Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
86/10.0TACDN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: FRAUDE NA OBTENÇÃO DE SUBSÍDIO
NATUREZA DA INFRACÇÃO
DOLO
NEGLIGÊNCIA
Data do Acordão: 07/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE CONDEIXA-A-NOVA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 36.º DO DL 28/84, DE 20-01
Sumário: I - O tipo do artigo 36.º do DL n.º 28/84, de 20 de Janeiro, configura-se como um crime comum, susceptível de ser praticado por qualquer pessoa, independentemente de ser ou não a promotora ou beneficiária do subsídio ou subvenção.

II - Quanto à sua natureza, trata-se de um crime de execução vinculada; na forma negligente [cfr. n.º 6 do artigo 36.º], apenas pode ser cometido pelas formas típicas previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 da referida norma.

III - O segmento “sobre si ou terceiros” descrito na dita alínea, repetido na alínea a) do n.º 5 do mesmo artigo 36.º, reporta-se a informações relativas ao sujeito activo ou a terceiro, incidentes sobre factos essenciais e determinantes da concessão do subsídio ou subvenção, tais como a simulação de factos importantes, a designação de pessoas de grande representação social como interessados no empreendimento, a mentira sobre o tipo de empreendimento, as afirmações inexactas sobre o destino da verba e as informações falsas sobre os recursos técnicos de produção.

IV - Assim, no caso dos autos, o erro cometido pelo autor do projecto, arguido no processo, consubstanciada na incorrecta indicação, por excesso, do comprimento de um regadio, para cujas obras de beneficiação foi apresentada, por determinada entidade, com vista à obtenção de subsídio, projecto de candidatura, não configura, só por si, o crime de fraude na obtenção de subsídio na forma negligente, p. e p. pelo artigo 36.º, n.ºs 1, alínea a), e 6, do DL 28/84.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

      1. No âmbito do processo comum colectivo n.º 86/10.0TACDN do Tribunal Judicial de Condeixa-A-Nova, mediante acusação pública, foi o arguido A... , melhor identificado nos autos, submetido a julgamento, sendo-lhe, então, imputada a prática como autor de um crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, p. e p. pelos artigos 36º, nº 1, al. a) e c), nº 2, al. a) e 39º do D.L. n.º 28/84, de 20.01.

       2. Realizado o julgamento - no decurso do qual teve lugar a comunicação da alteração da qualificação jurídica dos factos - por acórdão do Tribunal Colectivo de 04.01.2013, foi proferida decisão do seguinte teor:

        «Pelo exposto, deliberam os Juízes que compõem este Tribunal Colectivo:

        a) Condenar o arguido, A (...) , pela prática de um crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção na forma negligente, p. e p. pelo art.º 36.º, n.º 6 (por referência ao n.º 1 al. a) do DL 28/84, de 20.1, na pena de 90 dias de multa com € 7,00, de taxa diária e 60 dias de prisão subsidiária;

        b) Condená-lo a restituir o valor de € 3.940,33, que recebeu indevidamente no âmbito do Programa Operacional Regional – Medida Agricultura e Desenvolvimento Rural – Acção 5 – Gestão de Recursos Hídricos e Emparcelamento, Subtracção 5.1 – Novos Regadios Colectivos e Beneficiação de Regadios Tradicionais, nos termos do art.º 39º do DL 28/84, de 20.1

         c) Absolver o arguido do imputado crime, na forma dolosa constante da acusação, p. e p. pelos n.ºs 1 als. a) e c), n.º 2 e 5 al. a) do citado art.º 36.º do DL 28/84, de 20.1.

         d) Determinar a publicação da sentença, nos termos do n.º 4 do art.º 36º do DL 28/84, de 20.1

          (…)».

     3. Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:

     1. O presente recurso vem da Decisão proferida nos Autos, que deliberou

             a) Condenar o arguido, A (...) , pela prática de um crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção na forma negligente, p. e p. pelo art.º 36.º, n.º 6 (por referência ao n.º 1 al. a) do DL 28/84, de 20.1, na pena de 90 dias de multa com € 7,00 de taxa diária e 60 dias de prisão subsidiária;

             b) Condená-lo a restituir o valor de € 3.940,33, que recebeu indevidamente no âmbito do Programa Operacional Regional – Medida Agricultura e Desenvolvimento Rural – Acção 5 – Gestão de Recursos Hídricos e Emparcelamento, Subtracção 5.1 – Novos Regadios Colectivos e Beneficiação de Regadios Tradicionais, nos termos do art.º 39º do DL 28/84, de 20.1

             c) Absolver o arguido do imputado crime, na forma dolosa constante da acusação, p. e p. pelos n.ºs 1 als. a) e c), n.º 2 e 5 al. a) do citado art.º 36.º do DL 28/84, de 20.1.

            d) Determinar a publicação da sentença, nos termos do n.º 4 do art.º 36º do DL 28/84, de 20.1

     2. O Recorrente não se conforma com a decisão proferida nos pontos a), b) e d).

     3. A matéria dada como provada padece de contradição relevante quanto ao papel do ora arguido como agente do crime de que foi acusado.

     4. A Sentença revela erro de interpretação e aplicação do art.º 36.º n.º 6 por referência ao n.º 1 al. a) do D.L. 28/84 de 20.01.

     5. A conduta do arguido não revela qualquer manobra a título negligente de modo a poder obter subvenção ou subsídio.

     6. Está em causa o elemento subjectivo do crime que não subsiste mesmo à luz da incriminação por negligência limitado pela disposição aplicável.

     7. O legislador restringiu a punibilidade de negligência não integrando o uso de documento falso (errado) uma das condutas para efeitos de punibilidade do arguido.

     8. Tal erro – de escala – não se trata de erro de informações inexatas e incompletas sobre si ou terceiros e factos importantes para a concessão do subsídio.

     9. Todo o valor recebido foi utilizado na obra e nas despesas da obra.

           10. A conduta do arguido é censurável do ponto de vista profissional e releva eventualmente a título de responsabilidade civil, e não criminal.

     11. Para a comissão do tipo legal de crime em causa «só vale a manobra fraudulenta contemporânea da proposta de concessão, anterior à sua aprovação, porque o processo causal logicamente precede o seu efeito e a aprovação é dada por erro causado por aquela manobra» o que não se verificou.

     12. A douta sentença do Tribunal a quo ao decidir como fez violou o disposto no art.º 36.º do D.L. 28/84 de 20.01.

     13. Uma correta integração dos factos e dos elementos objetivos e subjetivos do crime em análise conjugado com os factos permite revogar a presente decisão e consequentemente ABSOLVER o arguido da prática do crime de fraude na obtenção de subsídio na forma negligente (art.º 36º nº 6 em referencia ao n.º 1 al) a do D.L. 28/84 de 20.01.

     Assim confiadamente se espera ver julgado, porque assim se mostra ser de Lei e de Direito.

     4. Ao recurso respondeu o Exmo. Magistrado do Ministério Público, aduzindo em síntese:

     «… a comissão do crime de fraude na obtenção de subsídio na forma negligente, não envolve necessariamente (como poderia?) “manobras fraudulentas” por parte do agente. Perfectibiliza-se, antes, com a verificação do resultado que a lei pretende impedir, causada por uma acção “leviana e descuidada” do agente, para citar os termos utilizados no acórdão recorrido.

Cai assim, pela base, uma das críticas que o arguido faz ao acórdão recorrido.

Depois, o arguido argumenta ainda que os factos dados como provados não configuram a situação prevista na alínea a) do art. 36.º: “fornecer às autoridades ou entidades competentes informações inexactas ou incompletas sobre si ou terceiros e relativas a factos importantes para a concessão do subsídio ou subvenção”.

Não se vê como não. Tal como vem referido do acórdão recorrido, “é inequívoco que o arguido forneceu à Direcção Geral da Agricultura informações inexactas relativas à extensão do regadio para cujas obras de melhoria veio a ser concedido um subsídio que seria atribuído, ainda que tivesse indicada a extensão correcta, mas sê-lo-ia em valor muito inferior (…).

Diz ainda o recorrente que todo o valor recebido foi utilizado na obra e nas despesas da obra.

Mas tal facto é completamente irrelevante.

(…) o crime de fraude, consuma-se logo que é atribuído subsídio, fruto de informações erróneas sobre factos importantes para a respectiva concessão, independentemente do destino que for dado às verbas recebidas.

No caso, foi atribuído subsídio que não era devido, ou pelo menos que não era devido no montante atribuído, fruto do fornecimento às autoridades competentes de informações erróneas sobre factos importantes para a respectiva concessão.

O erro que determinou a indicação de uma extensão da obra sujeita a melhorias diferente da real, e por isso mesmo a atribuição de um subsídio em montante superior ao devido, é, sem sombra de dúvida, da exclusiva responsabilidade do arguido».

Termina, pugnando pela confirmação do acórdão recorrido.

5. Admitido o recurso, fixado o respectivo regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a este Tribunal.

6. Na Relação, a Exma. Senhora Procuradora – Geral Adjunta emitiu o parecer de fls. 1162 a 1163, do qual se respiga:

«Feito o enquadramento legal do crime de fraude na obtenção de subsídio, subsumindo os factos provados ao direito aplicável, estamos em crer, contrariamente à tese propugnada pelo recorrente, que a factualidade provada e desenvolvida pelo arguido no procedimento de candidatura é suficientemente enganadora e foi determinante do erro da Direcção Regional da Agricultura na atribuição de um subsidio superior, ao legal e bem, assim, à parte que caberia ao ora recorrente pelo trabalho realizado.

Na verdade, não se nos afigura credível, que uma obra a realizar num espaço de 796 metros de comprimento, possa alguma vez conduzir, sem mácula, a um projecto de uma obra de 1.500 metros de comprimento».

Conclui, no sentido de dever o recurso ser julgado improcedente.

7. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, não reagiu o recorrente.

8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso

                   De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995].

No caso em apreço insurge-se o recorrente contra o que denomina por «contradições» relevantes quanto aos factos provados não se conformando, outrossim, com a subsunção dos factos no crime de fraude na obtenção de subsídio, p. e p. pelo artigo 36.º, n.º 1, al. a) do D.L. n.º 28/84, de 20.01, disposição que indica como tendo sido objecto de violação por parte do tribunal a quo.

2. A decisão recorrida

Ficou a constar do acórdão recorrido [transcrição parcial]:

Matéria de Facto Provada

Em data não concretamente apurada, mas situada entre 05 de Setembro de 1999 e 23 de Dezembro de 2003, a Junta de Agricultores do Regadio das Leiras sito em Casével, Condeixa – a – Nova, decidiu apresentar candidatura ao Programa Operacional Regional – Medida Agricultura e Desenvolvimento Rural – Acção 5 – Gestão de Recursos Hídricos e Emparcelamento, Subtracção 5.1 – Novos Regadios Colectivos e Beneficiação de Regadios Tradicionais, com vista à obtenção de subsídio para realização de obras de beneficiação no referido regadio.

Tal obra visava a construção de dois canais para rega por sulcos e bombagem para colmatar a insuficiência de chuva, permitindo assegurar a água necessária às culturas nos terrenos contíguos ao regadio.

Na qualidade de representante da mencionada Junta de Agricultores, B..., em data também não concretamente apurada mas situada no lapso de tempo supra – referido, contactou o arguido A (...) , engenheiro técnico civil, com vista à realização de um projecto de beneficiação para o Regadio das Leiras.

Nesse momento foi dito ao arguido que tal projecto visava a candidatura da Junta de Agricultores do Regadio das Leiras ao mencionado programa com vista à obtenção de subsídio para realização de obras de beneficiação.

O arguido A (...) fez constar do projecto medidas que não correspondem às medidas reais do regadio, elaborando estimativa de orçamento em conformidade com as medidas que fez constar do projecto.

Assim, no projecto entregue à Junta de Agricultores do Regadio das Leiras, datado de 23 de Dezembro de 2003, o arguido A (...) indicou como comprimento total do regadio das Leiras 1,5 quilómetros, quando, na realidade, tal regadio tinha apenas 796 metros.

Tendo em conta os elementos inseridos no projecto, o arguido A (...) apresentou como estimativa orçamental a quantia de € 167 062,01 (cento e sessenta e sete mil e sessenta e dois euros e um cêntimos) acrescida de IVA à taxa em vigor.

Na posse de tal projecto e estimativa orçamental, em 20 de Janeiro de 2004, B (...) apresentou na Zona Agrária de Condeixa-a-Nova o formulário de candidatura ao supra mencionado programa, constando de tal formulário os elementos constantes do projecto e da estimativa orçamental elaborada pelo arguido A (...) .

Tal candidatura foi, posteriormente, encaminhada para a Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral, actual Direcção Regional de Agricultura do Centro.

Tendo em conta o projecto apresentado e a estimativa orçamental elaborados pelo arguido A (...) e a prévia emissão de parecer favorável por parte da Unidade de Gestão da Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral, em 15 de Março de 2006, o Ministro da Agricultura aprovou o projecto, sendo-lhe atribuído o n.º 2004.3000.10297.

De tal aprovação constava como valor total do subsídio a conceder € 208.180,20 (duzentos e oito mil cento e oitenta euros e vinte cêntimos), sendo o valor de € 9.913,35 (nove mil novecentos e treze euros e trinta e cinco cêntimos) destinado ao projecto de execução, ou seja, ao pagamento de honorários ao arguido A (...) , e a quantia de € 198.266,85 (cento e noventa e oito mil duzentos e sessenta e seis euros e oitenta e cinco cêntimos) destinada às redes de regra.

Em 27 de Julho de 2006 foi celebrado entre o Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e a Junta de agricultores do Regadio das Leiras o contrato de atribuição de ajuda ao abrigo dos programas operacionais do âmbito regional sob a forma de subsídio não reembolsável no montante de € 208 180,20 (duzentos e oito mil cento e oitenta euros e vinte cêntimos).

Na sequência de aprovação do projecto e da celebração do contrato de concessão de subsídios, em 06 de Abril de 2007, a Junta de Agricultores do Regadio das Leiras convidou várias empresas do sector da construção a apresentarem orçamento para a realização da obra de beneficiação do regadio das Leiras, enviando para o efeito convite público e caderno de encargos onde, com base no projecto elaborado pelo arguido A (...) , constava como comprimento total do regadio 1560m.

Não correspondendo o caderno de encargos à realidade física da obra os diversos orçamentos apresentavam um preço global muito superior ao necessário para a efectivação das obras.

Em 03 de Outubro de 2006, foram abertas as propostas tendo a empreitada sido adjudicada às sociedades “Irmãos C (...) , Lda” e “D...” pelo preço global de € 163.885,89 (cento e sessenta e três mil oitocentos e oitenta e cinco euros e oitenta e nove cêntimos), correspondendo à proposta mais baixa de entre as apresentadas.

Em 30 de Maio de 2007 foi celebrado o contrato de adjudicação da obra entre as mencionadas sociedades e a Junta de Agricultores do Regadio das Leiras.

A realização das obras foi acompanhada de perto pelo arguido A (...) .

Em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre o início dos trabalhos e o dia 30 de Outubro de 2007, F..., técnica da Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral responsável pela fiscalização da obra, solicitou ao arguido A (...) o envio dos elementos necessários à elaboração dos autos de medição que, após aprovação, conduziriam à disponibilização do subsídio.

Na sequência de tal solicitação, o arguido A (...) fez constar de documento que depois enviou a F (...) a realização de trabalhos não realizados, reiterando a informação que fez constar do projecto de que o regadio tinha o comprimento de 1,5 quilómetros.

Com base em tais informações e no projecto elaborado pelo arguido A (...) , F (...) , em 23 de Julho de 2007 e 30 de Outubro de 2007, confiando na veracidade informações prestadas, elaborou e assinou os autos de medição n.º 1 e 2, constando do auto de medição n.º 1 como valor global dos trabalhos realizados, até essa data, € 120.641,63 (cento e vinte mil seiscentos e quarenta e um euros e sessenta e três cêntimos) e do auto de medição n.º 2 o valor global de € 77.625,24 (setenta e sete mil seiscentos e vinte e cinco euros e vinte e quatro cêntimos)

Nos dias 26 de Julho de 2007, no seguimento da elaboração do auto de medição n.º 1, e 14 de Novembro de 2007, na sequência da elaboração do auto de medição n.º 2, F (...) procedeu à elaboração de fichas de controlo de movimento financeiro onde pode ler-se “O investimento relativo ao adiantamento está executado e justificado com facturas e autos de medição no local”.

Na sequência de tal informação prestada por F (...) , o seu chefe de secção, G (...) , proferiu despacho de concordância.

Em 20 de Setembro de 2007 foi transferida para a conta titulada pela Junta de Agricultores do Regadio das Leiras na Caixa Geral de Depósitos com o n.º 00609013861730 a quantia de € 126.673,71 (cento e vinte e seis mil seiscentos e setenta e três euros e setenta e um cêntimos) e, em 12 de Dezembro de 2007, a quantia de € 81.506,48 (oitenta e um mil quinhentos e seis euros e quarenta e oito cêntimos), a título de subsídio atribuído.

Tais quantias serviram para proceder ao pagamento aos empreiteiros e ao arguido A (...) nos termos constantes da aprovação do subsídio. Tendo o arguido A (...) emitido factura referente aos honorários devidos pela execução do projecto onde apôs o valor de € 10 409,01 (dez mil quatrocentos e nove euros e um cêntimo).

Em 2009, foi realizada uma acção de controlo de 1.º nível à obra do Regadio das Leiras por parte de Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, tendo resultado da mesma desconformidades entre as obras projectadas e as efectivamente realizadas. No decurso de tal inspecção apurou-se que o cumprimento total do regadio era de apenas 796 m.

Tal discrepância conduziu a que fosse atribuído e efectivamente entregue à Junta de Agricultores do Regadio das Leiras, a título de subsídio, uma quantia muito superior àquela que era devida, ascendendo a € 82.747,31 (oitenta e dois mil setecentos e quarenta e sete euros e trinta e um cêntimos) o valor indevidamente recebido, correspondendo € 78.806,98, a valor facturado pela empreitada, mas não executado, e € 3.940,33, a valor facturado quanto à elaboração do projecto de execução pelo arguido e relativo à parte não efectivamente executada.

O arguido A (...) beneficiou de tal discrepância na medida em que o montante que lhe foi pago a título de honorários esteve directamente dependente do valor total do subsídio recebido pela Junta de Agricultores do Regadio das Leiras.

O arguido tomou conhecimento do erro relativo ao comprimento depois de B (...) , Presidente da referida Junta de Agricultores, o ter informado do resultado da acção de controlo verificadas em 2009 e de se ter deslocado ao local para confirmar, constituindo para si tal situação uma surpresa.

O arguido, em 1999, com 27 anos, tinha acabado de se licenciar (em 1998) em Engenharia Civil e trabalhava num gabinete de projectos de nome GIPAMB, em Coimbra, como estagiário, quando foi contactado por B (...) que lhe perguntou se estava disponível para fazer um estudo prévio para candidatura da Junta de Agricultores à realização do regadio das Leiras.

Nessa altura, B (...) disse que não podia nem tinha condições de pagar nada e que já tinha contactado com o Eng. da Câmara que teria pedido o valor de honorários por esse estudo prévio mas a Junta não tinha dinheiro algum.

Pelas relações de amizade e por ser uma obra para a terra onde moravam, o arguido acedeu em ajudar, referindo logo que desconhecia em absoluto qualquer legislação sobre a matéria no que à candidatura se referia.

E, nessa altura, desconhecia em absoluto que tipo de financiamento existia, julgando que tal seria apenas parcial.

O Presidente da Junta desde logo referiu que não existia nem dinheiro para projecto nem para obra, mas a sua colaboração apenas seria para a realização da candidatura e não para a execução do projecto.

Nessa altura, o arguido sabia que o seu trabalho podia ser, ou não, pago, conforme o resultado da candidatura, condições que o presidente B (...) lhe referiu e aceitou pelas razões acima indicadas.

A primeira candidatura foi entregue na altura, tendo-lhe sido entregue previamente, por o arguido o haver solicitado a um topógrafo, um levantamento topográfico do local, documento sobre o qual o arguido elaborou os projectos que apresentou na Direcção Regional de Agricultura, instruindo essa candidatura, processo de candidatura que caiu, sem procedência, e sem que o arguido tenha recebido nada.

Antes aquando dessa primeira candidatura, o terreno em causa estava completamente tapado com vegetação e os responsáveis da D.R.A., Eng. Arménia e Eng. G (...) , foram ao local com as plantas elaboradas pelo arguido, e nem nessa altura nem posteriormente, com as mesmas plantas, detectaram qualquer erro de medição.

Também nesse primeiro projecto, o canal, que era para ser todo em betão, passou a ser, por indicação do Eng. G (...) , em parte com tubagem e uma segunda parte em betão como estava definido.

Em 2004, é apresentada nova candidatura. Nesse processo o ora arguido não pensou que viesse a ser o executante dos projectos, mas apenas o instrutor da candidatura.

Só em 2003 a legislação veio a referir uma percentagem para o projectista, antes e na altura da primeira candidatura – onde os projectos foram elaborados com a área que a segunda candidatura apresentava -, a legislação nada referia sobre essa questão.

E, pela legislação, quem deveria realizar o projecto de execução era o Ministério da Agricultura e não o arguido.

O arguido recebeu legislação sobre a elaboração de projectos com data de 1997. E foi recebendo legislação, sempre fornecida pelo Ministério da Agricultura, e agindo sempre em coordenação com os elementos deste.

O arguido nunca tinha feito projecto semelhante. Era o primeiro projecto (estudo prévio) que fazia, e, no primeiro realizado, não existia item de remuneração de projectista.

Quando teve conhecimento do erro (em 2009, posto que antes disso, o arguido não confirmou as dimensões in loco), o arguido analisou o projecto, mesmo o da primeira candidatura, tendo então verificado que o motivo do erro foi o da consideração, por si, de uma escala distinta da que constava do levantamento topográfico que lhe serviu de base (que continha uma escala de 1/500) e do projecto que veio a elaborar (onde passou a constar a escala de 1/1000) e por isso a diferença do valor ser de metade, embora pudesse e devesse ter-se apercebido de tal diferença de escalas e do erro que da mesma resultava quanto ao comprimento que fez constar nos diversos documentos supra mencionados.

Todo o processo foi planeado e realizado com a supervisão, ajuda e colaboração dos membros da Direcção Regional da Agricultura do Centro.

Os autos de medição eram da responsabilidade da entidade fiscalizadora, o Ministério da Agricultura, que ia ao local conferir os trabalhos.

O arguido não tem antecedentes criminais. Exerce a actividade de engenheiro como trabalhador independente, sendo titular, com a esposa, de uma empresa de engenharia e restauro, empresa essa que tem apresentado resultados negativos. O casal habita em casa própria e tem três filhos menores a cargo.

Matéria de Facto Não Provada

De relevante para a decisão final, não se demonstrou qualquer outra factualidade.

Designadamente não se provou:

- que o arguido soubesse que em projectos desta natureza a remuneração do projectista corresponde a um valor variável, fixado em percentagem sobre o valor global do subsídio atribuído, sendo tal percentagem tanto maior quanto mais elevado for o montante de subsídio atribuído;

- que, por causa disso, o arguido tenha intencionalmente decidido fazer constar do projecto medidas que sabia não corresponderem às medidas reais do regadio;

- que, em 20 de Janeiro de 2004, B (...) estivesse convicto da conformidade do projecto com a realidade;

- que as obras tenham começado imediatamente após aprovação do projecto;

- que o arguido A (...) tenha mantido qualquer propósito inicial quando fez constar de documento que depois enviou a F (...) a realização de trabalhos que soubesse não terem sido executados;

- que o arguido soubesse que o regadio não tinha o comprimento de 1,5 quilómetros;

- que o arguido soubesse que o comprimento total do regadio era de apenas 796 m;

- que o arguido tenha intencionalmente feito constar do projecto o comprimento de 1,5 quilómetros sabendo que tal facto não correspondia à realidade;

- que o arguido A (...) tenha agido com o propósito concretizado de fazer constar falsamente do projecto e do documento que enviou a F (...) factos que sabia não corresponderem à verdade, bem sabendo que iria apresentar tal projecto para justificar a candidatura a subsídio e que F (...) iria utilizar tais informações para elaborar os autos de medição e que, desta forma, conduziria a que fosse atribuído e entregue à Junta de Agricultores do Regadio das Leiras um montante de subsídio superior àquele que era necessário para a realização das obras e que causava prejuízo ao Estado;

- que o erro de comprimento tenha constituído uma surpresa para o Presidente da Junta dos Agricultores e para a Eng.ª F (...) , técnica da Direcção Regional da Beira Litoral e demais elementos da D.R.A. que acompanharam a obra, a qual tinha sido objecto de louvores pela qualidade de execução;

- que, pelo facto de o terreno se encontrar coberto de vegetação, não fosse possível confirmar medições.

Motivação da Decisão de Facto

O Tribunal considerou os elementos de prova juntos ao processo, mormente documental, em concatenação com a prova testemunhal e declarações do arguido.

Assim, foram relevantes, o projecto de beneficiação de fls. 12-57, o questionário resultante da auditoria de fls. 77-110, o pedido de pagamento de fls. 146-148, 158-161, 175-178, 188-190, a factura de fls. 150, 162-166, 179-181, 191-195; o extracto bancário de fls. 153-154, 185; a cópia de cheques de fls. 155, 182-184; o auto de medição de fls. 166-168, 196-198; o orçamento de fls. 210-214, 480-522; a proposta de contratação de fls. 215-221, 228-233; o contrato de fls. 223-227; a candidatura de fls. 247-262; o relato de diligência externa de fls. 462-464; o parecer de fls. 6 e ss. quanto aos valores facturados, aos valores que foram efectivamente executados e aos montantes pagos a mais; o certificado de registo criminal de fls. 776, as notas sobre a elaboração de projectos de beneficiação de regadios de fls. 903 e ss., a legislação sobre a aplicação do Programa Operacional de Agricultura e Desenvolvimento Rural de fls. 912 e ss., o doc. relativo à identificação do projecto de fls. 952 e ss.; a troca de comunicações entre o arguido e a Eng. F (...) quanto às formas de procedimento, de fls. 967 e ss.

Foram, ainda, determinantes as declarações do arguido que, em conformidade com o já referido na sua contestação escrita, explicou a origem da diferença de comprimento que resultou da alteração errónea que efectuou relativamente à escala que constava do levantamento topográfico por si encomendado quando elaborou com base neste o projecto, aludindo à sua inexperiência e à ajuda que teve dos membros da Direcção Regional da Agricultura que acompanharam o projecto e a sua execução sem que tenham verificado a discrepância da extensão aí constante relativamente à real; mais depôs quanto à sua situação pessoal.

Atendeu-se ao depoimento da testemunha F (...) , engenheira que presta serviço na Direcção Regional da Agricultura e que, nessa qualidade, expôs o processo de candidatura, tendo afirmado nunca ter confirmado as medidas, tendo confiado, sem mais, no que lhe foi apresentado pelo arguido o que fez apenas após a acção de fiscalização levada a efeito pela Inspecção – Geral e Auditoria de Gestão.

Sobre este controlo e suas conclusões, confirmando o parecer de fls. 77 e ss., depôs a testemunha E..., co-responsável por tal acção inspectiva, que afirmou ter-se tratado de uma auditoria efectuada por amostra e decidida pela autoridade que efectuou os pagamentos, tendo visitado a obra e dado conta, mesmo sem recurso a instrumentos de precisão (o que fez posteriormente), que a extensão da obra era inferior à constante do processo, tendo-se depois apercebido que os membros da Direcção Regional da Agricultura se não haviam apercebido de tal erro. De modo idêntico depôs H..., co-responsável pela mesma auditoria.

De nenhum destes depoimentos resultou apurado que o erro tenha sido intencional por parte do arguido, permanecendo plausível a explicação que avançou quanto ao lapso que cometeu na transposição da escala do levantamento topográfico para o projecto na ordem de valores que ficou exposta supra na descrição dos factos provados, tendo ainda ficado por demonstrar que o mesmo tenha actuado com intenção de se beneficiar economicamente ou de beneficiar a Junta de Agricultores e para defraudar intencionalmente a entidade prestadora do subsídio.

A testemunha I..., engenheira civil ao serviço da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, aludiu aos valores atribuídos e à decisão de devolução do valor pago e não correspondente a trabalhos executados, conforme doc. por si subscrito e constante de fls. 6 a 9.

B (...) , Presidente da Junta de Agricultores, referiu-se à forma e contexto em que o arguido foi contratado, à sua situação de recém – licenciado, à indicação expressa de que a Junta não tinha meios de pagamento do serviço em apreço e à ajuda determinante dos elementos da Direcção Regional da Agricultura que iam sempre dando indicações do que era preciso fazer e como fazer para apresentar a candidatura.

Foram ainda determinantes os testemunhos de J... , colega do arguido, e de L..., que aludiram à carreira profissional do arguido, referindo ambos ser sua convicção ter-se aqui tratado de lapso e não de atitude intencional defraudatória por parte do arguido.

3. Apreciação

a.

No ponto 3. das conclusões diz o recorrente padecer a matéria de facto «dada como provada» de «contradição relevante» quanto «ao papel do ora arguido como agente do crime de que foi acusado».

Trata-se de afirmação que, desacompanhada de impugnação da matéria de facto, só é passível de produzir efeito útil se do texto da decisão recorrida resultar uma incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, de forma a poder concluir-se pela verificação do vício da contradição insanável contemplado na al. b), do n.º 2, do artigo 410.º do CPP.

Vejamos, pois, o que em execução da alegação aduz o recorrente.

A propósito lê-se na motivação:

«Resulta claro da matéria de facto provada que o ora arguido não foi o agente beneficiário de qualquer subvenção; o agente do pedido e titular da candidatura foi a Junta de Agricultores do Regadio das Leiras cujo presidente era B (...) .

Depois, deu o Tribunal como provado que o arguido terá sido contatado com vista à realização de um projeto de beneficiação do Regadio das Leiras, visando a candidatura do Regadio das Leiras, visando a candidatura da Junta ao mencionado programa com vista à obtenção de subsídio para a realização das obras.

Seguidamente refere que o arguido fez constar do projeto medidas que não correspondem às medidas reais do regadio, elaborando estimativa de orçamento em conformidade com as medidas que fez constar do projeto.

E adiante (na matéria provada) vem dizer que:

O arguido em 1999 foi contatado pelo B (...) que lhe perguntou se estava disponível para fazer um estudo prévio para candidatura da junta de Agricultores à realização do Regadio das Leiras (facto distinto do projeto propriamente dito)

O arguido referiu que desconhecia em absoluto qualquer legislação sobre a matéria no que à candidatura se referia.

E nessa altura o Presidente da Junta referiu que a junta não tinha dinheiro para o projeto nem para a obra mas a sua colaboração apenas seria para a realização da candidatura e não para a execução do projecto.

A primeira candidatura foi entregue na altura, tendo-lhe sido entregue previamente, por o arguido o haver solicitado, a um topógrafo, levantamento topográfico do local, documento sobre o qual o arguido elaborou os projetos que apresentou na Direção Regional da Agricultura, instruindo essa candidatura, processo de candidatura que caiu, sem procedência, e sem que o arguido tenha recebido nada.

Referindo a matéria provada que – ainda quando dessa primeira candidatura, o terreno em causa estava completamente tapado com vegetação e os responsáveis da D.R.A., Eng.ª F (...) e Eng.º G (...) , foram ao local com as plantas elaboradas pelo arguido, e nem nessa altura nem posteriormente, com as mesmas plantas, detetaram qualquer erro de medição.

Ora o Tribunal aqui cai em contradição pois começa por referir o papel do arguido como executante do projecto quando o seu papel como provado iniciou com a elaboração de estudo prévio, e logo na primeira candidatura que foi recusada, as peças desenhadas foram apresentadas com base nos dados do levantamento topográfico e com o mesmo erro (só identificado em 2009), sendo que nessa altura e como provado o local estava completamente obstruído com vegetação e os próprios responsáveis da DRA que ali foram com as plantas com as plantas elaboradas pelo arguido nada detetaram sobre o alegado erro de medição. Isto é na primeira candidatura o “erro” era existente e manteve-se na 2.ª candidatura e por outro lado quando o erro passou para o papel o local não permitia verificar por estar com vegetação, qualquer discrepância quanto ao comprimento que só em 2009 foi considerado.

O arguido com a sua conduta ao realizar todos os desenhos e peças primeiro do estudo prévio e depois para a candidatura e mais tarde na execução procedeu sem que a sua conduta manifestasse qualquer manobra mesmo a título negligente de modo a poder a Junta de Agricultores do Baixo regadio a obter a subvenção para a execução da obra e onde todo o valor recebido foi aplicado. A verificação do erro só é constatada em 2009 depois da ação inspetiva e da procura por todos os intervenientes de uma justificação para a diferença do comprimento do regadio. Por isso nem a título de negligente em referência à al. a) do nº 1 se pode imputar qualquer conduta ao arguido, como o faz a sentença.

Por outro lado,

Como também se deu como provado – o arguido quando teve conhecimento do erro (em 2009, posto que antes disso, o arguido não confirmou as dimensões in loco), o arguido analisou o projeto, mesmo o da primeira candidatura, tendo então verificado que o motivo do erro foi o da consideração, por si, de uma escala distinta da que constava do levantamento topográfico que lhe serviu de base (que continha uma escala de 1/500) e do projeto que veio a elaborar (onde passou a constar de 1/1000) e por isso a diferença do valor ser de metade, embora pudesse e devesse ter-se apercebido de tal diferença de escalas e do erro que da mesma resultava quanto ao comprimento que fez constar nos diversos documentos supra mencionados.

- Em 2004, é apresentada nova candidatura. Neste processo o ora arguido não pensou que viesse a ser executante dos projetos, mas apenas o instrutor da candidatura.

Depois vem dizer que não se provou – “que o erro de comprimento tenha constituído uma surpresa para o Presidente da Junta dos Agricultores e para a Eng.ª F (...) , técnica da Direcção Regional da Beira Litoral e demais elementos da D.R.A. que acompanharam a obra, a qual tinha sido objeto de louvores pela qualidade de execução.”

Afirmando na motivação da decisão de facto que a testemunha E (...) corresponsável da ação inspetiva por amostra tendo visitado a obra e dado conta da diferença da extensão da obra tendo-se apercebido que os membros da Direção Regional de Agricultura se não haviam apercebido de tal erro. Quando a fiscalização, autos de medição foram da responsabilidade do Ministério da Agricultura e todo o processo executivo foi planeado e realizado com a ajuda e colaboração dos membros da D.R.A.

Parece-nos que o Tribunal aqui se contradiz afastando a evidência que o erro detetado não tenha sido uma surpresa para todos os intervenientes. É notório que assim foi, não fora a ação inspetiva aleatória ter ocorrido, até hoje absolutamente ninguém incluindo o Ministério da Agricultura e a Junta e o próprio arguido teria a noção de tal erro.

(…)».

Com o devido respeito, não se vê das passagens transcritas como pode o recorrente defender haver incorrido o tribunal a quo no invocado vício quando, é certo, dever entender-se por contradição «o facto de afirmar e de negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não podem ser simultaneamente verdadeiras e falsas …» - [cf. acórdão do STJ de 96.05.08, proc. n.º 327/96], sendo, pois, necessário à sua verificação que «haja oposição entre factos que mutuamente se excluem por impossibilidade lógica ou de outra ordem por versarem a mesma realidade » - [cf. acórdão do STJ de 96.09.25, proc. n.º 48741], o que não é o caso.

O que, efectivamente, de relevante decorre da argumentação prende-se, em grande parte, com a decisão de direito, questionando-se a subsunção dos factos ao crime, em função de aspectos vários que vão desde saber quem pode ser agente do mesmo até à configuração dos respectivos elementos típicos.

Com efeito, tudo o mais redunda ou na tentativa - inócua, embora - de sobreposição da convicção do recorrente àquela que foi a do tribunal a quo [vg. quando se insurge contra a circunstância de ter sido dado como não provado que o «erro de comprimento» tenha constituído surpresa para as pessoas e entidades indicadas, convocando uma passagem da fundamentação da convicção donde, apenas, resulta o sentido do depoimento de uma testemunha, que, naturalmente, não tinha de ser adoptado pelo tribunal, não decorrendo daí, como é óbvio, qualquer «contradição»], ou mostra-se dirigido a salientar «contradições» no que respeita aos vários «desempenhos/funções» que ao longo da matéria de facto lhe foram sendo «atribuídos», e por ele assumidos, em todo o «procedimento» da candidatura da Junta dos Agricultores ao subsídio, quando alguma imprecisão na definição, em cada momento, das suas exactas funções [imprecisão, de resto, a que não é alheia a própria contestação – cf. vg. o ponto 26. o qual, sem distinguir, se reporta a «projecto»/«estudo prévio»] não deixa de encontrar solução no contexto da própria decisão recorrida a qual, em nosso juízo, não compromete uma correcta aplicação do direito.

Em conclusão, carece de fundamento a alegação.

b.

Insurge-se o recorrente contra a subsunção dos factos no crime de fraude na obtenção de subsídio, previsto no artigo 36.º, n.º 1, al. a) do D.L. n.º 28/84, de 20.01, ainda que, tão só, na forma negligente [cf. n.º 6].

Antes de prosseguirmos, um breve parêntesis tão só para contrariar a ideia desenvolvida na motivação – não retomada, é certo, nas conclusões, mas ainda assim de conhecimento oficioso – de uma eventual violação do artigo 358.º, n.º s 2. e 3. do CPP, a qual, visto o teor da acta de fls. 1110, não se verifica, mostrando-se, também nesta sede, o recorrente incurso em alguma confusão, porquanto o desenvolvimento da alegação não se compagina com o real significado do «vício».

 

A primeira manifestação de discordância contém-se na afirmação: «Resulta claro da matéria de facto provada que o arguido não foi o agente beneficiário de qualquer subvenção; o agente do pedido e titular da candidatura foi a Junta de Agricultores do Regadio das Leiras cujo presidente era B (...) », o que nos obriga a enfrentar a questão de saber quem pode ser sujeito do referido crime.

Pela relação de prejudicialidade que é susceptível de assumir relativamente aos demais aspectos é por aqui que iniciaremos a abordagem da matéria concernente ao direito.

Sob a epígrafe «Fraude na obtenção de subsídio ou subvenção», dispõe o artigo 36.º do D.L. n.º 28/84, de 20 de Janeiro:

«1. Quem obtiver subsídio ou subvenção:

a) Fornecendo às autoridades ou entidades competentes informações inexactas ou incompletas sobre si ou terceiros e relativas a factos importantes para a concessão do subsídio ou subvenção;

b) Omitindo, contra o disposto no regime legal da subvenção ou do subsídio, informações sobre factos importantes para a sua concessão;

c) Utilizando documento justificativo do direito à subvenção ou subsídio ou de factos importantes para a sua concessão, obtido através de informações inexactas ou incompletas; será punido com prisão de 1 a 5 anos e multa de 50 a 150 dias.

2. Nos casos particularmente graves, a pena será de prisão de 2 a 8 anos.

(…)

5. Para os efeitos do disposto no n.º 2, consideram-se particularmente graves os casos em que o agente:

a) Obtém para si ou para terceiros uma subvenção ou subsídio de montante consideravelmente elevado ou utiliza documentos falsos;

b) Pratica o facto com abuso das suas funções ou poderes;

c) Obtém auxílio do titular de um cargo ou emprego público que abusa das suas funções ou poderes.

6. Quem praticar os factos descritos nas alíneas a) e b) do n.º 1 com negligência será punido com prisão até 2 anos ou multa até 100 dias.

(…)».

Sobre o bem jurídico que se visa proteger com a incriminação, têm-se pronunciado os autores de forma que se pode dizer consensual enquanto evidenciam, «por um lado, a confiança necessária à vida económica, e por outro, a correcta aplicação dos dinheiros públicos no campo económico» - [cf.. Tolda Pinto e Reis Bravo, em «Colectânea de Legislação Penal Extravagante, Direito Penal Económico e Afim», Coimbra Editora, pág. 110], a «economia e a intervenção do Estado nesta área efectuada mediante a utilização de dinheiros públicos», protegendo-se num «segundo plano … a boa gestão do património público» - [cf. Paulo Pinto de Albuquerque e José Branco, em «Comentário das Leis Penais Extravagantes», Volume 2, Universidade Católica Editora, pág. 115], «a confiança necessária à vida económica e por outro lado a correcta aplicação dos dinheiros públicos no campo económico» - [cf. Carlos Codeço, em “Delitos Económicos”, Almedina, 1986, págs. 176/177], em consonância, aliás, com o «preâmbulo» do diploma em causa, enquanto ali se consigna: «Entre os novos tipos de crimes incluídos neste diploma destacam-se a fraude na obtenção de subsídios ou subvenções, o desvio ilícito dos mesmos e a fraude na obtenção de créditos, conhecidos de outras legislações, como a República Federal da Alemanha, os quais, pela gravidade dos seus efeitos e pela necessidade de proteger o interesse da correcta aplicação dos dinheiros públicos nas actividades produtivas, não poderiam continuar a ser ignorados pela nossa ordem jurídica».

Pois bem, da análise do preceito – supra transcrito - resulta inegável que a conduta tipicamente relevante abarca a obtenção «para terceiros» da subvenção ou subsídio – [cf. a alínea a), do n.º 5, do artigo 36.º], o que se compreende, identificada que está a natureza supra – individual do bem jurídico tutelado «no sentido de que estão em causa dinheiros de todos e que a sua aplicação se dirige a um fim de interesse social», [cf. Rosário Teixeira, em «Crimes de fraude na obtenção e de desvio de subsídio (Notas de trabalho sobre um caso prático)», em RMP, Ano 16º, nº 62, pág. 117], não se vendo motivo para que assim não seja, também, relativamente ao tipo do corpo do n.º1.

Afigura-se-nos, deste modo, ser de afastar a ideia de se estar perante um crime específico de que apenas o agente promotor possa constituir-se autor, entendimento que encontra acolhimento, vg. no acórdão do STJ de 02.11.95, BMJ n.º 451, pág. 56, ao considerar que é autor do crime de fraude na obtenção de subsídio «aquele que toma parte directa na sua execução …, sendo irrelevante que não tenha efectuado quaisquer pagamentos ou recebido para si qualquer quantia», posição corroborada por Paulo Pinto de Albuquerque e José Branco quando referem que « … autor do crime pode ser qualquer pessoa, singular ou colectiva» [cf. ob. cit, pág. 116].

Em sentido idêntico pronuncia-se o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 18.06.2013 [proc. n.º 9/10.6TDEVR.E1], disponível em www.dgsi.pt/jtre, do qual, pedindo vénia, se extracta: « … o art. 36º nº 1 do Dec. – lei 28/84 refere-se apenas a quem obtiver subsídio ou subvenção sem quaisquer delimitações ou complementos que no plano literal permitam considerar que apenas pode ser sujeito ativo do crime determinada categoria ou categorias de pessoas, nomeadamente o promotor do projeto (o que o tornaria um crime específico), que o preceito não refere em passo algum.

(…), a utilização do pronome indefinido quem desacompanhado de referências a qualidades ou características do agente indica, em regra, que o crime pode ser praticado por qualquer pessoa …

(…)

Por outro lado, a interpretação … de que a al. a) do n.º 5 do art. 36º somente se preveem os casos em que é o agente promotor a obter benefício para si ou terceiro não tem suporte na letra da … norma – que não distingue, referindo-se apenas ao agente – nem em elemento diverso da interpretação. Isto é, embora as situações em que o promotor do projeto sejam naturalmente abrangidas pela al. a) do nº 5, daí não decorre que o crime não possa ser praticado por qualquer outra pessoa relativamente à qual se verifiquem os demais elementos objetivos e subjetivos do crime.»

Assentemos, pois, como nos surge inequívoco, estarmos perante um crime comum, susceptível de ser praticado por qualquer pessoa, independentemente de ser ou não o promotor ou beneficiário do subsídio ou subvenção e, como tal, também, pelo arguido/recorrente nos presentes autos.

Mas, a dissidência do recorrente tem um maior lastro, expandindo-se para outros aspectos da configuração típica do crime de fraude na obtenção do subsídio, cujos elementos, no caso concreto, refuta estarem presentes.

Façamos, por isso, uma digressão sobre os pontos que se nos afiguram relevantes.

A propósito do crime em apreço escrevem Figueiredo Dias e Costa Andrade:

«Recondutível à categoria dos crimes de dano, a Fraude na obtenção de subsídio configura outrossim uma manifestação exemplar dos chamados crimes de execução vinculada. A semelhança das fraudes em geral – e da sua expressão arquetípica, a Burla do artigo 313º do Código Penal -, também aqui a produção do dano tem de obedecer ao processo causal típica e abstractamente descrito na norma incriminatória. Também aqui o processo causal faz parte do tipo e é por este conformado e modelado.

Neste plano avultam, pela sua mais óbvia relevância prática, duas notas, a justificar uma referência nesta sede.

A primeira tem a ver com o objecto das manobras fraudulentas e reflexamente do erro por elas induzido: tanto aquelas como este terão de incidir não sobre aspectos do regime legal de um subsídio, mas antes e exclusivamente sobre os pressupostos de facto da sua concessão. Nos termos da própria lei, tanto a fraude como o erro hão-de reportar-se «a factos importantes para a concessão do subsídio», expressão invariavelmente presente na descrição das diferentes modalidades da conduta típica, constantes das três alíneas do n.º 1 do artigo 36.º do Decreto –Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro».

(…)

 «Convirá, em segundo lugar, precisar que, para efeitos de Fraude na obtenção do subsídio, só relevam as manobras fraudulentas e os erros que antecedam a concessão do subsídio e a predeterminam causalmente. Uma vez deferido positivamente o pedido de subsídio e adquirido o direito ao seu recebimento, já não podem valorar-se como fraude na obtenção as irregularidades que venham a ter lugar nos momentos ulteriores da sua efectivação e aplicação.

Não podem, concretamente, valorar-se como Fraude na obtenção do subsídio, sequer na forma tentada, as irregularidades (v.g., empolamento dos custos, contabilização de despesas não efectuadas, etc.) que inquinam o chamado «dossier de saldo», preordenado ao encerramento das contas ou ao recebimento da «segunda tranche» do subsídio. Trata-se, com efeito, de factos que nada têm a ver com a factualidade típica da incriminação constante do artigo 36.º do Decreto – Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro. Isto por não se encontrarem preordenados à obtenção de um subsídio.» - [cf. Direito Penal Económico e Europeu: Textos Doutrinários, Volume II, Coimbra Editora, 1999, pág. 343/344].

Entendimento que tem merecido acolhimento na jurisprudência, como decorre vg. do acórdão do STJ de 15.10.1997, proferido no âmbito do proc. n.º 97P1316, no qual, com base na expressão «quem obtiver subsídio ou subvenção», por um lado se defende que o crime em causa só se consuma «quando existe a aprovação da concessão do subsídio ou subvenção e o seu montante é posto à disposição do beneficiário» - tese que veio a ser perfilhada no acórdão do STJ n.º 2/2006, de 23.11.2005, publicado no DR, I Série-A, de 04.01.2006, que fixou jurisprudência no sentido de que «O crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção previsto no artigo 36.º do Decreto – Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, consuma-se com a disponibilização ou entrega do subsídio ou subvenção ao agente» - e, por outro lado, à semelhança do referido estudo, se afirma «… o crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção é um crime de execução vinculada, pois a conduta do agente encontra-se descrita típica e abstractamente nas diferentes alíneas do n.º 1 do artigo 36º do Decreto-Lei 28/84, de 20 de Janeiro.

Daí que o crime só possa executar-se por um dos três modos ali descritos (…).

Note-se, além disso, que só vale a manobra fraudulenta contemporânea da proposta de concessão, anterior à sua aprovação., porque o processo causal logicamente precede o seu efeito e a aprovação é dada por erro causado por aquela manobra».

Especificamente sobre este último aspecto, também, o acórdão do STJ de 17.06.2004 distingue o momento da consumação daquele outro em que assumem relevância as manobras fraudulentas, em concretização do que aduz: «Ocorrendo a consumação do crime com o efectivo recebimento da prestação, de acordo com a nossa perspectiva, diferente é a consideração do momento e da relevância das manobras fraudulentas para obter a sua concessão. Só relevam aquelas que antecedem a decisão de conceder o subsídio e que a predeterminam causalmente, e não já as irregularidades posteriores que se conexionam com a execução da finalidade para que é concedido o subsídio ou subvenção, que podem integrar o tipo legal de crime de desvio de subsídio ou subvenção (art.º 37º)» - [cf. CJ, ASTJ, Ano XII, T. II, pág. 234 e ss.].

Contudo, não se mostra pacífica a afirmação de que apenas releva a manobra fraudulenta contemporânea da proposta de concessão, anterior à aprovação, como, entre outros, decorre do acórdão do TRL de 21.11.2002 quando refere: «Tendo por assente que o dito crime é de execução vinculada em que “a produção do dano tem de obedecer ao processo causal típica e abstractamente descrito na norma incriminatória … o que não se pode coonestar é a afirmação segundo a qual para a sua realização “só vale a manobra fraudulenta contemporânea da proposta de concessão, anterior à aprovação”», concluindo «Por isso, se nos afigura que assiste razão ao recorrente quando defende que o crime de fraude na obtenção de subsídio “deve ser configurado como um processo complexo que se espraia no tempo e em que a esfera de protecção da norma não se cinge aos momentos iniciais da relação jurídica estabelecida entre a entidade outorgante e o particular mas se prolonga por todo o período em que a relação se mantém» [CJ, Ano XXVII – 2002, T. V, pág. 127 e ss.; posição que se nos afigura ser a defendida acórdão do STJ de 19.02.2003, CJ, ASTJ, Ano XXVIII - 2003, T.I, pág.201 e ss.].

Posto isto, retomemos o caso.

O arguido/recorrente, acusado que estava da prática de um crime de fraude na obtenção de subsídio, p. e p. pelo artigo 36.º, nº 1, alíneas a) e c), nº 2 e n.º 5, alínea a) e 39.º do D.L. n.º 28/84, de 20 de Janeiro, comunicada que foi a alteração não substancial dos factos e respectiva qualificação jurídica, veio a sofrer condenação pelo crime de fraude na forma negligente, p. e p. pelo artigo 36.º, nº 6, com referência ao n.º 1, al. a), do citado diploma legal.

Não vindo questionada o carácter de subsídio da «prestação» em causa, resultando presentes os elementos - de natureza objectiva, subjectiva e teleológica - a que alude o artigo 21.º do D.L. n.º 28/84, caracterizado que foi como crime comum, o ilícito em questão, e definida, no essencial, a sua estrutura, é tempo de, com maior detalhe, nos debruçarmos sobre a situação concreta.

Esclarecida que está a natureza de crime de execução vinculada, que na forma negligente [cf. nº 6], apenas, pode ser cometido por duas, das três, formas típicas descritas no n.º 1 do artigo 36º, façamos, agora, incidir a análise sobre estas.

Neste domínio, até com vista à forma como, entre si, se podem delimitar, é de convocar os procedimentos típicos descritos nas alíneas a) e c), assim legalmente traduzidos:

a) Fornecendo às autoridades ou entidades competentes informações inexactas ou incompletas sobre si ou terceiros e relativas a factos importantes para a concessão do subsídio ou subvenção;

c) Utilizando documento justificativo do direito à subvenção ou subsídio ou de factos importantes para a sua concessão, obtido através de informações inexactas ou incompletas.

Significa, pois, transpondo para a forma negligente, que, prevendo como possível a realização do crime [mas não se conformando com essa realização], ou nem sequer prevendo a possibilidade dessa realização, sendo tal previsibilidade exigida de acordo com as regras da experiência, tendo em conta os conhecimentos, as capacidades e qualidades, designadamente profissionais do agente, este não respondendo às exigências do cuidado objectivamente imposto e devido, omitindo a diligência que, no caso, lhe era exigível fornece às autoridades/entidades competentes informações, sobre si ou terceiros, inexactas ou incompletas e relativas a factos importantes para a concessão do subsídio ou subvenção – [cf. a al. a)].

No caso da alínea c) – que não comporta a forma negligente - «o agente serve-se de documento falsificado, o que se pode apresentar em progressão com a falsificação elaborada antes, para obter o deferimento da sua pretensão (a actividade do agente consiste em apresentar como genuíno o documento, se ele foi materialmente falsificado, ou como verídico, se foi ideologicamente falsificado)» - [cf. Tolda Pinto e Reis Bravo, ob. cit., pág. 111].

Perscrutada a matéria de facto vertida no acórdão recorrido, constata-se que em causa está o «erro» na indicação do comprimento do regadio das Leiras, para cujas obras de beneficiação a Junta de Agricultores do Regadio das Leiras, com vista à obtenção de subsídio, apresentou candidatura ao Programa Operacional Regional – Medida Agricultura e Desenvolvimento Rural – Acção 5 – Gestão de Recursos Hídricos e Emparcelamento, Subtracção 5.1 – Novos Regadios Colectivos e Beneficiação de Regadios Tradicionais.

Subsídio, esse, – não reembolsável – que, não obstante, resulta da decisão sempre seria concedido – como o foi – pese embora, caso não tivesse ocorrido o dito «erro» quanto ao comprimento do regadio, em montante inferior.

Isto dito, pergunta-se: integrará tal materialidade o meio de execução vinculada descrito na al. a), do n.º 1, do artigo 36.º do D.Lei n.º 28/84? Concretamente traduziu-se a mesma em fornecer, sobre si ou terceiros, informações inexactas e relativas a factos importantes para a concessão do subsídio?

Não nos suscita dúvida, à luz do consignado em sede de matéria de facto provada que, no caso, a indicação correcta do comprimento do regadio assumia relevância na determinação do montante do subsídio a conceder - com repercussão no valor dos honorários a atribuir ao arguido [autor do projecto], inferior, sem dúvida, caso não tivesse ocorrido o «erro».

Já não assim, contudo, quanto ao objecto sobre que incidiu a informação inexacta, que não se nos afigura integrar o segmento «sobre si ou terceiros», repetido, aliás, na al. a), do n.º 5 do dito artigo – disposição já atrás convocada como argumento de ordem sistemática – o qual vemos dirigido a aspectos susceptíveis de melhorar a imagem do agente ou de terceiro com vista à obtenção do subsídio, vg. «por simulação de factos importantes, por designação de pessoas de grande representação social como interessados no empreendimento, por mentira sobre o tipo de empreendimento, por afirmações inexactas sobre o destino da verba, por informações falsas sobre os recursos técnicos de produção …» informações que «devem dizer respeito ao sujeito activo ou a terceiro e recair sobre factos essenciais e determinantes da concessão do subsídio ou subvenção» (destaque nosso) - [cf. Carlos Codeço, “Delitos Económicos”, pág. 179/180].

Saliente-se, ainda, a circunstância de, sendo, embora, transversal a todos os «processos de execução vinculada» a exigência das «manobras» incidirem sobre factos importantes para a concessão do subsídio, apenas a alínea a) operar a dita restrição [«sobre si ou terceiros»], aspecto que, sob pena de não se alcançar o efeito útil, aponta no referido sentido.

Admitamos, porém, tratar-se de interpretação demasiado restritiva.

Ainda assim temos dificuldade em encarar a condenação do arguido/recorrente, a título de negligência, com referência à alínea a), do n.º 1, do artigo 36º do D.L. n.º 28/84, de 20.01, pois que:

a. O dito «erro» [comprimento do regadio] constava do projecto que integrou a primeira candidatura [processo que «caiu, sem procedência»] e foi repetido em 2004 aquando da apresentação da segunda candidatura, integrada [fisicamente] pelos mesmos projectos [transitados da 1.ª candidatura] e reproduzido nos respectivos formulários, conforme resulta da matéria de facto;

b. Tais «documentos» [projectos e respectivos formulários] precederam, naturalmente, a aprovação pelo Ministério da Agricultura, em 15.03.2006, do projecto [da qual já constava o valor total do subsídio a conceder, incluindo a verba destinada ao projecto de execução (pagamento de honorários ao arguido)], bem como a celebração, em 27.07.2006, entre o Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e a Junta de Agricultores do Regadio das Leiras, do contrato de atribuição de ajuda ao abrigo dos programas operacionais do âmbito regional sob a forma de subsídio não reembolsável;

c. O que significa que os elementos determinantes do «erro» sobre o montante total do subsídio que veio a ser concedido [incluindo o valor reservado ao projecto de execução] integravam já os «documentos» que suportaram a candidatura, inquinados pela falsidade intelectual decorrente da inexactidão relativa ao comprimento total do regadio, com reflexos na estimativa orçamental, então documentada;

d. Factos susceptíveis de integrar o modo de execução vinculada da alínea c), do n.º 1, do artigo 36.º do D.L. n.º 28/84, de 20.01, cuja previsão também integra a materialidade descrita na alínea a) do sobredito preceito legal;

e. Não aplicável, porém, ao caso por tal forma de execução não ser punível a título de negligência – cf. o n.º 6;

f. As informações subsequentes, ocorridas depois da aprovação pelo Ministério da Agricultura do projecto [do qual já constavam os valores do subsídio atribuído] e da celebração do contrato a que se alude em b., para além de, à luz das posições doutrinárias e jurisprudenciais de relevo acima expostas, não surgirem como determinantes da concessão do subsídio - na medida em que se trataram de informações inexactas posteriores à sua aprovação e à celebração do contrato, não radicando, pois, nelas o erro da administração -, mesmo para aqueles que perfilham diferente entendimento não acrescentaram nada de novo [o arguido reiterou a informação que fez constar do projecto de que o regadio tinha o comprimento de 1,5 quilómetros] no que concerne aos factos [inexactos] relevantes vertidos nos documentos [formulários e projectos] que instruíram o processo de candidatura;

h. A tudo isto acresce a circunstância de encontrar eco na decisão [factos provados]:

1. O facto de os «autos da medição» serem da responsabilidade da entidade fiscalizadora [Ministério da Agricultura], que ia ao local conferir os trabalhos [não obstante a realização das obras ter sido acompanhada de perto pelo arguido];

2. De acordo com a legislação aplicável o projecto de execução caber ao Ministério da Agricultura e não ao arguido;

3. No processo de candidatura de 2004 o arguido não haver configurado assumir o papel de executante dos projectos, mas apenas o de instrutor da candidatura.

Aspectos que, conjugados, suscitam as maiores dúvidas na conformação do elemento subjectivo do crime no que concerne às informações subsequentes à aprovação do projecto e celebração do contrato, sendo certo que, a tal respeito, o acórdão se limita a consignar: «Quando teve conhecimento do erro (em 2009, posto que antes disso, o arguido não confirmou as dimensões in loco), o arguido analisou o projecto, mesmo o da primeira candidatura, tendo então verificado que o motivo do erro foi o da consideração, por si, de uma escala distinta da que constava do levantamento topográfico que lhe serviu de base (que continha uma escala de 1/500) e do projecto que veio a elaborar (onde passou a constar a escala de 1/1000) e por isso a diferença do valor ser de metade, embora pudesse e devesse ter-se apercebido de tal diferença de escalas e do erro que da mesma resultava quanto ao comprimento que fez constar nos diversos documentos supra mencionados», parecendo, assim, restringir, ao nível do elemento subjectivo do tipo, a acção do arguido/recorrente, confinando-a ao «erro» do projecto, por via da utilização de uma escala distinta da que resultava do levantamento topográfico, quanto ao comprimento do regadio.

Nesta conformidade, sem questionar uma eventual responsabilidade de diferente natureza por parte do arguido/recorrente, entende-se não se mostrarem reunidos os elementos típicos do crime em questão, o que conduz à absolvição.

III. Decisão

Termos em que acordam os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, na procedência do recurso, em revogar a decisão recorrida e, em consequência, absolver o arguido A (...) do crime de fraude na obtenção de subsídio p. e p. pelo artigo 36.º, n.º 6, com referência ao n.º 1, alínea a), todos do D.L. n.º 28/84, de 20.01.

Sem custas

(Maria José Nogueira - Relatora)

(Isabel Valongo)