Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
128/20.0T8CNF.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: USUFRUTO
OBRIGAÇÕES DO USUFRUTUÁRIO
REPARAÇÕES ORDINÁRIAS
REPARAÇÕES EXTRAORDINÁRIAS
Data do Acordão: 05/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE CINFÃES DO TRIBUNAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1472.º E 1473.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I) Estão a cargo do usufrutuário as reparações ordinárias indispensáveis para a preservação da substância da coisa e a manutenção da sua aptidão produtiva, entre elas se incluindo os actos de manutenção e limpezas de um determinado imóvel, como “arejar a casa, arrancar as ervas e cortar o silvado do logradouro”.

II) Se o usufrutuário custear, a expensas suas, despesas com reparações extraordinárias, só a ele, e não outrem, é conferido o direito a exigir ao proprietário, ou a quem lhe suceder, as importâncias despendidas ou o pagamento do valor que tiverem no fim do usufruto.

Decisão Texto Integral:






            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

A… instaurou a presente acção declarativa de condenação, processo comum, contra C…, ambos já identificados nos autos, pedindo que a ação seja julgada procedente, e em consequência, o réu condenado a:

a) pagar-lhe a quantia de 40.339.60 €, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a citação, até integral pagamento e;

b) declarado e reconhecido o direito de retenção do autor sobre o imóvel identificado no artigo 3.º da p.i.

 Alegou para tanto e em resumo, que é filho do réu, que por sua vêz é filho de M…, já falecido.

Em 29 de Junho de 2006 teve lugar a partilha de bens por morte de S…, esposa de M… e avó e mãe do autor e réu, respectivamente, na sequência do que foi adjudicada ao ora réu, a nua propriedade do imóvel urbano descrito no artigo 3.º da p.i., tendo sido adjudicado ao referido M… o respectivo usufruto.

Mais alega que à data da partilha tal imóvel se encontrava em ruínas, carecendo de reparações urgentes e como o usufrutuário, seu avô, mostrava interesse em ir à sua terra, onde se localizava o dito imóvel, o autor, com conhecimento do réu e autorização do usufrutuário, realizou obras no mesmo, que descreve no artigo 10.º da p.i., que tiveram início em meados de Abril de 2009, que concluiu em Dezembro desse ano, que importaram na quantia de 4.147,60 €.

Mais alega que concluídas tais obras e até 20 de Março de 2020, data em que faleceu o seu avô, M…, “assegurou a manutenção e limpeza do imóvel”, com o que suportou custos no montante de 4.800,00 €, a que acresce a de 1.392,00 €, de deslocações que efectuou, para tal efeito, entre …, …e .., …..

Mais refere que as benfeitorias que realizou aumentaram o valor do imóvel em, pelo menos, 30.000,00 € e atenta a impossibilidade de restituição em espécie, peticiona, ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa, a condenação do autor a pagar-lhe a supra referida quantia global de 40.339,60 €.

Contestando, o réu alega a “caducidade” do direito a que se arroga o autor, com o fundamento em que, nos termos do disposto no artigo 482.º, do CC, o direito à restituição por enriquecimento sem causa, prescreve ao fim de 3 anos contados da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete, o que ocorreu em Dezembro de 2009, com a conclusão das obras, pelo que o direito invocado se encontra prescrito (artigo 4.º da p.i.).

Alega, ainda, a sua ilegitimidade, porquanto o direito a que se arroga o autor consiste num crédito sobre o usufrutuário.

Impugna a factualidade em que o autor fundamenta o seu direito, designadamente a realização das obras e respectiva amplitude, nunca tendo sido informado da realização das mesmas.

Respondeu o autor, reiterando, que desde o início de 2010 e até à morte do avô, se deslocou ao referido imóvel, pelo menos uma vez por ano “com o intuito de arejar a casa, arrancar as ervas e cortar o silvado do logradouro”, preservando “o aumento patrimonial decorrente das benfeitorias”, defendendo que são “um acto contínuo não dissociado das benfeitorias”.

Que não se verifica a caducidade do seu direito, por só ter tido conhecimento deste com a morte do seu avô e que o réu é parte legítima, por ser, agora, proprietário pleno do dito imóvel.

Como resulta da acta de fl.s 88/9, teve lugar Audiência Prévia, no decurso da qual foi dada a palavra ao Ex.mo Mandatário do autor, “a fim de que suprisse as insuficiências na exposição da matéria de facto relativamente ao empobrecimento do Autor no que se refere ao período posterior a 2099”.

No seguimento do que pelo referido Mandatário foi dito o seguinte:

“as despesas mais substanciais efectuadas pelo autor tiveram lugar até ao ano de 2009, inclusive, sendo que os encargos e despesas que suportou posteriormente, na manutenção e limpezas, foram essencialmente as suas deslocações e cansaço pelas tarefas lá realizadas, por ele e por quem o acompanhou”.

Conclusos os autos ao M.mo Juiz a quo, sem necessidade de produção de prova, foi proferida a sentença de fl.s 90 a 96, em que se decidiu o seguinte:

“Em face do exposto, decide-se:

a) Julgar procedente a excepção peremptória de prescrição da restituição por enriquecimento sem causa pela realização de obras de recuperação pelo Autor A…, invocada pelo Réu C…;

b) Julgar manifestamente improcedente o pedido do Autor A…, no que se refere aos trabalhos de manutenção de limpeza;

c) Absolver o Réu  C… de todo o peticionado;

d) Condenar o Autor nas custas da acção, sem prejuízo do apoio beneficiário de que beneficia.”.

Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o autor A…, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida, imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 105), finalizando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

(…)

Não foram apresentadas contra-alegações.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.         

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se se verifica a prescrição do direito a que se arroga o autor.

A matéria de facto a ter em consideração é a que resulta do relatório que antecede.

Se se verifica a prescrição do direito a que se arroga o autor.

Alega o recorrente que não se verifica a invocada prescrição, porque o prazo da mesma apenas começou a correr com a morte do usufrutuário, ocorrida em 20 de Março de 2020, por só nesta data terem cessado “os actos de conservação patrimonial”, altura em que se constituiu o seu direito e dele tomou conhecimento.

E, ainda, porque o enriquecimento se produziu na esfera do recorrido, não sendo de aplicar o disposto no artigo 1472.º, n.º 1, do Código Civil.

O recorrido, como resulta do relatório que antecede, defende que se verifica a prescrição do direito a que se arroga o autor, porquanto as obras que alegou ter feito terminaram em Dezembro de 2009, sendo a partir desta data que se iniciou o prazo de prescrição previsto no artigo 482.º do CC.

Este entendimento veio a ser acolhido na decisão recorrida, na qual se considerou que o prazo de prescrição se iniciou em Janeiro de 2010 e se concluiu em 01 de Janeiro de 2013, relativamente às obras de recuperação terminadas em Dezembro de 2009.

No que se refere ao alegados actos de “manutenção e limpezas no imóvel”, improcedeu a acção, por se ter considerado que os mesmos nada tinham que ver com as obras acima relatadas e ainda porque, nos termos do disposto no artigo 1472.º, n.º 1, do CC, constituíam obrigação do usufrutuário e não do recorrido, pelo que inexiste um nexo de causalidade imediato entre o empobrecimento do autor e o alegado enriquecimento do réu, ingressando a titularidade das obrigações que a este competiam, na esfera dos seus herdeiros.

O autor configura a sua pretensão ao abrigo da previsão das normas que regulam o instituto do enriquecimento sem causa, que, assim configuram a sua pretensão, cf, artigos 5.º, n.º 1 e 552.º, n.º 1, alínea d), do CPC.

Dispõe o artigo 482.º do Código Civil que:

“O direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do enriquecimento”.

Como se refere no Acórdão do STJ, de 22 de Março de 2018, Processo n.º 2166/12.8TBVCT.G1.S1, disponível no respectivo sítio do itij:

“no instituto do enriquecimento sem causa o prazo (de prescrição) conta-se desde o momento em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável”.

(…)

O regime prescricional do enriquecimento sem causa procura compatibilizar os interesses do credor da indemnização e os do devedor, dando prevalência, através da redução do prazo normal, ao fator da segurança jurídica, consignando-se que o início da contagem do prazo para a restituição do indevido apenas exige do lesado o conhecimento do direito à restituição e a identidade do responsável.

Como se decidiu no Ac. Do STJ, de 22-9-09, CJSTJ, t. III, p. 71, “o lesado terá conhecimento do direito que lhe compete quando se torne conhecedor da existência, em concreto, dos elementos/pressupostos que condicionam a responsabilidade civil como fonte da obrigação de indemnizar (facto ilícito, culpa, dano e relação de causalidade entre o facto e o dano), sabendo ter direito à indemnização pelos danos que sofreu”.

Ora, in casu resulta demonstrado que as obras descritas no artigo 10.º da p.i., terão sido concluídas em meados de Dezembro de 2009 (cf. artigo 9.º da p.i.), pelo que, relativamente a estas, inequivocamente, que a partir desta data se iniciou o prazo de prescrição de três anos previsto no artigo 482.º do CC, dado que a partir da respectiva conclusão, o autor adquiriu o direito a que se arroga, bem como estava ciente/conhecedor da identidade da pessoa responsável pelo cumprimento da obrigação que decorre de tal direito.

Assim sendo, tal como se concluiu na sentença em recurso, o prazo de prescrição ocorreu, pelo menos, no dia 1 de Janeiro de 2013 (o mais correcto, seria considerar que ocorreu em meados de Dezembro de 2012, embora isso seja irrelevante, uma vez que a presente acção foi intentada em 15 de Junho de 2020), pelo que, quanto a tal, está prescrito o direito a que se arroga o autor.

No que concerne ao ditos “actos de manutenção e limpezas”, que o autor descreve (fl.s 81) como “arejar a casa, arrancar as ervas e cortar o silvado do logradouro”, há que ter em consideração o disposto no artigo 1472.º, n.º 1, do CC, de acordo com o qual:

“Estão a cargo do usufrutuário tanto as reparações ordinárias indispensáveis para a conservação da coisa como as despesas de administração”.

Como ensinam P. de Lima e A. Varela in Código Civil Anotado, Vol. III, 2.ª Edição Revista E Actualizada (Reimpressão), Coimbra Editora, pág.s 524/5, a definição do que se deve entender por “reparações ordinárias”, tem em conta a “finalidade da obra e para a normalidade da sua causa determinante, pondo a cargo do usufrutuário as reparações ordinárias, que sejam indispensáveis para a conservação da coisa (entendendo-se por conservação da coisa, não apenas a preservação da sua substância, mas também a manutenção da sua aptidão produtiva). Trata-se, no fundo, das benfeitorias que o n.º 3 do artigo 216.º, inclui no grupo das benfeitorias necessárias, por terem como fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa. São obras que visam (…), a conservação da coisa na sua substância física e no seu valor económico”.

Face ao que, os descritos actos, sem sombra de dúvidas se inserem na previsão do artigo 1472.º, n.º 1, não sendo, por isso, encargo do réu, mas sim do usufrutuário, em face do que, como decidido em 1.ª instância, nunca poderiam determinar, no que a tal respeita, a pretendida condenação do réu.

De referir, aliás, que mesmo para o caso de se tratar de reparações extraordinárias, rege o disposto no artigo 1473.º do CC, de acordo com o qual nem o usufrutuário nem o proprietário são, em princípio, obrigados a realizá-las e no caso de o usufrutuário as realizar a expensas suas, a ele e não outrem, é conferido o direito a exigir ao proprietário (ou quem lhe suceder) a importância despendida, ou o pagamento do valor que tiverem no fim do usufruto, se este valor for inferior ao custo – veja-se autores e ob. cit., pág.s 526/7.

Em suma, também, quanto a estas alegadas despesas, não tem o autor direito a que o réu as suporte.

Diga-se, ainda e para concluir, que estes actos nada têm que ver com as obras efectuadas e concluídas em Dezembro de 2009, nem se reconduzem a benfeitorias realizadas no imóvel, trata-se de meros actos de conservação e manutenção do imóvel, atentas as finalidades e potencialidades que corporizam o direito do usufrutuário, pelo que não merece censura a decisão recorrida.

Consequentemente, tem o recurso de improceder.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas pelo apelante, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.

Coimbra, 25 de Maio de 2021