Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
718/11.2TMCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
DECISÃO PROVISÓRIA
FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADE DE SENTENÇA
Data do Acordão: 01/15/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA TRIBUNAL FAMÍLIA E MENORES - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Legislação Nacional: ARTS.150, 157, 177 OTM, 302, 304, 659, 668, 1409, 1410 CPC
Sumário: 1. Uma decisão provisória proferida no âmbito de providência tutelar cível de regulação do exercício do poder paternal instaurado no âmbito do art. 150º da O.T.Menores, sendo processo de jurisdição voluntária, deve ser fundamentada, por lhe serem aplicáveis as disposições que constam dos arts. 302º a 304º do C.P.Civil, por força do disposto no art. 1409º, nº 1 deste último diploma.

2. Assim, o julgador, em consonância com o preceituado no art. 304º, nº5 do C.P.Civil, deve fundamentar tanto no plano fáctico, como no plano jurídico, a decisão por si proferida.

3. A não fundamentação destas decisões implica a sua nulidade (cfr. art. 668º, nº 1, al. b) do C.P.Civil).

4. Também ocorre a nulidade da sentença quando a fundamentação de facto ou de direito seja insuficiente e em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial.

Decisão Texto Integral:             Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

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            1 - RELATÓRIO

            No âmbito de autos de Regulação das Responsabilidades Parentais respeitantes à regulação do poder paternal da menor M (…), em que é Requerente N (…) e Requerido V (…), efectuou-se conferência de pais no dia 11 de Abril de 2012, a que compareceram ambos os progenitores, após o que foi fixado um regime provisório, designadamente a título de pensão de alimentos à menor, o que foi operado pela Mmª Juiz a quo através do seguinte despacho:

(…)

No seguimento do decidido provisoriamente a fls. 74, não obstante a arguição da incompetência internacional de fls. 102 e ss uma vez que ainda não foi fixado por qualquer foro alimentos à menor, determino provisoriamente, ao abrigo do artº 157º e 177º nº 4 da OTM o seguinte:

                                                Regime provisório

Segundo

O pai estará com a menor nos dias de hoje e amanhã à hora de almoço e no período compreendido entre o final do período lectivo e o período da menor pernoitar em casa da mãe.

Terceiro

Considerando os rendimentos mensais do pai em articulação com as despesas da menor em termos da educação (referidos pelos progenitores) determino que o pai a titulo de pensão de alimentos à menor, pague a quantia mensal de 500,00€ até ao dia 20 de cada mês com inicio no presente mês para a conta com o IBAN PT ( ...) .-

Notifique.”

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            Inconformada com esse segmento da decisão proferida, dela interpôs recurso o dito Requerido, V (…), o qual finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. O despacho de fixação das responsabilidades parentais que, no tocante à pensão de alimentos se limita a prescrever que “Considerando os rendimentos mensais do pai em articulação com as despesas da menor em termos da educação (referidos pelos progenitores) determino que o pai a titulo de pensão de alimentos à menor, pague a quantia mensal de 500,00€ até ao dia 20 de cada mês com inicio no presente mês para a conta com o IBAN PT ( ...) ”, sem indicar quais os respectivos valores em termos quantitativos e sem que dele resulte qualquer juízo comparativo e crítico, é nulo por falta de fundamentação imposta pelos artigos 304º, nº5, 659º, nºs 1 e 2, e 668º, nº1, al.b) do CPC.
2. O julgador, em consonância com o preceituado nos citados artigos, deve fundamentar tanto no plano fáctico, como no plano jurídico, a decisão provisória por si proferida nos termos do art.º 157 da OTM.
3. Não o tendo feito, como in casu sucede, a ausência absoluta de fundamentação do despacho recorrido determina que deverá ser este declarado nulo por força do disposto no art. 668, nº1, al.b) do CPC.
4. A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 175º, 176º e 177º da OTM, e 304º, nº5 e 668, nº1, al.b) do CPC.

--- Nestes termos e com o douto suprimento deve o presente recurso ser julgado procedente e, por via dele, ser revogada a decisão que fixou o regime provisório sobre as responsabilidades parentais relativamente à Marta, no que toca à fixação da pensão de alimentos, proferida na conferência de pais efectuada no dia 11 de Abril de 2012.

                                                                       *

            Por sua vez, pela Requerente foram também apresentadas contra-alegações, as quais finalizou pela seguinte forma:

            - a acção em causa tem natureza de jurisdição voluntária, sendo aplicáveis a tais

processos regras ou princípios distintos dos atinentes aos processos de jurisdição contenciosa, verificando-se o predomínio da conveniência ou da equidade sobre a legalidade;

- a decisão recorrida foi proferida ao abrigo do disposto no art. 157.º da OTM, bastando-se com uma justificação sumária, o que sucedeu no caso concreto, atendendo o Meritíssimo Juiz a quo ao supremo interesse da menor, ao alegado nos requerimentos juntos aos autos e ao alegado na conferência pelos próprios progenitores.

Ao que acresce que, tal como resulta da simples leitura da acta da dita conferência de pais de 11.04.2012, da decisão recorrida constam expressamente os respectivos fundamentos, alicerçando o Meritíssimo Juiz a quo tal decisão provisória no facto de, não obstante a arguição de incompetência territorial, ainda não ter sido fixado por qualquer foro alimentos à menor e na consideração dos rendimentos mensais do pai em articulação com as despesas da menor em termos de educação (referidos pelos progenitores).

Tal como consta da dita acta, “iniciada a conferência por ambos os progenitores

foi dito que a menor passou o período compreendido entre o Domingo de Ramos e o Domingo de Páscoa com o pai; nos dias 9 e 10 de Abril de 2012, a menor passou a maior parte do dia com o pai, tendo pernoitado com a mãe, estando o regresso do progenitor a Macau previsto para quinta-feira dia 12 de Abril à noite”, estipulando a decisão recorrida, na cláusula Segunda do regime provisório, que “o pai estará com a menor nos dias de hoje e amanhã à hora de almoço e no período compreendido entre o final do período lectivo e o período da menor pernoitar em casa da mãe”.

E sempre se dirá que o montante de alimentos provisórios fixado pelo Meritíssimo Juiz a quo coincide precisamente com o montante de alimentos que o recorrente, no articulado junto com o n.º 4 ao seu requerimento datado de 10.04.2012 (articulado por si junto ao processo de regulação das responsabilidades que se encontra pendente em Macau por si instaurado em momento posterior à instauração da acção à margem identificada), defende dever ser pago pelo progenitor não guardião.

Com efeito, no art. 112º do dito articulado, requer o aqui recorrente – e ali requerente – que “a título de pensão de alimentos para a menor, o progenitor que não tenha a guarda da menor contribuirá com a quantia mensal de MOP$5.000,00 (cinco mil patacas)” – [€ 500,00] -, “a entregar ao outro, mediante transferência bancária”.

E fá-lo considerando as suas possibilidades, uma vez que na dita conferência de

pais realizada em 11.04.2012 declarou auferir um vencimento mensal não inferior a € 6.000,00 (seis mil euros).

Ora, tal como é unanimemente entendido, apenas a falta absoluta de fundamentação - e não apenas a sua eventual insuficiência – é susceptível de determinar a nulidade, o que manifestamente não sucede no caso concreto, não se verificando, assim, o vício previsto no art. 668.º, n.º1, al. b) do C.P.C. e não se divisando, assim, a arguida nulidade.

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            De referir que quanto à arguição de nulidade da decisão proferida, a Exma. Juíza que prolatou a mesma, indeferiu a sua verificação, aduzindo para tanto que “a decisão em apreço não configura uma sentença, tal como está definida no nº2 do art. 156º do C.P.Civil, constitui antes um despacho”.

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Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso[1], cumpre apreciar e decidir.

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            2QUESTÕES A DECIDIR: o âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do C.P.Civil e, por via disso, as questões a decidir são:

- a da nulidade da decisão recorrida, por alegada ausência absoluta de fundamentação;

- em caso positivo, apurar se essa mesma decisão deve ser alterada.

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3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A factualidade que interessa ao conhecimento do presente recurso é a que consta do precedente relatório, para o qual se remete, por economia processual.

                

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4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

            Consabidamente, no âmbito da regulação do exercício das responsabilidades parentais pode ser fixado regime provisório de acordo com o art. 157º do DL nº 314/78, de 27.10. (Organização Tutelar de Menores), normativo em que se preceitua da seguinte forma:“Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, o tribunal pode decidir, a título provisório, relativamente a matérias que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efectiva da decisão.”

            Isto porque visando a providência tutelar cível de regulação do exercício do poder paternal naturalmente regular a função parental, nos três aspectos essenciais em que se desdobra – o destino da criança; o regime de contactos pessoais entre esta e o progenitor sob cuja guarda não fique colocada e a obrigação de alimentos (arts. 1905º, nºs 1 e 2, do C. Civil e 180º, nºs 1 e 2, do citado DL nº 314/78, de 27.10.) – ocorre que nem sempre a regulação dos interesses conflituantes pode aguardar a prolação de uma decisão definitiva do tribunal.

Na verdade, torna-se necessário em algumas vezes obter uma composição provisória da situação controvertida antes da decisão definitiva, sendo certo que, nos termos gerais, tal composição justifica-se sempre que ela seja necessária para assegurar a utilidade da decisão ou a efectividade da tutela jurisdicional – art. 2º, nº 2, in fine, do C. P. Civil, ex vi do art. 16º, do citado DL nº 314/78, de 27 de Outubro, e art. 157º, nº1, deste último diploma legal.

Neste contexto, obviamente que a tutela processual provisória decorrente das decisões provisórias e cautelares é instrumental perante as situações jurídicas decorrentes do direito substantivo.

Dito de outra forma: na pendência da providência tutelar cível de regulação do exercício do poder paternal, pode mostrar-se necessário acautelar certos efeitos dessa regulação ou definir regimes provisórios relativamente a alguns desses efeitos, donde tal justificar a consagração legal de algumas providências provisórias e cautelares específicas que podem ser cumuladas com o respectivo processo definitivo – art. 157º, nº 1, do DL nº 314/78, de 27.10..

            Por outro lado, não olvidamos que, ao contrário do que sucede quanto às providências tipificadas no C.P.Civil, as decisões provisórias proferidas em processo tutelar cível são reguladas segundo critérios de conveniência – art. 157º, nº1, do DL nº 314/78 e 1410º do C.P.Civil, ex vi do art. 150º da citada O.T.Menores.

Simplesmente a estas ditas decisões provisórias proferidas em processo tutelar cível aplica-se o princípio geral decorrente do art. 158º, nº1, do C.P.Civil, a saber, encontra-se neste imposto um dever geral de fundamentação de todas as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo, acrescentando no nº2 que a justificação não pode consistir na mera adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição.

            Acrescendo que em igual sentido se prescreve no art. 205º, nº1 da Constituição da República Portuguesa, o qual nos diz que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.”

            Mas o que se deve entender afinal por dever de “fundamentação”?

            Conforme flui deste citado art. 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, a fundamentação das decisões no nosso ordenamento jurídico é um elemento essencial, constituindo fonte de legitimação.

Temos presente que desde logo a lei impõe como critério e base essencial da fundamentação da decisão em matéria de facto, o «exame crítico das provas», mas não define, nem expressa elementos sobre algum modelo de integração da noção.

O “exame crítico” das provas constitui uma noção com dimensão normativa, com saliente projecção no campo que pretende regular – a fundamentação em matéria de facto – , mas cuja densificação e integração faz apelo a uma complexidade de elementos que se retiram, não da interpretação de princípios jurídicos ou de normas legais, mas da realidade das coisas, da mundividência dos homens e das regras da experiência; a noção de “exame crítico” apresenta-se, nesta perspectiva fundamental, como categoria complexa, em que são salientes espaços prudenciais fora do âmbito de apreciação próprio das questões de direito.

O exame é a análise das provas; a crítica, na semântica, é a abordagem da valia de cada um dos meios de prova, em ordem a ancorar a convicção probatória e que vai permitir ao tribunal credibilizar alguns desses meios e refutar outros.

No nosso sistema processual as decisões de facto não assentam puramente no íntimo convencimento do julgador, num mero intuicionismo, antes se exigindo um convencimento racional, devendo, pois, o juiz pesar com justo critério lógico o valor das provas produzidas, o que está em conexão com o também neste aspecto chamado «princípio da publicidade», definido por CASTRO MENDES «Do Conceito de Prova», pág. 302, como sendo “aquele segundo o qual o processo - e portanto a actividade probatória e demonstrativa - deve ser conduzido de modo a permitir que qualquer pessoa siga o juízo e presumivelmente se convença como o julgador (...)”, o que, no entanto, não exclui a intuição ou conhecimento por outros sentidos, em si insusceptíveis de serem demonstrados exteriormente.

“Na impossibilidade de submeter a apreciação da prova a critérios objectivos (como são os que exigem uma demonstração por leis científicas) a lei apela à convicção íntima ou subjectiva do tribunal. Essa convicção exigida para a demonstração do facto é uma convicção que, para além de dever respeitar as leis da ciência e do raciocínio, pode assentar numa regra máxima da experiência. A convicção sobre a prova do facto fundamenta-se em regras de experiência baseadas na normalidade das coisas e aptas a servirem de argumento justificativo dessa convicção. Essas regras de experiência podem corresponder ao senso comum (...) ou a um conhecimento técnico ou científico especializado. A convicção do tribunal extraída dessas regras da experiência é uma convicção argumentativa, isto é, uma convicção demonstrável através de um argumento. A regra de experiência que o tribunal pode utilizar para fundamentar a sua convicção sobre a prova realizada é a mesma que pode ser usada pela parte como argumento para a formação dessa convicção. Quer dizer: a máxima de experiência que pode convencer o tribunal da veracidade do facto é a mesma que pode ser utilizada para a fundamentação da decisão desse órgão sobre a apreciação da prova”[2].

A análise crítica das provas obriga o juiz a verificar e a controlar os meios de prova produzidos, aferindo em conjunto a respectiva força probatória; tem pois, a função endoprocessual de formar a convicção íntima do juiz.

Com a imposição dessa análise crítica das provas produzidas, visa-se a formação da convicção através de “um processo racional, alicerçado e, de certa maneira, objectivado e transparente – na análise criticamente comparativa dos diversos dados trazidos através das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações essencialmente determinantes da opção feita e cuja enunciação, por exigência legal, representa o assumir das responsabilidades do julgador inerentes ao carácter público da administração da justiça[3].

            Deste modo, para ser cumprido o referido dever de fundamentação pelo julgador, não basta, assim, o mesmo expressar que tal é fruto da convicção a que chegou (foro íntimo e insindicável), importando verdadeiramente que este consigne a manifestação ou exteriorização dessa convicção na decisão proferida.

Ora se assim é, obviamente que o juiz não se pode limitar a enunciar a conclusão do seu raciocínio sem indicar as premissas que a ele conduziram.

Vejamos então e mais uma vez o segmento nuclear e realmente questionado pelo presente recurso da decisão do tribunal de 1ª instância:

“(…) Considerando os rendimentos mensais do pai em articulação com as despesas da menor em termos da educação (referidos pelos progenitores) determino que o pai a titulo de pensão de alimentos à menor, pague a quantia mensal de 500,00€ até ao dia 20 de cada mês com inicio no presente mês para a conta com o IBAN PT ( ...) .(…)”

Cremos que, s.m.j., a decisão recorrida limita-se a fixar um regime provisório, no pressuposto meramente implícito da necessidade/oportunidade da sua fixação. Não se fixou nesta qualquer factualidade, nem se apreciou do ponto de vista jurídico a necessidade de fixação daquele regime provisório e o porquê do conteúdo do mesmo.

Não constando que, além das declarações dos progenitores, que se mencionaram ter tido lugar, tenha sido produzida qualquer prova, deveria a decisão proferida conter a fundamentação, quer factual, quer jurídica, fundamentadora do sentido das suas opções.

Da leitura da decisão recorrida não resulta que se tenha efectuado qualquer apreciação jurídica da necessidade da fixação dum regime provisório, decorrente de factos que se tenham apurado, nem do conteúdo desse regime, limitando-se a estabelecer um montante mensal de alimentos em função de um confronto/”articulação” entre os rendimentos mensais do pai (não descritos) e as despesas da menor em termos de educação (também não descritas nem enumeradas, mas relativamente ao que se aludiu terem sido “referidos pelos progenitores”).

Desconhece-se verdadeiramente as premissas em que se baseou para fixar provisoriamente aquele montante de alimentos: nem ficou explicitado qual o montante auferido pelo Requerido ora Recorrente, nem as despesas da menor, nem qual a percentagem/grau desse montante (1/3?; 1/4?; 1/5?; 1/6?) que se entendeu tomar como critério da decisão.

Acresce que não se encontram reproduzidas na acta correspondente quaisquer declarações dos progenitores, nem as mesmas foram gravadas…

Em suma, desconhece-se nos seus termos essenciais o percurso lógico que foi feito pela Mmª Juíza a quo no sentido de fixar o concreto regime provisório que acima se transcreveu.

A decisão omite a factualidade em que se baseia, e a referência genérica nela constante não pode entender-se como satisfazendo o mínimo de fundamentação.

A decisão da Exma. Juiza a quo surge, assim, meramente como um resultado, como a conclusão de um raciocínio.

Isto é, na decisão sob recurso conclusivamente expôs-se a convicção a que se chegou, mas com base em premissas não explicitadas ou cujo sentido seja apreensível…

Nesta linha, nem sequer se pode dar acolhimento ao “singelo” entendimento invocado pela Requerente ora Recorrida nas suas contra-alegações como sendo o correspondente ao conceito de nulidade do art. 668º, nº1, al.b) do C.P.Civil no sentido de que “A sentença só é nula por falta de fundamentação quando seja de todo omissa relativamente à fundamentação de facto ou de direito”.

Pois que se constitui como mais completo e rigoroso o entendimento de que também e ainda ocorre essa nulidade “quando a fundamentação de facto ou de direito seja insuficiente e em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial[4].

Na verdade, este mais completo conceito de dever de fundamentação cumpre ainda uma função primordial: pela necessidade das partes, com vista a apurar do seu acerto ou desacerto e a decidir da sua eventual impugnação, precisarem de conhecer a sua base fáctico-jurídica; para que não só as partes, como a própria sociedade, entendam as decisões judiciais, e não as sintam como um acto autoritário, importa que tais decisões se articulem de forma lógica; a fundamentação da sentença revela-se indispensável em caso de recurso, pois na reapreciação da causa, a Relação tem de saber em que se fundou a decisão recorrida; mesmo porque os processos de jurisdição voluntária, como é o caso dos autos, têm também outras características singulares de que se destaca a predominância do princípio do inquisitório na investigação dos factos e na obtenção das provas (art. 1409º, nº 1 do C.P.Civil) e a alterabilidade das decisões com base em alteração superveniente das circunstâncias que as determinaram (art. 1411º, nº1 do mesmo C.P.Civil), face ao que, nestes processos (de jurisdição voluntária), as decisões, ao invés do que sucede nos outros tipos de processo, não são, após o seu trânsito em julgado, definitivas e imutáveis. Elas são alteráveis sempre que se alterarem as circunstâncias em que se fundaram. Trata-se duma espécie de caso julgado, sujeito a uma cláusula “rebus sic stantibus” ou seja um caso julgado com efeitos temporalmente limitados[5], donde carecer de ficar explicitada na decisão todo o concreto acervo factual que a fundou, sob pena de postergação do direito constitucional a uma tutela jurisdicional efectiva.

Consequência da inobservância deste dever de fundamentação será então a nulidade do despacho recorrido, que não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão – cfr. arts. 668º, nº 1, al. b) e 666º, nº 3 do C.P.Civil.

Perfilhando esta mesma linha de entendimento e decisão, e com referência a recursos com grande paralelismo com o ora ajuizado, encontrou-se jurisprudência unívoca (cf. Acórdãos do T.R.Porto de 24-11-2009 no proc nº1981/08.1TMPRT-A.P1 e de 16-11-2010 no proc. nº 2861/09.9TBVCD-B.P1 e do T.Relação de Guimarães de 10-11-2011, no proc. nº 631-A/2000.G2, todos acessíveis em www.dgsi.pt).

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De acordo com o disposto no nº1, do art. 715º, e no nº4, do art. 712º, ambos do C.P.Civil, a declaração de nulidade da decisão proferida na 1ª instância, não impediria que este tribunal conhecesse do objecto do recurso, substituindo-se ao tribunal recorrido no julgamento omitido, se nos autos se encontrassem todos os elementos necessários a esse julgamento, o que não acontece no caso sub judice.

Deste modo, importa tão-somente anular a decisão recorrida.

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5 – SÍNTESE CONCLUSIVA

I – Uma decisão provisória proferida no âmbito de providência tutelar cível de regulação do exercício do poder paternal instaurado no âmbito do art. 150º da O.T.Menores, sendo processo de jurisdição voluntária, deve ser fundamentada, por lhe serem aplicáveis as disposições que constam dos arts. 302º a 304º do C.P.Civil, por força do disposto no art. 1409º, nº 1 deste último diploma.

II – Assim, o julgador, em consonância com o preceituado no art. 304º, nº5 do C.P.Civil, deve fundamentar tanto no plano fáctico, como no plano jurídico, a decisão por si proferida.

III – A não fundamentação destas decisões implica a sua nulidade (cfr. art. 668º, nº 1, al. b) do C.P.Civil).   

 

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6 - DISPOSITIVO

            Pelo exposto, julga-se procedente o recurso e, em consequência, anula-se a decisão que fixou um regime provisório de alimentos à menor, proferida nestes autos na conferência de pais realizada no dia 11 de Abril de 2012.

            Custas do presente recurso a cargo da Requerente ora Recorrida.

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                                                  Luís Filipe Cravo ( Relator )

                                                 Maria José Guerra

                                                 Albertina Pedroso


[1] De referir que foi igualmente interposto pelo Requerido e ora Recorrente um segundo recurso – visando o despacho judicial proferido na conferência de pais realizada em 27.02.2012 – mas esse recurso foi considerado pela Exma. Juiza a quo como extemporaneamente deduzido e, consequentemente, desde logo não foi admitido por esta (cf. fls. 206-207 destes autos).
[2] Cfr. TEIXEIRA DE SOUSA, in “As Partes, o Objecto e a Prova na acção declarativa”, 1995, a págs. 239.
[3] Cfr. PEREIRA BAPTISTA, in “Reforma do Processo Civil”, 1997, 90 e segs,.
[4] cf., “inter alia”, o Ac. deste mesmo T.R. de Coimbra de 17-04-2012, no processo nº 1483/09.9TBTMR.C1, acessível in www.dgsi.pt.

[5] Cfr. J.P. REMÉDIO MARQUES, in “Algumas notas sobre alimentos (devidos a menores)” – Centro de Direito de família – vol. 2 , a págs. 106.