Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
240/15.8GASRE.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
MEDIDA DA PENA
PENA DE SUBSTITUIÇÃO
Data do Acordão: 04/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (J L CRIMINAL – J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 50.º, 71.º, 72.º E 73.º DO CP
Sumário: I – O fundamento da atenuação especial da pena consiste na diminuição acentuada da ilicitude, na diminuição acentuada da culpa e ainda na diminuição acentuada da necessidade da pena e, portanto, das exigências de prevenção.

II – O critério legal de escolha da pena encontra-se previsto no art. 70º do C. Penal e consiste na prevalência da pena de multa sobre a pena de prisão, previstas em alternativa na norma incriminadora, sempre que a aplicação daquela realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

III – Quando a punição do crime praticado é feita apenas pela aplicação de pena de prisão, a aplicação de pena não privativa da liberdade só será admissível pela via das penas de substituição da pena de prisão.

IV – A suspensão da execução da pena de prisão depende também da verificação de um pressuposto material, da possibilidade de formulação pelo tribunal de um juízo de prognose favorável ao agente, no sentido de que, atenta a sua personalidade, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, a simples censura do facto e a ameaça da prisão, realizarão de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.

V – O juízo de prognose a realizar pelo tribunal parte da análise conjugada das circunstâncias do caso concreto, das condições de vida e conduta anterior e posterior do agente e da sua revelada personalidade, análise de onde resultará como provável, ou não, que o agente irá sentir a condenação como uma solene advertência, ficando a sua eventual reincidência prevenida com a simples ameaça da prisão (com ou sem imposição de deveres, regras de conduta ou regime de prova), e terminará concluindo ou não, pela viabilidade da sua socialização em liberdade.

Decisão Texto Integral:


Acordam, em audiência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

 

I. RELATÓRIO

No Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Juízo Local Criminal de Coimbra – Juiz 2, o Ministério Público requereu o julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, do arguido , com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º, nº 1 e 204º, nº 2, e), ambos do C. Penal.

Por sentença de sentença de 24 de Maio de 2018 foi o arguido condenado, pela prática do imputado crime, na pena de dois anos e sete meses de prisão.


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Inconformado com a decisão, recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

               1 – O Arguido foi condenado pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado, ma pena única de 2 8dois) anos e sete meses de prisão.

               2 – Vem o presente recurso interposto quanto à medida da pena aplicada.

               3 – Como resulta do C.R.C. junto aos autos, o Arguido era primário, à data da prática do crime objecto dos autos, não tendo antecedentes criminais.

               4 – Tem, actualmente, 36 anos de idade.

               5 – É cidadão estrangeiro e encontra-se deslocado do seu meio familiar, pretendendo regressar ao seu País de origem.

               6 – Os factos apurados em audiência, face à confissão livre e integral prestada pelo Arguido, não revelam uma especial necessidade de prevenção geral e especial.

               7 – A pena aplicada não é adequada à ressocialização do Arguido.

               8 – E, face à confissão livre e integral do Arguido, deverá a pena aplicada ser especialmente atenuada, nos termos dos artigos 72º e 73º do Código Penal.

               9 – Pelo que, o limite mínimo da pena deverá o limite máximo ser reduzido a 1/3, no presente caso, a 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão e o limite mínimo terá que ser reduzido a 1/5, no presente caso a 4 (quatro) meses de prisão.

               10 – A douta sentença a condenar o Arguido a pena de 2 (dois) anos e 7 (sete) meses, viola abertamente o disposto nos arts. 72º e 73º do Código Penal.

11 – Fez, assim, salvo o devido respeito, a douta sentença, errada interpretação e aplicação dos artigos 40º, 70º, 71º, 72º e 73º do Código Penal.

12 – Pelo que, deverá a pena aplicada ao Arguido ser reduzida e aplicada, uma pena não privativa da liberdade.

Nestes termos e nos mais de direito, cujo douto suprimento de V. Exªs., Srs. Desembargadores se pede, deverá ser proferido douto Acórdão, que revogue a douta Sentença proferida e, em consequência proferido douto acórdão, que aplique uma pena não privativa da liberdade ao aqui Arguido, com as legais consequências, assim se fazendo, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA.         


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Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:

Pelas razões expendidas conclui-se:

A pena de 2 (dois) anos e 7 (sete) meses de prisão aplicada ao arguido traduz uma equilibrada e adequada aplicação dos critérios estabelecidos nos arts. 40º, 70º e 71º do Código Penal.

Não se verificam circunstâncias que imponham a atenuação especial da pena.

Foi feita uma correcta interpretação e aplicação dos arts. 40º, 70º, 71º, 72º e 73 do Código Penal.

Vossas Excelências, Senhores Desembargadores, negando provimento ao presente recurso, farão JUSTIÇA.


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            Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, subscrevendo os argumentos da resposta, afirmando a correcta determinação da medida concreta da pena e a inexistências de circunstâncias determinantes da sua atenuação especial, e concluiu pelo não provimento do recurso. 

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            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

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  Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

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            II. FUNDAMENTAÇÃO

Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

- A atenuação especial da pena;

- A excessiva medida da pena de prisão e a sua substituição.


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            Importa ter presente, para a resolução destas questões, o que de relevante consta da sentença recorrida. Assim:

            A) Nela foram considerados provados os seguintes factos:

            “ (…).

               Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:

1 – Em data não concretamente determinada, situada entre as 07H00 do dia 28 de Setembro de 2015 e as 10H00 do dia 02 de Outubro de 2015, na elaboração de um plano por si previamente gizado, o arguido deslocou-se à residência de …, situada na Rua …, 1.º Esq.º, (...) , com o propósito de se apropriar dos objectos que no interior da residência viesse a encontrar;

2 – Ali chegado, o arguido forçou a fechadura da porta de entrada da residência, logrando abri-la;

3 – E acedeu ao interior da habitação;

4 – No interior da referida residência, o arguido vasculhou os compartimentos e daí retirou os seguintes objectos:

a) duas pulseiras em ouro:

b) quatro anéis em ouro:

c) uma libra, em ouro:

d) duas cruzes em ouro:

e) um par de brincos:

j) um fio em ouro, perfazendo o valor global de cerca de € 500.00;

5 – E abandonou o local na posse dos citados objectos, fazendo-os seus;

               5 – Com a conduta descrita o arguido causou estragos na porta, de valor não concretamente determinado:

6 – O arguido actuou com o propósito de aceder ao interior da referida residência, sem que para tal estivesse autorizado pela sua legitima proprietária, e de se apropriar dos aludidos bens que ali se encontravam, fazendo-os seus, sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que agia contra a vontade da sua legítima dona;

7 – O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal;

8 – O arguido confessou de modo livre, espontâneo, integral e sem reservas os factos de que se encontrava acusado.

9 – O arguido tem inscrita, no seu registo criminal, uma condenação, proferida em 30/05/2017, transitada em julgado em 18/01/2018, pela prática, em 2016, de quatro crimes de furto na forma tentada, de três crimes de furto qualificado, de um crime de furto qualificado de um crime de furto qualificado e de cinco crimes de furto qualificado, na pena única de 8 anos de prisão;

10 – O arguido veio para Portugal em 2010/2011, não tendo autorização de residência;

11 – É casado;

12 – Tem um filho com cinco anos de idade que se encontra na companhia da sua mulher, na Geórgia;

13 – Trabalhou na construção civil e na compra e venda de automóveis;

14 – O arguido entregava-se aos consumos de estupefacientes, haxixe, antes de se encontrar em Portugal, e, a partir de então, heroína e outros;

               15 – Reconheceu, como motivo subjacente à prática dos factos, a ausência de actividade profissional remunerada, a falta de dinheiro e a influência do consumo de estupefacientes;

               16 – Abandonou, no estabelecimento prisional, o consumo de estupefacientes. 

(…)”.

            B) Inexistem factos não provados e dela consta a seguinte fundamentação quanto à determinação da pena de prisão e sua não substituição:

            Da Determinação da Pena e da Respectiva Medida Concreta:

O art.º 204.°, n.º 2, al. e), Código Penal, sanciona a conduta descrita com pena de prisão de 2 a 8 anos.

Existe, todavia, o limite "processual" de 5 anos imposto pelo art.º 16.º, n.ºs 3 e 4, do Cód. de Processo Penal.

A determinação concreta da medida da pena há-de fazer-se em função da culpa do agente (entendida esta como o juízo de censura ético-jurídico dirigido ao agente por não ter agido de modo diverso, conforme com o direito, pressupondo a liberdade do sujeito e o seu "poder de agir doutra maneira") e das necessidades preventivas, atento o preceituado nos art.ºs 47.º, n.º 1, e 71.º do Cód. Penal, e no seguimento da chamada teoria da moldura de prevenção.

A necessidade de tutela dos bens jurídicos em face do caso concreto (prevenção geral positiva) fornece um limite máximo, correspondente a uma medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, e um limite mínimo, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação concreta da pena, sem que isso faça perigar a sua função tutelar.

               Dentro destes limites actuam considerações de prevenção especial de socialização, as quais determinam, em último termo, a medida da pena, a qual deve evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, se necessária.

A função da culpa, neste procedimento, é de uma proibição de excesso, estabelecendo um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas.

Portanto, a determinação da medida concreta da pena deverá ser efectuada tomando em consideração os vectores traçados pelos art.ºs 40.º, n.ºs 1 e 2 e 71.º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Penal: os limites máximo e mínimo da moldura concreta da pena terão que ser aferidos pelas necessidades de prevenção da prática de futuros crimes, sendo a pena concreta encontrada dentro destes parâmetros, com fundamento em critérios de prevenção especial, funcionando a culpa do agente como limite inultrapassável da medida da pena concretamente determinada (art.º 40.º, n.º 2), e tendo em linha de conta todos os elementos exteriores ao tipo legal que deponham a favor ou contra o arguido.

Quanto à prevenção geral positiva ou de integração, importa referir a necessidade de reafirmação do direito no âmbito dos crimes contra o património, considerando a proliferação destes tipos de ilícito, reclamando, portanto, a sociedade, sanções de maior gravidade.

No que respeita à prevenção especial positiva ou de ressocialização (vale por dizer, de reintegração do agente na sociedade), importa realçar que o arguido, não obstante não lhe serem conhecidas anteriores condenações, revelou um ostensivo desvio do Direito, motivado pelo consumo de estupefacientes (apenas travado com a sua reclusão) e ausência de ocupação profissional, ao que soma a ausência de suporte familiar.

A culpa do arguido mostra-se em grau elevado, sendo exigível ao cidadão medianamente cumpridor das normas jurídicas, colocado na posição do arguido, comportamento bem diverso, no sentido de se abster de comportamentos lesivos do património de terceiros.

Depõem contra o arguido as seguintes circunstâncias não integradoras do tipo legal de crime:

- A elevada intensidade do dolo (directo);

- A motivação subjacente à prática dos factos (sustento do vício da toxicodependência);

- O não despiciendo valor dos bens objecto de apropriação;

- Ter sofrido condenação, ainda que posterior, pela prática de grande número de crimes contra o património, em significativa pena de prisão;

A favor do arguido, depõem as seguintes circunstâncias:

- Ter confessado de modo livre, integral, espontâneo e sem reservas os factos de que se encontrava acusado;

- Não possuir anteriores condenações;

- Ter abandonado os consumos de estupefacientes.

Ponderados todos estes critérios, afigura-se como adequada a pena de 2 (dois) anos e 7 (sete) meses de prisão.


*

Do cumprimento efectivo da pena de prisão:

Não obstante a ausência de anteriores condenações, a multiplicidade de condutas delituosas contra o património empreendidas pelo arguido e pelas quais veio a ser ulteriormente condenado, bem como as exigências de prevenção geral e especial supra enunciadas, não se vislumbra que aquelas alcancem suficiente satisfação com institutos como o da suspensão da execução da pena de prisão (cfr. art.º 50.º, n.º 1, do Cód. Penal), realçando-se a sua ostensiva desinserção social, com a entrega à toxicodependência – que cessou apenas após a sua reclusão – e ausência de suporte familiar, não sendo possível um juízo de prognose favorável quanto à sua ressocialização em liberdade.

            “ (…).


*

Da aplicação da atenuação especial da pena

1. Alega o recorrente – conclusões 8 a 10 – que tendo confessado integralmente os factos a pena deveria ter sido especialmente atenuada pelo que o seu limite máximo deveria ter sido reduzido a um terço – dois anos e seis meses de prisão – e o seu limite mínimo deveria ter sido reduzido a um quinto – quatro meses de prisão, pelo que foram violados os arts. 72º e 73º do C. Penal.

Com ressalva do respeito devido, não tem razão, como se passa a demonstrar.  

A moldura penal abstracta que o legislador estabelece para cada tipo de crime prevê as diversas modalidades e graus de realização do facto respectivo. Mas casos há em que, devido à existência de circunstâncias excepcionais e que em muito diminuem as exigências de punição, conferindo à imagem global do facto uma perspectiva especialmente atenuada, relativamente ao conjunto normal dos factos visados pela moldura penal abstracta prevista, de tal modo que, a fixação da pena dentro desta significaria sempre uma ultrapassagem das exigências de prevenção e da própria medida da culpa do agente.

É para obviar a estes inconvenientes que o C. Penal, a par de casos especialmente nele previstos, v.g., os dos arts. 10º, nº 3, 17º, nº 2 e 27º, nº 2 entre outros, estabelece nos arts. 72º e 73º, uma cláusula geral de atenuação especial e o respectivo regime.

É pressuposto material da aplicação do instituto, a existência de circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena (nº 1 do art. 72º do C. Penal). Assim, o fundamento da atenuação especial da pena consiste na diminuição acentuada da ilicitude, na diminuição acentuada da culpa e ainda na diminuição acentuada da necessidade da pena e, portanto, das exigências de prevenção.

Exemplificativamente, o nº 2 do art. 72º do C. Penal, prevê como circunstâncias susceptíveis de preencherem este fundamento, a) a actuação sob influência de ameaça grave, ou sob ascendente de pessoa de quem o agente dependa ou a quem deva obedecer, b) conduta determinada por motivo honroso, forte solicitação ou tentação da vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida, c) actos demonstrativos de arrependimento sincero e, d) ter decorrido muito tempo sobre a prática do facto, mantendo o agente boa conduta.   

Revertendo para o caso concreto, o que resulta dos factos provados é que o recorrente praticou um crime de furto qualificado, pelo arrombamento e introdução na residência da ofendida, pela prática em 2016 de catorze crimes de furto qualificado, quatro na forma tentada, foi condenado, por sentença transitada em Janeiro de 2018, na pena de oito anos de prisão que cumpre, é cidadão estrangeiro residindo em Portugal, sem autorização, desde 2011, era trabalhador da construção civil encontrando-se, à data dos factos desempregado, sendo casado, não tem família em Portugal, foi consumidor de estupefacientes até ter ingressado no estabelecimento prisional, confessou integralmente os factos e reconheceu como móbil dos mesmos a falta de dinheiro e a sua adição.~

Não estamos perante uma situação de facto para a qual a lei preveja especificamente a aplicação da atenuação especial da pena.

Por outro lado, face à factualidade provada supra sintetizada, é claro que não se coloca a possibilidade de aplicação de qualquer das alíneas a), b) e d) do nº 2 do art. 72º do C. Penal.

E também não será caso de aplicação da alínea c) do mesmo número porque a confissão integral e sem reservas, a admissão do móbil da conduta e o abandono do consumo de drogas [a que não será totalmente alheia a sua qualidade de recluso] são insusceptíveis, sem mais, de consubstanciarem o arrependimento sincero, traduzido, especialmente, na reparação, dentro do possível, dos danos causados.

Em suma, não se verificando o pressuposto de aplicação da atenuação especial da pena prevista no art. 72º do C. Penal, não pode proceder a pretensão do recorrente de ver-lhe ser aplicado este instituto.


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            Da excessiva medida da pena de prisão e da sua substituição

            2. Alega o recorrente – conclusões 3 a 7 e 12 – que não tendo antecedentes criminais, sendo cidadão estrangeiro com 36 anos de idade, sem meio familiar e pretendendo regressar ao país de origem, não revelando os factos apurados, face à sua confissão integral e sem reservas, especial necessidade de prevenção, geral e especial, a pena aplicada não é adequada à sua ressocialização, devendo ser reduzida e aplicada uma pena não privativa da liberdade.

Com ressalva do respeito devido, de novo não tem razão. Explicando.

É sabido que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art. 40º, nº 1 do C. Penal) e que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (nº 2 do mesmo artigo) pois esta, exprimindo a responsabilidade individual do agente pelo facto, constitui o fundamento ético daquela. Concordantemente, estabelece o art. 71º, nº 1 do C. Penal que, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

Prevenção – geral e especial – e culpa são, assim, os factores a ter em conta na aplicação da pena e determinação da sua medida, reflectindo a primeira a necessidade comunitária da punição do caso concreto e constituindo a segunda, dirigida ao agente do crime, o limite inultrapassável da pena (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 214 e ss.). Por isso, toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição, 2ª Reimpressão, 2012, Coimbra Editora, pág. 84).

O critério legal de escolha da pena encontra-se previsto no art. 70º do C. Penal e consiste na prevalência da pena de multa sobre a pena de prisão, previstas em alternativa na norma incriminadora, sempre que a aplicação daquela realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

In casu, a punição do crime praticado pelo recorrente é feita apenas pela aplicação de pena de prisão, o que significa que a pretendida aplicação de pena não privativa da liberdade só será admissível pela via das penas de substituição da pena de prisão [infra, retomaremos a questão].

 O critério legal da determinação da medida da pena encontra-se previsto no art. 71º do C. Penal.

Nos termos do disposto nos seus nºs 1 e 2, esta determinação, tendo em conta a moldura penal abstracta aplicável, é feita através da ponderação das exigências de prevenção geral e especial, da medida da culpa do arguido e de todas as circunstâncias que, não sendo típicas, militem contra e a seu favor designadamente, as enunciadas no referido nº 2.

Dito isto.

Na sentença recorrida foram ponderadas, as não despiciendas consequências da conduta, a elevada intensidade do dolo que foi directo, o móbil do recorrente, a confissão integral e sem reservas, a inexistência de antecedentes criminais, sem prejuízo de ter sido já condenado pela prática de elevado número de crimes de furto, e o abandono do consumo de estupefacientes.

Para o mesmo efeito, foram consideradas elevadas as exigências de prevenção geral, dada a proliferação de crimes contra a propriedade, bem como foram consideradas elevadas as exigências de prevenção especial positiva, face à personalidade contrária ao direito, revelada pelo consumo de estupefacientes, conjugada com a ausência de inserção laboral e familiar.

Como se vê, a 1ª instância ponderou tudo o que havia a ponderar e, face ao maior peso das circunstâncias agravantes, e às elevadas exigências de prevenção, numa moldura penal abstracta de dois a oito anos de prisão, fixou uma pena concreta próxima do mínimo legal, pois que situada ainda abaixo do primeiro oitavo daquele moldura, a qual, sendo benevolente quanto baste, é também proporcional, adequada e plenamente suportada pela medida da culpa do recorrente.

Não merece pois censura, a medida da pena fixada pela 1ª instância que, por isso, deve ser mantida.

3. Atentemos agora na substituição da pena de prisão, começando por dizer que, atenta a sua medida concreta, fica afastada a possibilidade da sua substituição pela pena de multa e pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, bem como a possibilidade da sua execução em regime de permanência na habitação, restando, portanto, verificar a possibilidade de aplicação da pena de suspensão da execução da pena de prisão.   

a. A aplicação da suspensão da execução da pena de prisão depende da verificação de um pressuposto formal: a pena de prisão aplicada e a substituir não pode ser superior a cinco anos.

Depende também da verificação de um pressuposto material, da possibilidade de formulação pelo tribunal de um juízo de prognose favorável ao agente, no sentido de que, atenta a sua personalidade, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, a simples censura do facto e a ameaça da prisão, realizarão de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição (art. 50º, nºs 1 e 2, do C. Penal).

Estas finalidades são, como sabemos, a protecção dos bens jurídicos e, na medida do possível, a reintegração do agente na comunidade (art. 40º, nº 1 do C. Penal), sendo portanto, razões de prevenção, geral e especial, e não considerações relativas à culpa (como sucede aliás, com todas as operações de escolha das penas de substituição) que fundam o instituto da suspensão da execução da pena de prisão.

Contudo, os objectivos de prevenção especial, de reinserção social do agente, terão sempre como limite o conteúdo mínimo da prevenção geral de integração isto é, a prevenção geral “deve surgir aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz das exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.” (Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 333).

O juízo de prognose a realizar pelo tribunal parte da análise conjugada das circunstâncias do caso concreto, das condições de vida e conduta anterior e posterior do agente e da sua revelada personalidade, análise de onde resultará como provável, ou não, que o agente irá sentir a condenação como uma solene advertência, ficando a sua eventual reincidência prevenida com a simples ameaça da prisão (com ou sem imposição de deveres, regras de conduta ou regime de prova), e terminará concluindo ou não, pela viabilidade da sua socialização em liberdade.

Na sua formulação o tribunal deve correr um risco prudente já que a prognose é apenas uma previsão, uma conjectura, e não uma certeza e quando tenha dúvidas sérias e fundadas sobre a capacidade do agente para entender a oportunidade de ressocialização que a suspensão significa, a prognose deve ser negativa e a suspensão negada (cfr. Leal Henriques e Simas Santos, C. Penal Anotado, I Vol., 2ª Edição, 1995, Rei dos Livros, pág. 444 e Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 344).

Aqui chegados.

b. A medida concreta da pena de prisão supra fixada cumpre o requisito do pressuposto formal

O arguido confessou os factos provados, assumindo a responsabilidade da sua prática.

Todavia, e conforme já referido, sendo cidadão estrangeiro, encontra-se completamente desinserido, quer em termos familiares, quer em termos laborais, quer em termos sociais.

Por outro lado, sendo, até à sua reclusão, consumidor de drogas, a esta problemática se deve, também, a prática dos factos objecto dos autos, acrescendo que, não registando qualquer condenação anterior à prática de tais factos [ocorridos entre 28 de Setembro e 2 de Outubro de 2015], veio já a ser condenado, com trânsito, pela prática, em 2016 [o C.R.C. de fls. 177 e verso, nada mais esclarece] de catorze crimes de furto, tudo isto revelando uma personalidade avessa ao direito, pouco sensível aos valores tutelados pelas normas penais que em muito eleva as exigências de prevenção especial, inviabilizando, como bem se considerou também na sentença recorrida, a formulação da necessária prognose favorável.

Deste modo, não se encontrando verificado, in casu, o pressuposto material de que depende a aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, não merece censura a sentença recorrida ao não proceder à substituição da pena de prisão.   


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III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, atento o decaimento total, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCS. (arts. 513º, nº 1 do C. Processo Penal e 8º, nº 9 do R. das Custas Processuais e tabela III, anexa).


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Coimbra, 24 de Abril de 2019


Acórdão integralmente revisto por Vasques Osório – relator – e Helena Bolieiro – adjunta.