Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
661/17.8T8LMG-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
GUARDA PARTILHADA
RESIDÊNCIA ALTERNADA DO FILHO
SEU DESACONSELHAMENTO
ALIMENTOS A FILHO MENOR
SUA FIXAÇÃO
Data do Acordão: 07/08/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE LAMEGO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 1878º, 1906º, Nº 6, E 2004º DO C. CIVIL; LEI Nº 65/2020, DE 4/11.
Sumário: I – A recente Lei nº 65/2020, de 4 de novembro, veio estabelecer as condições em que o tribunal pode decretar a residência alternada do filho [em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento dos progenitores], alterando o Código Civil, face a cujo nº 6 do art. 1906º, é agora expressa a possibilidade de ser fixado o regime de guarda partilhada, com residência alternada, mesmo para os casos em que não haja mútuo acordo entre os progenitores nesse sentido.

II – Contudo, uma tal solução alternativa deve-se considerar definitivamente desaconselhada, senão mesmo fisicamente impossibilitada, atenta a circunstância de os progenitores terem residências distando um do outro mais de 120 Km, pela impraticabilidade real de ser adotada.

III – A determinação da prestação de alimentos a filho menor a cargo do progenitor não guardião e a fixação da sua medida far-se-á por meio da ponderação cumulativa do binómio necessidade (de quem requer os alimentos) / possibilidade (de quem os deve prestar), em conformidade com o disposto no artigo 2004º do Código Civil.

IV – O que não dispensa um momento de equidade no juízo final de ponderação, nomeadamente em função da objetiva desproporção dos rendimentos/encargos de cada um dos progenitores.

V – Assim, a contribuição dos pais para alimentos dos filhos – artigo 1878º, nº 1, do Código Civil – deve estabelecer entre eles um patamar de igualdade, de proporcionalidade, o qual passa por fixar as despesas mensais dos filhos; verificar o que sobra a cada progenitor, depois de deduzidas as despesas fixas de cada um e estabelecer, de seguida, uma contribuição proporcional às disponibilidades de cada progenitor, sem abstrair do mínimo necessário à sobrevivência dos progenitores.

Decisão Texto Integral:







Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

1 - RELATÓRIO

C... propôs ação de regulação das responsabilidades parentais contra Â..., requerendo a regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente à filha menor de ambos, I..., nascida a 20.07.2012, alegando, em síntese, estarem separados um do outro e já ter intentado ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, tornando-se, por isso, necessária a regulação das responsabilidades parentais de forma a defender os interesses da criança.

*

Foi designada data para realização da conferência a que se refere o art. 35º do RGPTC, que ocorreu em 26.10.2017, data em que os Ilustres mandatários das partes requereram a suspensão dos autos pelo prazo de 30 dias, alegando encontrarem-se em vias de chegar a acordo nestes autos e nos autos de divórcio.

Tal objetivo, contudo, não foi alcançado, pelo que foram as partes remetidas para ATE, nos termos previstos nos arts. 38º e 23º do RGPTC.

A 27.07.2018 (fls. 44 e segs.), foi junta aos autos Informação sobre Audição Técnica Especializada, onde é afirmado que os progenitores chegaram a consenso sobre a matéria em discussão, nomeadamente quanto ao exercício das responsabilidades parentais, residência da criança, pensão de alimentos e convívios.

Porém, tanto o progenitor (a fls. 49 e segs.), como a progenitora (a fls. 53 e segs.), logo que tiveram conhecimento do teor de tal informação, vieram insurgir-se contra o seu conteúdo, alegando que ao contrário do que ali é dito, não chegaram a consenso.

Pedida informação complementar à Segurança Social, veio o relatório inicial a ser confirmado.

Mediante tal contradição entre o relatório da Segurança Social e a posição assumida por ambos os progenitores foi designada nova data para realização de conferência de pais, que ocorreu no dia 16 de maio de 2019.

Não foi alcançado acordo, focando-se a principal diferença no montante da pensão de alimentos proposta pelo pai (€100,00) e a pretendida pela mãe (€200,00).

Foi então nesta data fixado um regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais, atribuindo a guarda e a residência da criança junto da mãe; as decisões de particular importância ficaram atribuídas a ambos os progenitores; foi fixada a partilha de tempos da criança com o pai; e fixado o montante da pensão de alimentos a prestar pelo pai em €100,00, acrescido de 50% das despesas médicas, medicamentosas e escolares (incluindo atividades extracurriculares).

Nesta mesma data (16 de maio de 2019) chegaram as partes a acordo nos autos principais a que os presentes estão apensos, quanto à convolação do divórcio sem consentimento do outro cônjuge em divórcio por mútuo consentimento, tendo sido tal acordo homologado por sentença, que transitou na mesma data.

Nestes autos foi solicitada à Segurança Social a elaboração de informações relativas às condições socioeconómicas de ambos os progenitores, nos termos previstos no art. 21º, nº 1, al. d) do RGPTC e foi determinada a notificação das partes para alegarem.

Pela progenitora foram apresentadas alegações a fls. 82 e segs., onde foi suscitada a questão da incompetência territorial deste tribunal, uma vez que progenitora e filha passaram a viver em Vila Nova de Gaia.

Para além disso, refere a mãe nas suas alegações que vive em casa arrendada pela qual paga a renda mensal de €450,00; paga cerca de €120,00 mensais de consumos domésticos; tem despesas de alimentação sua e da filha, que não quantifica; e €225,75 de mensalidade do colégio frequentado pela filha, onde a requerente também dá aulas, razão pela qual a filha beneficia de desconto mensal no valor de €106,75.

Termina a progenitora pedindo a fixação de pensão de alimentos devidos pelo pai no valor mensal de €350,00 e, ainda, o pagamento de metade das despesas já pagas pela progenitora com material escolar e de saúde. A progenitora juntou declaração de IRS relativa ao ano de 2018, onde consta o rendimento total bruto de €17.167,52 (fls. 87 e segs.); recibo de renda eletrónico, no montante de €450,00 (fls. 93); recibo do pagamento do colégio da criança, no valor de €225,00 (incluindo a mensalidade do colégio com o desconto acima referido e a mensalidade de €27,50, referente ao ballet praticado pela criança como atividade extracurricular; e ainda comprovativos de material escolar e consultas de psicologia da criança.

Pelo progenitor foram apresentadas alegações a fls. 110 e segs., onde defende a competência territorial deste tribunal; e defende ter todas as condições para que a guarda da filha lhe seja atribuída, alegando que a mudança da filha para Vila Nova de Gaia não obteve o seu prévio conhecimento e consentimento e que tal mudança implica um grande acréscimo de despesas realizadas com as quatro viagens de ida e volta que tem de fazer mensalmente para ir buscar e entregar a filha, que contabiliza em cerca de €200,00 mensais (embora do doc. 17 (fls. 128 verso), constem outras opções, uma das quais mais baixa e outra mais alta, conforme os percursos).

Quanto às despesas médicas, alega que por ser militar da GNR, tem tratamentos e consultas a preços reduzidos, pelo que a mãe deverá procurar esses serviços; as atividades extracurriculares terão de ser decididas por acordo prévio de ambos os progenitores; e, quanto à frequência pela filha de uma escola particular, não concorda com tal solução, uma vez que considera que a opção pelo ensino público é a mais acertada.

Relativamente aos seus rendimentos como militar da GNR, são de €1.212,95 líquidos mensais, conforme recibo que junta aos autos a fls. 121 verso, relativo ao mês de abril de 2019; e demonstração de liquidação de IRS relativo ao ano de 2018, da qual resultam rendimentos no montante de €19.313,20.

Como despesas assinala a prestação de €215,31 para pagamento do empréstimo da habitação (da que foi casa de morada de família, onde continua a residir), embora dos documentos juntos a fls. 122 verso e 123 verso, resulte o montante de €174,42; despesas associadas à habitação no montante de cerca de €77,50; seguro da habitação no valor anual de €142,96 e IMI de aproximadamente €172,00. Termina o requerido classificando a pretendida prestação de alimentos no valor de €200,00 mensais como completamente irreal, pugnando pela manutenção do valor fixado provisoriamente de €100,00 mensais.

                                                           *

Após vicissitudes várias, teve finalmente lugar a realização da audiência de discussão e julgamento, a qual decorreu com observância das formalidades legais, como resulta das atinentes atas.

               Na sequência foi proferida sentença, na qual se cuidou de apreciar e regular todos os aspectos atinentes à requerida regulação das responsabilidades parentais dos progenitores para com a menor, o que se concretizou no seguinte “dispositivo”:

«Decisão

Em face de todo o acima exposto julgo a presente ação procedente e, em consequência, ao abrigo dos artºs 39.º, n.º 7 e 40.º do RGPTC, fixa-se, em definitivo, o exercício das responsabilidades parentais relativamente à criança I... nos seguintes termos:

a) A criança ficará entregue à guarda e cuidados da mãe, com quem residirá e a quem competirá decidir todas as questões da vida corrente da filha;

b) As decisões de particular importância na vida da criança caberão a ambos os progenitores;

c) O progenitor poderá contactar com a filha, por qualquer meio, sempre que quiser, devendo estar com ela quinzenalmente, indo buscá-la ao colégio que frequenta na sexta-feira e levando-a a casa da progenitora no domingo, cerca das 21h00;

d) Os períodos de férias escolares da criança e as datas festivas (Natal, Fim de Ano, Páscoa, aniversário da criança, aniversário dos progenitores e dias da mãe e do pai), serão divididos, por igual, por cada um dos progenitores, em termos a combinar entre ambos, devendo as festas do Natal, Ano Novo e Páscoa serem passadas com cada progenitor alternadamente;

e) O pai contribuirá, a título de pensão de alimentos para a filha, com a quantia mensal correspondente a €170,00 (cento e setenta euros), a pagar à progenitora até ao dia oito de cada mês, a que acrescerá o pagamento de metade das despesas extraordinárias com a saúde, médicas e medicamentosas (não comparticipadas pelo sistema de saúde a que o pai tem direito, ou fora desse sistema, com prévio acordo do pai) e escolares da criança (incluindo atividades extracurriculares nas quais o progenitor tenha dado o seu prévio consentimento), mediante os respetivos comprovativos.

Custas pelos progenitores.

Registe e Notifique.

Oportunamente, cumpra o disposto no art. 78.º do CRC. »

De referir que posteriormente à prolação da sentença e sua notificação às partes, em 13 de setembro de 2020, foi apresentado pela Requerente um requerimento fundamentado na circunstância de na sentença nada em concreto se referir quanto ao início do pagamento da pensão, donde requerer, «para que não resultem quaisquer dúvidas, se digne esclarecer este ponto na sentença, no sentido de ali passar a constar que o pagamento da pensão se deve iniciar na data da propositura da ação, a 06/09/2017.»

Em resposta a este requerimento, foi proferido um despacho pela Exma. Juíza de 1ª instância, datado de 24 de setembro de 2020, com o seguinte concreto teor:

«Na sequência do requerimento que antecede, pelo qual é pedida a determinação explícita da data a partir da qual é devido o pagamento do montante fixado na sentença proferida (€170,00), esclarece-se que esse montante é devido, nos termos legais (art. 2006.º do Código Civil), a partir da data da interposição da ação, ou seja, 6/9/2017.

Notifique.»

Inconformado com a sentença, dela interpôs recurso o dito Requerido, Â..., o qual finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:

...

                                                                          *

O Requerido deduziu igualmente recurso do dito despacho de 24 de Setembro de 2020, de cujas alegações extraiu as seguintes conclusões:

...

                                                           *

Apresentou a Requerente contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso, mais concretamente concluindo no sentido de que «Nestes termos, deve o recurso ser julgado improcedente, por não provado e, consequentemente confirmar-se a douta sentença recorrido, assim se cumprindo a Lei e se fazendo Justiça!»

               Por sua vez, contra-alegou a Exma. Magistrada do MºPº, tendo extraído das atinentes alegações as seguintes conclusões:

«1- O despacho proferido pela Mmª Juiz a 24/09/2020 foi proferido na sequência de um requerimento da progenitora para esclarecimento, limitando-se a Mm.ª Juiz a invocar o que consta expressamente no art.º 2006 do Código Civil no sentido de que os alimentos determinados na sentença são devidos desde a propositura da ação.

2- Não se vislumbra que, com tal despacho, a Mm.ª Juiz tenha violado as várias normas referidas no recurso interposto, nem que haja a violação dos princípios do esgotamento do poder jurisdicional, do contraditório, do direito de defesa, da igualdade das  partes, do acesso ao direito e de tutela jurisdicional efetiva, nem que exista, no referido despacho, qualquer falta de fundamentação ou de desconsideração de ocorrências processuais, de decisões anteriores e outros factos carreados para o processo, uma vez que se trata de um mero despacho que se limita a declarar o que consta expressamente da lei, ou seja, que os alimentos são devidos desde a propositura da ação.

3 - Nestes termos, não existe qualquer motivo para que o referido despacho seja revogado pelo Venerando Tribunal e que seja substituído por decisão que determine que a pensão de alimentos estipulada na sentença só é devida a partir do trânsito em julgado da sentença.

Deve, pois, manter-se o despacho proferido nos seus precisos termos,

              

               Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

               2QUESTÕES A DECIDIR: o âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões que neles foram apresentadas – arts. 635º, nº4 e 639º do n.C.P.Civil – e, por via disso, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:

da apelação do Requerido relativamente à sentença

               - nulidades da decisão recorrida, por falta de fundamentação, e por omissão e excesso de pronúncia [cf. art. 615º, nº 1, als. b) e d) do n.C.P.Civil]?;

- erro da decisão sobre a matéria de facto [quanto aos pontos de facto “provados” sob 2), 5), 7), 8), 9), 10), 11), 12) e 19), dados por “provados” incorretamente]?;

- erro da decisão de mérito, ao atribuir a guarda singular e exercício das responsabilidades parentais à progenitora Requerente, e bem assim quanto ao montante da pensão de alimentos a pagar pelo Requerido?

da apelação do Requerido relativamente ao despacho de 20.09.2020

- nulidade por violação do princípio do contraditório [arts. 3º e 195º do n.C.P.Civil]?;

- nulidade por falta de fundamentação [alínea b) do nº1 do art. 615º do n.C.P.Civil]?;

- erro da decisão de mérito, quanto ao aspeto substantivo da decisão propriamente dita (sempre, e pelo menos, à luz do instituto do enriquecimento sem causa)?

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1 – Consiste a mesma na enunciação do elenco factual que foi considerado/fixado pelo tribunal a quo, ao que se seguirá o elenco dos factos que o mesmo tribunal considerou/decidiu que “não se provou”, sem olvidar que tal enunciação poderá ter um carácter “provisório”, na medida em que o Requerido/Recorrente tal impugna. 

 Tendo presente esta circunstância, são os seguintes os factos que se consideraram provados no tribunal a quo:

...

Em relação aos Factos não provados foi o seguinte o que ficou consignado na sentença:

 «Nenhuns com relevância para a decisão.»

3.2 – Questão das nulidades da sentença recorrida, por alegada falta de fundamentação e bem assim por omissão e excesso de pronúncia [cf. art. 615º, nº 1, als. b) e d) do n.C.P.Civil]:

De referir que no tocante ao primeiro núcleo visado pelo recurso [o concernente à falta de fundamentação], o Requerido/recorrente invoca nuclearmente a falta de fundamentação quanto à decisão sobre a guarda da menor, mais concretamente sustentando que não foram especificados os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão quanto a esse particular, e isto não obstante ter sido produzida prova relativamente às condições (não só económicas) de que ele Requerido dispunha para lhe ser atribuída a guarda da filha.

Que dizer então?

Consabidamente, nos termos do disposto no art. 615º, nº 1, al.b) do n.C.P.Civil, a sentença é nula “quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.

Temos presente o corrente entendimento de que a sentença só é nula por falta de fundamentação quando seja de todo omissa relativamente à fundamentação de facto ou de direito.

Só que importa ter em conta o mais completo e rigoroso entendimento quanto a este particular, que é o de que também e ainda ocorre essa nulidade “quando a fundamentação de facto ou de direito seja insuficiente e em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial[2].

Na verdade, este mais completo conceito de dever de fundamentação cumpre ainda uma função primordial: pela necessidade das partes, com vista a apurar do seu acerto ou desacerto e a decidir da sua eventual impugnação, precisarem de conhecer a sua base fáctico-jurídica; para que não só as partes, como a própria sociedade, entendam as decisões judiciais, e não as sintam como um ato autoritário, importa que tais decisões se articulem de forma lógica; a fundamentação da sentença revela-se indispensável em caso de recurso, pois na reapreciação da causa, a Relação tem de saber em que se fundou a decisão recorrida; mesmo porque os processos de jurisdição voluntária, como é o caso dos autos, têm também outras características singulares de que se destaca a predominância do princípio do inquisitório na investigação dos factos e na obtenção das provas (art. 986º, nº 1 do n.C.P.Civil) e a alterabilidade das decisões com base em alteração superveniente das circunstâncias que as determinaram (art. 988º, nº1 do mesmo n.C.P.Civil), face ao que, nestes processos (de jurisdição voluntária), as decisões, ao invés do que sucede nos outros tipos de processo, não são, após o seu trânsito em julgado, definitivas e imutáveis. Elas são alteráveis sempre que se alterarem as circunstâncias em que se fundaram. Trata-se duma espécie de caso julgado, sujeito a uma cláusula “rebus sic stantibus” ou seja um caso julgado com efeitos temporalmente limitados[3], donde carecer de ficar explicitada na decisão todo o concreto acervo factual que a fundou, sob pena de postergação do direito constitucional a uma tutela jurisdicional efetiva.

Consequência da inobservância deste dever de fundamentação será então a nulidade da decisão recorrida, que não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão – cfr. arts. 615º, nº 1, al. b) e 613º, nº 3 do n.C.P.Civil.

Mas será que na decisão sob recurso conclusivamente se expôs a convicção a que se chegou, com base em premissas não explicitadas ou cujo sentido não fosse apreensível?

Não ocorreu isso de todo!

Muito antes pelo contrário: a Exma. Juíza a quo enunciou em medida relevante a factualidade que tinha por “provada”, sendo com base nela que tomou as decisões que se impunham sobre os diversos aspectos da regulação das responsabilidades parentais para um caso de separação de facto dos progenitores da menor, sendo que em relação ao Requerido foram concretamente especificados sob “13-” a “22-” e “25-” o que é que se dava como apurado factualmente em relação ao Requerido.

Por outro lado, ainda que na sentença tenha ocorrido uma apreciação menos sistematizada e menos conforme à normal sequência/ordem cronológica dos vários aspetos da regulação das responsabilidades parentais [consabidamente o aspeto da guarda, é usual ser o primeiro a ser tratado e apreciado, até por dele dependerem os demais – visitas e alimentos], o que é certo é que também, esse dito aspeto da guarda foi em concreto e especificamente apreciado, e sobre ele se operou uma escolha e/ou se tomou uma posição, como claramente flui do seguinte segmento dessa sentença:

«(…)

Relativamente à questão da guarda e residência habitual da criança, aliás como qualquer outra questão, ela deve ser aferida exclusivamente no sentido de ser preservado o superior interesse da própria criança e só dela.

Segundo decorre da prova recolhida, a criança encontra-se bem integrada, é uma criança feliz e tem um ótimo relacionamento tanto com o pai, como com a mãe (o que se louva e se deseja que seja preservado).

Ora, não se vê que a alteração da guarda nesta altura (questão que não é suscitada senão pelo desacordo relacionado com as despesas originadas pela frequência de uma escola privada, uma vez que o progenitor não acusa a progenitora de qualquer tipo de incapacidade ou inapetência), beneficiasse a criança em qualquer aspeto, na medida em que alteraria bruscamente as suas rotinas, afastá-la-ia do seu meio ambiente atual, dos seus companheiros de escola e das atividades que vem fazendo.

Por outro lado, o progenitor, mercê da sua profissão e dos horários que tem, nunca teria a disponibilidade que tem a progenitora para acompanhar diariamente a filha, até por causa da profissão desta e pelo facto da filha frequentar a escola onde trabalha.

Por fim, tendo em conta o nascimento recente de um irmão, a atenção do pai teria, naturalmente, de ser dividida, o que acentuaria as queixas da criança reportadas pela sua Professora, de que gostaria de ter o pai mais tempo disponível para si.

Não há, por conseguinte, qualquer razão ponderosa para alterar a guarda da criança, que deverá continuar atribuída à progenitora, a quem continuarão a pertencer as decisões da vida quotidiana da criança, ficando as decisões nas questões relevantes confiadas a ambos os progenitores.

(…)»

Termos em que, sem necessidade maiores considerações, improcede esta arguição de nulidade.

                                                                             ¨¨

E que dizer da arguição de nulidade por omissão e excesso de pronúncia [art. 615º, nº 1, al.d) do n.C.P.Civil]?

Atente-se que quanto a este segundo núcleo visado pelo recurso, a vertente da omissão decorreria de não ter havido pronúncia relativamente ao já referido aspeto da guarda da menor, e a vertente do excesso de se ter consignado no ponto de facto “provado” sob “2-” o segmento «Os progenitores da criança estão separados desde 2017», quando o Tribunal sobre tal «não podia tomar conhecimento, uma vez que não houve produção de prova para que o facto fosse corretamente dado como provado».

Será assim?

Também a esta questão a nossa resposta é claramente negativa.

Senão vejamos.

Nos termos da dita al. d) do nº 1 do art. 615º do n.C.P.Civil, verifica-se a nulidade da sentença quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Na verdade, à luz do disposto neste normativo, a decisão padece do vício da nulidade quer no caso de o juiz conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento, quer no caso de deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, isto tendo-se presente que o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras – art. 608º, nº 2 do mesmo n.C.P.Civil.
Ora, tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, que apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o “thema decidendum”, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista nesse preceito legal.

Questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.

Coisa diferente são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões no sentido do art. 615º nº 1, al.d), do n.C.P.Civil…

Ora se assim é, importa concluir que não foi cometido o aludido vício, em qualquer das suas vertentes – omissão ou excesso.

O da omissão, porquanto, tal como supra já explicitado, não houve qualquer omissão sobre esse aspeto da guarda da menor.

Já quanto ao aspeto do excesso, releva decisivamente que a data da separação do casal seguramente não é uma questão que integrasse o “thema decidendum” numa ação de regulação das responsabilidades parentais, acrescendo que nem sequer houve qualquer pronúncia em termos de “decisão” constante do “dispositivo”!

Donde, se esse elemento da data da separação do casal consta num ponto de facto “provado”, tal é perfeitamente inócuo nos termos e para os efeitos da verificação da nulidade ora em apreciação.

Termos em que igualmente improcede claramente esta via de argumentação aduzida pelo Requerido/recorrente como fundamento para a procedência do recurso, sem embargo do que competirá decidir na apreciação do também alegado fundamento recursivo da “impugnação da matéria de facto” que visa esse mesmo ponto de facto “provado” sob “2-”.

 3.3 – Erro da decisão sobre a matéria de facto [quanto aos pontos de facto “provados” sob 2), 5), 7), 8), 9), 10), 11), 12) e 19), dados por “provados” incorretamente]:

Vejamo-los um por um, o que vamos fazer no confronto com a redação constante da decisão sob recurso.

«2 – Os progenitores da criança estão separados desde 2017 e divorciados por sentença transitada em julgado em 16.05.2019; »

Neste particular, sustenta o Requerido/recorrente que a data da separação do casal consignada corresponde a uma alegação na p.i. da Requerente/recorrida, que ele  Requerido/recorrente nunca aceitou.

Que dizer?

Que se reconhece, no essencial, razão ao exposto pelo Requerido/recorrente, à luz do bom princípio de que os factos dados como apurados devem corresponder ao que se encontra efetivamente apurado ou se encontre consensualmente aceite (nomeadamente por acordo das partes), e bem assim de que devem transmitir a realidade mais fiel que for possível.

Assim sendo, constatando-se que não foi efetivamente feita qualquer prova consistente ou concludente quanto a esse aspeto, nem o consignado se pode considerar fruto do acordo das partes, no acolhimento da pretensão apresentada quanto a este particular, reelabora-se a redação quanto a este ponto de facto, a qual passa a ser do seguinte teor:

«2 – Estando os progenitores da criança separados, veio a ser decretado o seu divórcio por sentença transitada em julgado em 16.05.2019; »

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«5 – Depois da separação do casal, a requerente arranjou novo emprego como educadora de infância no ..., tendo passado a viver com a filha nessa localidade;»

Quanto a este ponto, a discordância do Requerido/recorrente focaliza-se em que a redação consignada deixa por esclarecer em que data é que efetivamente a Requerente alterou a sua residência e a da menor, que não se encontra provado que a Requerente arranjou um emprego como “educadora de infância”, acrescendo que a redação não contempla a relevante circunstância de que aquela alteração de residência teve lugar sem que fosse dado conhecimento a ele Requerido ora recorrente e/ou obtida a sua concordância com tal.

Que dizer?

Quanto ao primeiro aspeto, parece-nos incontornável e insofismável, na economia dos autos, que a alteração de residência se operou depois da separação de facto do casal – senão sendo mesmo a concretização desta última! – não relevando para a boa decisão da causa uma qualquer pormenorização ou melhor concretização nesse particular.

Já quanto ao aspeto de a Requerente ter arranjado um emprego como “educadora de infância” no Colégio ..., tal consta suficientemente atestado no Relatório social de fls. 147-151, para além de que igualmente dado como positivamente apurado no ponto de facto “provado” sob “7-” e nessa parte não impugnado, sendo certo que está em causa o decisivo aspeto de ser essa concreta categoria profissional que lhe confere o desconto na mensalidade devida pela inscrição da filha.

Finalmente, as circunstâncias dessa mudança de residência encontram-se já, no que releva, dadas como “provadas” no ponto de facto “6-”.

Improcede, assim, totalmente a pretensão visada quanto a este ponto de facto “provado” sob “5-”.

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«7 – A mensalidade no colégio é de €305,00, mas a I... usufrui de um desconto de €106,75 por ser filha de uma professora da escola, pagando €225,00 mensais, os quais incluem €27,50 pela atividade extracurricular de ballet praticada pela criança (doc. n.º 4 entregue com as alegações, a fls. 95);»

Quanto a este ponto, a reclamação resume-se – como sublinhado pelo próprio Requerido ora recorrente! – ao alegado lapso de escrita no valor final da mensalidade, a saber, de “€225,75” e não de €225,00”, como se encontra grafado.

Na medida em que esta reclamação encontra fundamentação positiva no teor literal do doc. de fls. 95, aliás nele mesmo referido, importa acolhê-la sem mais.

Nestes termos, no deferimento da reclamação quanto a este ponto de facto, determina-se que a sua redação passa a figurar doravante pelo seguinte modo:

 «7 – A mensalidade no colégio é de €305,00, mas a I.. usufrui de um desconto de €106,75 por ser filha de uma professora da escola, pagando €225,75 mensais, os quais incluem €27,50 pela atividade extracurricular de ballet praticada pela criança (doc. n.º 4 entregue com as alegações, a fls. 95);»

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«8 – Segundo o relatório social relativo à progenitora, a remuneração líquida mensal da mesma é de €976,40 (fls. 149), recebendo presentemente €100,00 da pensão de alimentos da filha;»

A divergência do Requerido ora recorrente quanto a este ponto de facto consiste em que a redação consignada deu acolhimento ao “relatório social”, quando ele próprio havia apontado oportunamente ao mesmo “várias incongruências”, «não tendo a Requerente apresentado o respectivo recibo de vencimento».

Que dizer?

Que em processo de jurisdição voluntária como é o presente, parece-nos perfeitamente curial que o princípio da livre apreciação da prova (cf. art. 607º, nº5 do n.C.P.Civil) vigore na sua plenitude, acrescendo que confrontado o contraditório exercido pelo Requerido ora recorrente ao Relatório social em causa (cf. fls. 157-159), nada se deteta de oposição/impugnação quanto a esse específico aspeto, donde nada haver a censurar ao que a redação consignada quanto a este ponto de facto exprime.

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«9 – Segundo a declaração de IRS da progenitora relativa ao ano de 2018, a sua remuneração anual bruta foi de €17.167,52 (fls. 89), valor que, descontadas as retenções na fonte e as contribuições, coincidem com o valor mensal declarado no relatório social;»

Neste particular, a reclamação do Requerido ora recorrente centra-se na alegação de que a Requerente não juntou os respetivos recibos de vencimento, para além de que «o documento apresentado não corresponde à Declaração de IRS devidamente validada».

Que dizer?

Que para além de se dar aqui por integralmente reproduzido o que se invocou na apreciação do ponto de facto imediatamente antecedente, acresce ainda que a redação consignada não alude a qualquer Declaração “validada”, donde se indeferir sem mais a esta impugnação.

                                                                             ¨¨

  «10 – A progenitora paga de renda de casa €450,00 mensais (conforme recibo de renda eletrónico de fls. 93);»

  A divergência do Requerido ora recorrente quanto a este ponto de facto consiste em que os recibos apresentados pela Requerente não podem fazer prova «na medida em que os mesmos não se encontram assinados pelo senhorio», para além de estrem desacompanhados do respetivo contrato de arrendamento.

Será assim?

Em nosso entender a resposta deve ser negativa, pela mesma ordem de razões já anteriormente invocada, a saber, o princípio da livre apreciação da prova e a livre convicção do julgador, sedimentados em prova documental bastante.

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«11- Para além da mensalidade do colégio da filha, que a requerente tem pago sozinha e da renda da casa acima referida, a requerente sinalizou, ainda, perante a Segurança Social (relatório de fls. 150), o pagamento mensal de consumos domésticos no montante de €70,00; transportes públicos em média mensal de €50,00; carregamento do telemóvel mensal de €14,50; alimentação da requerente e da filha no montante mensal de cerca de €200,00; almoço da filha, €60,00 mensais; prática de ballet pela filha, € 27,50 mensais; e semana ocupacional nas férias de verão no montante de  97,50 no ano de 2019.»

A impugnação do Requerido ora recorrente quanto a este ponto de facto consiste na alegação de que o seu primeiro segmento contém uma incorreção de base, na medida em que ele Requerido ora recorrente sempre cumpriu com as suas obrigações de pai, mesmo antes de lhe ser imposto o pagamento da pensão de alimentos de €100,00, para além de que o Tribunal se bastou, incorretamente, quanto aos valores/montantes das despesas referenciadas, com a informação prestada pela Segurança Social.

Que dizer?

Que quanto primeiro aspeto, salvo o devido respeito, exprime ele pouco mais do que um mero “jogo de palavras”, desconsiderando ostensivamente que a redação consignada pretende expressar a realidade materialmente existente em termos do pagamento processado e nada mais do que isso, nomeadamente não denegando que  também se encontra dado como “provado” o pagamento por ele de € 100,00 a título de “pensão de alimentos” (fruto do “acordo provisório” fixado), sendo que quanto ao demais, pela mesma ordem de razões já anteriormente expressa, face ao princípio da livre apreciação da prova e da livre convicção do julgador, também claramente improcede uma tal alegação.

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 «12 – Tanto o progenitor da requerente, como o cunhado e a irmã gémea declararam prestar ajuda económica à requerente, para completar as necessidades de mãe e filha, que não podem ser satisfeitas unicamente pelo seu vencimento (declarações do pai, cunhado e irmã, ouvidos na audiência de 23.06.2020);»

A divergência do Requerido ora recorrente quanto a este ponto de facto centra-se na discordância da convicção alcançada pela Exma. Juíza de 1ª instância face aos depoimentos das testemunhas em causa, transcrevendo para o efeito alguns segmentos da gravação áudio dos mesmos.

Que dizer?

Que, salvo o devido respeito, não podemos de todo concordar com tal pretensão, na medida em que não constitui ela a melhor e mais adequada interpretação do sentido das palavras das testemunhas em referência, sempre à luz da livre convicção com que tal tem que ser operado.

Atente-se que a redação deste ponto de facto, na sua literalidade, apenas expressa que as testemunhas “declararam prestar ajuda económica”, sendo que tal, mesmo nos segmentos transcritos, resulta claramente confirmado e não vislumbramos como questionar.

Diferentemente seria se porventura essas testemunhas tivessem aludido a quantias monetárias concretas e precisas – que correspondentemente surgissem acolhidas na redação deste ponto de facto! – mas tal nem é o caso.

Assim sendo, por não vislumbrarmos que a redação deste ponto de facto evidencie algum “erro de julgamento”, improcede a reclamação que visava a eliminação do mesmo do elenco dos factos “provados”.

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«19 – A companheira do requerido vive em ..., onde o requerido também vive, durante as suas folgas e tempos livres, colaborando com as despesas deste agregado, que não especificadas (declarações das testemunhas ouvidas em audiência); e tem uma filha de 14/15 anos;»

Quanto a este ponto, a redação proposta pelo Requerido/recorrente (cf. «A companheira do Requerido vive em ... com a sua filha de 14/15 anos, onde o Requerido também vive, durante as suas folgas e tempos livres; devido às dificuldades económicas da companheira, o Requerido suporta as despesas deste agregado familiar que também incluiu o filho do Requerido que nasceu em Julho de 2020.») apenas diverge, afinal, relativamente às despesas do “novo” agregado familiar do Requerido – enquanto no facto “provado” consta que o Requerido “colabora” com essas despesas, na redação reclamada ficaria a constar que o requerido “suporta” essas despesas.

Que dizer?

Que se bem percebemos, a utilização do vocábulo “suportar” as despesas, expressaria o sentido e significado de que seriam essas despesas todas do encargo ou responsabilidade do Requerido ora recorrente.

Ora se assim é, em nosso entender, esta pretensão não logra concludente nem consistente apoio nos meios de prova invocados (mormente nos segmentos transcritos da gravação áudio do depoimento da testemunha ...), sendo, aliás, contraditória com a própria circunstância das enfáticas dificuldades económicas que ele Requerido alega ter, e até por ele reconhecer – e estar “provado”! – que a atual “companheira” tem alguns rendimentos (cf. facto “provado” sob “21-”).

Assim sendo, a redação consignada neste ponto de facto, a saber, que o Requerido “colabora” com as despesas do “novo” agregado familiar, para além de ser a que tem apoio mais seguro nos elementos de prova produzidos nos autos, é muito mais consentânea com a normalidade das situações e com o que nos dizem as regras da experiência.

Isto tanto mais que essa “colaboração” nem se encontra quantificada nem concretizada…

Termos em que também improcede a pretensão/reclamação quanto a este último ponto de facto “provado”.

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Em conclusão:

A impugnação relativamente à decisão sobre a matéria de facto apenas teve acolhimento traduzido na reelaboração da redação quanto aos pontos de facto “provados” sob “2-“ e “7-”.

                              4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1 - questão do erro da decisão de mérito, ao atribuir a guarda singular e exercício das responsabilidades parentais à progenitora Requerente, e bem assim quanto ao montante da pensão de alimentos a pagar pelo Requerido:

Neste particular, o Requerido ora Recorrente começa por discordar do que ficou decidido na sentença recorrida, a saber, a atribuição total à progenitora Requerente das prerrogativas da guarda singular e exercício das responsabilidades parentais (rectius, «todas as questões da vida corrente da filha») relativamente à menor I...

Mais concretamente, o Requerido ora recorrente ab initio clama no sentido de que a menor devia ficar entregue à guarda e cuidados do próprio – fixando-se a sua residência na cidade de Lamego – e isto tendo em linha de conta a afirmação da igualdade entre ambos os progenitores e o reconhecimento da necessidade de intervenção de ambos em igual medida no exercício da parentalidade.

Será assim?

Em nosso entender, não é de se lhe dar acolhimento quanto a uma tal pretensão.

E isto pela liminar e decisiva razão de que o superior interesse da menor não permite ou consente uma tal opção.

Senão vejamos.

Argumentou-se na sentença recorrida, no essencial, que a menor estava bem integrada no contexto da sua entrega aos cuidados e responsabilidade direta da progenitora, situação esta que não era de alterar em atenção ao determinante critério do superior interesse da menor.

Com efeito, ponderou-se – e em nosso entender corretamente! – que uma eventual alteração (leia-se, para entrega à guarda e cuidados do progenitor aqui Requerido e ora recorrente) dessa situação implicaria necessariamente uma alteração indesejável nas rotinas instaladas e equilíbrio da atual inserção no meio escolar por parte da menor, sem ganho/melhoria consistente ou positivo para esta, que se consiga vislumbrar.

Atente-se que essa alteração até se evidencia como dificilmente sustentável sob o ponto de vista das condições atuais e concretas do progenitor, porquanto, como doutamente sublinhado na sentença recorrida, «mercê da sua profissão e dos horários que tem, nunca teria a disponibilidade que tem a progenitora para acompanhar diariamente a filha, até por causa da profissão desta e pelo facto da filha frequentar a escola onde trabalha.»

Por outro lado – ainda que o Requerido e ora recorrente não o reivindique direta e expressamente – cremos que igualmente é de postergar uma solução instituindo um regime de “guarda partilhada”, mormente em atenção a que esse eventual regime da residência alternada iria fortalecer e potenciar as relações de afetividade “de qualidade” entre o pai e a filha, por contraponto às atuais/existentes condições de convivência com esta, decorrentes do regime vigente, a saber, com a menor confiada à progenitora, e estando estabelecido um regime de visitas ao progenitor com frequência quinzenal.

Isto com o sentido de que uma tal solução alternativa iria permitir ao progenitor conviver mais e melhor com a menor, e com ela estabelecer laços afetivos com outra consistência e qualidade (até tendo presente o que seria a igual pretensão já manifestada pela menor).

Temos presente que a recente Lei nº 65/2020, de 4 de novembro, veio estabelecer as condições em que o tribunal pode decretar a residência alternada do filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento dos progenitores, alterando o Código Civil.

Mais concretamente, foi visado o art. 1906º deste normativo, cujo nº 6 passou a ser do seguinte teor:

«6 - Quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos.»

Esta alteração veio tornar expressa a possibilidade de ser fixado o regime de guarda partilhada, com residência alternada, mesmo para os casos em que não haja mútuo acordo entre os progenitores nesse sentido.

Na verdade, vinham-se perfilando distintos e contrapostos entendimentos ao nível doutrinal e jurisprudencial sobre essa questão, ora sustentando-se a necessidade de acordo dos progenitores e inexistência de conflito entre os mesmos[1], ora advogando-se que a residência alternada é possível mesmo contra a vontade dos progenitores e da existência de conflito entre eles, contanto que essa solução se revele a mais adequada à satisfação do superior interesse da criança[2].

De referir que os adeptos dos posicionamentos em confronto vinham esgrimindo diversos argumentos em sustentação da respetiva tese[3], que vão desde considerar que um regime de alternância de residência se revela desajustado no que respeita à consolidação dos hábitos, valores, e ideias na mente do menor, com prejuízo para a formação da sua personalidade, sobretudo em crianças de tenra idade, face ao revezamento sistemático entre casas e pais, com padrões de vida diferentes, saindo o mesmo “prejudicado” em resultado das separações repetidas relativamente a cada um dos seus progenitores, causadas pela constante mudança de residência.

Por outro lado, tem sido defendido que a residência alternada possibilita – se os progenitores souberem aproveitar as virtualidades desse regime de residência – que o filho volte a ter com os progenitores uma relação o mais próximo possível da que com eles mantinha antes da separação, evitando, desse modo, quebrar a relação afetiva que antes tinha com ambos.

Ademais, o objetivo de fixar responsabilidades parentais não deve (salvo se se registarem situações que objetivamente o justifiquem!) ser escolher um dos progenitores, mas antes verificar as potencialidades dos dois e organizar a nova relação entre eles e o filho.

Não obstante o vindo de dizer, sucede que in casu uma tal solução alternativa também se deve considerar definitivamente desaconselhada, senão mesmo fisicamente impossibilitada.

É que a circunstância de os progenitores terem residências distando um do outro mais de 120 Km (Lamego e Vila Nova de Gaia, cf. doc. de fls. 128 vº), liminarmente arreda que se considere sequer uma tal opção, pela impraticabilidade real de ser adotada.

Na verdade, e não pondo em causa a ligação afetiva que ambos os progenitores mantêm com o menor, bem como a capacidade de princípio por parte de qualquer um deles para desempenhar o papel de “cuidador primário” ou de “referência” do menor[4], a dita distância geográfica impede, ab initio, a opção por um exercício conjunto das responsabilidades parentais com residência alternada: o menor tinha necessariamente de ficar a residir ou com um, ou com outro, com as restrições gravosas que tal distância naturalmente importa para o regime de visitas relativamente ao progenitor com quem o menor não fique a residir.

Partindo de um conceito indeterminado – interesse da criança – enquanto critério para determinação da residência do menor e dos direitos de visita (arts. 1906º, nºs. 5 e 7, do C.Civil e arts. 37 º e 40º do RGPTC), o legislador aponta alguns elementos concretizadores de tal conceito: «todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro» (artigo 1906º, nº 5); o interesse da criança de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores (artigo 1906º, nº7).

Sendo que, dentro das “circunstâncias relevantes”, o juiz deve atender a qual dos pais, na constância do casamento ou da vida em comum desempenhou, em termos predominantes, as tarefas de cuidado primárias em relação à criança no dia-a-dia (a regra da pessoa de referência), em vez de atender a critérios de igualdade formal entre os pais ou a critérios psicológicos, insuscetíveis de avaliação objetiva ou se deixar envolver por situações transitórias que no momento do divórcio ou da separação se manifestem[5].

A fim de minorar a subjetividade das decisões naqueles casos em que ambos os pais se encontram efetivamente ligados à criança e igualmente capazes de cuidar dela, MARIA CLARA SOTTOMAYOR[6] aponta o seguinte conjunto de fatores a ter em causa pelo juiz: i) relação afetiva da criança com cada um dos pais; ii) disponibilidade de cada um deles para prestar à criança os cuidados necessários à sua saúde, alimentação e educação social, cultural e moral; iii) o grau de desenvolvimento da criança e as suas necessidades; iv) a preferência da criança e a continuidade das relações afetivas e do ambiente em que tem vivido.

Por fim, não nos podemos esquecer que, encontrando-se os progenitores separados há alguns anos, à data da decisão recorrida (Julho de 2020), estava sedimentada a vivência da menor com a progenitora, na cidade de Vila Nova de Gaia, nada existindo de negativo quanto a tal desde a sua adaptação a essa nova realidade, donde uma alteração não só podia ser perspetivada como fator de perturbação, como podia constituir um fator de incerteza quanto a uma eventual nova integração/adaptação, tudo circunstâncias que impunham uma ponderação cuidada e criteriosa, sempre tendo em vista o efetivo e superior interesse da menor.

Neste conspecto, importava naturalmente evitar os danos provocados pelo afastamento da figura primária de referência da vida quotidiana doa menor – a progenitora Requerente ora recorrida – no caso de a guarda ser transferida a favor do outro progenitor (o Requerido ora recorrente), o qual formulava tal pretensão em sede recursiva! 

Com o cremos soçobrar inabalavelmente o argumento de que a decisão decretada é desajustada e inadequada aos interesses da menor.

Posto que, quanto a nós, para o desenvolvimento da criança é menos traumatizante a manutenção do adotado nível de contacto com o progenitor sem a guarda, do que uma rutura na relação com o progenitor com quem tem vivido, que é aquele com quem tem uma relação afetiva mais próxima.

Esta é efetivamente a posição doutrinária mais fundada nesta matéria, como claramente evidenciado em obra autorizada, quando se sustentou designadamente que não podendo ser legitimamente coartada a liberdade de circulação do progenitor guardião, o mais correto enfoque dogmático em termos de fundamento e natureza jurídica do direito de visita do progenitor não guardião – como “poder-dever” e “poder funcional”, isto é, como um direito de conteúdo altruístico em primeira linha – postula o entendimento de que «a criança seria a verdadeira beneficiária do direito de visita (sujeito activo), sendo o visitante, o devedor de uma obrigação de facto positiva de que a criança é credora e o guardião o titular de uma obrigação negativa (não interferir nas relações da criança com o outro progenitor) e de uma obrigação positiva (facilitar o exercício do direito de visita).».[7]

Assim sendo, nada vemos que censurar – mormente face ao quadro fáctico efetivamente “provado” e que pode ser considerado – neste particular da sentença recorrida, aqui se incluindo, então, o seu segmento «O progenitor poderá contactar com a filha, por qualquer meio, sempre que quiser, devendo estar com ela quinzenalmente, indo buscá-la ao colégio que frequenta na sexta-feira e levando-a a casa da progenitora no domingo, cerca das 21h00.»

Vejamos agora do demais.

Sendo certo que aqui entronca, afinal, a apreciação da argumentação “subsidiária” do Requerido ora recorrente, a saber, a alegação de que não sendo dada procedência ao pedido de atribuição ao próprio da guarda da menor, «deverá ser parcialmente convertido em definitivo o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais fixado provisoriamente no âmbito da Conferência de Pais realizada no passado dia 16 de maio de 2019, apenas até Setembro de 2019, regime no qual a menor deverá ficar entregue à guarda e cuidados da mãe, fixando-se a sua residência na Rua ..., e deverá fixar-se a pensão de alimentos no valor de €100,00 mensais, acrescido de 50% do valor das despesas médicas, medicamentosas, escolares obrigatórias (no ensino regular público) e ainda das despesas com atividades extracurriculares acordadas previamente entre os progenitores», o que complementa com a alegação enfática de que «É mesmo completamente irreal que o Requerido possa, ou tenha condições, de pagar uma pensão de alimentos no valor mensal superior a €100,00 (cem euros), e mais ainda, nem a menor tem necessidades a título de alimentos que ultrapassem tal valor.»

Que dizer?

Como é bom de ver, o enfoque principal desta argumentação consiste no montante de alimentos para a filha que foi fixado na sentença recorrida, em síntese, o pagamento da quantia mensal de €170,00, acrescido do pagamento de metade das despesas extraordinárias com a saúde, médicas e medicamentosas e bem assim  escolares da criança, só estas últimas avultando ao montante de €112,50 (que corresponde a metade do valor pago a título de mensalidade do colégio e da atividade extracurricular ballet – cf. facto “provado” sob “7-”).

Vejamos.

Consabidamente, os pais estão obrigados a contribuir para os alimentos dos filhos (cfr. art. 1878º, nº 1, do C.Civil) e, por isso, cada um dos progenitores tem de contribuir dentro do que lhe for humanamente possível para a alimentação dos filhos e se alguém tiver de fazer sacrifícios ou passar necessidades, tal situação deve onerar, em regra, os progenitores.

Esta oneração colocada a cargo dos progenitores funda-se no facto dos filhos enquanto menores, e logo após a maioridade, serem seres humanos em formação e desenvolvimento e da circunstância do seu futuro depender, em regra, desta formação e deste desenvolvimento; em contrapartida, os progenitores já passaram por essa fase e embora possam melhorar as suas vidas e fazer, eventualmente, hoje o que não fizeram nessas idades, já nada podem fazer para alterar o passado.

 Daí que o interesse dos filhos deva prevalecer por ser atual e prioritário em relação ao interesse dos progenitores.

Face a estes princípios, cumpre estabelecer entre os progenitores um patamar de igualdade, de proporcionalidade, que passa por verificar:

• quanto despende a filha por mês;

• quanto recebem líquido os progenitores por mês e qual a percentagem de cada um para esse total;

• quanto sobra a cada progenitor depois de deduzidas as despesas fixas de cada um e qual a percentagem de cada um nesse total líquido.

Se se aplicar a percentagem de cada um neste total líquido ao total das despesas da filha encontrar-se-á uma proporção que satisfará, em regra a igualdade entre os progenitores.

Não tem de ser sempre assim, pois, por exemplo, por vezes, há progenitores que cuidam dos filhos e isso implica que evitem muitas despesas que existiriam se esses serviços fossem prestados por terceiros ou deixam de auferir rendimentos porque ocupam o tempo a cuidar dos filhos.

Outras vezes, quando os rendimentos de ambos forem elevados, podem as contribuições ser iguais, muito embora um aufira mais que o outro.

Vejamos então.

A menor dos autos, I..., nascida a 20.07.2012, depende economicamente em absoluto dos pais, por não ter qualquer rendimento próprio, e até pela sua menoridade.

Provou-se (cf. factos “provados” sob “7-”, “10-” e “11-”) que a mensalidade no colégio desta é de €225,00 (incluindo €27,50 pela atividade extracurricular de ballet), ao que acrescem as despesas que a progenitora (que a tem a seu cargo) necessariamente despende, nomeadamente em alojamento (renda de casa para as duas de €450,00 mensais), alimentação (para as duas no montante mensal de cerca de € 200,00, sendo ainda no almoço da menor, € 60,00 mensais), semana ocupacional nas férias de verão no montante de €97,50 (no ano de 2019), despesas estas a que importa aditar as normais despesas em vestuário, calçado, aquisição de livros e material escolar, e demais despesas do dia-a-dia, estas últimas ascendendo a valor não concretamente apurado.

Por seu turno, provou-se (cf. factos “provados” sob “14-”, “16-”, “17-” e “18-”) que o progenitor, aqui Requerido/recorrente, recebe líquidos €1.212.95, sendo que apresenta encargos mensais que totalizam €589,42 [= €147,63 de prestação de crédito a habitação + €26,79 de investimento não especificado em imobiliário + €20,00 em consumo de energia elétrica + €15,00 em consumo de água + €20,00 em consumo de gás + €70,00 em telecomunicações + €45,00 em mensalidade do condomínio + €45,00 em seguros + €200,00 de média mensal dos gastos com as deslocações automóvel no exercício do direito de visita à filha], donde um montante de €623,53 disponível mensalmente para as suas demais despesas pessoais [em alimentação, vestuário (quer com ele próprio, quer enquanto integrado no novo agregado familiar que entretanto constituiu e com o qual passa as suas “folgas e tempos livres” (e de que faz parte um filho recém-nascido), para cujas despesas “contribui”), e bem assim com deslocações em automóvel  e  demais despesas do dia-a-dia, todas estas ascendendo a valor não concretamente apurado] e encargos que já vem cumprindo [€100,00  mensais de pensão de alimentos à menor provisoriamente fixada].

Já quanto à progenitora provou-se que tem a remuneração líquida mensal de €976,40, recebendo presentemente €100,00 da pensão de alimentos da filha, sendo que apresenta encargos mensais que totalizam €1069,50 [= €450,00 de renda de casa + €225,00 de mensalidade do colégio da filha + €200,00 de alimentação para si e menor + €60,00 no almoço da menor + €70,00 de consumos domésticos + €50,00 de transportes públicos + €14,50 de carregamento do telemóvel], donde, é fácil de concluir que lhe resulta um saldo muito reduzido de €6,90 [ =  €1076,40 -  €1069,50] para fazer face às demais despesas pessoais (designadamente em vestuário e calçado) e do dia-a-dia…

A esta luz, tendo presente o nível de despesas mensais fixas da menor supra especificado, importa concluir que a pensão de alimentos de €100,00 mensais provisoriamente fixada como pagamento pelo progenitor Requerido é insuficiente para cobrir aquelas, representando muito menos de 50% das mesmas, quando o rendimento disponível por parte dele é bastante superior ao da progenitora, pelo que a decisão recorrida quanto a esse particular, que se traduziu na fixação dessa pensão de alimentos em € 170,00 mensais, nos parece perfeitamente justa e equilibrada.

O que idem se diga quanto à determinação de que é obrigação do progenitor Requerido proceder ao pagamento de metade das despesas extraordinárias com a saúde, médicas e medicamentosas (não comparticipadas pelo sistema de saúde a que o pai tem direito, ou fora desse sistema, com prévio acordo do pai).

Já quanto à determinação de que é igualmente obrigação do progenitor Requerido proceder ao pagamento de metade das despesas escolares da criança (incluindo atividades extracurriculares nas quais o progenitor tenha dado o seu prévio consentimento), mediante os respetivos comprovativos, o que se traduziria no montante mensal de €112,50, é que dissentimos da sentença recorrida.

Com efeito, nesta parte parece-nos ser de acolher, pelo menos parcialmente, a argumentação do progenitor Requerido: não sendo agora de reverter a opção da progenitora de ter inscrito a menor no colégio privado onde ela própria leciona, designadamente porque o progenitor Requerido não deu a sua anuência a tal – isto na medida em que se reconhece justificação de princípio para tal e se compreende e aceita que assim tivesse ela procedido [mormente pela mais-valia educativa que tal representa, para além das vantagens funcionais na dinâmica vivencial do dia-a-dia pela proximidade física entre mãe e filha] – também nos parece que não será justo ser o progenitor Requerido meramente confrontado com esse facto consumado, nomeadamente para efeito de arcar com a despesa acrescida que o mesmo representa [face à alternativa do ensino público gratuito para a menor], pelo menos na proporção de metade dessa correspondente despesa.

Dito de outra forma: entendemos que nesta parte – e aqui ressalvando a atividade extracurricular do ballet, porque não resulta manifestar ele oposição a uma tal frequência – em atenção à situação económica do progenitor Requerido e ora recorrente, a saber, não ter ele «situação económica de grande desafogo económico»[8], a contribuição do mesmo deverá ser no pagamento apenas de ¼ da mensalidade do colégio (ao invés da metade determinada na sentença) .

Nestes termos mais singelos e restritos procedendo então apenas o recurso relativamente à sentença recorrida, o que será devidamente acolhido no “dispositivo”, a final.

Uma última nota para deixar esclarecido[9] que os alimentos ora fixados a título definitivo são devidos, nos termos legais (cf. art. 2006º do C. Civil), a partir da data da interposição da ação, ou seja, 6/9/2017 – tal é o regime legal, que nos parece perfeitamente pacífico e inquestionável, sendo certo que sendo atribuídos na sentença final alimentos definitivos em quantia superior aos que haviam sido fixados provisoriamente, aqueles serão também devidos desde a data da propositura da ação, sem embargo de se dever deduzir a quantia já paga a título de alimentos provisórios[10], tudo através duma operação matemática fundamentada e devidamente discriminada, sendo disso caso – o que também será devidamente acolhido no “dispositivo”, a final.  

4.2 - Concluindo-se, nos termos vindos de expor, pela parcial procedência do recurso deduzido pela Requerido/recorrente quanto ao recurso de apelação relativamente à sentença, falta agora esclarecer o sentido a dar ao demais suscitado em via recursiva pelo mesmo, mais concretamente ao recurso de apelação relativamente ao despacho de 20.09.2020 também deduzido pelo Requerido.

Cremos que a resposta já inteiramente se adivinha.

É que aquela procedência (parcial) do recurso sobre a sentença, mais concretamente pelo esclarecimento quanto ao prazo a partir do qual são devidos os alimentos, determinou e implicou a revogação da mesma para o efeito que ora releva e era objeto do recurso nessa parte.

Ora se assim é, temos desde logo que a apreciação deste recurso de apelação relativamente ao despacho de 20.09.2020 só teria que ter lugar caso a sentença tivesse subsistido qua tale, o que não sucedeu, como flui de tudo o que antecede.

O que tudo serve para dizer que, atenta a procedência dada na apreciação do recurso principal deduzido pelo Requerido/recorrente, não há que apreciar o recurso deduzido relativamente ao despacho de 20.09.2020, ficando obviamente prejudicada a apreciação de tudo o suscitado nessa sede.

Termos em que nada se impõe decidir neste âmbito, por prejudicada estar a sua apreciação.

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA

I – A recente Lei nº 65/2020, de 4 de novembro, veio estabelecer as condições em que o tribunal pode decretar a residência alternada do filho [em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento dos progenitores], alterando o Código Civil, face a cujo nº 6 do art. 1906º, é agora expressa a possibilidade de ser fixado o regime de guarda partilhada, com residência alternada, mesmo para os casos em que não haja mútuo acordo entre os progenitores nesse sentido.

II – Contudo, uma tal solução alternativa deve-se considerar definitivamente desaconselhada, senão mesmo fisicamente impossibilitada, atenta a circunstância de os progenitores terem residências distando um do outro mais de 120 Km, pela impraticabilidade real de ser adotada.
III – A determinação da prestação de alimentos a filho menor a cargo do progenitor não guardião e a fixação da sua medida, far-se-á por meio da ponderação cumulativa do binómio necessidade (de quem requer os alimentos) / possibilidade (de quem os deve prestar), em conformidade com o disposto no artigo 2004º do Código Civil.

IV – O que não dispensa um momento de equidade no juízo final de ponderação, nomeadamente em função da objetiva desproporção dos rendimentos/encargos de cada um dos progenitores.

V – Assim, a contribuição dos pais para alimentos dos filhos – artigo 1878º, nº 1, do Código Civil – deve estabelecer entre eles um patamar de igualdade, de proporcionalidade, o qual passa por fixar as despesas mensais dos filhos; verificar o que sobra a cada progenitor, depois de deduzidas as despesas fixas de cada um e estabelecer, de seguida, uma contribuição proporcional às disponibilidades de cada progenitor, sem abstrair do mínimo necessário à sobrevivência dos progenitores.

                                                                                         *

6 - DISPOSITIVO

Face ao exposto, julgando-se parcialmente procedente o recurso deduzido pelo Requerido/recorrente, Â..., altera-se a sentença recorrida sobre o exercício das responsabilidades parentais entre os progenitores da menor I... quanto ao seu item “e)”, e reformula-se a mesma através do aditamento do item “f)”, sendo que os ditos itens passarão a ser do seguinte teor:

«e) O pai contribuirá, a título de pensão de alimentos para a filha, com a quantia mensal correspondente a €170,00 (cento e setenta euros), a pagar à progenitora até ao dia oito de cada mês, a que acrescerá o pagamento de metade das despesas extraordinárias com a saúde, médicas e medicamentosas (não comparticipadas pelo sistema de saúde a que o pai tem direito, ou fora desse sistema, com prévio acordo do pai) e ainda das despesas com atividades extracurriculares (acordadas previamente entre os progenitores), mediante os respetivos comprovativos, sendo que quanto às despesas escolares da criança no colégio que frequenta, o pagamento será de ¼ das mesmas.»;

«f) Os alimentos ora fixados a título definitivo são devidos, nos termos legais (cf. art. 2006º do C. Civil), a partir da data da interposição da ação, ou seja, 6/9/2017, sem embargo de se dever deduzir nos mesmos a quantia já paga a título de alimentos provisórios.»

Mais se declara expressamente que se considerou prejudicada a apreciação do recurso relativamente ao despacho de 20.09.2020.

Custas do recurso sobre a sentença a cargo de ambos os progenitores, na proporção de 6/7 para o Requerido/recorrente e de 1/7 para a Requerente/recorrida, sendo as custas do recurso relativamente ao despacho de 20.09.2020 inteiramente a cargo do Requerido/recorrente.

               Registe, notifique e demais d.n. após trânsito.

                                                                          Coimbra, 8 de Julho de 2021

Luís Filipe Cravo

          Fernando Monteiro

                                                           Ana Márcia Vieira

[1] Tribunal de origem: Juízo de Família e Menores de Lamego – do T.J. da Comarca de Viseu
[2] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Ana Vieira

[3] cf., “inter alia”, o acórdão do T. Rel. de Coimbra de 17-04-2012, no processo nº 1483/09.9TBTMR.C1, acessível in www.dgsi.pt/jtrc, o qual não obstante proferido no quadro do pré-vigente C.P.Civil entendemos que mantém plena atualidade face ao n.C.P.Civil.

[4] Cfr. J.P. REMÉDIO MARQUES, in “Algumas notas sobre alimentos (devidos a menores)” – Centro de Direito de família – vol. 2 , a págs. 106.


[5] Cfr., neste sentido e inter alia, os acórdãos do TRC de 5.05.2009 (proferido no proc. nº  530/07.3TBCVL-A.C1), do TRL de 7.11.2013 (proferido no proc. nº 7598/12.9TBCSC-A.L1-6), de 18.03.2013 (proferido no proc. nº 3500/10.0TBBRR.L1-6) e de 14.02.2015 (proferido no proc. nº 1463/14.2TBCSC.L1-8) e do TRP de 13.05.2014 (proferido no proc. nº 107/08.6TBVFR-A.P1) e de 28.06.2016 (proferido no proc. nº 3850/11.9TBSTS-A.P1), todos acessíveis em www.dgsi.pt; na doutrina, vide CLARA SOTTOMAYOR, in “Regulação do exercício das responsabilidades parentais nos casos de divórcio, 6ª ed. revista, págs. 262 e seguintes e JOANA SALAZAR GOMES, in “O superior interesse da criança e as novas formas de guarda, 2017, págs. 101 e seguintes.
[6] Assim, inter alia, os acórdãos do TRC de 24.10.2017 (proferido no proc. nº 273/13.9TBCTB-A.C1) e de 27.04.2017 (proferido no proc. nº 4147/16.3T8PBL-A.C1), do TRE de Évora de 9.11.2017 (proferido no proc. nº 1997/15.1T8STR.E1) e de 7.06.2018 (proferido no proc. nº 4505/11.0TBPTM.E1), do TRL de 17.12.2015 (proferido no proc. nº 6001/11.6TBCSC.L1-6) e de 24.01.2017 (proferido no proc. nº 954/15.2T8AMD-A.L1-7) e do TRG de 2.11.2017 (proferido no proc. nº 996/16.0T8BCL-C.G1), todos acessíveis em www.dgsi.pt.; na doutrina, entre outros, GUILHERME DE OLIVEIRA, A residência alternada na Lei nº 61/2008, in “Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Carlos Pamplona Corte Real”, 2016, JOSÉ LAMAS LEITE, in “Revista do Ministério Público, nº 151 (julho-setembro de 2017), págs. 65-81 e JOAQUIM MANUEL DA SILVA, in “A família das crianças na separação dos pais – A guarda compartilhada, 2016, págs. 135 e seguintes.
[7] Mais aprofundadamente sobre tal, vide o acórdão do TRL de 7.08.2017, proferido no proc. nº 835/17.5T8SXL-A-2), acessível em www.dgsi.pt/jtrl.
[8] Capacidade atestada pelos relatórios sociais juntos aos autos.
[9] Neste sentido, Maria Clara Sottomayor, segundo a qual este critério é o mais indicado para decidir uma disputa de guarda entre os pais por ser o mais objetivo, evitando a intervenção excessiva dos tribunais em assuntos privados da família ou nos conflitos parentais, permitindo decisões mais rápidas e consentâneas com a vontade da criança e com a estabilidade da relação afetiva principal – “Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio”, 5ª ed., Livª Almedina, pág. 26, em especial, nota 30.
[10] Obra citada, a págs. 48.

[11] Citámos agora MARIA CLARA SOTTOMAYOR, in “Exercício do Poder Paternal”, Estudos e Monografias, Publicações Universidade Católica, Porto 2003, a págs. 290.
[12] como sublinhado na sentença.
[13] Tendo em conta a discordância que motivou autonomamente um recurso quanto a tal relativamente ao decidido em 1ª instância.
[14] Cf., neste sentido, o acórdão do TRL de 9/03/2004, proferido no proc. nº 5506/2003-7, acessível em www.dgsi.pt/jtrl.