Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2710/13.3TBVIS-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: EXECUÇÃO
NOTIFICAÇÃO
DOMICÍLIO
PRESUNÇÃO
CAUSALIDADE
ALTERAÇÃO DA MORADA
Data do Acordão: 09/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JUÍZO EXECUÇÃO - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.188, 249, 753, 784, 812 CPC, 82 CC
Sumário: 1. Como vem sendo pacificamente defendido pela jurisprudência, para que se possa ilidir a presunção estabelecida no art.º 249º, n.ºs 1 e 2 do CPC, a lei exige não só a demonstração de que a notificação não foi efectuada (ou ocorreu em data posterior), mas também a demonstração de que tal ocorreu por razões que não sejam imputáveis ao notificado (art.º 188º, n.º 1, alínea e) do CPC).

2. A notificação não deixa de se presumir feita no terceiro dia posterior ao do registo postal quando a carta registada, apesar de devolvida com a menção “não reclamada”, foi expedida para a mesma morada onde o executado havia sido citado no início da execução, sem que tenha sido comunicada aos autos (ou ao agente de execução) qualquer alteração da residência desse sujeito processual ou seja evidente a existência de diferente domicílio.

3. Se o executado não veio esclarecer a razão de ser da “alteração de morada” e se passou a ter diversos domicílios voluntários (art.º 82º do CC) ou deixou de poder aceder à correspondência que continuou a ser remetida para a morada indicada no requerimento executivo, onde foi citado para os termos da execução, no plano da causalidade objectiva, não se poderá/deverá concluir que em nada tenha contribuído para que as notificações não tenham chegado oportunamente ao seu conhecimento.

Decisão Texto Integral:



            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Na acção executiva para pagamento de quantia certa movida por P (…) contra B (…), sendo interveniente/habilitada M (…), o executado requereu a anulação da adjudicação judicial do imóvel realizada nos autos e da venda celebrada por escritura pública de 28.12.2018, por falta de notificação (ao executado) do despacho que designou a modalidade e valor da venda e que teve influência no exame e decisão da causa, pugnando pelo cumprimento prévio de tal formalidade.

Por despacho de 18.11.2019, a Mm.ª Juíza a quo indeferiu o requerido por considerar que não se verifica qualquer preterição das formalidades previstas na lei.

Inconformado, o executado apelou formulando as seguintes conclusões:

1ª - Ao executado foi postergada a possibilidade de tomar posição sobre diversos actos processuais (modalidade e valor base de venda, data de abertura de propostas, requerimento de adjudicação de bem penhorado) que vieram a ser decisivos para o desfecho dos autos de execução.

2ª - Foi preterida a prática de um acto, citação do executado, conduzindo à nulidade de todos os actos processuais posteriores.

3ª - O executado não contribuiu, nem lhe pode ser imputável a falta de conhecimento do acto de citação nos termos da alínea e) do art.º 188º do Código de Processo Civil (CPC).

4ª - Do requerimento executivo consta como morada do executado a Rua (…) Viseu.

5ª - Pelo menos desde 19.9.2017, a Agente de Execução (AE) obteve por consulta à base de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira conhecimento da alteração da morada do executado.

6ª - E o próprio exequente sabia, pelo menos desde Outubro de 2017, que o executado residia na Rua (…), Viseu, porque foi essa morada a indicada pela requerente (…), na P. I. de incidente de habilitação de cessionária junto aos autos (que correu por apenso aos autos de execução) e no qual constavam como requeridos o exequente e o executado, sendo que o exequente e a cessionária se encontravam representados em juízo pelo mesmo mandatário.

7ª - A requerente (…), cessionária que adquiriu a posição de exequente no processo, vinculada que estava não só pelo dever de cooperação (art.º 266° CPC), mas também pela obrigação de indicar no requerimento inicial (do incidente) com verdade, o domicílio que conhecia do executado, indicou como residência deste a Rua (…)Viseu.

8ª - A AE foi notificada pelo Tribunal Judicial de Viseu, em 03.11.2017, da instauração do incidente de habilitação de cessionário, constando da P. I., como morada do requerido/executado a Rua (…), Viseu.

9ª - Não pode, quer o exequente, quer a AE, quer o próprio Tribunal, escudar-se no facto de no requerimento executivo constar a morada anterior do executado e deste não ter comunicado qualquer alteração de morada, para considerar este regularmente citado naquela morada.

10ª - OS FACTOS DEMONSTRAM QUE EXEQUENTE, CESSIONÁRIA, AE E O PRÓPRIO TRIBUNAL, CONHECIAM PERFEITAMENTE A MORADA DO EXECUTADO E QUE ERA NA RUA (…), EM VISEU.

11ª - Tendo a AE dirigido as notificações, relativas à modalidade e ao preço base da venda, bem como o processado posterior, nomeadamente a decisão de adjudicação do imóvel penhorado ao exequente, para morada que a AE sabia não ser a do executado, não podem produzir efeitos.

12ª - Os elementos dos autos, bem como o conhecimento que a AE obteve da morada do executado na base de dados da Autoridade Tributária, não permitem ignorar que as notificações efetuadas em 26.02.2018, para o executado se pronunciar quanto à venda do bem penhorado, em 15.3.2018, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 812º, n.º 6 do CPC, no dia 16.5.2018, da data designada para a abertura de propostas e no dia 23.10.2018 do deferimento do pedido de adjudicação de bem penhorado feito pelo cessionário/exequente, não tinham sido dirigidas à morada correcta, em violação do disposto no n.º 1 do art.º 249º do Código Civil[1].

13ª - Conduz a uma clamorosa injustiça considerar regularmente efectuadas notificações que já era seguro não terem sido enviadas para a morada correcta do executado.

14ª - Os factos, documentados nos autos, demonstram por si só, que a falta de conhecimento das notificações não se deveu a facto imputável ao executado/recorrente.

15ª - Era do conhecimento do Tribunal, do exequente, da cessionária e da AE que o executado residia Rua (…), Viseu, sendo que a AE fez tábua rasa da informação que tinha na sua posse, e que ainda que não tivesse, podia obter consultando os autos de execução, notificando o executado em morada na qual sabia que não chegaria ao seu conhecimento.

16ª - A AE, auxiliar de justiça, em estrito cumprimento da lei, deve procurar, através dos meios que lhe são facultados - e no que para o caso interessa, através de consulta às bases de dados no Registo Civil, Predial, Comercial, Automóvel, Segurança Social e Autoridade Tributária - obter as informações necessárias e que lhe permitam dar cumprimento ao estipulado na lei quanto à forma de realização de citação/notificação dos interessados no processo executivo.

17ª - Resulta dos elementos constantes do processo que a AE não só não actuou com zelo e diligência na averiguação da residência do executado, como, de forma ostensiva, ignorou e contrariou os elementos constantes dos autos, e que a própria obteve por consulta à base de dados da AT, e que de forma segura demonstravam que as notificações dirigidas ao executado a partir de Novembro de 2017, se encontravam a ser dirigidas para morada que não era a do executado.

18ª - Não deixa de ser, no mínimo, insólito que no incidente de habilitação de cessionário, se tenha indicado a morada do executado como a Rua (…)Viseu e, posteriormente, todas as notificações efectuadas o tenham sido na Rua de (…) Viseu, onde todos os intervenientes processuais, e inclusive o Tribunal, sabiam que o executado não residia.

19ª - De acordo com o regime geral das nulidades do processo, previsto no art.º 195º do CPC, a prática de um acto que a lei não admita, ou a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, produzem nulidade, desde que a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.

20ª - A omissão da notificação ao executado do despacho que designa a data, valor base, modalidade e local da venda, bem como da decisão de adjudicação do imóvel, por ser susceptível de influir na decisão da causa, constitui uma nulidade processual.

21ª - Ao decidir como decidiu, a Mm.ª Juíza a quo violou as normas dos art.ºs 195º, 249º e alínea e) do artigo 188º do CPC.

22ª - Deverá anular-se a adjudicação judicial do imóvel “prédio rústico com a denominação (...) , com a área total de 4893 m2, situado na freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 4862/20040308 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 7367,” e consequentemente a venda judicial celebrada por escritura pública de 28.12.2018, do imóvel supra identificado, ao exequente, dando-se a mesma sem efeito, nos termos do preceituado na alínea c), do art.º 839, n.º 1, do mesmo diploma legal, ordenando-se o cumprimento prévio da preterida formalidade.

A habilitada respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar se foi preterida formalidade que consubstancie nulidade processual, nomeadamente, se a venda/adjudicação do imóvel penhorado nos autos foi realizada sem a devida notificação do executado/recorrente.


*

II. 1. Para a decisão do recurso releva o que consta do antecedente “relatório” e o seguinte:[2]

a) No requerimento executivo, de 29.8.2013, o exequente alegou a existência de um crédito sobre o executado no valor de € 16 789,04 e indicou a morada do executado sita na Rua (…), Viseu.

b) O executado foi citado pessoalmente para os termos da execução, em 23.7.2014, por carta registada com aviso de recepção remetida para a Rua (…) Viseu.

c) O executado juntou procuração forense aos autos no dia 20.8.2015 a favor de advogado que renunciou ao mandato em 02.12.2016.

Juntou nova procuração forense no dia 19.02.2019 a favor do signatário das alegações de recurso.

d) A 02.9.2015 foi efectuada a penhora de um direito de crédito, notificada ao executado, nos termos e para os efeitos dos art.ºs 784º e 785º do CPC, na pessoa do seu Exmo. Mandatário.

e) Foi ainda penhorado nos autos o prédio rústico com a denominação (...) , com a área total de 4893 m2, situado na freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na CRP de (...) sob o n.º 4862/20040308 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 7367.

f) O valor base da venda (e da avaliação) daquele imóvel foi de € 21 500 e por esse montante veio a ser adjudicado ao exequente.

g) Em 26.02.2018, 15.3.2018, 16.5.2018 e 23.10.2018 a AE notificou o executado, através de cartas registadas endereçadas para a morada sita na Rua (…) Viseu, a fim de se pronunciar quanto à venda do bem penhorado, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 812º, n.º 6 do CPC, da data da abertura de propostas e do deferimento do pedido de adjudicação de bem penhorado ao cessionário/exequente, respectivamente.

h) Todas as referidas cartas vieram devolvidas com a menção “objecto não reclamado”.

i) No dia 01.6.2017, o executado requereu junto do Instituto dos Registos e Notariado a alteração de morada para “Rua (…) Viseu[3] - pedido que devia ser confirmado no prazo de 60 dias -, conforme documentou nos autos a 21.3.2019.

j) Ao suscitar o incidente processual em análise e ao pronunciar-se sobre a posição assumida pela AE (que disse, nomeadamente, que não obstante ter alterado o seu domicílio fiscal, o executado nunca comunicou aos autos ou à AE qualquer alteração de morada, nem solicitou que as notificações fossem feitas para outra morada, diferente daquela em que foi citado), referiu o executado/apelante que, pelo menos, desde 19.9.2017, a AE obteve por consulta à base de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira conhecimento da alteração da morada do executado, sendo que “não impende sobre o executado qualquer obrigação legal de comunicar aos autos a alteração de morada”.

            2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

Há falta de citação quando se demonstre[4] que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável (art.º 188º, n.º 1, alínea e), do CPC[5]).

A citação e as notificações podem, efectuar-se em qualquer lugar onde seja encontrado o destinatário do acto, designadamente, tratando-se de pessoa singular, na sua residência ou local de trabalho (art.º 224º, n.º 1).

Se a parte não tiver constituído mandatário, as notificações são feitas por carta registada, dirigida para a sua residência ou sede ou para o domicílio escolhido para o efeito de as receber, presumindo-se feita no 3º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando o não seja (art.º 249º, n.º 1). A notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para a residência ou a sede da parte ou para o domicílio escolhido para o efeito de a receber; nesse caso, ou no de a carta não ter sido entregue por ausência do destinatário, juntar-se-á ao processo o sobrescrito, presumindo-se a notificação feita no dia a que se refere a parte final do número anterior (n.º 2).[6]

3. Na ponderação dos factos e do direito releva o entendimento do direito enquanto “responsabilizante dimensão ética do homem” e a finalidade de encontrar uma solução exigida pelo direito enquanto validade normativa - normativamente adequada às circunstâncias do caso concreto[7] e aos interesses em presença -,  sabendo-se que “toda a interpretação jurisdicional de uma lei implica uma correcção ou um aperfeiçoamento do direito[8]; “o objecto problemático da interpretação jurídica não é a norma como objectivação cultural (…), mas o caso decidendo, o concreto problema prático que convoca normativo-interpretativamente a norma com seu critério judicativo (…), o que significa, evidentemente, que é o caso e não a norma o ´prius` problemático-intencional e metódico.[9]

4. Na situação em análise, o executado não se encontrava representado por mandatário judicial (cf. II. 1. c) e g), supra), pelo que as notificações deviam ser feitas conforme prevê o art.º 249º, ou seja, no local da sua residência, presumindo-se a notificação postal realizada no 3º dia posterior ao do registo (ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja).

Trata-se de presunção ilidível mediante prova em contrário (art.º 350º do Código Civil/CC), pelo executado, cabendo-lhe demonstrar que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis (art.º 342º, n.º 1 do CC).

5. O executado/apelante não se dignou esclarecer a razão de ser da “alteração de morada” e/ou se passou a ter dois ou mais domicílios voluntários (art.º 82º do CC)[10] e, ainda, se e em que circunstâncias deixou de poder aceder à correspondência que continuou a ser remetida para a morada indicada no requerimento executivo, onde foi citado para os termos da execução.

As questionadas notificações, ditas em II. 1. g), supra, não foram devolvidas com as menções “desconhecido”, “mudou-se” ou “endereço insuficiente” - apenas com a menção “objecto não reclamado”, significando que o destinatário não procedeu ao seu levantamento.

O executado não comunicou aos autos ou à AE aquela (pretensa) alteração de morada, ou qualquer nova realidade quanto ao seu domicílio, nem solicitou que as notificações fossem realizadas para outra morada que não a da citação.

6. Perante o quadro fáctico descrito em II. 1., supra, e os referidos demais elementos, dever-se-á concluir pelo não afastamento da presunção prevista no art.º 249º, porquanto o executado não alegou e demonstrou que as notificações em causa não ocorreram por facto não imputável ao notificado, pois, se não teve conhecimento do conteúdo das notificações que lhe foram dirigidas, tal deve-se a não ter comunicado a alteração de morada ao processo e/ou não ter levantado as notificações (por não verificar regularmente a caixa de correio, onde, por certo, foram depositados os avisos de registo para levantamento da correspondência postal).

7. Daí, não vemos como não corroborar o entendimento expresso na decisão recorrida: “(…) importa sublinhar que a citação se concretizou e que o executado nunca comunicou nos autos qualquer alteração de morada, considerando-se, assim, que aquela em que foi citado foi por si eleita para as posteriores notificações. / Para além disso, o único elemento probatório junto pelo executado aos presentes autos para sustentar a sua arguição, são o comprovativo de alteração do seu domicílio fiscal e o conhecimento de tal alteração pela AE, elementos esses que, salvo o devido respeito, não são suficientes para demonstrar que residia noutro local à data das notificações, nem tal tinha que ser presumido pela AE./ (…) sabendo o executado da pendência dos presentes autos - onde até já tinha intervindo e constituído outro mandatário em data anterior - e sabendo qual a morada onde havia sido citado, sem que comunicasse aos autos qualquer alteração, a si competia providenciar por tal alteração ou esclarecer se a alteração de domicílio fiscal também representava alteração da sua residência, o que não fez.[11]/ Tal como no âmbito das citações, tem, pois, que se entender, que ainda que o executado demonstrasse a falta de conhecimento das notificações, por alteração de residência - o que não fez - sempre teria o ónus acrescido de demonstrar que tal circunstância não se deveu a facto a si imputável[12] (art.º 188º, n.º 1, al. e), do CPC), o que também não sucedeu, uma vez que não põe em causa a circunstância de nada ter comunicado no processo qualquer alteração que determinasse a realização das notificações em morada diversa

8. O executado deve ser notificado dos actos que traduzam manifestação dos poderes de autoridade do tribunal perante o seu património, considerados os efeitos conformadores de situações jurídicas de direito material, inerentes, v. g., à penhora e à venda - art.ºs 753º, 784º e seguinte e 812º, n.ºs 1 e 6.[13]

E assim sucedeu na situação em apreço.

9. A decisão da 1ª instância antolha-se, pois, razoável, adequada e inteiramente conforme à realidade apurada no confronto com o direito aplicável, porquanto, no plano da causalidade objectiva, não se poderá concluir que a conduta do executado/recorrente em nada tenha contribuído, em termos adjectivos, para que as notificações ditas em II. 1. g), supra, não tenham chegado oportunamente ao seu conhecimento.[14]

Por conseguinte, não obstante a devolução dita em II. 1. h), supra, produziram-se os efeitos das notificações em apreço, nos termos legais, sendo que não vemos reunidos os elementos necessários e suficientes para que cesse a razão de ser do disposto no art.º 249º[15], pois, reafirma-se, não basta que o destinatário da notificação demonstre não ter tido conhecimento do acto, sendo ainda necessário alegar e provar que tal falta de conhecimento não lhe é imputável (art.º 342º, n.º 1 do CC), ónus que o executado/apelante não cumpriu.

10. Soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.


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III. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.  

Custas pelo executado/apelante.


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08.9.2020

Fonte Ramos ( Relator )

Alberto Ruço

Vítor Amaral



[1] Existe lapso manifesto quanto à indicação da codificação, pois se trata do CPC.
[2] Cf., nomeadamente, os documentos constantes da certidão de fls. 12 e seguintes.
[3] Identificada pelo executado/apelante no seu requerimento de 21.3.2019 como “a sua residência fiscal” / “residência e domicílio fiscal”.

[4] Pressupõe-se, assim, a produção de prova tendente a demonstrar que o destinatário da citação pessoal (ou da notificação) não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe é imputável.
[5] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem.

[6] Na redacção primitiva do CPC de 2013, aqui aplicável, sendo a actual, conferida pelo DL n.º 97/2019, de 26.7, a seguinte: «Se a parte não tiver constituído mandatário, as notificações ser-lhe-ão feitas no local da sua residência ou sede ou no domicílio escolhido para o efeito de as receber, nos termos estabelecidos para as notificações aos mandatários (n.º 1). A notificação efetuada por carta registada não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para a residência ou a sede da parte ou para o domicílio escolhido para o efeito de a receber; nesse caso, ou no de a carta não ter sido entregue por ausência do destinatário, juntar-se-á ao processo o sobrescrito, presumindo-se a notificação feita no dia a que se refere a parte final do número anterior (n.º 2).»
[7] Vide A. Castanheira Neves, O direito como validade, in RLJ, 143º, 175.
[8] Becker, apud António Pinto Monteiro, Interpretação e o protagonismo da doutrina, RLJ, 145º, 67.

[9] Vide A. Castanheira Neves, O Actual Problema da Interpretação Jurídica, in RLJ, 118º, págs. 257 e seguinte.
[10] Vide Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 110.
[11] Sublinhado nosso.
[12] Idem.
[13] Vide J. Lebre de Freitas, e Outros, CPC Anotado, Vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, pág. 449.

[14] Cf., de entre vários, os acórdãos da RG de 11.10.2018-processo 5778/14.1T8VNF-C.G1 [tendo-se sumariado: «(…) IV) - Para que se possa ilidir a presunção estabelecida no art.º 249º, n.ºs 1 e 2 do CPC, a lei exige não só a demonstração de que a notificação não foi efectuada ou que ocorreu em data posterior à presumida, mas também a demonstração de que tal ocorreu por razões que não sejam imputáveis ao notificado. V) - Quem é parte num processo judicial e sabe que, por isso, vai receber notificações para a prática de determinados actos, deve providenciar no sentido de haver alguém disponível para receber essas notificações ou, pelo menos, para consultar regularmente a caixa de correio para se inteirar dos avisos de registos que os serviços postais ali depositem e proceder, diligentemente, ao levantamento das cartas. VI) - Quem pelo seu desinteresse ou negligência deixar que as cartas registadas que lhe são enviadas pelos tribunais ou pelos intervenientes processuais sejam devolvidas, ou quem conscientemente ou por negligência deixar que essas cartas aguardem na estação dos Correios, durante vários dias (…), sujeita-se à consequência de se presumir notificado no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte, quando o não seja.»], da RP 17.02.2009 [tendo-se considerado que «Se a executada-agravante mudou de residência depois da sua citação para a execução (e esta foi-lhe feita) e antes da notificação do despacho determinativo da penhora e da realização desta, era sua obrigação dar disso notícia nos autos para que as notificações passassem a ser feitas na sua nova morada. Não o tendo feito (se mudou efectivamente de residência) “sibi imputat”», concluindo-se: «A notificação não deixa de se presumir feita no terceiro dia posterior ao do registo postal (…) quando a carta registada, apesar de devolvida com a menção de “não reclamada”, foi expedida para a mesma morada onde a parte notificanda havia sido citada no início da acção, sem que entretanto tenha sido comunicada aos autos qualquer alteração da residência desse mesmo sujeito processual.»], da RC de 24.01.2013-processo 26/12.1TTGRD-A.C1, da RE de 13.9.2018-processo 845/17.2T8ENT-A.E1 [constando do sumário: «(…) III - Para que a presunção de conhecimento do acto decorrente do envio da carta registada para a morada da executada seja ilidida, e se conclua pela falta de citação/notificação do destinatário nos termos do art.º 195º, n.º 1, al. e) do CPC não basta a prova pela embargante de que não teve conhecimento do mesmo, sendo ainda necessário que esta demonstre que a falta de conhecimento da notificação ocorreu por facto que não lhe seja imputável, conforme expressamente exige o segmento final da referida alínea e) do n.º 1 do art.º 188º. IV - Tendo-se provado que a Embargante passou a residir em Lisboa sem ter alterado a morada constante de todos os seus documentos oficiais, não podemos concluir, em termos de causalidade objectiva, que a conduta da requerente em nada tenha contribuído, em termos adjectivos, para que o acto de notificação da injunção não tenha chegado oportunamente ao seu conhecimento. V - Assim, não é possível ter-se por preenchida a previsão da alínea e) do n.º 1 do art.º 195º relativa à falta de citação da embargante, por facto que não lhe seja imputável.»] e da RL de 31.10.2007-processo 7033/2007-4, publicados no “site” da dgsi.
[15] Vide, a propósito das disposições similares do CPC de 1939, J. Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, Vol. 2º, Coimbra Editora, 1945, págs. 730 e 732, cujo ensinamento permanece actual.
   Dir-se-á, ainda, que nenhum relevo poderá/deverá ser dado ao demais arrazoado das alegações de recurso e respectivas “conclusões” - mormente quando se refere que o próprio exequente, sabia, pelo menos desde 09.11.2017, que o executado residia na Rua São Miguel n.º 24 - Ft - Abravezes, 3515-148 Viseu, porque foi essa morada a indicada pela requerente Maria Odete Pereira da Silva Almeida, na P. I. de incidente de habilitação de cessionária junto aos autos, e no qual constavam como requeridos o exequente e o executado; a AE foi notificada pelo Tribunal Judicial de Viseu, em 03.11.2017, da instauração do incidente de habilitação de cessionário; apesar disso, no referido incidente de habilitação, o Tribunal notificou o recorrente em Rua de Stª Catarina, Lote 10, Bairro São João da Carreira - Rio de Loba, 3505-579 Viseu (cf. a fundamentação e as “conclusões 6ª, 8ª e 18ª”, ponto I, supra) -, pois se trata de matéria não invocada anteriormente e, tendo em vista a pretensão do recorrente, claramente insuficiente e insubsistente.