Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4898/06.0TVLSB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: CRÉDITO AO CONSUMO
MÚTUO
GARANTIA
ANULAÇÃO
INCAPACIDADE ACIDENTAL
MUTUÁRIO
Data do Acordão: 09/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COVILHÃ – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 257º, Nº 2, E 259º, Nº 1 DO C. CIVIL; DEC. LEI Nº 359/91, DE 21 DE SETEMBRO.
Sumário: I – Nas situações de crédito ao consumo, assentes num contrato de financiamento (mútuo e garantia a este associada) paralelo ao contrato de aquisição do bem financiado, o mútuo e a garantia são anuláveis, por incapacidade acidental do mutuário e do prestador da garantia, quando a situação de incapacidade for relevantemente percepcionada – notória, no sentido do nº 2 do artigo 257º do CC – pelo vendedor que, no âmbito de uma venda por ele patrocinada, induz e realiza ele próprio a adesão do incapaz ao quadro contratual respeitante ao financiamento por entidade terceira dessa compra, mesmo sem qualquer interferência directa desse terceiro.

II – O vendedor actua nestes casos em representação do financiador – como representante deste –, valendo o regime previsto no artigo 259º, nº 1 do CC, com a consequente referenciação ao representante (e repercussão no representado) da falta ou vício da vontade do contraente, bem como o conhecimento ou ignorância dos factos que possam influir nos efeitos desse negócio.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I – A Causa

            1. Em 15 de Setembro de 2006[1] o Banco A…, S.A. (A. e Apelante neste recurso) demandou os irmãos C… e J… (RR. e Apelados no contexto deste recurso) exigindo destes o pagamento da importância de €24.584,55 correspondente ao remanescente de um mútuo (de um “contrato de crédito ao consumo”, no sentido da alínea a) do nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 359/91, de 21 de Setembro) celebrado entre o 1º R. e o A. (este como credor, no sentido do mesmo DL 359/91)[2], mútuo este garantido por fiança no mesmo acto prestada pelo 2º R.[3], sendo que nenhum dos RR. cumpriu o contrato de crédito – isto logo ao tempo da satisfação da primeira prestação...

            1.2. Os RR. contestaram impugnando a pretensão do A. e invocando (arguindo) – e restringimos este relato ao que apresenta relevância em função da decisão apelada – a anulabilidade do contrato e da garantia respectiva por incapacidade acidental de ambos [artigos 257º e 287º, nº 2 do Código Civil (CC)].

            1.3. A culminar o julgamento em primeira instância foi proferida a Sentença de fls. 412/421esta consubstancia a decisão objecto do presente recurso –, absolvendo os RR. do pedido, por verificação da invocada incapacidade acidental e declaração da anulabilidade do negócio[4].

            1.4. Irresignado com esta decisão, dela apelou o A., rematando a motivação do recurso com a seguinte conclusão:
“[…]
[A] sentença recorrida fez incorrecta interpretação e aplicação da matéria de facto dada como provada na instância, tendo violado o disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 12º do Decreto-Lei nº 359/91, de 21 de Setembro e o disposto nos artigos 257º e 287º do Código Civil, donde o presente recurso dever ser julgado procedente […] desta forma se fazendo correcta e exacta interpretação dos factos provados na acção […].
[…]”.
                                   II – Fundamentação

            2. Apreciando a apelação – referida à Sentença final de fls. 412/421 –, ter-se-á presente que o âmbito temático de tal impugnação foi delimitado pelo Apelante através da conclusão única transcrita no antecedente item [v. os artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC)[5]]. Com efeito, fora das conclusões só valem, nesta sede, questões que se configurem como de conhecimento oficioso (di-lo o trecho final do artigo 660º, nº 2 do CPC). Paralelamente, mesmo integrando as conclusões, não há que tomar posição sobre questões prejudicadas, na sua concreta incidência no processo, por outras antecedentemente apreciadas e decididas. E, enfim – esgotando o modelo de construção do objecto de um recurso –, distinguem-se os fundamentos deste (do recurso) dos simples argumentos esgrimidos por quem recorre ao longo da motivação, sendo certo que a obrigação de pronúncia do Tribunal ad quem se refere àqueles (às questões-fundamento) e não propriamente aos diversos argumentos jurídicos convocados ao longo das alegações.

            Com expressão na conclusão acima transcrita, refere-se o recurso à verificação dos pressupostos – referidos ao A. como mutuante – do vício da incapacidade acidental, quanto ao elemento final do nº 1 do artigo 257º do CC – “[…] desde que o facto seja notório ou conhecido do declaratário”: a Apelante, indicando a celebração do mútuo directamente através do vendedor da viatura, pretende subtrair-se ao conhecimento da incapacidade dos Apelados.

Este constitui o primeiro elemento do recurso.

Adicionalmente, contesta o Apelante a verificação do fundamento da alínea a) do nº 2 do artigo 12º do DL nº 359/91, nos termos em que a Sentença apelada contém tal asserção[6].

Corresponde esta questão ao segundo elemento do recurso

            2.1. Os factos provados, que o Apelante aqui não contesta, são os seguintes:
“[…]

            2.2. A referenciação da incapacidade acidental dos dois RR., no que concerne ao elemento inicial da previsão do artigo 257º, nº 1 do CC – “[a] declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade é anulável […]” –, a referenciação pessoal de qualquer dos RR., dizíamos, a esta circunstância motivadora da anulabilidade da declaração negocial, decorre claramente dos itens H) e 9 a 14 do rol dos factos (com particular destaque para os itens 11 e 13).

Com efeito, nenhum dos RR. apresentava (apresenta), em virtude de anomalia psíquica que aqui foi pericialmente demonstrada, condições para compreender, minimamente, o sentido da subscrição dos documentos que lhes foram apresentados pelo vendedor da máquina agrícola cuja aquisição foi financiada pelo A.[7]: nenhum dos RR. sabia o que é contrair um mútuo junto de um Banco, ou prestar uma fiança; nenhum deles compreendia a relação entre a respectiva capacidade económica e os encargos que podia, em função desta, assumir, sendo que isso não expressa o que poderíamos chamar de “aventureirismo”, expressa antes – expressou naquelas circunstâncias – um deficit cognitivo com clara repercussão na captação e compreensão da própria realidade. Não foi, em suma, simples inconsciência, no sentido de actuação imprudente, foi, tão-somente, falta de consciência do significado de um acto. Estamos, pois, tudo o leva a crer, no domínio puro e simples da manipulação, menos escrupulosa, pelo vendedor, o tal …, da debilidade mental dos RR., com o objectivo de os levar a subscrever documentos cujo significado estes não dispunham de condições de compreender (vejam-se os itens 15 e 16 dos factos).

Ora, sendo esse circunstancialismo evidente para o referido vendedor (v., como elementos mais expressivos aqui apurados, os itens 14, 17 e 18 dos factos), rectius, sendo notório para ele, como o era para qualquer pessoa de “normal diligência” (artigo 257º, nº 2 do CC) naquelas circunstâncias, a questão suscitada pelo Apelante procura a não referenciação a ela própria do conhecimento desse mesmo circunstancialismo atinente aos RR., pretendendo o Apelante escudar-se na efectivação da contratação em nome dele (em nome do Banco A…, S.A. como mutuante ou credor) por um terceiro (o vendedor da máquina): para este, para o vendedor – é o que pretende o Apelante –, seria notória a incapacidade dos RR.; para o Banco A…, todavia, isso não sucederia, por falta de contacto directo com os mesmos RR. no acto da contratação do mútuo e da prestação da fiança, ocorridos com um terceiro e não (pelo menos, não directamente) com o ora Apelante.

Esquece este argumento, todavia, a verdadeira realidade do tipo de contratação aqui em causa, em que o “fornecedor” (como lhe chama o Contrato de Mútuo com Fiança, junto a fls. 12/14[8]) aparece – como aqui realmente apareceu – enquanto rosto do financiador, como representante deste – aliás, como indutor do contrato com este –, em termos de lhe deverem ser referenciados (a ele financiador) os desvalores que sejam notórios ou especificamente conhecidos pelo tal fornecedor do bem financiado, no acto de contratação do mútuo e de prestação da garantia pessoal associada a esse mútuo.

Estamos, no envolvimento sequencial (e causal) entre a compra e venda o financiamento e a garantia, através da conjugação lógica destas três realidades comuns no crédito ao consumo, perante a figura da “união de contratos” no sentido em que as vicissitudes da relação básica (que corresponde à aquisição do bem, rectius a uma compra e venda a prestações) se repercutem nas relações sequenciais de financiamento e garantia[9], existindo, como diz o nº 1 do artigo 12º do DL 359/91, e é notório ter correspondido ao que aqui sucedeu[10]: “[…] qualquer tipo de colaboração entre o credor e o vendedor na preparação ou na conclusão do contrato de crédito.

E, enfim, encarando as coisas nesta perspectiva, não deixa a ideia de colaboração entre o vendedor e o credor de fazer apelo à essência de uma actuação referida a interesses alheios, com um inegável sentido de representação destes quanto à produção de efeitos na esfera jurídica do financiador, numa muito significativa proximidade com o efeito previsto no artigo 258º do CC quanto à representação. Daí que a situação deva ser aproximada do regime que, previsto para a representação, se refere à “falta ou vícios da vontade e estados subjectivos relevantes”, regime este contido no artigo 259º, nº 1 do CC: “[à] excepção dos elementos em que tenha sido decisiva a vontade do representado, é na pessoa do representante que deve verificar-se, para efeitos de nulidade ou anulabilidade da declaração, a falta ou vício da vontade, bem como o conhecimento ou ignorância dos factos que podem influir nos efeitos do negócio[11]. Sublinha-se que aqui o vendedor actuou, verdadeiramente (mesmo que tivéssemos de alcançar uma solução por referência a um regime construído por identidade de razão), como representante da A. na subscrição pelo 1º R. do mútuo e da fiança pelo 2º R., irmão do primeiro.

Valem estas considerações pela afirmação, que cremos assentar numa base lógica e de justiça absolutamente irrecusáveis – a qual corresponde, aliás, à essência profunda do DL 359/91 –, de que a percepção (o carácter notório para uma pessoa de normal diligência) ou o conhecimento da incapacidade acidental, pelo vendedor que induz a adesão – pois é de simples adesão a um texto pré-estabelecido que aqui se trata – ao contrato sequencial de financiamento e à garantia paralela a este, vale isto, dizíamos, pela referenciação à entidade financiadora do elemento conhecimento ou percepção da incapacidade acidental, nos termos previstos no artigo 257º, nº 1, trecho final, e nº 2 do CC. Significa isto, enfim, que o mútuo e a garantia deste são anuláveis, por incapacidade acidental do mutuário e do prestador da garantia, quando essa situação de incapacidade for relevantemente percepcionada pelo vendedor que, no âmbito de uma venda por ele patrocinada, induz e realiza ele próprio a adesão do incapaz ao quadro contratual respeitante ao financiamento por terceiro dessa compra, mesmo sem qualquer interferência directa desse terceiro. Esse terceiro é aqui, sublinha-se, o A.

É neste quadro – e sempre com base nos factos que aqui foram apurados e que ninguém contesta – que importa confirmar a decisão apelada, quanto à anulabilidade do mútuo e da fiança, por ser referenciável ao A./Apelante, o carácter notório da incapacidade de qualquer dos RR., não obstante isso ter sido (só ter sido) directamente apercebido pelo vendedor.

2.2.1. Embora para esta confirmação do julgamento impugnado não apresente qualquer relevância a eventual recondução da situação à exclusividade prevista na alínea a) do nº 2 do artigo 12º do DL 359/91, não deixamos aqui de ter presente, até porque corresponde a um fundamento do recurso do Apelante, o sentido em que entendemos esta disposição, no quadro do crédito ao consumo, quanto ao relacionamento entre o vendedor, o comprador, o fiador e a entidade financiadora[12].

2.3. Sumário:
I – Nas situações de crédito ao consumo, assentes num contrato de financiamento (mútuo e garantia a este associada) paralelo ao contrato de aquisição do bem financiado, o mútuo e a garantia são anuláveis, por incapacidade acidental do mutuário e do prestador da garantia, quando a situação de incapacidade for relevantemente percepcionada – notória, no sentido do nº 2 do artigo 257º do CC – pelo vendedor que, no âmbito de uma venda por ele patrocinada, induz e realiza ele próprio a adesão do incapaz ao quadro contratual respeitante ao financiamento por entidade terceira dessa compra, mesmo sem qualquer interferência directa desse terceiro;
II – O vendedor actua nestes casos em representação do financiador – como representante deste –, valendo o regime previsto no artigo 259º, nº 1 do CC, com a consequente referenciação ao representante (e repercussão no representado) da falta ou vício da vontade do contraente, bem como o conhecimento ou ignorância dos factos que possam influir nos efeitos desse negócio.


III – Decisão

            3. Face ao exposto, na improcedência da apelação, decide-se confirmar inteiramente a decisão recorrida.

            O Apelante suportará a custas do recurso.

Teles Pereira (Relator)

Manuel Capelo

Jacinto Meca


[1] Esta data – a data da propositura da presente acção –, sendo anterior a 01/01/2008, marca a aplicação à presente instância do regime dos recursos anterior ao Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (v. os respectivos artigos 9º, alínea a), 11º, nº 1 e 12º, nº 1). Não se aplica aqui, desta feita por estarem em causa, obviamente, decisões recorridas anteriores a 1 de Setembro de 2013, o texto do Novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho (v. os respectivos artigos 7º, nº 1 e 8º). Assim, qualquer disposição do Código de Processo Civil doravante citada neste Acórdão, cujo texto tenha sido alterado pelos mencionados Diplomas, DL 303/2007 e Lei 41/2013, se refere às versões anteriores a estes.
[2] Diz o A. na p.i.:
“[…]

O A.. no exercício da sua actividade comercial, e com destino, segundo então informação prestada pelo R. C…, à aquisição de um veículo automóvel, marca Massey Ferguson, modelo 1260, com a matrícula …, por contrato constante de título particular datado de 26 de Setembro de 2005 […] concedeu ao dito C… crédito directo, sob a forma de um contrato de mútuo, tendo assim emprestado ao dito R. C… a importância de €27.289,60.
[…]” (transcrição de fls. 2, o contrato em causa consta de fls. 12/13).
[3] A este respeito diz o A. no articulado inicial:
“[…]
23º
Por termo de fiança datado de 26/09/2005, o R. J… assumiu perante o A. a responsabilidade de fiador, ou seja fiador e principal pagador, por todas as obrigações assumidas no contrato referido pelo R. C… para com o A., pelo que é também solidariamente responsável com o dito R. C… pelo pagamento ao a. dos montantes referidos […].
[…]” (transcrição de fls. 8, o termo de fiança consta de fls. 14).
[4] Diz-se a tal respeito na Sentença:
“[…]

Diz a norma do artigo 257.º do Código Civil que ‘1. A declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade é anulável, desde que o facto seja notório ou conhecido do declaratário. 2. O facto é notório, quando uma pessoa de normal diligencia o teria podido notar’.

A anulabilidade aí cominada depende da prova de factos reveladores, por um lado, de que o autor da declaração, no momento desta, estava impossibilitado, por anomalia psíquica ou outra causa, de entender o acto ou do exercício livre da sua vontade. Essa situação psíquica terá que ser notória, isto é, manifesta, ou conhecida do declaratário. O consentimento deve ser esclarecido, ou seja, formado com exacto conhecimento das coisas essenciais para o declarante, do sentido da declaração negocial e das suas consequências, e livre, isto é, prestado em circunstâncias em que o declarante disponha das faculdades de o prestar ou recusar.

Neste particular mostra-se provado: (Ponto 9) Devido ao facto referido em H) – O réu C… é surdo-mudo. – o R. C… necessita de acompanhamento permanente de familiares para se fazer entender e para compreender as situações que se lhe deparam. (Ponto10).

O réu C… não sabe ler nem escrever, unicamente sabe assinar o seu nome. (Ponto 11) O réu C… é portador de uma debilidade mental ligeira com episódios de epilepsia e alcoolismo, e apresenta profundas limitações a nível intelectual, no que concerne à sua capacidade de raciocínio e formulação de juízos de carácter geral, sendo acompanhado de forma irregular pelo Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Centro Hospitalar Q... há cerca de 30 anos. (Ponto 12) Os réus C… e J… são irmãos e vivem na mesma casa com outra irmã. (Ponto 13) O réu J… sofre de uma ligeira anomalia psíquica que, associada ao abuso de bebidas alcoólicas, afecta a sua capacidade de raciocínio e compreensão e bem assim a sua capacidade de ajuizar e decidir de forma consciente. (Ponto 14) Os factos referidos em 11) e 13) são conhecidos por todos os que privam com os RR., designadamente irmãos, sobrinhos, vizinhos.

Os factos provados revelam, em relação aos Réus – a obrigação do fiador, como se disse decorre do contrato de fiança que é de natureza pessoal – que no momento da celebração do contrato estes estavam incapazes de entender o seu alcance e consequências, pelo que estas declarações são anuláveis.
[…]”.
[5] V. o Acórdão do STJ de 03/06/2011 (Pereira da Silva), proferido no processo nº 527/05.8TBVNO.C1.S1, cujo sumário está disponível na base do ITIJ, directamente, no seguinte endereço:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f9dd7bb05e5140b1802578bf00470473:
Sumário:
“[…]
[O] que baliza o âmbito do recurso, tal sendo, afora as de conhecimento oficioso, as questões levadas às conclusões da alegação do recorrente, extraídas da respectiva motivação (artigos 684.º n.º 3 e 690.º n.º 1 do CPC), defeso é o conhecimento de questão não aflorada naquelas, ainda que versada no corpo alegatório.
[…]”.
[6] Interessa a este respeito a seguinte passagem da Sentença:
“[…]

Está provada, nos autos, a existência, entre a A., financiadora e o vendedor do bem o acordo prévio e exclusivo aludido na alínea a) do nº 2 do art. 12º do DL 351/91, de 21/09 – quando este é obtido no âmbito de relacionamento existente entre o fornecedor e o financiador e de acordo com o qual o primeiro direcciona os seus clientes (consumidores a crédito) para o segundo em vista da concessão do crédito necessário ao pagamento do preço do bem ou serviço adquirido – Pontos 15 a 17 e alínea B).
[…]” (transcrição de fls. 418).
[7] Máquina que para eles (para o 1º R. em concreto, para “o comprador”) nenhuma utilidade tinha (v. a fundamentação das respostas a fls. 409/410), só sendo compreensível essa aquisição num quadro manipulatório da “vontade” de alguém afectado na sua capacidade de percepção da realidade e de motivação racional em função dessa realidade.
[8] Veja-se (a fls. 14) que no campo documental (no formulário) do contrato designado “objecto do financiamento e identificação do fornecedor”, foi incluída a seguinte indicação: “máquina agrícola de marca Massey Ferguson, com o modelo 1260, nº quadro: … fornecida por P…, Lda., Parque Industrial do …”. Estamos, pois, claramente, perante um mútuo de escopo.
[9] V. o Acórdão desta Relação de 26/02/2008, proferida pelo ora relator no processo nº 295/06.6TBCNT.C1, disponível na base do ITIJ, directamente, no seguinte endereço:
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/166c63cadacae660802573fe005639c6.
Sumário:
“[…]
III – A recíproca dependência, nas situações de crédito ao consumo, entre o contrato de financiamento e o respeitante à aquisição financiada, corresponde à figura da ‘união de contratos’, repercutindo-se as vicissitudes de um no outro, arrastando a invalidade de um deles a destruição do outro.
[…]”.
Refere-se este trecho do sumário ao seguinte trecho expositivo:
[É] este o sentido, na perspectiva do contrato de crédito, do artigo 12º, nº 1 do DL 359/91 e, desta feita na perspectiva do contrato de fornecimento do bem, do artigo 19º, nº 3 do DL 143/2001. E é neste sentido que a nossa jurisprudência, reconduzindo a situação à figura da ‘união de contratos’, designadamente na sua vertente de ‘união interna’, vem afirmando, invariavelmente, existir uma mútua repercussão das vicissitudes de um dos contratos no outro, numa espécie de ‘efeito à distância’ ou projecção dos vícios e desvalores de um dos contratos no outro.
[…]”.
[10] V. os itens B) e C) do elenco dos factos.
[11] Consagra esta disposição, quanto à referenciação dos elementos subjectivos na representação, a chamada “teoria da representação”, no sentido de contar prevalentemente a vontade do representante (v. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Vol. I, tomo Iv, Coimbra, 2005, pp. 84/85).
[12] Além do Acórdão indicado na nota 10 supra, veja-se a este respeito, ainda na jurisprudência desta Relação, o Acórdão de 12/07/2011 (Pedro Martins), proferido no processo nº 934/07.1TBFND-A.C1, disponível no sítio do ITIJ, directamente, no endereço:
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/65a4220e8ac1ade880257917003dd0f8.
Sumário:
“[…]

1 – Os requisitos previstos no art. 12º/2 do Decreto-Lei nº 359/91, não têm a ver com a oponibilidade das excepções do comprador ao financiador, mas sim com a questão da responsabilidade subsidiária do vendedor perante o comprador (uma atribuição adicional decorrente daquela norma, adicional porque o comprador não a teria se se estivesse perante uma compra e venda a prestações).

2 – A admissibilidade da excepção de não cumprimento, até ao novo regime do crédito ao consumo (do Decreto-Lei nº 133/2009), resulta da aplicação das regras gerais.

3 – O comprador pode opor ao financiador o não cumprimento pelo vendedor da obrigação de entrega de documentos, sempre que esta obrigação esteja ligada por um nexo sinalagmático com a obrigação de reembolso do financiamento.
[…]”.
V. ainda, Maria de Lurdes Pereira, Pedro Múrias, “Sobre o Conceito e a Extensão do Sinalagma”, in Estudos em Honra do Professor Doutor José de Oliveira Ascensão, vol. I, Coimbra, 2008, pp. 400/408.