Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1289/12.8TBACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: BENFEITORIA
BENFEITORIAS NECESSÁRIAS
BENFEITORIAS ÚTEIS
CRÉDITO
REQUISITOS
Data do Acordão: 02/10/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – INST. LOCAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 216º NºS 1 E 2, 1273.º E 1275.º DO C. CIVIL
Sumário: 1 - Nas benfeitorias necessárias – que são as que se dirigem à conservação da coisa benfeitorizada, isto é, a obviar à sua perda, destruição ou deterioração – o possuidor tem o direito a ser indemnizado, o que no caso, na medida em que o valor das benfeitorias não pode exceder o valor do benefício ao tempo da entrega da coisa, não significa o mesmo que reembolso nominal (actualizado) do seu custo.

2 - Nas benfeitorias úteis – que são as que, apesar de dispensáveis, aumentam o valor objectivo da coisa – o possuidor é admitido a levantá-las se o puder fazer sem detrimento da coisa principal; e, quando não haja lugar a tal levantamento, deve ser satisfeito segundo as regras do enriquecimento sem causa, o que significa que o despendido funciona apenas como limite máximo, tendo, porém, o proprietário que pagar tão só (dentro de tal limite máximo) o valor que as benfeitorias aportam para a coisa.

3 - Significa tudo isto, para ser processualmente reconhecido um crédito por benfeitorias, que têm que estar reunidos (alegados e provados) elementos factuais que permitam classificá-las como necessárias ou úteis; que permitam estabelecer o custo de cada uma delas, o valor que cada uma das despesas acrescentou à coisa e a medida do seu benefício no momento actual (data da entrega).

4 - Tendo o possuidor o gozo da coisa, cabe-lhe, como é natural, a faculdade de nela fazer benfeitorias, de que, porém, se e enquanto continuar no gozo da coisa, é o primeiro a colher/gozar as respectivas vantagens e utilidades; pelo que, mantendo-se a coisa sobre o seu domínio anos a fio, o direito não poderia consagrar como solução a obrigação do titular/proprietário reembolsar todos os gastos feitos com benfeitorias, ainda que feitos há 15 ou 20 anos e ainda que, entretanto, com o passar/erosão/desgaste dos anos e da utilização/gozo por parte do possuidor, tenham perdido todo ou parte do seu valor.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A..., viúva, e B... , casada, ambas residentes em Alcobaça, intentaram a presente acção declarativa, então sob a forma de processo ordinário (hoje, comum), contra C... , residente em (...), Alcobaça, pedindo:

“ (…)

A) que as autoras sejam declaradas legítimas proprietárias dos prédios melhor identificados em 1 e 2 da petição inicial;

B) que o réu seja condenado a reconhecer o direito de propriedade dos mesmos imóveis a favor das autoras, abstendo-se de, por qualquer forma, praticar actos ofensivos das mesmas;

C) que o réu seja condenado a entregar às autoras os citados imóveis livres de quaisquer pessoas e bens.

D) que os imóveis sejam restituídos às autoras no prazo de 30 dias após o que o réu deverá ser condenado a pagar àquelas a importância de € 50,00 por cada dia de mora, a título de indemnização pela não entrega dos mesmos. (…)”

Alegaram, em resumo, que adquiriram, por partilha (por morte da mãe de ambas, D..., ocorrida em 17/02/2008) de 22/09/2009, o prédio urbano identificado no artigo 1.º da petição inicial e os prédios rústicos identificados no artigo 2.º desse articulado; prédios que o R. ocupa e que não entrega às AA. apesar das várias insistências destas para o efeito.

O R. contestou.

Alegou, em síntese:

Que ocupa o imóvel identificado no artigo 1.º da petição inicial desde 1982; até 2000 com a 1.ª A., com quem foi casado, e a partir de tal data e até hoje com a filha de ambos, porque D..., mãe das AA., lhes cedeu – primeiro ao R. e à 1.ª A. e após a separação ao R. – o imóvel, para nele habitar, de forma a usá-lo plenamente para que usufruíssem do mesmo durante as suas vidas, sem qualquer contrapartida monetária; motivo porque ocupa tal imóvel há mais de 20 anos, à vista de todos, gratuitamente, na convicção de que tem direito a gozá-lo vitaliciamente.

Que realizou obras no imóvel identificado no artigo 1.º da petição inicial, com o conhecimento e autorização de D..., antes e após o divórcio da 1.ª A.; obras que assumem carácter útil e necessário, que não são separáveis do imóvel e cujo valor ascende a € 33.326,95.

Que, quanto aos rústicos identificados no art. 2.º da p. i., as AA. não estão privadas de os usar.

A final, pugnou pela improcedência da acção e deduziu reconvenção em que – passamos a citar – pediu o seguinte:

“ (…)

1) Ser reconhecido que o imóvel identificado no artigo 1.º da petição inicial foi entregue ao réu para usufruir plenamente do mesmo durante a sua vida, por D..., gratuitamente.

2) As AA. ser condenadas a pagar ao R. uma indemnização correspondente ao valor das benfeitorias executadas pelo réu no prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial, no valor total de € 33.326,95, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento, declarando-se procedente o pedido reconvencional.

3) As AA. ser condenadas a reconhecer ao R. o direito de retenção do prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial por causa das benfeitorias no imóvel e pela impossibilidade de levantamento das obras de beneficiação que constituem benfeitorias úteis e necessárias, suspendendo-se a obrigação de restituir enquanto não lhe for paga a indemnização, declarando-se procedente o pedido reconvencional.

4) Ser o R. absolvido quanto ao pedido de restituição do imóvel e no pagamento de € 50,00 por cada dia de mora a título de indemnização pela entrega do mesmo.

5) Subsidiariamente, caso o tribunal não entenda como procedentes os anteriores pedidos, deverão as autoras ser condenadas a restituir ao réu a quantia de € 33.326,95 por força da aplicação do instituto do enriquecimento sem causa, acrescida de juros legais até efectivo e integral pagamento.

6) Subsidiariamente, caso o tribunal não entenda como procedentes os pedidos anteriores, deve ser declarado que o réu adquiriu o usufruto vitalício do imóvel identificado no artigo 1.º da petição inicial, por usucapião.

7) Ser indemnizado pelas benfeitorias realizadas no imóvel identificado no artigo 1.º da petição inicial pela impossibilidade de levantamento das obras de beneficiação e conservação, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento. (…)”

As AA. replicaram, mantendo o alegado na p. i., negando a licitude da recusa à restituição por parre do R. e pugnando pela ilegitimidade do crédito por benfeitorias após o divórcio e pela improcedência “grosso modo” do pedido reconvencional (e pedindo a condenação do R. como litigante de má fé).

O R. treplicou, nada acrescentado de novo.

*

Foi proferido despacho saneador – em que foi admitida a reconvenção e declarada a total regularidade da instância, estado em que se mantém – identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

Após o que, realizada a audiência, a Exma. Juíza proferiu sentença, concluindo a sua decisão do seguinte modo:

“ (…)

Pelo exposto, decide-se:

I) Quanto à acção:

- Declarar as autoras legítimas proprietárias dos prédios melhor identificados nos pontos 1 e 2 dos factos provados;

- Julgar improcedentes os restantes pedidos formulados pelas autoras, dos mesmos absolvendo o réu.

II) Quanto à reconvenção:

- Julgar parcialmente procedente a reconvenção, por parcialmente provada e, em consequência:

a) Condenam-se as autoras a pagar ao réu, as benfeitorias por este efectuadas no prédio identificado em 1) dos factos provados, na importância de €16.329,48 (dezasseis mil, trezentos e vinte e nove euros e quarenta e oito cêntimos), acrescida dos juros de mora, à taxa legal, a contar do trânsito em julgado desta decisão, até efectivo e integral pagamento.

b) Reconhecer o direito de retenção do réu sobre o prédio urbano identificado no ponto 1) dos factos provados.

c) Absolver as autoras dos demais pedidos formulados pelo réu.

III) Quanto ao incidente de litigância de má fé:

- Julgar improcedente o incidente de litigância de má fé suscitado pelas autoras, absolvendo o réu do pedido.

 (…)

Inconformadas com tal decisão, interpuseram as AA. recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por decisão que revogue o decidido quanto às benfeitorias e ao direito de retenção e que condene o R. na entrega dos prédios.

Terminaram a sua alegação com as seguintes conclusões:

I - Decorre do texto da decisão recorrida e da prova gravada vício de erro notório na apreciação da prova com violação dos n. 2 e 3, do art. 607.º e 640.º, ambos do CPC.

II - A Mm. Juíza dá como provados factos que consideramos como não provados (nomeadamente os factos assentes nos pontos 9) e 10) dos Factos Provados

III - Nenhuma testemunha provou tais factos. Nenhum documento provou esses factos.

IV - Não ficou provado em sede de audiência que tenha sido o réu a realizar as obras descritas no ponto 9) dos Fados Provados. Pela auscultação das gravações áudio, tanto a companheira - testemunha E... - com a filha do réu F...-, realizaram obras no referido imóvel.

v - Também não ficou provado em sede de audiência que tenha sido o réu o único a pagar as obras descritas no ponto 9) dos Fados Provados e referido no ponto 10).

Pela auscultação das gravações áudio, tanto a companheira - testemunha E... -, com a filha do réu - F...-, contribuíram financeiramente para a realização de tais obras no referido imóvel.

VI - Pelo que se impugna através deste recurso a decisão do tribunal a quo, quando dá como provado que o réu procedeu às obras descritas em 9) dos Factos Provados, bem como o facto 10.

VII - Não ficou provado sem qualquer margem para dúvidas que tenha sido apenas o réu a realizar as referidas obras e a custeá-las. Estando bem vincada em toda a prova produzida, auscultada através das gravações áudio, que a companheira e a filha do réu não só colaboraram na realização dos trabalhos como no pagamento das despesas.

VIII - O tribunal a quo também não relevou como factos discutidos e provados em sede de audiência de discussão e julgamento que alteram substancialmente a decisão recorrida. Nomeadamente, os factos referentes à contratação de uma imobiliária, bem como o uso do imóvel referido em 1) pela companheira do réu e pela sua filha, cujos factos alteram substancialmente a decisão recorrida quanto ao "usufruto”, às "benfeitorias” e à "indemnização" reclamada pelo réu.

IX - A decisão ora recorrida omite a existência de factos que foram provados em audiência e que' não constam nem dos factos provados nem nos factos não provados e que pensamos serem relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa.

X - Razão pela qual se encontram preenchidos os requisitos consignados no n.º 1 e als. a) a c) do n.º. 2 do art. 662° do CPC, determinando-se pela renovação dos meios de prova produzidos em 1.ª Instância que se mostrem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade, conforme n.º 3 do mesmo preceito legal.

XI - Ficou provado (que o réu, juntamente com a sua companheira e com a sua filha gozam durante mais de 20 anos de um bem que não lhes pertence, dele retirando todos os proveitos e impedindo as autoras de exercerem todos os direitos que têm sobre os prédios identificados em 1) e 2) dos Factos Provados.

XII - Pelo que () réu sempre agiu de má fé relativamente às autoras e praticou actos ilícitos, como ficou provado em sede de julgamento. Pelo que as benfeitorias das quais o réu reclama uma indemnização foram realizadas para seu proveito próprio, bem como do seu agregado familiar, contra a vontade das autoras. Neste sentido, e seguindo o disposto no n.º. 2 do art. 1275.º do Código Civil "O possuidor de má fé perde, em qualquer caso, as benfeitorias voluptuárias que haja feito". O réu bem sabia que ao realizar as referidas obras iria beneficiar das mesmas para proveito próprio, lesando os direitos das autoras, violando, assim, o disposto no n.º 1 do art. 1260", do Código Civil, numa interpretação a contrario sensu.

XIII - Decorrente do processo de inventário n.º 1318/04.0TBACB e do "Laudo de Peritagem" realizado cm 22.12.2008, o réu bem sabia que não poderia realizar mais obras sobre o prédio identificado em 1) dos Factos Provado", uma vez que este prédio não fazia parte dos bens comuns do casal no âmbito do referido processo de inventário.

XIV - Pelo que se conclui que o réu, agindo de má fé, não terá direi lo a qualquer indemnização pelas benfeitoras, contrariando, assim, a decisão que ora se impugna.

XV - E por consequência não terá o réu qualquer direito de retenção, ao abrigo do disposto no al. b) do art. 756.º. do Código Civil, porquanto realizou tais obras de má fé, como bem fundamentámos.

XVI - A ora recorrente pode arguir a nulidade do julgamento nas próprias alegações de recurso (…). É nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, conforme estipula a al. d) do n.º 1 e parte final do n.º 4 do art. 615.º do CPC.

XVII - Nos presentes autos temos duas autoras em situações distintas, relativamente ao réu e, por consequência. relativamente a um processo de inventário que correu neste mesmo juízo e tribunal sob o n.º 1318/04 e que foi aberto decorrente do divórcio entre o réu e a autora A..., cuja sentença, transitada em julgado, no dia 29.11.2013. Nesse processo de inventário ficou acordado entre o aqui réu C...e a autora A... fixar-se um valor de € 22.250,00, relativamente a benfeitorias realizadas na pendência do casamento e decorrente do "Laudo de Peritagem" realizado cm 22.12.2008.

XVIII - A decisão da qual agora se recorre veio a condenar ambas as autoras a pagar solidariamente ao réu a importância de € 16.329,48 (€ 22.500.00:2 + € 5.079,48). Ou seja, a decisão junta a verba inserta no processo de inventário, que responsabiliza apenas a autora A... em metade do valor fixado naquele processo (cabendo ao réu a outra metade) com o valor estipulado no Facto provado 10 dos presentes autos. O que se encontra completamente desviado da realidade e que imediatamente se impugna.

XIX - A decisão, neste caso. e seguindo a fundamentação em que assenta a decisão recorrida, deveria condenar as autoras individualmente e em quantias diferentes. Deveria a autora A... ser condenada a pagar ao réu a importância de € 13.789,74 (2.539,74 + 11.250,00) e a autora B... a importância de € 2.539,74.

XX - Pelo que se considera a presente sentença completamente inócua e sem qualquer validade e por conseguinte se argui a nulidade da mesma.

XXI - Reiteramos a nossa fundamentação em que assenta na absolvição das autoras no pagamento da importância de € 16.329,18, pelos motivos atrás expostos e por consequência revogar-se a decisão no que concerne ao direito de retenção do réu sobre o prédio urbano identificado no ponto 1) elos factos provados.

XXII - Neste seguimento, a decisão deveria condenar o réu a entregar os bens descritos nos pontos 1) e 2) dos factos provados às autoras, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da presente acção, acrescidos de uma indemnização de € 50,00 por cada dia após tal prazo e até integral cumprimento da decisão judicial.

XXIII - Nessa sequência deveria ser anulado todo o julgamento, abrangendo tal nulidade toda a decisão, podendo, desta forma, o tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar os pontos da matéria de facto invocados no presente recurso, com o fim de evitar contradições na decisão, com base no disposto no n.º 1, al. d), do n". 2 e al. c), do n.º 3, do art.. 662.º do CPC.

Nestes termos, e nos demais de Direito e com o douto suprimento de V. Exas., requer-se que seja dada procedência ao presente recurso, declarando-se o erro de julgamento e da decisão sobre a matéria de facto acima referido, e em consequência:

a) Dar-se por não provados os factos descritos nos pontos 9) e 1O) dos Factos Provados da sentença;

b) Dar-se por provados os factos descritos nos pontos B.2., B2.1 e B.2.2., do presente Recurso, a fls. 6 a 9;

c) Revogar-se a decisão que condenou as autoras, solidariamente a pagar ao réu a importância de € 16.329,48, porquanto ambas encontram-se em situações díspares relativamente aos valores fixados em sentença, como vem referido nos pontos XVII a XXI das nossas conclusões;

d) E por consequência, revogar-se a decisão que reconhece ao réu o direito de retenção sobre o prédio urbano identificado no ponto 1) dos factos provados;

e) Condenar-se o réu a entregar às autoras os prédios identificados nos pontos 1) e 2) dos factos provados, no prazo de 30 dias após transito em julgado da apresente acção, acrescido de uma indemnização na importância de € 50,00,

Em alternativa, caso V. Exas assim o entendem;

Reenviar o processo para novo julgamento com base nos art. 662.º, n.º 1, al. a) e c) do n.º 2 e 663.º do CPC.

O R. respondeu, sustentando, em síntese, que não violou a sentença recorrida as normas substantivas referidas pelo A/recorrente, pelo que deve ser mantida a sentença nos seus precisos termos.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

I-Inexiste qualquer vício de erro na apreciação da prova com violação dos nºs 2 e 3, do artº607º e 640º ambos do CPC.

2-As testemunhas prestaram um depoimento claro e conciso com indicação das obras em concreto que foram efectuadas.

3-Não faz sentido fazer distinção entre as obras anteriores ao divórcio e efectuadas posteriormente ao divórcio, porquanto foram todas realizadas no imóvel urbano, propriedade das Autoras, com a finalidade de o manter com condições de habitabilidade.

4-Ficou provado por prova documental e testemunhal, as obras realizadas pelo Réu bem como o custo das mesmas, sustentado pelos diversos documentos juntos aos autos, emitidos em nome do Réu.

5-O valor das obras corresponde ao valor dos materiais de construção que constam das facturas juntas aos autos, tendo sido considerados para efeito de apuramento do montante indemnizatório os documentos de fls. 52 e ss. bem como o laudo de peritagem.

6-Não ficou provado que tenha sido a companheira -testemunha E... e a filha do Réu-testemunha F..., quem contribuíram para a realização e pagamento de obras no imóvel, designadamente o montante dessa contribuição.

7-Os montantes considerados foram custeados pelo Réu, ao longo do tempo e de acordo com as suas possibilidades económicas, cujos documentos se encontram emitidos em seu nome.

8-Atendendo aos pedidos formulados pelas Autoras e ao objecto da presente acção, a existência de um contrato de mediação imobiliária em nada contribui para alterar a decisão recorrida.

9-Dos temas de prova, questões a decidir e da petição inicial não resulta qualquer alusão ao contrato de mediação imobiliária.

10-Consequentemente, com relevo para a decisão da causa não resultou provado quantas visitas foram efectuadas, quantos eventuais compradores do imóvel e se o eventual negócio de venda do imóvel não se concretizou por impedimento do Réu.

11-A Mmª.Juiz a quo pronunciou-se quanto ao uso do imóvel pela companheira do Réu e pela sua filha, a fls. 22 da douta sentença.

12-O Réu residiu no imóvel com o seu agregado familiar, uma companheira e filha, que é também filha da Autora A....

13-Resultou provado que a anterior proprietária, D..., sempre autorizou a estimulou o Réu e a sua neta a habitarem e usufruírem plenamente da casa e a realizarem todas as obras necessárias para manterem habitável o imóvel, tanto antes como após divórcio de Autora e Réu.

14-O imóvel após a morte da anterior proprietária, D... nunca foi reivindicado pelas Autoras a não ser com a instauração da presente acção.

15-Assim, a decisão recorrida não omite a existência de factos provados em audiência, constando da mesma os factos provados e não provados com relevância para a decisão da causa, que se encontra devidamente fundamentada.

16-Todas as obras peticionadas pelo Réu, são obras úteis e necessárias não susceptíveis de levantamento sem detrimento do imóvel, não se tratando pois, de obras voluptuárias, obras essas suficientemente enumeradas e identificadas por várias testemunhas em particular pela testemunha F....

17-Obras que contribuíram significativamente para o aumento do património das Autoras, até porque o imóvel sem as obras, já estaria no chão, conforme salientado suficientemente pelas testemunhas arroladas pelo Réu.

18-Nunca as Autoras impugnaram expressamente os documentos juntos aos autos, nem o laudo de peritagem que aliás, foi junto pelas mesmas na petição inicial.

19-Sempre o Tribunal a quo poderia ter-se pronunciado sobre o instituto de enriquecimento sem causa, atento o pedido subsidiário formulado pelo Réu em sede de contestação.

20- Assim, uma vez que o Réu realizou obras que inequivocamente aumentaram o valor da casa, e as Autoras não têm qualquer causa/justificação para obter um enriquecimento à custa do Réu, obras feitas com a autorização da anterior proprietária, D..., legitimando assim, em face desta a actuação e tornando lícita a conduta do Réu e não facultando a lei ao Réu, outro meio de ser indemnizado ou restituída a situação, o caso sub judice deve ser resolvido de acordo com as regras do enriquecimento sem causa.

21-Mal se compreende como pode o Réu ter estado de má fé por ter passado a viver com uma companheira no imóvel. Tal conduta não preenche manifestamente o conceito de má fé.

22-Conforme resulta de douta sentença-fls.19 a posse exercida pelo Réu sobre o prédio urbano e apenas sobre este, foi actuada como usufrutuário.

23-Agiu no pelo gozo do imóvel tendo em vista a manutenção e conservação do mesmo e realizou obras que permitiram a sua habitabilidade sempre na convicção de que as podia efectuar e que estava a beneficiar o imóvel.

24-Mesmo que o Réu fosse um possuidor de má fé, o que só se concede para efeitos de raciocínio, sempre teria direito a ser indemnizado das benfeitorias necessárias e a levantar as benfeitorias úteis realizadas no imóvel, teria lugar ao valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa, atento o disposto no art. 1273º, nº1 e 2 do Código Civil.

25-Inexiste qualquer má fé por parte no Réu, pelo que deverá manter-se a douta decisão recorrida que confere ao Réu o direito de retenção sobre o imóvel enquanto não lhe for paga, pelas Autoras, a indemnização devida pelas obras que efectuou no prédio urbano.

26-As Autoras encontram-se confusas e pretendem confundir o Venerando Tribunal, no que diz respeito aos pedidos formulados pelo Réu.

27-Caso as Autoras tivessem procedido ao respectivo calculo do valor peticionado pelo Réu, constatariam que metade do valor das benfeitorias efectuadas pelo mesmo no imóvel na pendência do casamento, é de 11.250,00 (22.500,00€:2) e que somado o valor de 22.076,95€ relativo ás benfeitorias realizadas após a separação do casal, resultaria no valor total de 33.326,95€ (montante total peticionado pelo Réu a título de benfeitorias)-vide ponto 3 das questões a decidir fls.4 da douta sentença.

28-Pelo que, após toda a tramitação processual, designadamente a réplica apresentada pelas Autoras, mal se compreende que venham alegar que o valor não foi peticionado pelo Réu, em absoluta subversão dos factos constantes dos autos.

29-As Autoras fazem referência a outro processo, designadamente ao processo de inventário para separação de meações subsequente ao divórcio entre a Autora A... e o Réu.

30-Porém, como bem sabem as Autoras, esse processo terminou com inutilidade superveniente da lide porquanto, encontrava-se pendente a presente acção, não tendo sido proferida qualquer sentença que possa servir de título executivo.

31-O trânsito em julgado a que se referem as Autoras diz respeito à sentença que declara a inutilidade superveniente da lide, conforme consta de certidão extraída dos autos de inventário nº1318/04.9TBACB, que correu termos pelo 3º Juízo, Tribunal Judicial de Alcobaça a fls.242 e 243 dos presentes autos.

32-Inexiste pois, qualquer título executivo e o laudo de peritagem que consta no referido processo e que foi junto aos presentes autos não é título executivo.

33-Mal se compreende como podem as Autoras vir alegar que as benfeitorias feitas no imóvel, avaliadas no montante de 22.500,00€ não possam ser reclamadas no presente processo, tendo em consideração que foram feitas pelo Réu no imóvel que pertence às Autoras e que as beneficiou.

34-As Autoras entendem que seria uma decisão justa condenar a Autora A... no pagamento da quantia de 13.789.74€ (2.539.74+11.250,00) e a Autora B... no pagamento do montante de 2.539,74€.

35-Ora, Venerandos Desembargados chegados ao fim das longas alegações retiramos a conclusão que afinal as Autoras até concordam com os valores fixados pela douta sentença, aliás consideram-na uma decisão justa.

36-Concluímos pois, que as Autoras apenas discordam da divisão dos montantes indemnizatórios.

37-As Autoras são comproprietárias do imóvel, as obras beneficiaram o imóvel que lhes pertence, obras que quer as anteriores quer as posteriores ao divórcio não podem ser separadas do imóvel sem o seu detrimento, pelo que devem ser consideradas como co - responsáveis pelo pagamento da indemnização ao Réu.

38-Não tem qualquer fundamento o pedido das Autoras no pagamento de 50 euros diários uma vez que a ser julgado procedente, o que só se concede para efeitos de raciocínio, sempre as mesmas poderiam executar a sentença.

39-Pelo que, deverá manter-se a douta decisão recorrida julgando-se improcedente o recurso apresentado pelas Autoras.

40-Inexiste fundamento válido para anular todo o julgamento, nenhum reparo merece a decisão, não sendo nula, razão pela qual não deverá o Tribunal ampliar o julgamento, atento o disposto no nº1, al. d) do nº2 e al. c) do nº3 do artº 662º do CPC.

41-Consequentemente não deverá ser reenviado para novo julgamento, com base nos artºs.662º, nºs1, e als. a) a c) do nº2 e 636º, nº3 do CPC.

Obtidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

*

II. – Fundamentação de Facto:

A - Estão dados como provados, na decisão impugnada, os seguintes factos:

1) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcobaça sob o número 1643 o prédio urbano sito em Monte (...), freguesia de (...), concelho de Alcobaça, composto de casa de rés-do-chão para habitação, com a superfície coberta de 50 m2 e dependências, com a área de 30 m2, a confrontar do norte, do sul, do nascente e do poente com herdeiros de D..., inscrito na matriz sob o artigo 343 e inscrita a sua aquisição a favor das autoras pela ap. 2500 de 2009/10/26.

2) Encontram-se ainda descritos na Conservatória do Registo Predial de Alcobaça, e inscritas as aquisições em comum e sem determinação de parte ou direito, a favor das autoras, pela ap. 4969 de 2009/11/26, os seguinte imóveis:

2.1) Terra de semeadura com tanchas e uma nogueira, sita em Monte (...), com a área de 1980m2, a confrontar do norte com caminho e M (...), do sul com J (...) e M (...), do nascente com herdeiros de D... e do poente com M (...) e J (...), inscrito na matriz sob o artigo 2247 e descrito sob o número 1645 da freguesia de (...);

2.2) Terra de semeadura com vinha, laranjeiras e tanchas, sita em Monte (...), com a área de 3000m2, a confrontar do norte com herdeiros de D..., do sul com rua S(...) e caminho, do nascente com caminho e do poente com R (...), inscrito na matriz sob o artigo 2249 e descrito sob o número 1646 da freguesia de (...);

2.3) Terra de semeadura com pereiras, ameixieiras, pinhal e vinha, sita em Monte (...), com a área de 4920m2, a confrontar do norte e nascente com caminho, do sul com herdeiros de D..., e do poente com R (...), J (...) e herdeiros de D..., inscrito na matriz sob o artigo 2250 e descrito sob o número 1647 da freguesia de (...).

3) Por escritura de habilitação celebrada no dia 2 de Junho de 2009, no Cartório Notarial de N(...), em Porto de Mós, foi declarado que D..., falecida em 17 de Fevereiro de 2008, deixou como herdeiras as autoras, suas filhas.

4) Por escritura de partilha celebrada no dia 22 de Setembro de 2009, no Cartório Notarial de N(...), em Porto de Mós, por óbito de D..., as autoras procederam à partilha do prédio identificado em 1), ficando adjudicada metade indivisa para cada uma.

5) A autora, A..., casou com o réu em 08.08.1982, tendo o casamento sido dissolvido por divórcio decretado por sentença proferida em 07.10.2002, transitada em julgado.

6) Correu termos por este Tribunal e Juízo o inventário para separação de meações subsequente ao divórcio referido em 5) com o n.º 1318/04.9TBACB, no qual, além do mais, foram relacionadas benfeitorias, integrando um crédito comum do casal, no valor de € 22.500,00, correspondendo tais benfeitorias a obras efectuadas pelo casal, na constância do casamento, no imóvel identificado em 1), com o conhecimento e o consentimento da anterior proprietária, D..., mãe das autoras, tendo em vista a conservação e a manutenção do imóvel.

7) Desde que casou com a autora A..., e até hoje, que o réu habita e usa o imóvel identificado em 1), nele dormindo, tomando as refeições, recebendo os seus amigos, de forma ininterrupta, à vista de todas as pessoas, incluindo as autoras, com o conhecimento e o consentimento da anterior proprietária, sem a oposição de ninguém, na convicção de que podia usar e fruir plenamente desse imóvel.

8) Após ter sido decretado o divórcio, o réu voltou a efectuar obras de conservação tendentes a evitar a deterioração do imóvel identificado em 1), bem como obras de melhoramento.

9) Tais obras consistiram no seguinte:

- colocação de telhado e vigamento, chão novo numa casa de banho; tectos em placa de gesso;

- forro das paredes com tijolo;

- colocação de chão em mosaico, azulejos, tijolo, esgotos, canalização e instalação eléctrica;

- construção de uma casa de banho com esgotos, azulejos, lavatório, bidé, sanita e chuveiro;

- colocação de móveis na cozinha;

- construção de uma lareira;

- colocação de um roupeiro de parede com calhas de alumínio feito por medida;

- colocação de um móvel de parede aberto feito à medida.

10) Com a realização das obras referidas em 9), e nomeadamente com a aquisição dos materiais, o réu gastou a quantia de €5.079,48.

11) Os materiais aplicados na realização de tais obras não poderão ser retirados sem detrimento do imóvel.

12) O réu procedeu como descrito em 9) à vista de toda a gente, e sem oposição de ninguém.

13) O réu chegou a derrubar um pinheiro, arbustos e outras árvores de menor porte nos prédios rústicos identificados em 2).

*

B - Estão dados como não provados, na decisão impugnada, os seguintes factos:

“ (…) não se provaram os factos acima não descritos e os factos contrários aos factos supra descritos e dados como provados, sendo certo que o Tribunal se debruçou especificadamente sobre cada um dos factos não provados que assumem relevância para a decisão da causa.

Assim, não se provou que:

a) O réu ceifa e forma centenas de fardos de palha nos imóveis identificados em 2).

b) Construiu uma cozinha no anexo com telhado, construiu uma lareira e colocou aro e guarnições à volta da chaminé da cozinha.

c) O réu despendeu a quantia de € 2.004,00 na colocação do telhado e vigamento, chão novo numa casa de banho e tectos em placa de gesso.

d) O réu gastou € 700,00 na colocação de um roupeiro de parede com calhas de alumínio feito por medida.

e) O réu gastou € 220,00 na colocação de um móvel de parede aberto feito à medida.

f) O réu gastou em mão de obra a quantia de € 13.680,00.

g) O réu gastou, na cozinha, a quantia de € 645,00.”

*

C – Facto dado como provado ao abrigo do “exame crítico” referido no art. 607.º/4 do CPC (ex vi art. 663.º/2 do CPC):

14) Durante a constância do casamento (dissolvido em 07/10/2002), a 1.ª A. e o R. realizaram obras no imóvel identificado em 1), com o conhecimento e o consentimento da anterior proprietária, D..., mãe das AA., tendo em vista a conservação e a manutenção do imóvel; obras essas que valorizaram e valorizam tal imóvel em € 22.500,00 e cujos materiais aplicados, na realização de tais obras, não poderão ser retirados sem detrimento do imóvel.

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III – Fundamentação de Direito

A maior parte da divergência recursiva das AA/recorrentes dirige-se, como resulta das suas conclusões supra transcritas, à decisão de facto; mais exactamente aos pontos 9 e 10 dos factos provados da sentença recorrida.

Sustentam as AA/recorrentes que tais pontos/factos não podem ser dados como provados, visando, a partir daí (e com outros elementos e argumentos adjuvantes), concluir – com o que preenchem o resto do objecto do recurso – que o R. não tem sobre elas o crédito por benfeitorias reconhecido na sentença a quo e, em função disso, o direito de retenção que lhe foi reconhecido na sentença recorrida.

Quando faz parte do objecto dum recurso a impugnação da decisão de facto, entendemos dever proceder à sua apreciação e decisão antes do alinhamento dos factos provados[1]; porém, também entendemos assim poder não proceder quando o desfecho da impugnação da decisão de facto não tem influência sobre o desfecho da questão de fundo, ou seja, quando para a solução da questão de fundo é indiferente a procedência ou improcedência da impugnação da decisão de facto.

É justamente este último o caso (razão pela qual alinhámos os factos da decisão recorrida sem a prévia apreciação da impugnação da decisão de facto), isto é, a partir dos factos dados como provados da sentença recorrida – aqui incluindo todos aqueles que as AA/recorrentes querem ver dados como não provados – não logramos reconhecer ao R. um concreto e exacto crédito por benfeitorias decorrente dos pontos 8, 9 e 10 dos factos provados.

Expliquemo-nos:

É usual, em linha com o disposto no art. 216º/1 C. Civil, definir as benfeitorias como as “despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa”; em dizer que as benfeitorias são alterações realizadas na coisa com o fim de a beneficiar.

Assim como é usual, consoante o benefício efectivamente obtido, distingui-las (de acordo com a tradição romanista) em três espécies/classificações (216.º/2 do C. Civil): a) as benfeitorias necessárias, que são as que são indispensáveis, as que se dirigem à conservação da coisa benfeitorizada, isto é, a obviar à sua perda, destruição ou deterioração; b) as benfeitorias úteis, que são as que, apesar de dispensáveis, aumentam o valor objectivo da coisa; c) e as benfeitoras voluptuárias, que são as que não aumentam o valor objectivo (venal) da coisa mas tão só o seu valor subjectivo, enquanto servem apenas para gozo ou regalo de quem as faz.

Benfeitorias assim classificadas que conferem, segundo os art. 1273.º e 1275.º do C. C., a quem efectue tais despesas os seguintes direitos:

Sendo necessárias – ainda que o possuidor[2] esteja de má fé – conferem o direito a ser indemnizado do seu valor; indemnização que, porém, não é o mesmo que reembolso, na medida em que o valor das benfeitorias não pode exceder o valor do benefício ao tempo da entrega. Ou seja, para calcular tal indemnização, deve, num primeiro momento, atender-se ao seu custo, uma vez que é o valor da “despesa” do possuidor, mas, por outro lado, uma vez que só na data da entrega é que o titular beneficia da benfeitoria, deve atender-se ao seu valor em tal data, razão pela qual a indemnização das benfeitorias necessárias não pode/deve ultrapassar o valor da benfeitoria à data da entrega[3].

Sendo úteis, o possuidor é admitido a levantá-las (ius tollendi) se o puder fazer sem detrimento da coisa principal ou, então, quando não haja lugar a tal levantamento, deve ser satisfeito/indemnizado segundo as regras do enriquecimento sem causa; o que significa que o proprietário não pagará mais do que o despendido nelas, nem pagará mais que o valor que as benfeitorias representam para a coisa.

Sendo voluptuárias, o possuidor de boa fé não tem outro direito que não seja o ius tollendi e isto apenas e só quando o levantamento não envolva prejuízo para a coisa bonificada, pois de contrário tem de deixá-las ficar; quanto ao possuidor de má fé ele nenhum direito tem e perde as benfeitorias a favor do proprietário.

Assim, tendo tudo isto presente:

Olhando para o facto 8 da sentença recorrida (supra reproduzido, em que se diz, genericamente, que “o réu voltou a efectuar obras de conservação tendentes a evitar a deterioração do imóvel (…) bem como obras de melhoramento), não conseguimos extrair/afirmar, com relação às obras elencadas no facto 9, quais são, uma por uma, aquelas que são/correspondem a benfeitorias necessárias (obras de conservação) e quais são aquelas que são/correspondem a benfeitorias úteis (obras de melhoramento).

As obras elencadas no facto 9, dependendo da “variável” consistente no estado imediatamente anterior da “coisa” (o que se ignora pelos factos provados), tanto podem ter sido – qualquer uma das obras – úteis como necessárias.

Ademais, uma vez que o custo das obras elencadas no facto 9 é dado em “bolo” no facto 10 – dizendo-se que em todas elas o R. gastou a quantia de € 5.079,48 – ficamos sem meios factuais para dizer qual o concreto crédito indemnizatório decorrente das obras (dentre as elencadas no facto 9) que terão constituído benfeitorias necessárias e qual o concreto crédito restitutório (segundo as regras de enriquecimento sem causa) decorrente das obras (dentre as elencadas no facto 9) que terão constituído benfeitorias úteis.

Mais ainda, a propósito das obras que possam ter constituído benfeitorias úteis, não há qualquer elemento factual sobre o enriquecimento que tais obras aportaram para a “coisa”; porque – importa acentuar a distinção – uma coisa é o custo duma despesa feita para melhorar a “coisa” e outra, diferente, o valor que tal despesa acrescentou à coisa[4] e quanto a isto – quanto ao valor acrescentado pelas obras – nada se alinhou como factualmente provado[5]. Do mesmo modo que a propósito das obras que possam ter constituído benfeitorias necessárias, também não há qualquer elemento factual sobre a data das mesmas (só sabemos que é “após o divórcio”, ocorrido em 07/10/2002), ignorando-se a medida do seu benefício no momento actual (e a indemnização respeitante a tais benfeitorias não pode/deve ultrapassar o valor da benfeitoria à data da entrega).

Enfim – é onde se pretende chegar – com os factos dados como provados nos pontos 8, 9 e 10 da sentença recorrida (ou seja, admitindo, como hipótese de raciocínio, que a impugnação da decisão de facto é improcedente) não conseguimos fixar/estabelecer qualquer crédito, a favor do R., por benfeitorias efectuadas no imóvel identificado em 1.

Seja tal crédito certo ou incerto/ilíquido; uma vez que, em face de tudo o que expusemos, não podemos afirmar como seguro, perante os factos dados como provados, que as obras elencadas em 9 têm no momento actual valor de per si (as necessárias) ou que trouxeram valorização para o imóvel (as úteis).

Aliás, a maior parte destes aspectos – estes elementos constitutivos do crédito por benfeitorias, quer indemnizatório quer restitutório – não constam sequer da alegação do R., que se limitou a alegar, além dos custos tidos, que tais obras “constituem benfeitorias úteis e necessárias que não podem ser levantadas sem detrimento da coisa” (art. 57.º da contestação); isto é, não concretizou/identificou/separou sequer as obras que reputou de necessárias das que considerou como úteis, parecendo representar que ambas têm o mesmo tratamento jurídico e que tal tratamento se traduz em as AA., titulares/proprietárias do imóvel, o terem que reembolsar de todos os gastos que, ao longo dos anos em que viveu no imóvel, teve com o mesmo.

Ideia esta – de ter que ser nominalmente reembolsado de todas as despesas, independentemente da distância temporal em que as fez – que, com o devido respeito, fere princípios fundamentais do direito privado, como os da boa fé e do equilíbrio das prestações.

Pelo seguinte:

Tendo o possuidor o gozo da coisa, cabe-lhe, como é natural, a faculdade de nela fazer benfeitorias, que são alterações – conservações/melhoramentos – trazidos à coisa, enfim, benefícios de que o possuidor, se e enquanto continuar no gozo da coisa, é o primeiro a colher/gozar as respectivas vantagens e utilidades.

Significa isto – continuando o possuidor no gozo da coisa, após a realização das benfeitorias, anos a fios (como é o caso dos autos) – que até pode dar-se o caso, no limite, de ter sido ele a esgotar/exaurir a totalidade das vantagens e utilidades das benfeitorias por si efectuadas.

Em tal hipótese, mantendo-se a coisa sobre o seu domínio anos a fio, mal andaria o direito – seria até um pouco “torto” – se viesse a consagrar como solução a obrigação do titular/proprietário reembolsar todos os gastos feitos com benfeitorias, ainda que feitos há 15 ou 20 anos, ainda que respeitantes a conservações e melhoramentos que, entretanto, com o passar/erosão/desgaste dos anos e da utilização/gozo por parte do possuidor, tivessem perdido todo ou a maior parte do seu valor[6].

O crédito por benfeitorias estabelecido nos art. 1273.º e 1275.º do C. Civil tem em vista impedir enriquecimentos ilegítimos do proprietário à custa de quem foi possuidor (e zelou e valorizou a coisa), mas, naturalmente, não autoriza ou consente que se adoptem aplicações/interpretações que conduzam a empobrecimentos ilegítimos do proprietário.

Vem isto também a propósito do que na sentença recorrida se extraiu do facto 6; em que se deu como provado:

“Correu termos por este Tribunal e Juízo o inventário para separação de meações subsequente ao divórcio referido em 5) com o n.º 1318/04.9TBACB, no qual, além do mais, foram relacionadas benfeitorias, integrando um crédito comum do casal, no valor de € 22.500,00, correspondendo tais benfeitorias a obras efectuadas pelo casal, na constância do casamento, no imóvel identificado em 1), com o conhecimento e o consentimento da anterior proprietária, D..., mãe das autoras, tendo em vista a conservação e a manutenção do imóvel.”

Em 1.º lugar, o que, na sua literalidade, está escrito e dado como provado é o que aconteceu em tal processo de inventário para separação de meações, ou seja, que ali foi relacionado um crédito de € 22.500,00 por benfeitorias.

Em 2.º lugar, o que na sua literalidade está dado como provado é o que, a partir de tal processo de inventário, “estará bem”, ou seja, foi exactamente isto e apenas isto que, de relevante para o caso, aconteceu em tal inventário; mais, o que porventura possa ter ocorrido em tal inventário – corrido entre a 1.ª A. e o R. – não é sequer oponível à 2.ª R..

Efectivamente, há notícia nestes autos, a fls. 201 (cópia dum despacho de tal inventário), de tal montante, referente a benfeitorias, ter passado a ser relacionado como crédito; e, mais à frente, a fls. 232 e 233, de que um pedido de apensação de tal inventário a estes autos (efectuado pelas AA) foi indeferido, tendo a Exma. Juíza do processo acrescentado que “é do meu conhecimento funcional que o referido processo de inventário foi extinto por inutilidade superveniente da lide por sentença de 24/10/2013, na qual as partes foram remetidas para os meios comuns quanto à questão das benfeitorias[7].

Em resumo, em tal processo de inventário nada se decidiu sobre tal pretenso crédito por benfeitorias; remeteu-se para os meios comuns, mais exacta e concretamente para este nosso processo[8].

Mas, se em tal inventário nada se decidiu e se se remeteu para “aqui”, o que se deu como provado no facto 6, tendo presente o que se tinha em vista e o que se concluiu (na sentença recorrida) em sede de aplicação do direito, é do ponto de vista factual insuficiente para a conclusão extraída.

Vale também aqui o que supra referimos a propósito dos factos 8 a 10: face ao que são benfeitorias necessárias e úteis e aos termos em que umas e outras podem gerar créditos para quem as realiza, sempre estaria por saber o custo das benfeitorias referidas no facto 6 – de que não se explicita minimamente a que trabalhos ou obras se referem, dizendo-se apenas que tiveram em vista a conservação e manutenção do imóvel – e o seu valor no momento actual[9]; elementos nada despiciendos, uma vez que, a terem sido executadas, foram em data anterior a 2000 e, desde aí até hoje, sempre o R. continuou na posse do imóvel (razão pela qual, a terem sido realizadas e a serem necessárias, é certamente seguro ser o seu custo e o seu valor, em cada momento, realidades bem distintas).

Mais do que isto, no facto 6 (e como começámos por referir) nada está sequer provado quanto à realização de quaisquer concretas benfeitorias[10]; apenas se diz/descreve, repete-se, o que aconteceu noutro processo – em que a 2.ª A. não é/foi sequer parte[11] – e nesse outro processo não se provou/decidiu nada, antes se remetendo para aqui[12].

Sendo isto assim – inquestionavelmente, a nosso ver – importa, todavia, ter presente, no momento de decidir, que se percebe claramente da posição assumida nos autos – quer na réplica, quer agora na alegação e conclusões recursivas (máxime das conclusões XVII, XVIII e XIX) – que as AA/apelantes (ambas as AA/apelantes) não colocam verdadeiramente em crise que foram efectuadas obras (sejam elas quais forem, uma vez que continuamos sem as conhecer) no imóvel identificado em 1 pelo R. e pela 1.ª A., durante a constância do casamento entre ambos; por outras palavras, importa ter presente que as AA/apelantes aceitam que tais obras, independentemente do seu custo e da sua exacta finalidade (a extrair, em rigor, de factos que deviam estar alegados pelo R.), valorizaram e valorizam tal imóvel em € 22.500,00, montante este que, também as AA/apelantes o não contestam, constitui um crédito de que são titulares o R. e a 1.ª A. e de que serão sujeitos passivos as actuais co-titulares do imóvel.

Se bem compreendemos, a divergência das AA/apelantes está na aplicação do direito ao que factualmente aceitam (valorização actual do imóvel em € 22.500,00 em razão das obras efectuadas antes do divórcio); para além, naturalmente, da divergência quanto ao direito de retenção.

Assim, “ligando” tudo o que vem de ser exposto ao que se começou por dizer e sintetizando:

1.º - Está prejudicada/inutilizada uma apreciação/decisão sobre a impugnação da decisão de facto, o que de acordo e ao abrigo do art. 608.º/2, do CPC (aplicável ex vi art. 663.º/1 do CPC) aqui se declara, tendo em vista fundamentar e explicar o “passar por cima” das questões suscitadas pelas AA/recorrentes em sede de impugnação da decisão de facto (daí que, repete-se, se hajam alinhado como factos provados todos os que foram fixados na decisão recorrida).

2.º - Ao abrigo do “exame crítico” referido no art. 607.º/4 do CPC (ex vi art. 663.º/2 do CPC), em face da posição processual assumida pelas AA. (pese embora as deficiências alegatórias do R/Reconvinte), acrescenta-se aos factos provados o ponto 14 (já incluído no lugar próprio) com o seguinte conteúdo:

14) Durante a constância do casamento, a 1.ª A. e o R. realizaram obras no imóvel identificado em 1), com o conhecimento e o consentimento da anterior proprietária, D..., mãe das AA., tendo em vista a conservação e a manutenção do imóvel; obras essas que valorizaram e valorizam tal imóvel em € 22.500,00 e cujos materiais aplicados, na realização de tais obras, não poderão ser retirados sem detrimento do imóvel.

*

Aqui chegados, resulta dos factos (incluindo aqueles que as AA/recorrentes dizem que não deviam ter sido dados como provados e o facto 14 ora aditado), em face do disposto nos art. 1273.º e 1275.º do C. Civil, que o R. não tem qualquer crédito por benfeitorias por obras efectuadas após o divórcio da 1.ª A.; e que tem (perante o facto 14 ora aditado) um crédito por benfeitorias, no montante de € 11.250,00, por obras efectuadas antes do divórcio da 1.ª A..

O que significa que o R. (sem necessidade de ter de se apurar a sua boa fé ou má fé, como o exigiria a exclusão do direito de retenção constante do art. 756.º do C. Civil) não goza do direito de reter (previsto no art. 754.º do C. Civil) a coisa com fundamento em crédito por benfeitorias por obras efectuadas após o divórcio da 1.ª A..

Mas que também significa que o R. – que acedeu à coisa, durante o casamento com a 1.ª A., com o conhecimento e autorização da então proprietária do imóvel, ou seja, que estava que em tal lapso temporal claramente de boa fé (não ocorrendo assim a exclusão do art. 756.º do C. Civil) – goza do direito de reter (previsto no art. 754.º do C. Civil) a coisa/imóvel com fundamento no crédito por benfeitorias, no montante de € 11.250,00, por obras efectuadas antes do divórcio da 1.ª A..

O mesmo é dizer, significa, em síntese, a procedência parcial do recurso das AA.; uma vez que o R. goza do direito de retenção apenas e só até lhe ser pago o crédito de € 11.250,00, ou seja, o R. não deve ser absolvido “pura e simplesmente” do pedido de entrega (do imóvel id. no ponto 1) às AA., mas apenas absolvido da entrega imediata, uma vez que a entrega (em que é condenado) fica dependente do prévio pagamento do crédito/indemnização por benfeitorias.

Crédito/indemnização por benfeitorias que, como já se referiu, é de apenas metade do valor referido no facto 14, isto é, de apenas € 11.250,00; uma vez que não estamos perante um crédito solidário (em que cada credor tem a faculdade de exigir na totalidade), e por conseguinte o R. só pode exigir a sua parte em tal crédito, que se presume ser metade (cfr. 534.º/1/1.ª parte do C. Civil)[13].

Crédito este (de € 11.250,00) de que as AA. também não podem ser consideradas devedoras solidárias; respondendo cada uma por metade de tal quantia, o que resulta quer directamente do art. 2098.º do C. Civil. quer da remissão que para ele faz o art. 534.º/2.ª parte do C. Civil.

Efectivamente, as AA. são devedoras de tal montante enquanto titulares da herança, já partilhada, da sua mãe (falecida em 17/02/2008, ou seja, após o divórcio de 1.ª A., ocorrido em 07/10/2002), preceituando o art. 2098.º/1 do C. Civil que “efectuada a partilha, cada herdeiro só responde pelos encargos na proporção da quota que lhe tenha cabido na herança”, o que significa que as AA. só respondem por tal dívida na proporção da sua quota hereditária e também que, por tal dívida, não é responsável o restante património pessoal das AA/herdeiras (art. 2071.º do C. Civil)[14].

Desfecho final este – entrega do imóvel id. em 1. após o pagamento ao R. do crédito por benfeitorias de € 11.250,00 (e reconhecimento do direito de retenção até lá) – que exige e impõe que se verbalizem ainda os seguintes raciocínios e ponderações:

Olhando, na posição a “jusante” em que nos encontramos, para tudo o que se passou no processo, podemos dizer “sem forçar a nota” que o litígio não encerra, em substância, uma típica reivindicação; em termos formais, claro está, a acção contém o pedido principal e o pedido secundário que caracterizam a reivindicação – o principal, de reconhecimento da titularidade do direito, e o secundário, da restituição da coisa reivindicada – porém, em substância, não há (nunca houve) qualquer litígio sobre o direito de propriedade das AA.

Verdadeiramente, podemos afirmar, em termos pouco rigorosos mas impressivos, que a acção é uma espécie de acção negatória; uma vez que as AA. – tendo como pressuposto o seu “indiscutível” direito de propriedade sobre os prédios em causa – interpelam o R. para que este invoque/demonstre o título que o legitima a ocupar e a não restituir os prédios.

Ou seja, o ponto de partida jurídico do litígio situa-se de imediato na 2.ª parte do art. 1311.º/2 do C. Civil, em que se diz que, havendo reconhecimento do direito de propriedade, “a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei”; enfim, em substância e no essencial, os autos são como que uma acção de simples apreciação negativa, em que, como se refere no art. 343.º/1 do C. Civil, “compete ao R. a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga”.

E foi neste papel – respondendo à interpelação das AA., procurando justificar a ocupação e assim obstar à restituição – que o R. se colocou na sua contestação/reconvenção; dizendo/invocando vários fundamentos para se manter na ocupação e concluindo pelo pedido reconvencional supra transcrito.

Pedido reconvencional que foi todo ele, com excepção do crédito por benfeitorias e do direito de retenção, julgado improcedente na sentença recorrida, isto é, foi “corrido” a “absolvição/improcedência” o pedido em que R. solicitava que fosse declarado ter “adquirido o usufruto vitalício do imóvel identificado no art. 1.º da p. i. por usucapião”; sucedendo, é o ponto, que tal questão/absolvição/improcedência não está compreendida no objecto da apelação, que o R/apelado, ainda que a título subsidiário, não solicitou a apreciação de tal questão (ou de qualquer outra questão não compreendida no objecto da apelação), nem arguiu qualquer nulidade de sentença.

Não arguiu, designadamente, o facto da sentença recorrida, a determinada momento (fls. 17, 18 e 19), ir num processo discursivo que conduziria à aquisição do usufruto por usucapião e, a final, “correr” todos os pedidos, com as duas excepções referidas, a “absolvição/improcedência”.

Com o que ocorre um “imbróglio” processual que importa deslindar ou, pelo menos, não omitir .

Há situações – não nos repugna admiti-lo – em que se “salvam” lapsos processuais recorrendo à figura do “erro material”; ou seja, tendo-se na sentença recorrida escrito que se “absolvem as autoras dos demais pedidos formulados”, dir-se-ia, remindo o lapso, que se pretendeu e se queria escrever, em relação a alguns pedidos[15], que se julgava o seu conhecimento prejudicado.

No caso, porém, não pode ser assim.

Em 1.º lugar, estamos perante uma verdadeira nulidade de sentença do art. 615.º/1/c) do CPC; e as nulidades de sentença não são de conhecimento oficioso.

Em 2.º lugar e mais substantivamente, a questão do direito real menor[16] que justificaria/legitimaria a ocupação do R. decorre factualmente do ponto 7 dos factos provados que, indiscutivelmente, se percebe não colher a concordância das AA/apelantes[17], mas de que estas – compreensivelmente, por a consequência mais desfavorável para elas, de tal ponto 7 dos factos provados, não haver sido declarada/determinada na sentença recorrida – não impugnaram o que foi decidido factualmente, podendo agora invocar que, remir o lapso, seria uma radical e imprevista mudança duma decisão que lhes era favorável e a que, por isso, não reagiram recursivamente.

Além de tudo isto, importa não perder de vista que na génese – e de certo modo causal – deste “imbróglio” processual acaba por estar o modo como o R. alinhou e perspectivou o seu pedido reconvencional (supra transcrito).

O que seria juridicamente lógico, com o devido respeito, era o R. começar o seu pedido reconvencional pela constituição, por usucapião, do direito real de usufruto a seu favor; e não relegá-lo, subsidiariamente, para o 6.º lugar.

A constituição/existência dum tal usufruto configura, só por si, a “excepção” que preenche a 2.ª parte do referido art. 1311.º/2/2.ª parte do C. Civil e obstava, só por si, à restituição da coisa; mas mais, é bom acentuá-lo, face ao que supra se referiu sobre o que são benfeitorias necessárias e úteis e aos termos em que umas e outras podem gerar créditos para quem as realiza, a questão das benfeitorias (e do consequente direito de retenção) estava/ficava imediatamente prejudicada (com o reconhecimento do usufruto) uma vez que, como repetidamente supra referimos, só à data da entrega da coisa ao titular (o que, havendo usufruto, não ocorreria e não se estimaria quando viria a ocorrer) é que se poderia dizer se haveria um crédito por benfeitorias e qual o seu montante[18].

Não foi, porém, assim que as coisas foram perspectivadas quer pelo R. quer, acima de tudo, pela sentença recorrida; em que, a propósito da reconvenção, se procedeu às seguintes ponderações e apreciações jurídicas:

(…)

Analisada a matéria de facto provada, da mesma resulta que a posse exercida pelo réu sobre o prédio urbano referido em 1) foi actuada como usufrutuário.

Não pondo em causa a propriedade do imóvel, agiu no gozo pleno do imóvel. E tendo em vista a manutenção e conservação do imóvel realizou obras que permitiram a sua habitabilidade sempre na convicção de que as podia efectuar e que estava a beneficiar o imóvel.

(…)

As autoras insurgem-se quanto às últimas obras levadas a cabo pelo réu afirmando que as mesmas foram realizadas de má fé pois bem sabia que não poderia efectuar obras ou demais encargos sobre um prédio que não lhe pertencia e além disso visaram beneficiar não apenas o réu mas também a sua companheira.

Ora, não se percebe esta distinção que é feita entre as obras anteriores ao divórcio e as obras efectuadas posteriormente pois se o réu estava no gozo pleno do imóvel era-lhe lícito, como vimos, realizar obras e não vislumbramos de onde possa decorrer a má fé invocada pelas autoras, ou seja, não resultaram provados quaisquer factos de onde decorra que ao realizar tais obras o réu quis e sabia que estava a lesar os direitos de outrem, nomeadamente das autoras. E nenhuma influência terá aqui o facto de o réu habitar com uma terceira pessoa, que nem sequer é parte nesta acção.

Está pois o réu em condições de exercer o direito de retenção enquanto não lhe for paga, pelas autoras, a indemnização devida pelas obras que efectuou no prédio urbano e que se cifram em €16.329,48 (22.500,00:2 + €5.079,48).

Procede assim parcialmente a reconvenção.

Em relação ao pedido formulado pelas autoras – restituição dos imóveis no prazo de 30 dias, após o que o réu deverá pagar àquelas a importância de €50,00 por cada dia de mora a título de indemnização pela não entrega dos mesmos – como vimos, em relação aos prédios rústicos tal pedido de restituição improcede. Em relação ao prédio urbano, uma vez que também as autoras estão obrigadas a pagar ao réu a quantia que acima se fixou, não será decretada a restituição do prédio, pelo que tal pedido improcede.

Quanto ao pagamento da importância acima mencionada a título de indemnização pela não entrega, sempre improcederia na medida em que às autoras assiste o direito de executarem a obrigação, pelos meios próprios, e assim obterem a satisfação da prestação.

(…) “

Na lógica da sentença recorrida – muito clara no penúltimo parágrafo transcrito – o que obsta à restituição do prédio é o R. ser credor da “quantia que acima se fixou”; ou seja, não faz parte do percurso e raciocínio jurídicos da sentença recorrida ser o R. titular dum direito real de usufrutuo (constituído por usucapião) sobre o mesmo[19] e tal obstar à restituição do prédio.

Ou seja, em face de tal percurso e raciocínio jurídicos da sentença recorrida (que levado às devidas consequências significa para o R., pagando as AA. a “quantia que acima se fixou”, a obrigação de restituir o imóvel) o R., em ampliação do âmbito do recurso[20], não podia ter deixado de, a título subsidiário, requerer o conhecimento do pedido reconvencional respeitante ao direito real menor constituído por usucapião – cfr. art. 636.º do CPC.

Não o tendo feito, não podendo a matéria respeitante a tal pedido reconvencional ser incluída no objecto do recurso e não sendo as nulidades de sentença de conhecimento oficioso, está nos autos estabilizado que o R. não detém qualquer direito real menor sobre o prédio identificado em 1[21].

Daí, como supra se referiu, a procedência parcial do recurso das AA..

Efectivamente, sendo as AA./recorrentes proprietários do prédio urbano identificado em 1 (questão em que nunca houve qualquer litígio entre as partes, estando a propriedade demonstrada pela presunção decorrente do registo), “gozam de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso e fruição” (cfr. 1305.º do C. Civil) sobre o mesmo, podendo, como é o caso, exigir judicialmente, que o R. seja condenado a proceder à sua restituição (cfr. 1311.º/1 do C. Civil).

Só assim não será se o R./apelado tiver demonstrado ser titular duma situação jurídica que lhe confira uma legítima recusa (ex vi art. 1311.º/2/2.ª parte do C. Civil) a uma imediata restituição.

Foi o caso: o R. demonstrou uma causa dilatória de restituição; a improcedência do direito real menor está estabilizada nos autos, porém, o R. demonstrou ser credor por benfeitorias e pode reter o imóvel enquanto não lhe for pago tal crédito.

Enfim, com excepção, claro está, da sanção pecuniária compulsória, em que as AA/apelantes erradamente insistem, procede nos termos supra traçados o que ademais as AA/apelantes concluíram na sua alegação recursiva a propósito da acção e da reconvenção[22], o que determinará a correspondente confirmação e revogação do sentenciado[23].

Quanto à sanção pecuniária compulsória, o art. 829.º-A/1/ do C. Civil aponta a sua aplicação apenas “às obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exijam especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado (…)”; ou seja, enfatiza-se, a sanção pecuniária compulsória não é um meio coercitivo de aplicação geral a toda a espécie de obrigações; mas apenas um meio coercitivo de aplicação (restrita) a certas e determinadas obrigações.

O legislador – 829.º-A/1 do C. Civil – limitou-a às obrigações de non facere e de facere cujo cumprimento exige a intervenção insubstituível do devedor, com excepção das que requeiram especiais qualidades científicas ou artísticas; concebeu-a como processo coercitivo de aplicação subsidiária, destinado a colmatar a lacuna decorrente da inidoneidade da execução para realizar in natura as prestações de facto infungíveis.

“ O legislador confinou a sanção pecuniária compulsória às obrigações de carácter pessoal – obrigações de carácter intuitus persanae, cuja realização requer a intervenção do próprio devedor, insubstituível por outrem – fazendo dela um processo subsidiário, aplicável onde a execução específica não tenha lugar. E, assim, graças à sanção pecuniária compulsória, ao constrangimento que ela exerce sobre a vontade do devedor rebelde, o credor pode alimentar a esperança de obter a originária prestação infungível que lhe é devida – seja contratual ou extracontratual, autónoma ou não autónoma, patrimonial ou extra-patrimonial – sem ter de cingir-se e resignar-se à execução por equivalente.

Esta a origem e razão de ser da sanção pecuniária compulsória, que o legislador verteu no n.º 1 do art. 829.º-A, ao fazer da infungibilidade da obrigação o correlato da sua aplicabilidade. Isto é, o legislador preocupou-se com a realização das prestações insusceptíveis de execução específica, consagrando um meio de pressionar o devedor ao cumprimento, apenas, dessas obrigações. Logo, onde o credor disponha de execução sub-rogatória, não há lugar à aplicação da sanção pecuniária compulsória”[24],[25].

Extrai-se pois do que vimos de dizer que, no caso dos autos, a sanção pecuniária compulsória não pode ser imposta.

É que as obrigações que têm como objecto uma prestação de coisa – coisa que é o objecto mediato, sendo a prestação (conduta ou comportamento) o objecto imediato – o cumprimento é possível através da execução específica.

Efectivamente, nos termos do art. 827.º do C. Civil, se a prestação consistir na entrega da coisa determinada, o credor tem a faculdade de requerer, em execução, que a entrega lhe seja feita judicialmente, sendo a execução para entrega de coisa certa ou determinada regulada nos art. 859.º e ss do CPC.

Com tal execução, que visa a entrega da coisa in natura, o credor obtém tudo aquilo que lhe é devido e a que tem direito segundo a lei substantiva e que obteria pelo cumprimento (dispensando a pressão/coerção da sanção pecuniária compulsória).

É este exactamente o caso dos autos.

A restituição do prédio identificado no ponto 1 dos factos provados é uma obrigação que tem como objecto uma prestação de coisa, pelo que, sendo o seu cumprimento possível através da execução específica, não é – uma vez que o processo de execução serve até ao fim a lei substantiva – passível de se fazer acompanhar a condenação principal (à restituição) da condenação acessória que a sanção pecuniária compulsória representa (cfr. 829.º-A/1 do C. Civil).

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IV - Decisão

Nos termos expostos, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação, confirmando-se e revogando-se a sentença recorrida; mais exactamente, revoga-se, na parte respeitante à acção, a absolvição do pedido de entrega do imóvel identificado no ponto 1 dos factos provados, condenando-se o R. a entregar tal imóvel às AA., no prazo de 30 dias a contar do integral pagamento ao R. da totalidade da indemnização por benfeitorias que a seguir (na reconvenção) as AA. são condenadas a seu favor; e revoga-se, na parte respeitante à reconvenção, a condenação das AA. na “indemnização” por benfeitorias ali fixada, condenando-se cada uma das AA. a pagar ao R., por benfeitorias efectuadas no prédio identificado em 1), a quantia de € 5.625,00 (cada uma das AA., perfazendo, no total, € 11.250,00), com o limite da sua quota hereditária (na herança da mãe), acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da decisão de 1.ª instância, até efectivo e integral pagamento, mantendo-se o reconhecimento do direito de retenção do R. sobre o imóvel identificado no ponto 1 dos factos provados, enquanto e até ao integral pagamento ao R. da totalidade da indemnização por benfeitorias acabada de estabelecer.

Custas: Na 1.ª instância, da acção, por AA e R. na proporção de 2/3 e 1/3, respectivamente; e, da reconvenção, a cargo do R. e AA. na proporção de 2/3 e 1/3. Nesta instância, por AA./apelantes e R./apelado em partes iguais.

Coimbra, 10/02/2015

 (Barateiro Martins - Relator)

(Arlindo Oliveira)

 (Emídio Santos)


[1] Uma vez que, por uma questão de lógica, faz todo o sentido que o alinhamento dos factos seja já o alinhamento final e definitivo (após a apreciação e decisão da impugnação da decisão de facto).
[2] O regime das benfeitorias está estabelecido a propósito da posse, servindo de padrão para a aplicação a outras situações.

[3] Imagine-se que, no âmbito da conservação dum imóvel, um possuidor procedeu à sua pintura há 12 anos; ocorrendo a entrega agora, o titular apenas terá que pagar/indemnizar o custo/valor do benefício de tal pintura que actualmente ainda perdure (se o imóvel até já precisar de nova pintura, do mesmo modo que há 12 anos atrás, até poderia nada ter que pagar/indemnizar).

[4] No enriquecimento sem causa, o obrigado à restituição apenas restituirá o valor com que se locupleta, com o limite (para a sua obrigação) de a restituição não poder exceder o que o empobrecido despendeu (cfr. 479.º do C. Civil); ora, é justamente isto – a medida do enriquecimento das AA. – que não é alegado pelo R., que se limita tão só a alegar os montantes/custos que despendeu, isto é, a medida do seu empobrecimento.

[5] Parece ter-se partido do princípio que “custo/despesa” e “valor” são sempre, quer em termos económicos quer em termos jurídicos, sinónimos; uma vez que estamos a falar de benfeitorias/obras numa casa de habitação, basta pensar nas obras de melhoramento/actualização de casas de banho e/ou cozinhas, em que o normal é a medida do empobrecimento (custo de tais obras) ser superior à valorização que acrescentam à casa.

[6] O direito – que é suposto estra penetrado e realizar uma “ideia de justiça” – sancionaria, com tal solução, que o proprietário/titular, depois e além de estar privado da coisa, ainda teria que pagar, suprema ironia, a totalidade da “conta” das despesas do gozo alheio (porventura até de quem o esbulhou).

[7] Efectivamente, o processo de inventário em causa, a fls. 292, contém decisão, datada de 24/10/2013, que diz “(…) estando apenas em causa a partilha das benfeitorias descritas sob a verba n.º 1 da relação de bens, sobre as quais se encontra pendente acção cível, determina-se a extinção dos presentes autos por inutilidade superveniente da lide, remetendo-se as partes para os meios comuns (onde até já se encontram) para a resolução da questão relativa às benfeitorias.”
[8] Aliás, se fosse doutro modo – se algo tivesse sido decidido – não se teria por certo olvidado a discussão da questão de caso julgado que tal decisão colocaria (e, antes disso, de tal decisão, da litispendência).

[9] O que se alega, em 29/08/2012 (data da apresentação da contestação), é que, “as obras em questão foram avaliadas no âmbito do referido processo de inventário, a pedido do R. em 22 de Dezembro de 2008 no valor total de 22.500,00 €” (art.15.º da contestação).
[10] Em linha, aliás, com a alegação do R.; que apenas diz genericamente que durante a constância do matrimónio “realizou obras de construção civil no referido imóvel, designadamente obras de conservação e manutenção” (cfr. art. 11.º a 15.º). Aliás, a alegação do R., mais do que uma alegação sobre concretos trabalhos de beneficiação (situando no tempo cada um dos trabalhos, os seus custos e valorização para o prédio), é uma alegação/informação sobre o que, naquele momento (em 29/08/2012, data da contestação), estava a acontecer/decorrer no processo de inventário.
[11] E em que a 1.ª A. não estava sequer na qualidade de devedora, mas sim (ela e o R.) na qualidade de credores da mãe das AA. (proprietária do prédio à data da cessação da sociedade conjugal).

[12] Uma certa confusão: “lá” remete-se para aqui e depois, aqui, descreve-se o que “lá” se passou.

[13] Aliás, em relação à outra metade do crédito até há, neste momento, confusão parcial (art. 868.º do C. Civil) entre credora e devedora: a 1.ª A.

[14] Dupla restrição esta, em termos práticos, bastante inútil. Em 1.º lugar, é da natureza do próprio crédito (uma vez que resulta duma valorização trazida ao imóvel) que a quota hereditária era certamente bem superior a tal encargo da herança. Em 2.º lugar, embora a condenação de cada um das AA. seja em metade dos € 11.250,00, o certo é que o R. mantém/goza do direito de retenção enquanto não receber a totalidade dos € 11.250,00.
[15] Não poderia ser assim, claramente, em relação a todos os pedidos; designadamente, em relação ao pedido formulado em 4.º lugar, cuja absolvição do pedido corresponde mesmo ao que foi discutido e apreciado.
[16] Dizemos assim – direito real menor – uma vez que o que é alegado pelo R. (cfr. art.10.º da contestação) estaria juridicamente melhor configurado como um mero direito de uso e habitação (art. 1484.º do C. Civil); que abrange o “usus” e o “fructus”, mas apenas na medida das necessidades pessoais do seu titular e da sua família; por outras palavras e a título de exemplo, o que foi invocado/alegado não parece que fosse compatível com a possibilidade do prédio poder ser dado de arrendamento pelo R..
[17] Se colhesse, não teriam certamente recorrido a pedir a restituição do prédio id. no ponto 1 dos factos provados.

[18] Significa isto, evidentemente, que, se estivéssemos a proferir sentença em 1.º instância, teríamos começado por colocar a questão de saber qual a ordem pela qual podíamos/devíamos conhecer o pedido reconvencional (pese embora o modo como o R. o alinhou).

[19] A única coisa que se observa (e consta do início da transcrição) é que “analisada a matéria de facto provada, da mesma resulta que a posse exercida pelo réu sobre o prédio urbano referido em 1) foi actuada como usufrutuário”; fala-se apenas em posse como usufrutuário e parece ter-se em vista a não existência de má-fé na ocupação e na realização das benfeitorias.
[20] Ou porventura em recurso próprio e principal.

[21] É, é claramente a nossa convicção, “direito por linhas tortas”; uma vez que a factualidade provada a propósito do direito real menor (em que nem sequer se dá como provada a “restrição” alegada no art. 10.º da contestação, em que se diz que o imóvel “se destinava à habitação do R. e do seu agregado familiar”) é, à luz da normalidade da vida, bastante incomum (não é normal, por ocasião do casamento dum filho, um seu progenitor dar o usufruto verbal duma sua casa, que o novo casal vai habitar, ao cônjuge do seu filho; é relativamente normal o novo casal ir habitar uma casa dos pais dum deles, mas não, evidentemente, a título de usufruto verbal ao cônjuge do filho – e é isto que parece estar e que foi interpretado como estando no ponto 7 dos factos provados); e terá sido certamente também por isto, por ser incomum, que o R. até relegou o pedido de usufruto por usucapião para o 6.º lugar (e a título subsidiário) e que agora nem recorreu (pese embora o que se deu como provado) da sua improcedência.
[22] Em que verdadeiramente já não se inclui o “litígio” sobre os 3 prédios rústicos – as AA. não impugnam que não haja sido dada positivamente como provado que o R. os ocupe – estando assim estabilizada a sua não condenação na sua entrega/restituição por não se haver demonstrado a ocupação dos mesmo por banda do R. (como o R. invocou na sua contestação).

[23] Ficando assim prejudicada a abordagem de outras questões (designadamente, a nulidade de sentença, a renovação de prova e anulação de decisão, suscitadas).

[24] Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pág. 452.

[25] Sem prejuízo da incoerência e desarmonia do sistema no adicional de 5% nas obrigações pecuniárias (art. 829.º - A/4 do C. Civil); não faz sentido – como refere Calvão da Silva, obra e local citados – consagrar, no art. 829.º-A/1, o princípio da subsidiariedade da sanção pecuniária compulsória, confinada às prestações de facto infungíveis, para logo de seguida prescrever a sua aplicação automática aos casos em que tenha sido estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, como reza o n.º 4 do art. 829.º-A.