vertente, o depoimento do agente J... incidiu sobre o que os arguidos lhe transmitiram após a apreensão e por causa dela, o que não poderá ser valorado, à luz do art. art. 356º, n.º 7 do C.P.P..

O mesmo raciocínio vale para a parte não provada, ao nível do art. 83º.

A não prova do questionado nos arts. 84º, 87º e 88º é consequência da não prova do elemento objectivo descrito no art. 82º.

A prova do objecto dos arts. 85º, 86º, e 89º a 93º, além do reconhecido pelos arguidos A... e D..., constitui inferência da matéria objectiva assente, sendo que não se demonstrou que os arguidos V... e M... fossem coagidos ou estivessem destituídos da normal capacidade de entender e agir em consonância. Igualmente, os mesmos não eram detentores de qualquer licença de uso e porte da arma de cano longo.

Valorámos também os relatórios periciais de fls. 622 e 623, 649 a 672, 675, 676,706 e de fls. 941 a 943, bem como os documentos e autos de busca e apreensão de fls. 4, 77, 83, 90 a 97, 127, 144, 814, 831, 837, 840 e 841. Por fim, atendemos aos relatórios sociais dos arguidos A..., D... e V..., não contraditados; o mesmo não se podendo afirmar a respeito da arguida M..., por a mesma não ter comparecido à convocatória.
De qualquer forma, a respeito desta arguida, tivemos em consideração o declarado pelo filho V....
Os antecedentes criminais dos arguidos louvaram-se nos respectivos CRC’s juntos aos autos.

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A primeira questão a resolver, de entre as que se enunciaram como integradoras do objecto do recurso, consiste em saber se o depoimento de J..., agente da PSP, pode ser valorado na parte em que esta testemunha afirmou que confrontou os arguidos V... e M... para saber a quem pertencia o haxixe encontrado na residência da arguida M... e que ambos disseram ser do arguido V....
Na motivação de facto, o acórdão do Tribunal Colectivo dá conta do modo como foi apreciada a prova produzida em audiência, verificando-se que prevaleceu o entendimento de que o depoimento da testemunha J... não poderia ser valorado na parte em que incidiu sobre o que os arguidos V... e M... lhe transmitiram após ter efectuado a apreensão do estupefaciente e por causa dela, sob pena de violação do disposto no art. 356º, nº 7, do Código de Processo Penal (diploma a que se reportam todas as demais normas citadas sem menção de origem).
Dispõe a última disposição legal citada que “os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado na sua recolha, não podem ser inquiridos como testemunhas sobre o conteúdo daquelas”, visando esta norma garantir a eficácia do direito do arguido ao silêncio, que se frustraria se a leitura proibida de declarações pudesse ser contornada através da aceitação de depoimento incidindo sobre o teor dessas mesmas declarações, prestado por quem as tivesse recolhido.
Contudo, o que está em causa no caso vertente é a atendibilidade de depoimento que incide sobre diligências de investigação legitimamente efectuadas por órgão de polícia criminal relativamente a infracção de que teve conhecimento no exercício das suas funções, antes ainda da instauração do inquérito e da constituição como arguido. A norma ínsita no nº 7 do art. 356º não tem um alcance de tal modo amplo que vá ao ponto de vedar o depoimento do agente que relata em audiência as diligências investigatórias que levou a cabo e as providências cautelares que tomou relativamente aos meios de prova. Os órgãos de polícia criminal que tiverem notícia de um crime estão obrigados a transmiti-la ao Ministério Público no mais curto prazo, que não poderá exceder 10 dias (art. 248º, nº 1), mas compete-lhes, ainda assim, mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária competente para procederem a investigações, praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova (art. 249º, nº 1), nomeadamente, colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição [al. b) do nº 2 do mesmo artigo]. A lei processual penal reconhece, pois, a essencialidade dessas providências cautelares para a investigação criminal, admitindo que sejam praticadas independentemente da autorização da autoridade judiciária competente para que se proceda à investigação. Trata-se de uma fase preliminar da investigação, em que ainda não foi formalmente aberto um inquérito, tal como não há ainda arguidos constituídos, mas em que a prova recolhida é de fundamental importância para a investigação futura do crime e nessa medida deverá ser preservada.
À luz destas considerações e revertendo agora ao caso concreto, poderemos concluir com a necessária segurança que o agente J... actuou a coberto da lei, dentro dos limites que lhe eram consentidos pelo art. 55º, nº 2, e com pleno respeito pelos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados.
Partindo deste pressuposto, importa, num segundo momento, determinar se as afirmações que foram produzidas pelos agora arguidos V... e M... perante o agente J... podiam ser por este transmitidas em audiência e se podiam ser valoradas pelo tribunal como prova do crime para efeitos de condenação penal.
A recolha de prova naquela fase preliminar da investigação, nos termos do art. 55º, nº 2, precisamente porque efectuada num momento em que não existia ainda um inquérito instaurado nem havia arguidos constituídos, não está abrangida pela proibição estipulada no nº 7 do art. 356º. As afirmações produzidas nessa fase preliminar por qualquer pessoa abordada no decurso de operação policial, seja ela um suspeito ou uma potencial testemunha do crime, não traduzem “declarações” stricto sensu, para efeitos processuais, já que não existia ainda verdadeiramente um processo penal a correr termos. São diligências de aquisição e conservação de prova, lícitas, porque conformes ao previsto no art. 249º, não sendo proibido o seu relato em audiência - No sentido apontado, vejam-se os acórdãos do STJ de 03/03/2010 (proc. nº 886/07.8PSLSB.L1.S1) e de 15/02/2007 (proc. nº 06P4593), ambos consultáveis em www.dgsi.stj.pt.

Ora, o teor do depoimento efectuado em audiência pela testemunha J..., na parte em que narrou as circunstâncias em que encontrou e apreendeu cannabis (resina) na residência da M... e as afirmações então feitas pela M... e pelo V... traduz um mero relato das diligências efectuadas com vista à aquisição e conservação de prova de factos com relevância criminal, em que a testemunha transmite ao tribunal o conhecimento directo de factos que se desenrolaram perante si durante diligência de investigação em que participou. Esse relato, traduzindo a percepção que a testemunha teve dos factos, pela sua relevância para a descoberta da verdade, não poderia ter deixado de ser valorado pelo tribunal colectivo na análise crítica pressuposta pela fixação da matéria de facto.

Ao deixar de atender a esse meio de prova, indiscutivelmente relevante para a descoberta da verdade, o tribunal limitou a sua possibilidade de conhecimento, incorrendo assim em erro de julgamento da matéria de facto.
Esse erro é sanável pelo Tribunal da Relação, visto o recorrente ter impugnado o julgamento de facto por recurso à prova gravada, nos termos do nº 3 do art. 412º, constando do processo todos os elementos de prova que lhe serviram de base [art. 431º, al.s a) e b)]. O depoimento da testemunha J... não foi posto em causa por qualquer meio de prova susceptível de abalar a sua credibilidade. Por outro lado, as circunstâncias que rodearam a apreensão do estupefaciente, o local onde foi encontrado – residência da arguida M..., mãe do arguido V..., que ali guarda alguns dos seus pertences – o facto de aquela ter em seu poder diversos bens que lhe foram entregues pelo filho com conhecimento do modo e das condições em que aquele os havia adquirido, bem como a quantidade de estupefaciente em causa e o facto de o arguido V... ser ele próprio consumidor de estupefacientes, reforçam a convicção da veracidade das afirmações produzidas tanto pela arguida M... como pelo arguido V... perante a testemunha J..., pelo que a livre convicção do tribunal, formada em sintonia com as regras da experiência comum, valorando este meio de prova, deve acolher como verídicos os factos que a 1ª instância teve como não provados, descritos sob os nºs 82, 87 e 88, (salvo no que tange à finalidade a que o arguido V... destinava o estupefaciente, já que nenhuma prova se produziu sobre o tema), nos seguintes termos:
82. A cannabis (resina) com o peso líquido de 38,895 gramas, encontrada na casa sita na Rua …, em ..., era pertença do arguido V..., aí se encontrando a pedido deste arguido e com o conhecimento e consentimento da arguida M..., que assim guardava tal substância.
87. O arguido V... actuou de forma livre, consciente e deliberadamente, ao deter a cannabis consigo, que guardava em casa da sua mãe, bem sabendo que se tratava de substância estupefaciente e conhecendo as sua características psicotrópicas.
88. A arguida M... actuou de forma livre, consciente e deliberadamente, ao guardar em sua casa a cannabis pertença do arguido V..., seu filho, bem sabendo que se tratava de substância estupefaciente e conhecendo as suas características psicotrópicas

Posto isto, há que retirar dos factos que agora acrescem ao provado as respectivas consequências penais.
Assente que a arguida detinha em sua casa o estupefaciente que ali foi apreendido, pertencente ao arguido V..., com pleno conhecimento de que ele ali se encontrava, ambos cientes das características daquele produto e sabendo ser proibida por lei a sua detenção, conclui-se terem ambos incorrido na prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade. Na verdade, o DL nº 15/93, de 22 de Janeiro, parte de um tipo fundamental, desenhado no respectivo art. 21º, temperando a punição do crime por recurso a dois outros preceitos, vertidos nos arts. 24º e 25º, que contemplam, respectivamente, a agravação e a menor gravidade do ilícito, a determinar em função da danosidade social evidenciada pelo grau de ilicitude e da especificidade da acção em concreto desenvolvida pelo agente.
Segundo o art. 21º, “quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder, ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art. 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos”.
Trata-se, como é sabido, de crime formal, de perigo abstracto ou presumido, na medida em que é indiferente a realização de um certo evento, de um certo resultado, de uma modificação do mundo exterior, causada pela actividade contida no tipo legal de crime - Cfr. Eduardo Correia, “Direito Criminal”, Vol. I, pag. 286., não se exigindo para a sua consumação a existência de um dano real e efectivo; a sua consumação basta-se com a produção do perigo que a norma supõe, sendo o bem jurídico tutelado, fundamentalmente, o da saúde pública, na dupla vertente física e moral - Cfr. o Ac. do STJ de 24 de Novembro de 1999, in BMJ, nº 491, pág. 88 e ss.. A ilicitude do facto resulta da simples detenção de substância estupefaciente que, pelas suas características, é nociva para a saúde humana, e do perigo que tal situação potencia.
O art. 25º do mesmo diploma pretende contemplar os casos de menor gravidade, de modo a permitir que tais situações - identificadas pela apreciação global da conduta criminosa, por recurso a todos os elementos que as compõem, tais como os meios utilizados, modalidade de acção, qualidade e quantidade das drogas, etc. - não sejam tratadas com penas desproporcionadas ou exijam do julgador a utilização indevida do instituto da atenuação especial das penas. A verificação deste tipo legal de crime, partindo da tipicidade prevista nos arts. 21º e 22º da Lei nº 15/93, pressupõe, no entanto, uma ilicitude do facto consideravelmente diminuída em função dos meios utilizados, da modalidade ou das circunstâncias da acção e da qualidade ou quantidade das plantas, substâncias ou preparações.
Como se referiu, a simples detenção ilícita do estupefaciente, fora dos casos de mero consumo, já constitui acto de tráfico, como claramente resulta do art. 21º, nº 1, do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro, ao dispor que “Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, (…), transportar, (…) ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art. 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 1 a 4 anos”. Nenhuma prova foi produzida no sentido de que o estupefaciente apreendido se destinava, ou se destinava exclusivamente, ao consumo do arguido, finalidade que, de todo o modo, sempre seria desmentida pela quantidade de estupefaciente em causa, como resulta do previsto na Portaria nº 94/96, de 26 de Março, relativamente aos quantitativos diários máximos admitidos como correspondentes ao consumo médio diário.

Questão que a título prévio se poderia suscitar é a de saber se havendo que proferir decisão condenatória pelo crime de tráfico de estupefacientes depois da absolvição pelo tribunal a quo, deverão os autos regressar à 1ª instância para aí se determinar a medida da pena de modo a salvaguardar a possibilidade de recurso quanto a ela. Falsa questão, diríamos, já que os arguidos tiveram oportunidade de se defender respondendo ao recurso, todos os factos necessários à decisão condenatória estão apurados (apenas se assim não fosse haveria que determinar a baixa dos autos para o efeito) e o tribunal que se pronuncia sobre a condenação e a medida da pena é aquele que, em caso de recurso dos próprios arguidos, seria chamado a decidir.

Entremos, pois, na apreciação da medida concreta das penas. A determinação da medida da pena é feita, segundo o critério fornecido pelo art. 71º do Código Penal, através da ponderação dos dois vectores que basicamente a conformam, a saber, a culpa do agente e as exigências de prevenção, com ponderação ainda de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, todavia deponham a seu favor ou contra ele, tendo-se ainda presente que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (cfr. art. 40º, nºs 1 e 2).
À culpa é cometida a função de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena.
A prevenção geral (dita de integração) fornece uma moldura de prevenção cujo limite é dado, no máximo, pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e no mínimo, fornecida pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Por seu turno, à prevenção especial cabe a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida função, isto é, dentro da moldura de prevenção que melhor sirva as exigências de socialização - Cfr. o Ac. do STJ de 10 de Abril de 1996, C.J.- Acórdãos do S.T.J., ano IV, tomo 2, pág. 168 e ss..
Os arguidos V... e M... conheciam as características do produto que detinham, não ignorando que a posse de tal produto é proibida por lei. Assim, desde logo no que concerne ao elemento intelectual do crime, cabe notar que actuaram com dolo, na sua modalidade mais grave - dolo directo.
Quanto à ilicitude penal, como observa Cavaleiro de Ferreira - “Lições de Direito Penal”, I, págs. 66 e ss, desdobra-se em dois juízos ou qualificações: de ilicitude objectiva e de culpa ou culpabilidade, que correspondem à função valorativa e à função imperativa da norma jurídica. O primeiro, é indispensável para a existência do crime e prende-se com a tipicidade do facto. O segundo, respeita à sua quantidade ou gravidade. Nesta acepção a gravidade da conduta ilícita, ou seja o “grau de ilicitude”, afere-se pelo resultado final da conduta, que no caso em apreço encontra expressão na quantidade de substância estupefaciente detida, sem que se esqueça, no entanto, a natureza da droga em causa, apresentando uma perigosidade muito inferior à das chamadas drogas duras.
Diga-se, de todo o modo, que o tráfico de cannabis não tem o carácter menosprezável do ponto de vista criminal que frequentemente se pretende atribuir-lhe. A ideia actualmente generalizada de que o consumo de cannabis não tem efeitos perniciosos nem gera dependência não tem fundamento científico. Por contraposição, pode ler-se em “Consumo Ilícito de Drogas” - Ed. do Gabinete de Planeamento e de Coordenação do Combate à Droga, pag. 37. , a propósito da cannabis, cujos preparados estão classificados como perturbadores do sistema nervoso central ou psicodislépticos:
“A dependência psíquica é mais forte do que a física. Em caso de consumo prolongado em altas dosagens pode-se observar um sindroma amotivacional (sindroma deficitário dos grandes fumadores que se traduz em: falta de estímulos, apragmatismos, diminuição de eficiência e fraca tolerância à frustração).
Em personalidades predisponentes pode ocorrer uma psicose cannábica em que são patentes a ansiedade, intranquilidade, delírio e alucinação.
Em casos pontuais, quando a personalidade de base é de estrutura psicótica, pode existir uma experiência delirante, mesmo que a droga não esteja a ser consumida na altura (flashback)”.
De todo o modo, sabido que a defesa da saúde pública é uma das vertentes de protecção visadas pela norma, o potencial maléfico das substâncias estupefacientes detidas pelos arguidos constitui apenas mais um dos elementos a atender pelo tribunal na valoração da conduta, com vista à graduação da pena.
As necessidades de prevenção geral ditadas pela necessidade de protecção dos bens jurídicos tutelados pela norma violada pelo arguido e pela frequência com que crimes desta natureza se vêm sucedendo são inegáveis.
As necessidades de prevenção especial assumem também relevância, atentos os antecedentes criminais dos arguidos, afirmando-se com maior premência no que concerne ao arguido V... e sendo mínimas relativamente à arguida M....
O acórdão do tribunal colectivo afastou acertadamente a aplicabilidade do regime especial para jovens ao arguido V.... Na verdade, a análise possível da sua personalidade por recurso ao provado, longe de permitir o juízo de prognose favorável à reinserção social do arguido V... como decorrência de uma eventual atenuação especial, antes evidencia uma personalidade que não encontraria benefício na desculpabilização em que se vem a traduzir, afinal, a atenuação especial e que de todo em todo, não só não é merecida como não é aconselhável, face à concomitante necessidade de tutela dos valores jurídico-criminais subjacentes às normas violadas. Daí que, apesar da idade do arguido à data dos factos, não se possa afirmar com um mínimo de segurança que este tenha interiorizado o desvalor da respectiva conduta, para que assim se possa formular um juízo optimista quanto à sua personalidade. E assim, por inexistirem outros factos, para além dos resultantes da audiência, que indiquem com um mínimo de probabilidade que o abrandamento das penas iria contribuir para a reinserção social do arguido, há que afastar a aplicação daquele regime especial.
Tudo isto ponderado e consideradas ainda a quantidade de estupefaciente apreendida, que não apresenta particular relevo e as demais circunstâncias pessoais dos arguidos, tal como constam do provado, oferecem-se como ajustadas as penas de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão para cada um dos arguidos (V... A... e M...).

Operando o cúmulo jurídico destas penas com as demais penas parcelares em que cada um destes arguidos foi condenado, levando em linha de conta os factos provados e a personalidade de cada um dos arguidos, tal como é evidenciada por esses mesmos factos, revelam-se ajustadas as penas únicas de 21 (vinte e um) meses de prisão para o arguido V... e de 20 (vinte) meses de prisão para a arguida M..., esta última, suspensa na sua execução pelo período de 20 (vinte) meses. Permanecendo válidas as opções do tribunal colectivo respeitantes à efectividade da pena imposta ao arguido V... e à suspensão da pena imposta à arguida M... , esta última será subordinada a regime de prova nos precisos termos determinados no acórdão recorrido.

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III – DISPOSITIVO:

Nos termos apontados, concede-se parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e consequentemente, decide-se:
A – Alterar a matéria de facto, considerando provados, para além dos indicados na decisão da primeira instância, os seguintes:
82. A cannabis (resina) com o peso líquido de 38,895 gramas, encontrada na casa sita na Rua …, em ..., era pertença do arguido V..., aí se encontrando a pedido deste arguido e com o conhecimento e consentimento da arguida M..., que assim guardava tal substância.
87. O arguido V... actuou de forma livre, consciente e deliberadamente, ao deter a cannabis consigo, que guardava em casa da sua mãe, bem sabendo que se tratava de substância estupefaciente e conhecendo as sua características psicotrópicas.
88. A arguida M... actuou de forma livre, consciente e deliberadamente, ao guardar em sua casa a cannabis pertença do arguido V..., seu filho, bem sabendo que se tratava de substância estupefaciente e conhecendo as suas características psicotrópicas
B – Condenar o arguido V... como co-autor de um crime de tráfico de estupefacientes p. p. pelo art. 25º, al. a) do DL nº 15/93, por referência ao art. 21º do mesmo diploma e à tabela anexa I – C, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão.
Em cúmulo jurídico com as demais penas que lhe foram impostas nos presentes autos, condená-lo na pena única de 21 (vinte e um) meses de prisão.
C – Condenar a arguida M... , como co-autora de um crime de tráfico de estupefacientes p. p. pelo art. 25º, al. a) do DL nº 15/93, por referência ao art. 21º do mesmo diploma e à tabela anexa I – C, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão.
Em cúmulo jurídico com as demais penas que lhe foram impostas nos presentes autos, condená-la na pena única de 20 (vinte) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 20 (vinte) meses, sob regime de prova.
D – Confirmar, em tudo o mais, o acórdão recorrido.
Sem tributação nesta instância.

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Jorge Miranda Jacob (Relator)
Maria Pilar de Oliveira)