Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4603/16.3TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: SENTENÇA
NULIDADES
DECISÃO DE FACTO
PROVA
DIVÓRCIO
ALIMENTOS
EX-CÔNJUGES
Data do Acordão: 02/20/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JUÍZO FAM. MENORES - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 615, 662 CPC, 2003, 2004, 2009, 2016 CC
Sumário: 1- A ambiguidade da sentença, rectius do seu conspeto decisório, percussora da sua nulidade – artº 615º nº1 al. c) in fine – inexiste se o recorrente na sua postura recursiva, demonstra tê-la compreendido.

2 - Não podem confundir-se as causas de nulidade da sentença, tout court, previstas taxativamente no artº 615º do CPC, com os vícios privativos da decisão sobre a matéria de facto, as quais acarretam a sua anulação, modificação ou o reenvio do processo à 1ª instância - nº1 e nº2 als. c) e d) do artº 662º do CPC.

3.- Se o juiz diz que certos factos não se provaram por inexistir prova, tal não implica a nulidade da decisão factual, por infundamentada, ou a remessa dos autos para fundamentação, antes competindo ao insurgente, em sede de impugnação desta, convencer, perante a prova produzida, da ilegalidade do decidido.

4. - A prova de certas verbas, a título de ganhos – p. ex. salários -, rendimentos e despesas – vg. renda de casa e fixas com estabelecimento comercial –melhor pode ser efectivada via documental, não bastando, para contrariar a decisão da julgadora, as declarações do réu ou de testemunha a ele ligada por relações de amizade.

5. – O direito a alimentos do ex cônjuge assume-se como excepcional e temporário, devendo, assim, o impetrante, provar factos com força e dignidade bastantes que claramente afastem a regra - artº 2016º nº1 do CC - da sua exigível auto subsistência.

Decisão Texto Integral:


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA.

1.

A (…),  instaurou contra H (…) acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge.

Alegou:

Contraíu casamento com o R. em 8/10/2010.

 O R. era dependente de heroína e tomava diariamente metadona; na sequência deste tratamento passou a ingerir diariamente álcool em quantidades significativas e tratava a A. por «puta» e «vaca»; o R. obriga a A. a ter contacto sexual e masturbava-se perante si; persegue a A. de carro e telefona-lhe constantemente procurando saber onde está e com quem; o R. recebe os proveitos da venda de produtos de beleza que pontualmente faz, mas a A. é que suporta os seus custos; a A. é que suporta todas as despesas da vida familiar; no dia 4/6/2016 o R. riscou o carro da A.

Pediu:

Se decrete o divórcio e que se condene o R. a pagar-lhe a título de danos não patrimoniais a quantia de 5.000 euros , acrescida de juros à taxa legal.

Realizou-se a conferência a que alude o artigo 931º do C.P.C., sem sucesso.

O R. contestou.

Excepcionando a incompetência em razão da matéria quanto ao pedido indemnizatório e a ineptidão da petição inicial.

Em reconvenção, pediu que se decrete o divórcio e a condenação da A. a pagar-lhe o valor mensal de 300 euros a título de alimentos, a actualizar anualmente.

Para tanto, alegou:

A A., no dia 19/7/2016, obrigou-o a abandonar a casa de morada de família, que sempre contribuiu para a economia doméstica  na execução das lides domésticas e a cuidar das crianças, que não consegue arranjar um emprego estável e que a A. tem proventos mensais e património .

2.

Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«Julgo a presente acção procedente, e a reconvenção parcialmente procedente, pelo que, no mais absolvendo a A., decreto o divórcio entre A (…) e H (…), com a consequente dissolução do casamento entre ambos celebrado em 8/8/2010, a que se reporta o assento nº 53 da Conservatória do Registo Civil da (...) .»

3.

Inconformado recorreu o réu.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

Inexistiram contra alegações.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª – Nulidades da sentença.

2ª - Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

2ª – Pensão de alimentos para o réu.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

Clama o  réu que a sentença é nula porque ambígua, nos termos do artº615º, nº 1, al. c), 2ª parte, do CPC.,  e porque não fundamentada, nos termos da al. b) do mesmo preceito.

5.1.1.

O primeiro vício inexiste.

Não há qualquer ambiguidade, ao menos se operada uma interpretação sagaz em função do pedido e do decidido.

O réu, ele próprio,  em reconvenção, formulou dois pedidos: o de divórcio e o de alimentos.

No conspeto decisório da sentença, a reconvenção foi julgada parcialmente procedente.

Porque o divórcio foi decretado, obviamente que a procedência da reconvenção se reportou a este pedido.

O facto de esta decisão também abranger o decretamento do divórcio formulado pela autora na petição inicial em nada prejudica esta interpretação.

Até porque, não tendo, presentemente, de ser declarado qual o cônjuge culpado da rutura conjugal, a destrinça, na sentença, sobre se o divórcio é decretado por referência ao pedido inicial da autora ou ao pedido reconvencional do réu, é pouco mais do que irrelevante

E, naturalmente, porque o pedido de alimentos não foi, adrede, concedido, a improcedência da reconvenção reporta-se precisamente a este.

O dado que comprova a inexistência de ambiguidade, e que o recorrente compreendeu e interiorizou o decidido, é que ele se insurge contra a decisão precisamente na parte que entendeu ser-lhe desfavorável: o indeferimento do pedido de alimentos.

5.1.2.

No atinente à não fundamentação.

O recorrente, alcandorando-se no artº 615º do CPC,  imputa tal vício à decisão sobre a matéria de facto.

Assim sendo, ele subsume inadequadamente a sua pretensão.

Efetivamente, e ainda que presentemente a decisão sobre a matéria de facto passe, formalmente, a constar na sentença – lato sensu considerada - tal decisão não se confunde nem é totalmente absorvida pela sentença – stricto sensu – a qual se consubstancia na subsunção dos factos apurados às normas legais pertinentes e na respetiva decisão – artº 607º nº3 do CPC.

Assim, na decisão sobre a matéria de facto, importa apurar se a convicção que acarreta  a prova de certos factos e a não prova de outros, está consonante com os meios probatórios produzido ou se o julgador se pronunciou e relevou todos os factos com interesse para a decisão.

 Já na sentença final urge apenas verificar se a decisão final está alicerçada, ou não, em factualismo pertinente e nas normas legais atinentes e foi curialmente prolatada.

Já  no domínio do CPC pretérito se entendia que existia uma clara diferenciação entre os artºs 653º nº 2 e o artº 668º, vg. a sua al. b) do nº 1.

Pois que «aquele primeiro dever aponta exclusivamente para a justificação da concreta base de apuramento da matéria de facto «qua tale», enquanto que o segundo deixa subentender a justificação ou motivação da decisão final «vis a vis» o direito substantivo concretamente aplicável» - cfr. Ac. do STJ de 06.12.2004  dgsi.pt.p. 04B3896.

Porém, tal entendimento mantém-se atual, no âmbito do NCPC, pois que, não obstante a alteração meramente circunstancial/formal de a decisão sobre a matéria de facto constar na sentença, lato sensu, é evidente, que as duas decisões – a sobre os factos provados e não provados e  a decisão final -  são,  na sua génese, natureza e finalidade, lógica e teleológicamente, diferentes, e por isso obedecendo  a critérios e requisitos específicos e não necessariamente coincidentes.

E a tal autonomia aludindo, ou a mesma deles se retirando, os nºs 3 e 4 do artº 607º do CPC, sendo que aquele se reporta à sentença final, stricto sensu, e este se refere à anterior decisão sobre os factos.

Aliás, esta diferenciação repercute-se no sancionamento dos vícios respetivos.

Os do artº 615º,  são taxativos, reportam-se à sentença, tout court, e acarretam a  sua nulidade.

 E mesmo que declarada a nulidade, vg., por falta de fundamentação factual ou jurídica, o tribunal ad quem deve conhecer do objecto da apelação – artº 665º do CPC.

Já a falta  ou insuficiente fundamentação da decisão sobre a matéria de facto,  ou a desconsideração de factos relevantes apenas tem a ver com esta decisão, como dimana do disposto no artº 662º, podendo acarretar a modificabilidade desta pela Relação, a sua anulação ou o reenvio do processo à 1ª instância para  cabal fundamentação: nº1 e nº2 als. c) e d) -  cfr. Ac. da RC de 10.09.2013, p 336/10.2TBPBL.C1 in dgsi.pt.

Decorrentemente, facilmente se alcança que o vício não é de nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas antes, eventualmente, de (i)legalidade da decisão sobre a matéria de facto, ex vi  da sua deficiência, cuja consequência não está prevista no artº 615º, mas antes no artº 662º nº2 al. c) – cfr, neste sentido, os Acs. da RC de 20.01.2015 e de 19.12.2017, ps. 2996/12.0TBFIG.C1  e 2206/07.2TBCBR.C1 in dgsi.pt.

5.1.2.1.

Nesta conformidade, e devidamente colocada/subsumida a posição da recorrente, perscrutemos.

O artº 607 nº4 do CPC  impõe ao julgador, na fundamentação da decisão fáctica, a indicação  dos elementos probatórios alicerçantes da mesma, e, ademais, a sua análise crítica.

Este segmento normativo é a decorrência lógica do disposto nos artºs 208º nº 1 da Constituição e 154º nº 1 do CPC que impõem  o dever  de as decisões sobre qualquer pedido controvertido ou sobre qualquer dúvida suscitada no processo serem sempre fundamentadas.

A motivação tem uma dupla finalidade: por um lado convencer os interessados do bom fundamento e da correção  da decisão, o que implica a sua legitimação; por outro lado permitir ao tribunal superior, em caso de recurso, a possibilidade da sua sindicância.

Nesta conformidade, a motivação da decisão sobre a matéria de facto não pode reconduzir-se a uma mera indicação genérica dos meios de prova que conduziram ao resultado enunciado.

O que poderia descambar num mero juízo arbitrário ou de convicção e, como tal, insindicável, sobre a realidade, ou não, de um facto.

Antes devendo ser especificados os concretos meios de prova, submetê-los a uma análise crítica, e explicitado o processo lógico-dedutivo que levou à convicção expressa na resposta: o como e o porquê dessa convicção cfr. J. Pereira Batista, Reforma do Processo Civil, 1997, p.90 e segs. e Abílio Neto in Breves Notas ao CPC, 2005, p.189.

Mas, por outro lado, esta exigência não deve ser levada a limites de exagero.

Até porque uma fundamentação exaustiva e perfeita é de muito difícil e, por vezes, impossível, consecução.

Assim:

 «…o que deve e pode exigir-se do julgador é a explicação das razões que objectivamente o determinaram a ter ou não por averiguado determinado facto. Quando o juiz decide que certo facto está provado é porque foi levado a esta conclusão por um raciocínio lógico, que tem de ter, na sua base, elementos probatórios produzidos. O que se determina nesta disposição é que o juiz revele essa motivação, de modo a esclarecer o processo racional que o levou à convicção expressa na resposta…» -  Rodrigues Bastos, Notas ao CPC. vol. III, ed. de 2001, em anotação ao artigo 653º.

Ou seja:

«o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão…» - M. Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o Novo Processo Civil, págs. 348.

E  não estando o julgador a descrever, de modo minucioso, o processo de raciocínio ou o iter lógico-racional que incidiu sobre a apreciação da prova submetida ao respectivo escrutínio; basta que enuncie, de modo claro e inteligível, os meios e elementos de prova de que se socorreu para a análise crítica dos factos e decidir como decidiu – cfr. Ac. da RC de 28.03.2000, CJ 2º, 22 e Acs. do STJ de 06.12.2004, p. 04B3896, de 02.10.2008, p. 07B1829 e de 14.01.2009, p.08S934, todos  in  dgsi.pt.

Nesta senda, pode considerar-se que se cumpriu a exigência do segmento normativo do nº4 do artº 607º do CPC quando o juiz procedeu a uma explicitação dos diversos meios de prova que serviram para formar a  sua convicção, bem como da sua valoração, o que passa pela menção da sua relevância e da razão da credibilidade que lhe  mereceram.

 O que, repete-se, pode efetivar de uma  forma não  necessariamente exaustiva, mas suficientemente convincente, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica.

Ou seja, deve entender-se que estão satisfeitas as exigências legais de fundamentação quando, vg, é indicada a razão de ciência das testemunhas, são referidos os motivos por que mereceram a credibilidade do Tribunal, e é feita a articulação dos depoimentos prestados com os outros meios de prova– cfr. Ac. do STJ de 25.03.2004  cit.  e Ac. do STJ de. 20.05.2010, p. 5322/05.1TVLSB.L1.S1 in dgsi.pt.

Pois que, nestes casos -  e mesmo que na decisão exista alguma deficiência ou insuficiência - ela não poderá taxar-se de arbitraria e será, em todo o caso - e é o que realmente interessa -, sindicável.

 Ademais, importa considerar que não é de boa técnica nem satisfaz a exigência legal, uma motivação em bloco, reportada a todos os factos objeto da prova, mediante mera indicação das provas relevantes para a formação da convicção do juiz.

Mas o preceito em análise não exige – ainda que tal seja preferível - que a fundamentação das respostas aos quesitos seja indicada separadamente em relação a cada um deles.

Não sendo de excluir a possibilidade de fundamentação conjunta de mais que um facto,  pelo menos sempre que, por exemplo, os factos se encontrem ligados entre si e tenham sido objeto, no seu núcleo essencial, dos mesmos meios de prova.

 Em tal caso, uma motivação conjunta além de admissível deve ter-se mesmo por aconselhável - cfr. Ac. do STJ de 25.03.2004, dgsi.pt, p.02B4702 e Ac. da RC de 7.11.2012, p. 781/09.6TBMGR.C1

5.1.2.2.

No caso vertente o recorrente entende que a decisão sobre a matéria de facto no atinente aos factos não provados que identifica não está fundamentada.

Mas não é bem assim.

Na fundamentação dos factos não provados a julgadora expendeu:

«No que respeita aos factos não provados, ou não foi feita qualquer prova dos mesmos, ou a prova produzida contrariou-os »

E, de seguida,  identificou os meios probatórios em função dos quais,  e pela interpretação que deles operou, considerou não provados certos factos.

Verifica-se que, no atinente aos factos não provados aludidos pelo recorrente a Srª Juíza nada disse para além da referência mais genérica acima plasmada.

Mas tal não é motivo para taxar a decisão de infundamentada quanto a tais factos.

Na verdade, uma interpretação possível, e até a mais  plausível, é que tal silêncio significa que nenhum meio probatório, pelo menos relevante e que merecesse análise e dilucidação, foi produzido sobre tal matéria.

E, se assim foi, é natural – ou, ao menos, admissível – que inexista qualquer postura interpretativa sobre o teor de acervo probatório, pela simples razão de que este inexistiu ou foi irrelevante a tal ponto que nem sequer merece se analisado.

A assim ser, como se entende que é, a nulidade inexiste.

Mas mesmo que existisse, nem por isso a posição do recorrente ficava prejudicada.

Pois que, inversamente ao mencionado pela julgadora, se meios de prova fossem produzidos, os quais, inclusive, pudessem levar à prova dos factos dados como não provados, sempre o recorrente poderia invocar e  convencer de tal no recurso.

Mas, aqui, a questão não deveria ser subsumida na nulidade da decisão factual, por falta de fundamentação, mas antes na sua ilegalidade, por não respeitar meios probatórios produzidos, ou  por menos bem efectivar a sua exegese.

O que colocaria tal quid em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, tout court.

O que, aliás, o recorrente efectiva, sendo que, assim, esta problemática irá ser apreciada na questão subsequente.

5.2.

Segunda questão.

5.2.1.

No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5  do CPC.

Perante o estatuído neste artigo exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Nesta conformidade  - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005  e de 23-04-2009  dgsi.pt., p.09P0114.

Nesta conformidade  constitui jurisprudência sedimentada, que:

«Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1.

5.2.2.

Por outro lado, como dimana do já supra referido, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genericamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.

 A lei exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida.

Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua, subjetiva, convicção sobre a prova.

Porque, afinal, quem  tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz.

Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ele efetivar uma análise concreta, discriminada, objetiva, crítica, logica e racional, de todo o acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

 A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório  com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito probatório permitida e que lhe é concedida.

E só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção,  se podem censurar as respostas dadas.– cfr. neste sentido, os Acs. da RC de  29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 17.05.2016, p. 339/13.1TBSRT.C1; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1., todos  in dgsi.pt;

5.2.3.

No caso vertente.

5.2.3.1.

Pretende  o recorrente  que se  altere o ponto 20 dos factos provados no seguinte passo:

 «A A. é co-titular das seguintes contas no Banco (...) :

- conta nº (…), com saldo negativo em 31-3-2016, mas com um Fundo de Tesouraria no montante de 11.233,72 euros;»

Para:

«A A. é 1ª e única Titular da seguinte conta no Banco (...) :

 - conta nº (…) com saldo negativo em 31-03-2016, mas com Fundo de Tesouraria no montante de 11.233,72 euros;»

Mais pretende que os seguintes factos dados como não provados

«- que os rendimentos mensais do R. rondem os 300 euros;

- que o R. gaste pelo menos 80 euros com consumos domésticos, 300 euros com alimentação, 50 euros com vestuário e calçado e 100 euros com combustível e telemóvel.»

passem a provados nos termos seguintes:

«- Os rendimentos mensais do R. apenas provêm do salão de cabeleireiro que abriu após a separação de facto do casal, não chegando para pagar as despesas que tem, vivendo com a ajuda, nomeadamente financeira e em géneros, da madrinha/tia;

- O R. tem pelo menos como despesas € 180,00 da renda do salão de cabeleireiro, e água luz e consumíveis do salão; € 250,00 da casa que arrendou (que é paga com a ajuda da sua madrinha), bem como água, luz e água da mesma, tendo ainda despesas de gasóleo, despendendo € 20,00 a cada dois ou três dias.»

Foi apreciada a prova.

Quanto ao ponto 20 invoca o documento emitido pelo Banco (...) de fls.297.

Ora de tal documento não dimana que a autora é a única titular da conta mencionada.

Pois que nele apenas se menciona que ela é a 1ª titular.

Esta terminologia inculca, inclusive, que, sendo a autora a 1ª titular, haverá outros titulares , ou, ao menos, outras pessoas com o direito de poderem movimentar a conta.

No atinente ao mais.

A julgadora fundamentou a resposta negativa nos seguintes termos:

«No que respeita aos factos não provados, ou não foi feita qualquer prova dos mesmos, ou a prova produzida contrariou-os .

É o caso de quem recebia os proveitos da venda de produtos de beleza pelo R., pois a prova foi contraditória, afirmando as partes coisas distintas e  afirmando as testemunhas apenas aquilo que ouviram de uma das partes...

No que respeita aos rendimentos do R., o valor por ele indicado foi negado quando prestou declarações em julgamento, o que explicará a sua recusa em se aceder aos saldos das suas contas bancárias !»

Já o recorrente pugna pela prova com base na interpretação que opera dos seguintes meios:

«A Testemunha (…), madrinha e tia do R., …diz em Audiência…que após e desde a separação de facto do casal, dá apoio ao R./Recorrente, dando-lhe almoço e jantar; lavando e passando a roupa do mesmo a ferro, e dando-lhe o apoio financeiro que ele necessita.

Mais diz que o R. actualmente arrendou casa e está a viver na casa que arrendou; sendo que lhe dá apoio financeiro porque ele …não tem possibilidades…

Mais, verbaliza a dita Testemunha…que o R. não tem rendimentos; tem agora um salão de cabeleireiro, mas que o rendimento não é certo, continuando a precisar de ajuda. ..que tem ajudado o R. a pagar a renda de casa, no valor de € 250,00… que o R. tem despesas normais de água, luz; as despesas normais do cabeleireiro e de casa dele. …é ela que paga a renda de casa do R..

…o R. …ouvido em sede de declarações de parte, que tem como despesas mensais fixas a renda do salão, no valor de € 180,00, água e luz do salão e todos os consumíveis. Tem ainda como despesas a renda da casa que arrendou, no valor de € 250,00, bem como água, luz e gás da mesma casa. Dizendo que só para isso não chegam quase € 500,00 por mês. …tem despesas de gasóleo, sendo que gasta € 20,00 a cada dois ou três dias. ...que o rendimento que tira do salão é pouco para as despesas que tem. Conta com a ajuda da sua madrinha, que o vai ajudando quando está no limite, ajudando-o sem o padrinho saber. Ajuda-o a pagar a renda; lava-lhe a roupa; dá-lhe o almoço e o jantar todos os dias…»

Em primeiro lugar urge atentar que a redacção proposta pelo recorrente extravasa o teor dos factos contra os quais ele se insurge não  terem sido provados.

Os factos dados como não provados atêm-se, como deve ser, porque é o que interessa para a decisão neste particular, a certas e determinadas quantias por ele alegadas na contestação/reconvenção.

Mas o recorrente pretende agora que se dêem como provadas outras realidades, aliás, mais genéricas e, assim, tendencialmente inidóneas para a sorte  da acção, como seja que ele não tem mais rendimentos do que os que lhe advêm da sua actividade no salão de cabeleireiro.

Bem vistas as coisas, não é isto, ou não é tanto isto, que essencialmente releva; mas antes, qual, afinal, o seu concreto ganho e/ou rendimento.

Ora quanto a isto ele diz nada ou diz muito pouco.

Depois verifica-se, tanto quanto se alcança, que as verbas relativas às despesas com  o cabeleireiro e à renda da casa não foram alegadas na contestação/reconvenção, nem em articulado superveniente.

Pelo que, considerando os princípios da substanciação, do dispositivo e da auto responsabilidade, elas nem sequer podem ser consideradas.

Finalmente, e mesmo que assim não fosse ou não se entenda, a prova invocada é insuficiente para a concessão desta pretensão.

As declarações do recorrente, por motivos óbvios: está a defender interesses próprios.

As da madrinha, por razões essencialmente similares: é uma familiar que parece ter boas relações com o réu, pelo que não custa acreditar, antes pelo contrário – e isto sem querer lançar sobre a testemunha um labéu de infidedignidade – que tenha tendência a exprimir-se no sentido que considera mais proveitoso para o afilhado.

Como é intuitivo, exigível, probatoriamente - pelo menos para a prova de certas e concretas verbas, vg., atinentes aos rendimentos e às despesas com o estabelecimento comercial e a renda da casa -, é, ao menos em termos de normalidade e por via de regra, a apresentação de documentos.

Ora nesta particular o réu não cumpriu - ou cumpriu defeituosa e insuficientemente – este seu ónus.

Inclusive parecendo, em função do expendido pela julgadora, que se recusou a que se acedesse ao saldo das suas contas bancárias.

O que é sintomático, no sentido inverso ao por ele propugnado!

5.2.4.

Por conseguinte, os factos a considerar são os apurados na 1ª instância, a saber:

1. AA. e o R. casaram um com o outro no dia 8/8/2010 sem convenção antenupcial, ela com 30 anos e ele com 29 anos .

2. No dia 8/4/2010 nasceu F (…), filho da A. e do R..

3. Já antes do casamento que A. e R. residiam na (...) , numa casa pertencente à A..

4. Desde data anterior ao casamento que o R. consumia heroína com regularidade.

5. A partir de determinada altura submeteu-se a tratamento e passou a tomar metadona diariamente .

6. Também a partir de determinada altura o R. passou a consumir álcool com regularidade, o que alterava o seu comportamento, chegando a apelidar a A. de «puta».

7. O R. não trabalhava, nem contribuía para o sustento da casa de forma regular.

8. No dia 19/7/2016 a A. disse ao R. para abandonar a casa de morada de família referida no ponto 3, o que o R. só acatou na presença da GNR, entretanto chamada ao local .

9. O R. não tinha para onde ir na altura.

10. A partir de então A. e R. não voltaram a viver juntos .

11. A A. vive em casa própria, pagando 191,76 euros por mês de prestação do respectivo crédito hipotecário.

12. A A. é sócia-gerente da empresa «P (…), Lda», tendo uma remuneração de gerência de 530 euros mensais .

13. A A., por si e enquanto sócia-gerente da empresa mencionada no ponto anterior, presta serviços como formadora para a «A (…), Lda».

14. Os serviços referidos no ponto anterior são pagos pela «A (…) Lda», mensalmente, com valores que oscilam entre os 1.000 euros e os 1.800 euros, excepto no mês de Agosto em que não há formações.

15. A A. recebe 300 euros por mês de pensão de alimentos de outro filho menor de idade.

16. A empresa referida no ponto 12 é proprietária dos seguintes veículos automóveis : Seat com a matrícula (...) , utilizado pelo R., e Renault com a matrícula (...)

17. A viatura de marca Renault e matrícula (...) encontra-se registada em nome da Caixa (...) , existindo o registo de uma locação financeira em nome da A..

18. A A. é titular das seguintes contas no Banco x (...) :

- conta nº (…)com o saldo de 34,63 euros;

- conta nº (…), com o saldo de 0 euros;

- conta n (…), com o saldo de 410,19 euros.

19. A empresa mencionada no ponto 12 é titular das seguinte contas na Caixa (...) :

- conta nº (…), com o saldo de 94,15 euros;

- conta nº (…), com o saldo de 2.950 euros.

20. A A. é co-titular das seguintes contas no Banco (...) :

- conta nº (…), com saldo negativo em 31-3-2016, mas com um Fundo de Tesouraria no montante de 11.233,72 euros;

- conta nº (…), com o saldo de 147 euros em 31-3-2016;

- conta nº (…), com o saldo de 15 euros em 31-3-2016, mas com um Seguro de Capitalização no montante de 852,85 euros e um Plano Poupança-reforma no montante de 267,51 euros;

- conta nº (…), com o saldo de 0 euros em 31-3-2016.

21. O R. paga 230 euros de renda de casa.

5.3.

Terceira questão.

A Julgadora decidiu, de jure, a pretensão alimentícia do réu, aduzindo o seguinte discurso argumentativo:

«O cônjuge e o ex-cônjuge estão vinculados à prestação de alimentos, for força do disposto no artigo 2009º, nº 1, al. a) do C.C. .

Em caso de divórcio, estipula o artigo 2016º, que cada cônjuge deve prover à sua subsistência, mas que qualquer deles tem direito a alimentos, direito este que pode ser negado por razões manifestas de equidade .

O artigo subsequente prescreve que «Na fixação do montante dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação dos filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta» .

Assim, para a procedência deste pedido, importa verificar, em primeiro lugar, se o R. carece de alimentos, de harmonia com as regras gerais estabelecidas nos artigos 2003º e 2004º do C.C., e se a resposta for afirmativa, então fixar o respectivo montante de acordo com os critérios enunciados no nº 1 do artigo 2016º-A atrás transcrito .

De acordo com aquelas normas, os alimentos, que compreendem o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, são proporcionados aos meios do que os tenha de prestar e à necessidade do que os receba .

Ou seja, como consta do Acórdão do S.T.J. de 27/4/2004, processo 04B4035, in www.dgsi.pt, «… o direito do divorciado a alimentos tem natureza – não indemnizatória ou compensatória, como alguns defendem – mas sim alimentar e é condicionada, tal como na pendência do casamento, pelas necessidades do alimentando e pelas possibilidades do alimentante» …

No caso em apreço, apurou-se a situação habitacional e os rendimentos da A., o património da A. e o da empresa da qual a A. é sócia-gerente.

Contudo, da banda do R., apenas ficou demonstrado que ele paga 230 euros de renda de casa.

Ou seja, o R. não logrou demonstrar, enquanto facto constitutivo do direito a alimentos que invoca, necessitar da contribuição alimentar da A. para suprir reais carências suas :

Por um lado, não provou as demais despesas que (necessariamente) terá .

Depois, não conseguiu provar não ter rendimentos suficientes para se sustentar.

Em suma, não se pode afirmar que o R. é carente de alimentos, pelo que improcede o pedido de condenação da A. no pagamento de alimentos ao R.»

Este discurso vislumbra-se em tese, curial, e, considerando o circunstancialismo envolvente do caso, assume-se  como certo.

Corroboremo-lo.

Com a reforma do C. Civil levada a efeito pelo DL 61/2008, de 31-10, o legislador afirmou, expressamente, a regra e o princípio de que depois do divórcio cada cônjuge deve prover à sua subsistência – n.º 1 do art.º 2016º do C. Civil.

Ademais, o direito a alimentos não está, hoje, condicionado à culpa no decretamento do divórcio, e assistindo ele a qualquer dos cônjuges independentemente do tipo de divórcio – nº2.

E sendo ainda de atentar que, mesmo que em tese, o direito assista a um deles, ele pode ser-lhe retirado por manifestas razões de equidade – nº3.

Assim, o que antes era quase uma inelutável obrigação, dimanante da importância dada ao casamento, hoje transformou-se quasi numa exceção, não apenas qualitativamente, como quantitativamente.

Naquela vertente apenas assiste jus ao ex cônjuge à concessão de alimentos pelo outro se demonstrar deles ter necessidade nos termos gerais – artº 2004º do CC.

Nesta perspetiva, e para além da estatuição aludida do nº3 do artº 2016, o legislador veio tomar partido na querela antes existente sobre se ao ex consorciado assistia, ou não, o direito de manter o trem de vida que tinha na constância do contrato.

E optando por esta tese ao estatuir que «o cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio»  – art.º 2016º-A nº3.

 Nesta conformidade deve sempre ter-se presente que  é exigível a cada um dos ex cônjuges  que atue  no sentido da satisfação das suas necessidades fundamentais, de harmonia, de resto, com o princípio da responsabilidade pessoal de cada um deles pelo seu futuro económico depois do divórcio.

Na verdade, o casamento não pode ser perspetivado e interpretado como um negócio ou uma inesgotável fonte de vantagens para o futuro.

Como simples contrato que é, os seus efeitos, devem, tendencialmente e por via de regra, vigorar apenas durante a sua vigência.

É o que dimana da hodierna doutrina e jurisprudência.

Efetivamente:

«O direito a alimentos entre ex-cônjuges (art. 2016 do CC) não é o genérico direito a alimentos, mas um direito especial, com natureza reabilitadora, excepcional, subsidiária e tendencialmente temporário.» - Ac. da RL de 12.10.2017, p. 3070/12.5TBBRR-2, em dgsi.pt., como os infra mencionados.

Ou, noutra «nuance»:

« A obrigação de alimentos como meio de satisfação das necessidades económicas do ex-cônjuge justifica-se apenas no caso de insuficiência do património do ex-casal e de o necessitado não encontrar actividade remunerada que lhe consinta alcançar a auto-suficiência, ou de se dedicar ao cuidado dos filhos no período subsequente ao divórcio, sendo que decorre do preceituado no art.º 2016º-A, n.º 1 do CC, que o legislador não terá pretendido desencorajar a assunção de tarefas domésticas e de cuidado dos filhos na vigência da sociedade conjugal.

Está em causa a tutela existencial de um dos cônjuges que, após a extinção do vínculo conjugal, se encontra em situação de necessidade (que se pretende temporária), sendo pressuposto para o reconhecimento do direito a alimentos a ausência de meios adequados a consentir ao ex-cônjuge um teor de vida autónomo e digno.» - Ac. da RC de 24.10.2017, 754/12.1TBGRD-G.C1 (relatado pelo aqui 2º adjunto).

Finalmente:

«I- A Lei n.º 61/2008, de 31-10 – inspirada nos Princípios de Direito da Família Europeu Relativos a Divórcio e Alimentos entre ex-cônjuges publicados em 2004 – veio introduzir alterações significativas no regime dos alimentos entre ex-cônjuges no seguimento de divórcio, tendo esse direito passado a ter cariz excepcional.

II - Ao ter optado, claramente, por aderir ao princípio da auto-suficiência, o legislador passou a conferir ao direito a alimentos entre ex-cônjuges carácter temporário e natureza subsidiária, características estas que estão bem evidenciadas no art. 2016.º do CC.

III - Neste novo modelo – associado, em grande medida, ao divórcio desligado do conceito de culpa – o referido direito depende apenas da verificação dos pressupostos gerais da necessidade e da possibilidade enunciados no art. 2004.º do CC (sendo que o primeiro, como decorre expressamente do texto do n.º 3 do art. 2016.º-A do CC, já não é aferido pelo estilo de vida dos cônjuges durante a relação matrimonial) e deve cingir-se ao indispensável para o sustento, habitação e vestuário (art. 2003.º, n.º 1, do CC), não se verificando, contudo, se “razões manifestas de equidade” levarem a negá-lo.

IV - Na fixação do montante dos alimentos, deve o tribunal tomar em conta: (i) a duração do casamento; (ii) a colaboração prestada à economia do casal; (iii) a idade e o estado de saúde dos cônjuges; (iv) as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego; (v) o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns; (vi) os seus rendimentos e proventos; (vii) um novo casamento ou união de facto; e (viii) todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que os recebe e as possibilidades do que os presta (art. 2016.º-A do CC).

V - Não tendo a requerente de alimentos feito prova da sua impossibilidade de trabalhar para prover ao sustento, é de concluir que não está provado o pressuposto da necessidade, o que torna irrelevante a verificação do pressuposto da possibilidade do outro ex-cônjuge.» - Ac. STJ de 27.0.2017, p. 1412/14.8T8VNG.P1.S1.

No caso vertente assim é.

Percorridos os factos apurados neles não se enxerga acervo bastante para  conceder amparo à pretensão alimentícia do réu.

Na verdade, ele não provou, como lhe competia, que esteja numa situação de necessidade alimentícia.

Pois que não convenceu que o salário que aufere e a falta ou  exiguidade dos seus rendimentos sejam insuficientes para prover à satisfação das suas necessidades fundamentais.

O réu trabalha e aufere rendimentos não apurados.

Parece que o réu tem dinheiro em contas bancárias, pois que, segundo a julgadora, recusou-se a conceder autorização para aceder às mesmas.

Ora:

«Aquele que pede alimentos de outrem, tem o ónus de provar a sua necessidade deles e a possibilidade de o demandado os prestar (arts. 2004 e 342/1 do CC). Se se opõe, sem qualquer justificação, a que o tribunal investigue a sua conta bancária, tal pode ser levado em conta pelo tribunal para se convencer de que o demandante tem património susceptível de lhe proporcionar o suficiente para as suas necessidades…» - Ac. RC de 24.10.2017, sup. cit.

Ademais, o réu, parece que com a condescendência da autora, faz-se transportar em veículo automóvel pertença de empresa desta.

O que, naturalmente, lhe traz alguma comodidade e facilitação da sua vida, e, quiçá, alguma poupança.

O réu tem cerca de 38 anos, sendo, pois,  presumivelmente, pessoa com plenas capacidades físicas e mentais para exercer atividade(s) laborais que lhe facultem rendimentos para o seu sustento, como é normal e exigível.

Até porque a actual conjuntura económica, de expansão, propicia ou facilita tal objectivo/desiderato.

Os handicaps invocados pelo recorrente por decorrência dos vícios que assumiu, droga e álcool –, vg. a dificuldade em arranjar trabalho -  não são argumento, pelo menos decisivo,  para o deferimento da sua pretensão.

É que foi o réu, presuntivamente de modo voluntário, que enveredou por tal mau caminho; pelo que: «sibi imputet».

 E, agora, devendo ter  a inteligência e a força de vontade bastantes para arrepiar em tal  senda e integrar-se plena, responsável  e proficuamente, em termos laborais, sociais e familiares; até porque  tem um filho, com as inerentes responsabilidades para com ele.

Improcede o recurso.

6.

Sumariando – artº 663º nº7 do CPC.

I - A ambiguidade da sentença, rectius do seu conspeto decisório, percussora da sua nulidade – artº 615º nº1 al. c) in fine – inexiste se o recorrente na sua postura recursiva, demonstra tê-la compreendido.

II - Não podem confundir-se as causas de nulidade da sentença, tout court, previstas taxativamente no artº 615º do CPC, com os vícios privativos da decisão sobre a matéria de facto, as quais  acarretam a sua anulação, modificação ou  o reenvio do processo à 1ª instância - nº1 e nº2 als. c) e d) do artº 662º do CPC.

III - Se o juiz diz que certos factos não se provaram por inexistir prova, tal não implica a nulidade da decisão factual, por infundamentada, ou a remessa dos autos para fundamentação, antes competindo ao insurgente, em sede de impugnação desta, convencer, perante a prova produzida, da ilegalidade do decidido.

IV - A prova de certas verbas, a título de ganhos – p. ex. salários -, rendimentos e despesas – vg. renda de casa e fixas com estabelecimento comercial –melhor pode  ser efectivada via documental,  não bastando, para contrariar a decisão da julgadora,  as declarações do réu ou de testemunha a ele ligada por relações de amizade.

V – O direito a alimentos do ex cônjuge assume-se como excepcional e temporário, devendo, assim,  o impetrante, provar factos com força e dignidade bastantes que claramente  afastem a regra -  artº 2016º nº1 do CC - da sua exigível auto subsistência.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que goza.

Coimbra, 2019.02.20.

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Fonte Ramos