Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
40/08.1TAPNH.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
Data do Acordão: 12/20/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - 1º JUÍZO CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 256º, N.º 1, AL. D), DO C. PENAL
Sumário: Para o efeito do disposto na al. d), do n.º 1, do art.º 256º, do C. Penal, nomeadamente, no que respeita ao alcance da expressão “facto juridicamente relevante”, a relevância jurídica existe sempre que o facto inscrito no documento produza uma alteração no mundo do Direito, isto é, que abra ensejo à obtenção de um benefício.
E, assim, a falsidade existe mesmo que o facto não seja dos que o documento tem por finalidade certificar ou autenticar ou dos que são essenciais para a validade do documento.
Decisão Texto Integral: I. RELATÓRIO
No processo comum singular supra identificado, após a realização de audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença em 27-04-2011, que condenou os arguidos A..., residente na Rua …, Pinhel e B..., residente na Rua…, Pinhel, como co-autores de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo art. 256º, nº 3, com referência ao nº 1, al. b), do Código Penal na redacção vigente à data e p. e p. nos termos do art. 256, nº 3, com referência ao nº 1, al. d) e e), do Código Penal, na redacção dada pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, em vigor desde 15.09.2007, respectivamente, na pena de duzentos e setenta dias de multa no quantitativo diário de oito euros e na pena de duzentos e cinquenta dias de multa no quantitativo diário de oito euros.
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Desta sentença, os arguidos interpuseram recurso, sendo do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do recurso:
1. Não se mostram apurados nos autos benefícios ou prejuízos causados em concreto pela escritura de liquidação da sociedade;
2. O regime das sociedades em liquidação, que responsabiliza pessoalmente os sócios perante terceiros pelas ilegalidades por si cometidas no processo anula qualquer possível benefício que estes pudessem obter com a escritura;
3. A escritura de retificação vem sanar qualquer ilegalidade e mostra precisamente que se não pretendeu obter qualquer benefício ilícito ou causar danos a terceiros.
4. Mesmo que assim se não entenda, uma vez que a escritura de retificação foi feita antes da concretização de qualquer dano, ou da obtenção de qualquer benefício, deveria ter sido tomada em devida conta, valorando-a como desistência ou, pelo menos, como uma manifestação de arrependimento.
5. Em qualquer caso, as penas aplicadas são manifestamente excessivas perante os factos provados.
6. Violou a sentença recorrida as seguintes normas legais: artigo 256°, n° 3, com referência ao n° 1, alínea b), do Código Penal, na redação vigente à data, e previsto e punido nos termos do art° 256° n° 3, com referência ao n° 1, al. d) e e), do Código Penal, na redação dada pela lei n° 59/2007, de 4 de Setembro, em vigor desde 15 de Setembro de 2007 e artigos 24° e 71°, n° 2, alínea e) e 72°, do Código Penal.
Termos em que deve ser revogada a douta sentença recorrida, sendo absolvidos os arguidos, ou, caso assim se não entenda, ser-lhes aplicada uma pena especialmente atenuada.
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O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.
Respondeu o MP junto da 1ª instância, manifestando-se pela improcedência do recurso.
Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela procedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre agora decidir.
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O objecto do recurso restringe-se à matéria de direito, sem prejuízo do conhecimento dos vícios constantes do artº 410 nº 2 do CPP.
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Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre decidir:

II. FUNDAMENTAÇÃO
Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. Norma legal que justifica o entendimento unânime de que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Ed., 335, Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 2007, 103, e Acs. do STJ de 24/03/1999, CJ, S, VII, I, 247 e de 17/09/1997, CJ, S, V, III, 173).
Assim, atentas as conclusões formuladas pelos recorrentes, as questões a decidir – sem prejuízo das de conhecimento oficioso – são:
- Se se encontram preenchidos os elementos constitutivos do crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art 256, nº 1, al d), e nº 3 todos do Cod Penal;
- atenuação especial da pena;
- excessividade da pena.
Para a resolução destas questões, importa ter presente o que de relevante consta da decisão objecto do recurso. Assim:
A) A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos (transcrição):
1. Os arguidos eram os únicos sócios gerentes da sociedade “XX...-, LDA.”,  com sede na … , em Pinhel.
2. Os arguidos, nessa qualidade, a 9 de Março de 2006, no primeiro Cartório Notarial de Competência Especializada de Viseu, outorgaram a escritura pública de “Dissolução” da citada sociedade tendo declarado perante o Primeiro Ajudante daquele Cartório e do Centro de Formalidades de Empresas de Viseu, estando aquele no pleno exercício de funções notariais, o seguinte: “... que decidem dissolver a sociedade, que já cessou actividade, tendo já liquidado todo o seu activo e passivo, sendo as respectivas contas encerradas e aprovadas nesta data”.
3. A escritura pública foi lida aos outorgantes, ora arguidos, e aos mesmos foi explicado o seu conteúdo, tendo estes assinado a mesma.
4. Os arguidos sabiam que as declarações que faziam constar no documento não correspondiam à realidade, uma vez que a sociedade, naquela data e ainda actualmente, tinha dívidas a terceiros, nomeadamente à Segurança Social, no valor de 14.722,66€ e dívidas referentes a IVA e Coimas referentes aos anos de 2002, 2003 e 2004.
5. Acresce que a sociedade foi condenada, por sentença do Tribunal de Trabalho da Guarda, nos autos de Acidente de Trabalho (Proc. 99/98), transitada em julgado a 24.02.1999, no pagamento à autora C..., por si e em representação das filhas menores, os valores discriminados na sentença junta aos autos a fls. 126 a 130 cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, valores que a “XX...-EXTRACÇÃO e EXPLORAÇÃO DE GRANITOS, LDA.”, não pagou.
6. Tudo o que o que os arguidos não podiam desconhecer por serem os sócios gerentes da mesma.
7. Além disso, a citada sociedade, naquela data, era titular de um bem imóvel, prédio rústico, sito em … , na freguesia de … , adquirido por compra a 24.07.1998, inscrito na Conservatória de Registo Predial de Pinhel, e ali descrito, com o nº … , inscrito na matriz da citada freguesia com o número  … .
8. Os arguidos na posse da citada escritura pública, naquela data de 9.03.2006, utilizaram a mesma para procederem ao registo na matrícula da sociedade do acto e informações ali documentadas conforme inscrição de “Dissolução e Encerramento da Liquidação, Data da aprovação de contas: 09 de Março de 2006, não tem activo nem passivo” o que realizaram na Conservatória do Registo Comercial de Pinhel, visando assim publicitar aqueles actos.
9. Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente ao outorgarem na escritura pública nos termos supra referidos, o que fizeram com vista a criar um documento a que fosse atribuída fé pública, sabendo que o que declaravam e faziam constar no mesmo era juridicamente relevante e não correspondia à verdade, logrando assim inscrever no registo e tornar pública a dissolução da sociedade e inexistência de activo e passivo e levar à extinção da sociedade “XX...-, LDA.” enquanto pessoa colectiva.
10. Os arguidos sabiam que, dessa forma, obtinham para si um benefício ilegítimo a que não tinham direito.
11. Que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei e que incorriam em responsabilidade criminal.
12. Porém não deixaram de agir da forma descrita, planeando e executando a sua resolução, em comunhão de esforços e intentos.
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Mais se provou:
13. Já após o início, em 22-07-2008, do presente inquérito, os arguidos outorgaram a 28-01-2009 nas instalações do Notário Privado … , na cidade da Guarda, a escritura de que constitui cópia o documento de fls. 62 e 63, que aqui se tem por reproduzido, onde declararam, além do mais, que ratificavam a escritura outorgada a 9-3-2006, no primeiro Cartório Notarial de Competência Especializada de Viseu, no sentido de apenas dissolviam a sociedade XX... uma vez que aquela tinha activo e passivo.
14. E em 13-03-2009, os arguidos outorgaram nas instalações do Notário Privado … , na cidade da Guarda, a escritura de rectificação de que constitui cópia o documento de fls. 72 a 74 dos autos, na qual rectificam a escritura de rectificação de 28-1-2009, no sentido de que apenas dissolviam a sociedade XX... à data de 9-03-2006.
15. A arguida não tem antecedentes criminais.
16. O arguido foi já condenado em 24-04-2008 pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, por factos de 01-01-2004, tendo sido isentado de pena.
17. Os arguidos estão actualmente emigrados em França, onde trabalham por conta de outrem.
B) E dela consta a seguinte motivação de facto (transcrição):
“ (…).
Assentou o julgador a sua convicção na análise crítica, conjugada e ponderada da prova, produzida e examinada em audiência de julgamento, prova essa que foi exclusivamente documental.
Assim, atendeu-se aos documentos de fls. 8 a 10, 20 a 28, 60 a 63, 73 e 74, 79, 119 a 123, 127 a 129, 131 e finalmente aqueles juntos em audiência de julgamento, comprovativos de que os arguidos vivem em França.
Destes documentos resultou, inequivocamente, a qualidade com que os arguidos agiram, assim como a actuação conjunta – uma vez que ambos intervieram nas escrituras – e, quando sopesada a sua actuação com as regras da experiência, da lógica e senso comum, permitiu a afirmação da intenção e voluntarismo provados.
Efectivamente, sendo os arguidos gerentes, e inexistindo qualquer outra explicação lógica para a sua actuação, perante a existência de dívidas com terceiros, sobretudo com as finanças, e aquela que correu termos no tribunal do trabalho -  factos de que os arguidos, como gerentes, não poderiam ignorar - a sua actuação só se compreende em virtude das causas provadas para o seu comportamento. Aliás, o comportamento posterior à instauração destes autos não deixa de ser sintomático dessa mesma intenção e voluntarismo, clara expressão de uma tentativa de justificação do seu comportamento.
Obviamente, que os arguidos tinham consciência das aptidões da declaração prestada, tanto que logo inscreverem no registo comercial, no mesmo dia da escritura onde declararam não haver património nem passivo, o acto de dissolução, como se alcança da respectiva certidão. Esse, aliás, mais um sinal inequívoco dos fins visados. E, apesar das sucessivas rectificações, certo é que, ao contrário do que fizeram aquando da escritura de dissolução, não inscreveram no registo a própria rectificação. 
Não poderiam portanto, deixar de prever e querer o benefício que advinha da dissolução, benefício esse traduzido, por exemplo, na aparência que, ao inscreverem o facto no registo, davam a terceiros de uma realidade diferente daquela existente; na extinção das suas funções e responsabilidades como gerente; a previsível influência sobre terceiros na reclamação de créditos; na extinção da responsabilidade criminal ou contra-ordenacional da sociedade arguida, responsabilidade criminal essa que poderia, por exemplo nos crimes fiscais, reverter para as suas próprias pessoas no pagamento de multas; nas impossibilidades que criavam que terceiros pudessem requerer a insolvência da sociedade, insolvência essa que poderia ter consequências directas para as suas pessoas, entre outras.
O passado criminal dos arguidos resultou do CRC de fls. 158 a 160.
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Cumpre, agora, conhecer do recurso interposto.
A inconformidade dos recorrentes dirige-se à matéria de direito, pelo que se tem por assente a matéria de facto.
Os arguidos interpõem o presente recurso por entenderem que os factos provados não preenchem o requisito subjectivo do tipo legal de crime por que foram condenados – crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º nº 1, al d) e 3 do CPenal.
Resulta dos factos apurados que os arguidos, a 9 de Março de 2006, os arguidos se dirigiram ao primeiro Cartório Notarial de Competência Especializada de Viseu, e outorgaram a escritura pública de “Dissolução” da “XX...-, LDA.”, tendo declarado perante o Primeiro Ajudante daquele Cartório e do Centro de Formalidades de Empresas de Viseu, estando aquele no pleno exercício de funções notariais, “... que decidem dissolver a sociedade, que já cessou actividade, tendo já liquidado todo o seu activo e passivo, sendo as respectivas contas encerradas e aprovadas nesta data”.
Os arguidos sabiam que as declarações que faziam constar no documento não correspondiam à realidade, uma vez que a sociedade, naquela data e ainda actualmente, tinha dívidas a terceiros, nomeadamente à Segurança Social, no valor de 14.722,66€ e dívidas referentes a IVA e Coimas referentes aos anos de 2002, 2003 e 2004. Além do mais, a sociedade foi condenada, por sentença do Tribunal de Trabalho da Guarda, nos autos de Acidente de Trabalho (Proc. 99/98), transitada em julgado a 24.02.1999, no pagamento à autora C... da pensão anual e vitalícia de 214.982$00 e a cada uma das filhas menores, a pensão anual e temporária de 143.322$00, valores discriminados na sentença junta aos autos a fls. 126 a 130 e que a “XX...-, LDA.” não pagou. Acresce que a citada sociedade, naquela data, era titular de um bem imóvel, prédio rústico, sito em …, adquirido por compra a 24.07.1998, inscrito na Conservatória de Registo Predial de Pinhel, e ali descrito, com o nº … , inscrito na matriz da citada freguesia com o número … .
O crime de falsificação de documento, previsto no art. 256.º, do Código Penal, pune com pena de prisão até três anos ou com pena de multa: Consultar outras redacções
1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime:
a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo;
b) Falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram;
c) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento;
d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante;
e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou
f) Por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito.
O art 255.º do CP, considera documento “a declaração corporizada em escrito, ou registada em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico, inteligível para a generalidade das pessoas ou para um certo círculo de pessoas, que, permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua emissão quer posteriormente; e bem assim o sinal materialmente feito, dado ou posto numa coisa para provar facto juridicamente relevante e que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas o seu destino e a prova que dele resulta.”
A norma do art. 256º nº 1 do Cod. Penal indica como elemento do tipo subjectivo a intenção por parte do agente de "causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime".
"Constitui benefício ilegítimo toda a vantagem (patrimonial ou não patrimonial) que se obtenha através do acto de falsificação ou do acto de utilização do documento falsificado" - Comentário Conimbricense do Código Penal Conimbricense, tomo II, pag. 685.
O bem jurídico tutelado/protegido pelo crime de falsificação de documentos é a segurança e credibilidade no tráfico jurídico, ou seja, o valor probatório dos documentos em geral e particularmente dos enunciados na sua “qualificativa” – nº 3 do preceito -, “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo II (1999), p. 680.
O dolo específico, traduzido na intenção do agente causar prejuízo a outra pessoa ou de obter para si um benefício ilegítimo, não altera o bem jurídico protegido pelo crime de falsificação, acima mencionado.
Como refere Helena Moniz «O facto de o agente ter de actuar com esta específica intenção não significa que se pretenda proteger outro bem jurídico que não seja o da credibilidade no tráfico jurídico-probatório. Não constitui objecto de protecção o património, tão pouco a confiança no conteúdo dos documentos ( S/S/ Cramer § 267 1), mas apenas a segurança e credibilidade no tráfico jurídico, em especial no que respeita aos meios de prova, em particular a prova documental.» - Cfr. "Comentário Conimbricense do Código Penal", Tomo II, pág. 685.
De facto o crime de falsificação de documentos é um crime intencional, terminologia associada à existência de um dolo específico enquanto particular intenção do agente, definida pelo tipo, quando da realização do mesmo, para além da mera existência de um dolo genérico, como mero conhecimento e vontade de realização do tipo.
No caso concreto, essa especial intenção concretiza-se na fórmula "Os arguidos sabiam que, dessa forma, obtinham para si um benefício ilegítimo a que não tinham direito.” Conjugada com o facto provado nº 9. “Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente ao outorgarem na escritura pública nos termos supra referidos, o que fizeram com vista a criar um documento a que fosse atribuída fé pública, sabendo que o que declaravam e faziam constar no mesmo era juridicamente relevante e não correspondia à verdade, logrando assim inscrever no registo e tornar pública a dissolução da sociedade e inexistência de activo e passivo e levar à extinção da sociedade “XX...-, LDA.” enquanto pessoa colectiva.”
O crime de falsificação de documentos constitui um crime de perigo, ou seja, após a falsificação documento ainda não existe uma violação do bem jurídico, mas um perigo de violação deste: a confiança pública e a fé pública foram violadas, mas o bem jurídico protegido, o da segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório documental apenas foi colocado em perigo – ob cit pag 681.
Trata-se de um crime de perigo abstracto, (o perigo não constitui elemento do tipo, mas apenas a motivação do legislador) pois como se alude no citado Comentário Conimbricense (p. 681) “…para que o tipo legal esteja preenchido não é necessário que, em concreto, se verifique aquele perigo (de violação do bem jurídico); basta que se conclua, a nível abstracto, que a falsificação daquele documento é uma conduta passível de lesão do bem jurídico-criminal aqui protegido; basta que exista uma probabilidade de lesão da confiança e segurança, que toda a sociedade deposita nos documentos e, portanto, no tráfico jurídico – verifica-se, pois, uma antecipação da tutela do bem jurídico, uma punição do âmbito pré-delitual”.
É também considerado como um crime formal ou de mera actividade, não sendo necessário a produção de qualquer resultado, considerando os interesses que o tipo legal visa proteger. Mas se considerarmos a actividade do agente, isto é, o acto de falsificar o documento, podemos considerar que se trata de um crime material de resultado.
Assim, ao nível do tipo objectivo, o documento é falso quando não corresponde à realidade, como ocorre com o fabrico de documentos falsos e a alteração de documentos verdadeiros (falsificações materiais), como com a falsificação do conteúdo de documento verdadeiro (falsificação ideológica).
Na falsificação intelectual, a declaração é conforme com a vontade, todavia contra a verdade dos factos – contra a vontade real – como ensina Helena Moniz (O Crime de Falsificação de Documentos, pág. 191) e ilustra com o seguinte exemplo: “A diz que quer vender o seu carro y, e quer mesmo vender 8 vontade real) e declara isso mesmo (e é o que mais tarde está escrito no documento) todavia, o carro não é dele. Ao dizer que vende o seu carro faz uma declaração de facto falso (juridicamente relevante – pois de outro modo não poderia vender o carro) em documento.”
Na falsidade em documento, integram-se os casos em que se presta uma declaração de facto falso, juridicamente relevante, trata-se pois de uma narração de facto falso, sendo que a relevância jurídica desenha-se sempre que o facto inserto no documento produza uma alteração no mundo do Direito, isto é que abra ensejo à obtenção de um benefício (neste sentido vidé, Helena Moniz "Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, pág. 667" e Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13-05-2009, Processo: 457/07.9TASCD.C1 (JusNet 2903/2009), Relator: DR. JORGE DIAS e de 07-02-2007,Nº 1540/05.0TAAVR.C1 (JusNet 300/2007), Relator: DR. ESTEVES MARQUES, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16-11-2009, Processo: 1289/06.7TAVCT.G1 (JusNet 7567/2009), Relator: TERESA BALTAZAR, in www.dgsi.pt).
Consequentemente, “a mentira" inserida no documento deve apresentar-se como relevante, sem o que não haverá falsificação, ou seja, é necessário que "a declaração corporizada em escrito...", seja "... idónea para provar facto juridicamente relevante....", como resulta do teor dos artigos 255º, al. a) e 256, nº 1 al. d) do C.Penal. (Acórdão Rel Coimbra, de 2 Mar. 2011, Processo 909/09.6TALRA.C1 - Relator: CALVÁRIO ANTUNES.)
No caso vertente os arguidos declararam perante notário deliberar dissolver XX...-, LDA. declarando também que tal sociedade “já cessou a sua actividade”, tendo já sido liquidado todo o activo e passivo, sendo as respectivas contas encerradas e aprovadas nesta data.
Resulta pois da matéria de facto provada que os arguidos declaram perante o notário a existência de um facto – a liquidação e encerramento das contas – que não correspondia à verdade.
Assim, como se salienta na sentença recorrida, verifica-se que através dessa  declaração, e à luz do que dispõe o Código das Sociedades Comerciais no art. 160.º, n.º 2, foi-lhes possível extinguir a sociedade comercial, o que fizeram, inscrevendo o próprio encerramento da liquidação no registo.
Com efeito, dispõe o art 160.º do CSC sob a epígrafe “ Registo comercialVer jurisprudência “:


 Em concreto, a relevância jurídica resulta da própria lei: o acto permitiu uma alteração no mundo do Direito, traduzida na extinção de uma pessoa colectiva, com o consequente benefício, que no caso não tem relevância patrimonial directa, traduzido no próprio encerramento, gerador de aparência perante terceiros de uma realidade diferente da existente, susceptível de gerar inacção daqueles na reclamação de créditos. Acrescida da cessação das responsabilidades dos arguidos enquanto gerentes. E impediram que terceiros pudessem requerer a insolvência da sociedade, o que teria consequências directas para as suas pessoas. E conclui-se que a influência de um acto destes no mundo do Direito é de tal ordem, que a simples extinção da sociedade, quando havia património e dívidas por cobrar, se traduziu num benefício que, de outra forma não lograriam e, logo, injusta e legalmente não tutelada.
De notar que o art 1º, nº 1 do Código de Registo Comercial dispõe que “O registo comercial destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos comerciantes individuais, das sociedades comerciais, das sociedades civis sob forma comercial e dos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, tendo em vista a segurança do comércio jurídico. “ sublinhado nosso.
 O que ultrapassa a simples constatação de que a escritura pública de dissolução da sociedade, enquanto documento autêntico faz prova plena dos factos que refere como praticados pelo notário, assim como dos factos que neles são atestados com base na percepção deste (artº 371º do CCivil).
É certo que, como se refere no ac RP de 19/10/2010 “As declarações emitidas pelos sócios de que a sociedade não tinha activo nem passivo e de que não existiam bens a partilhar – são da mera responsabilidade daqueles, não representando a escritura prova plena quanto a esses factos. Trata-se de uma declaração re inter alios acta, não vinculativa para os credores sociais”.
      No mesmo sentido o ac. da RP de 14/4/2010 “a escritura pública outorgada não serve para infirmar a existência de créditos que sobre a sociedade se venham a reclamar: não é meio de prova susceptível de ser usado para excepcionar eventuais débitos. Portanto, o bem jurídico protegido pela norma do artigo 256.º, do Código Penal [a confiança da sociedade no valor probatório dos documentos, e em particular, que os outorgantes produziram perante o notário aquelas declarações] não sofreu qualquer dano: o documento reproduz fielmente o que se passou e mantém íntegra a finalidade e o potencial probatório a que se destina”.
      A declaração inverídica feita pelos recorrentes ao notário e inserida na escritura pública não é susceptível de integrar a prática de um crime de Falsificação de documento, do artigo 256.º, do Código Penal: o documento não exibe qualquer aspecto susceptível de revelar falsidade material nem intelectual, pois não foi forjado ou alterado nem apresenta uma desconformidade entre o que foi declarado e o que está documentado. É um documento exacto [regular] que contém uma declaração inverídica.
      Por outro lado, haverá que conjugar o disposto no artº 1020º do CCivil, «encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios continuam responsáveis perante terceiros pelo pagamento dos débitos que não tenham sido saldados, com o que dispõe o Artigo 163.º Passivo supervenienteVer jurisprudência:
“1 - Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada.” (sublinhado nosso)
Os antigos sócios responderão por esse passivo social mas apenas até ao montante do que receberam na partilha (salvo quanto aos sócios de responsabilidade ilimitada). Como refere Raúl Ventura, in Dissolução e Liquidação das Sociedades, pág. 484, "(...)A responsabilidade dos antigos sócios é limitada ao montante que receberam na partilha, (...). «Montante que receberam na partilha» apura-se relativamente a cada sócio, i.é, cada sócio é responsável até ao montante por ele recebido na partilha e não por aquilo que outros sócios também tenham recebido, (...).
A sociedade poderá dissolver-se por deliberação dos sócios (art. 141º, nº 1, al. b), do CSC (JusNet 32/1986)), devendo seguir-se a liquidação da mesma (nos termos dos arts. 146º e segs.), a menos que a sociedade não tenha, à data da dissolução, dívidas, caso este em que os sócios poderão proceder imediatamente à partilha dos haveres sociais (art. 147º, nº 1). Havendo dívidas, deverá o liquidatário proceder ao pagamento das dívidas da sociedade para as quais seja suficiente o activo social e, relativamente às dívidas litigiosas, deverão acautelar os eventuais direitos do credor por meio de caução, prestada nos termos do Código de Processo Civil (art. 154º, nºs 1 e 3).
A sociedade dissolvida, mas em liquidação, mantêm a personalidade jurídica (art. 146º, nº 2). Mas já se considera extinta, sem prejuízo porém do disposto nos artigos 162º a 164º, com o registo do encerramento da liquidação (art. 160º, nº 2).
Como decorre das mencionadas disposições legais, mormente da conjugação dos arts. 160º, nº 2, 162º e 163º, nºs 1 e 2, dissolvida a sociedade e efectuado o registo do encerramento da liquidação, esta considera-se extinta, facto este que determina a perda da personalidade jurídica e judiciária (cfr. art. 5º do CPC).
É que, como também decorre dessas disposições, mormente do art. 163º, nº 1, a extinção da sociedade não determina a extinção dos créditos, não satisfeitos ou acautelados aquando da liquidação, de que sejam titulares os credores sociais.
Pois bem andou o tribunal recorrido ao que a relevância jurídica existe sempre que o facto inscrito no documento produza uma alteração no mundo do Direito, isto é, que abra ensejo à obtenção de um benefício – Leal-Henriques e Simas Santos, “O Código Penal de 1982, Vol. 3, 1986, Ed. Rei dos Livros, pag. 147. E sendo esse o critério – da relevância jurídica – para a própria punição, “a falsidade existe mesmo que o facto não seja dos que o documento tem por finalidade certificar ou autenticar ou dos que são essenciais para a validade do documento – idem. Leal-Henriques e Simas Santos, “O Código Penal de 1982, Vol. 3, 1986, Ed. Rei dos Livros, pag. 147[1]
      Por último, resultaram provados factos susceptíveis de revelar o elemento subjectivo do tipo – falsificação de documento - a intenção de causar prejuízo a outra pessoas ou ao Estado ou de alcançar para si ou para terceiro um benefício ilegítimo.   Aliás, nem sequer se descortina com que outra intenção poderão ter agido os arguidos que não seja a de conseguir o «benefício ilegítimo».
Estão, por isso, verificados os elementos objectivos e subjectivos do tipo de ilícito imputado aos arguidos.
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Da Medida da pena:
De acordo com o disposto no art. 40.º, do Código Penal, «a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (n.º 1), sendo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa» (n.º 2).
Abstractamente a pena é definida em função da culpa e da prevenção, intervindo, ainda, circunstâncias que não fazendo parte do tipo, atenuam ou agravam a responsabilidade do agente - art. 71.º, n.ºs 1 e 2 do CP.
A função primordial de uma pena, sem embargo dos aspectos decorrentes de uma prevenção especial positiva, consiste na prevenção dos comportamentos danosos incidentes sobre bens jurídicos penalmente protegidos.
O seu limite máximo fixar-se-á, em homenagem à salvaguarda da dignidade humana do condenado, em função da medida da culpa revelada, que assim a delimitará, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que, social e normativamente, se imponham.
O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que em concreto ainda realize eficazmente essa protecção dos bens jurídicos.
Dentro destes dois limites, situar-se-á o espaço possível para resposta às necessidades da reintegração social do agente.
Como refere Claus Roxin, em passagens escritas perfeitamente consonantes com os princípios basilares no nosso direito penal, «a pena não pode ultrapassar na sua duração a medida da culpabilidade mesmo que interesses de tratamento, de segurança ou de intimidação revelem como desenlace uma detenção mais prolongada.
A sensação de justiça, à qual corresponde um grande significado para a estabilização da consciência jurídico-penal, exige que ninguém possa ser castigado mais duramente do que aquilo que merece; e “merecida” é só uma pena de acordo com a culpabilidade.
Certamente a pena não pode ultrapassar a medida da culpabilidade, mas pode não alcançá-la sempre que isso seja permitido pelo fim preventivo. Nele radica uma diferença decisiva frente à teoria da retribuição, que também limita a pena pela medida da culpabilidade, mas que reclama em todo o caso que a dita pena àquela corresponda, com independência de toda a necessidade preventiva.
A pena serve os fins de prevenção especial e geral. Limita-se na sua magnitude pela medida da culpabilidade, mas pode fixar-se abaixo deste limite em tanto quanto o achem necessário as exigências preventivas especiais e a ele não se oponham as exigências mínimas preventivas gerais.
Ao definir a pena o julgador nunca pode eximir-se a uma compreensão da personalidade do arguido, a fim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a desconformação com a personalidade suposta pela ordem jurídico-penal, exprimindo a medida dessa desconformação a medida da censura pessoal do agente, e, assim, o critério essencial da medida da pena.
A submoldura da prevenção geral é fortemente influenciada pela importância dos bens jurídicos a proteger, desempenhando uma função pedagógica através da qual se procura dissuadir as consequências nocivas da prática de futuros crimes e conseguir o reforço da crença colectiva na validade e eficácia das normas, em ordem à defesa da ordem jurídica penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva.
Por sua vez, a prevenção especial positiva ou de socialização responde à necessidade de readaptação social do arguido.
Entendeu o tribunal a quo que “Quando o crime seja punível, em alternativa, com pena de multa ou de prisão, deve dar-se preferência à pena de multa sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição - art. 70.º, do Código Penal
A primazia da pena de multa, como pena por excelência, resulta de uma opção do legislador, que constatou que o isolamento psico-sociológico, da privação da liberdade ambulatória, pode conduzir à auto e hetero exclusão social, e que a consequente desintegração comunitária é (ela própria) criminógena.
No caso dos autos, inexistem razões para condenar os arguidos em penas de prisão. A arguida não tem antecedentes criminais e, à data dos factos, o arguido também não tinha antecedentes criminais. Por si, os factos não são reveladores de uma personalidade dos arguidos que demande a sua condenação em pena de prisão. Assim, serão os arguidos condenados em pena de multa.
No que ao seu quantitativo diz respeito, há que considerar que as necessidades de prevenção geral, neste tipo de crime, ainda que não sejam elevadas, também não são despiciendas, o que significa que o limite mínimo irrenunciável haverá de ser substancialmente superior ao legal.
Partindo daí, há que considerar o grau elevado da ilicitude, esta patente pelo tipo de acto praticado e o grau de relevância deste.
Ao nível da culpa, há que considerar a modalidade do dolo, que é o mais intenso.
Por outro lado, há que considerar a situação pessoal actual dos arguidos.
Tudo ponderado, julga-se adequado condenar a arguida numa pena de 250 dias de multa e o arguido numa pena de 270 dias de multa.
O que o tribunal ad quem entende não merecer qualquer censura.
Os arguidos pretendem uma atenuação especial.
Constituem pressupostos da atenuação especial a diminuição, por forma acentuada, da ilicitude do facto ou da culpa do agente, aferida pela verificação de circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, cujos exemplos estão contidos no n.º 2 do art. 73.º do CP, bem como a diminuição da necessidade de pena e consequentemente das necessidades de prevenção.
 “A atenuação especial da pena só pode ser decretada quando a imagem global do facto revele que a dimensão da moldura da pena prevista para o tipo de crime não poderá realizar adequadamente a justiça do caso concreto, quer pela menor dimensão e expressão da ilicitude ou pela diminuição da culpa, com a consequente atenuação da necessidade da pena – vista a necessidade no contexto e na realização dos fins das penas.” – Ac STJ de 9-06-2010.
Os factos provados não revelam os referidos pressupostos, sendo certo que a rectificação da escritura da dissolução, por si só, não é bastante para revelar arrependimento, traduzido na crítica do desvalor da conduta. Ademais, mostram-se tais penas bem longe do seu limite máximo (que são 600 dias) e convém notar que o crime é punido, em alternativa, com pena de prisão de 6 meses a 5 anos.
Entendemos, tal como o Prof Figueiredo Dias, ( Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, ed. Aequitas, págs. 306-307) que a “…atenuação especial só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar: para a generalidade dos casos, para os casos «normais», lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios” (sic Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, ed. Aequitas, págs. 306-307).
Como bem explica o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Janeiro de 2000 (processo n.º 1193/99), “se, por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, esta nunca pode ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que — dentro, claro está, da moldura legal —, a moldura da pena aplicável ao caso concreto (“moldura de prevenção”) há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente: entre tais limites, encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social” e também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Outubro de 2000 (processo n.º 2803/00-5ª), “pelo que nos art.ºs 71. °, n.ºs 1 e 2 e 40.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, se plasma, logo se vê que o modelo de determinação da medida a pena é aquele que comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de estabelecer o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma “moldura de prevenção”, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos — dentro do que é consentido pela culpa — e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida “moldura de prevenção”, que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente.”
Em suma “a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Setembro de 1997, processo n.º 624/97)
Ponderados estes limites, deve ainda o tribunal atender e a quaisquer outras circunstâncias que não fazendo parte do tipo (para que não haja violação do princípio ne bis in idem), deponham contra ou a favor do agente.
Assim e para além do mais (como ensina Jorge Figueiredo Dias in "Direito Penal Português – as Consequências Jurídicas do Crime", pág. 245, § 335 v.g., factores relativos à própria vítima — personalidade, concorrência de culpas, etc. — e/ou relacionados com a necessidade de pena — decurso do tempo), deverá ser sopesado:
- O grau da ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências e o grau de violação dos deveres impostos ao agente
- A intensidade do dolo ou da negligência
- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram
- As condições pessoais do agente e a sua situação económica
- A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime.
- A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
No caso concreto, relevam especialmente as exigências de prevenção geral, em grau médio, atenta a proliferação de crimes de natureza idêntica e pelo forte alarme social que a sua prática tem vindo a gerar, com a preocupação notória e generalizada dos cidadãos que nos últimos anos têm visto a devastação do sector empresarial e o seu rasto de dívidas, incluindo ao fisco, com as graves consequências que são também do conhecimento geral, como sejam os prejuízos patrimoniais do Estado e da sociedade em geral.
O grau acentuado da ilicitude dos factos, o grau de culpa do arguido, a modalidade de dolo directo, é o tipo de dolo mais intenso das modalidades enunciadas no art. 14º do Código Penal.
Como se destaca no Ac. do STJ, de 25/11/2004 (proferido no P. C. n.º 1753/03 – do 2º Juízo do T. J. de Valongo), “A medida da pena há-se ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva, vindo a ser definitiva e concretamente estabelecida em função das exigências e prevenção especial, nomeadamente, de prevenção especial positiva ou de socialização. Será assim o próprio conceito de prevenção geral (protecção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção e no reforço da validade da norma jurídica violada que justifica que se fale de uma moldura de prevenção, pois que a prevenção, tendencialmente proporcional à gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade; a satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite (máximo) definido pela medida da pena que a comunidade entende necessário à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade”.
Acresce que “Na medida da pena são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que significa que o cúmulo jurídico de penas não é uma operação aritmética de adição, nem se destina, tão só, a quantificar a pena conjunta a partir das penas parcelares cominadas. Com efeito, a lei elegeu como elementos determinadores da pena conjunta os factos e a personalidade do agente, elementos que devem ser considerados em conjunto - STJ 31-03-2011.
No caso dos autos, as penas e a taxa diária obedecem a estes requisitos, sendo devidamente doseadas e justas.
Não merecem censura, em conclusão.

III. DISPOSITIVO
Nos termos e com os fundamentos expostos, julga-se totalmente improcedente o recurso com a consequente manutenção da decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC.

Isabel Valongo (Relatora)
Paulo Guerra
                       
[1] Sufraga-se, pois, entendimento diverso daquele plasmado no Acórdão do TRP no processo n.º 5316/04.4TDPRT.P1 de 14 de Abril de 2010, onde se decidiu que a conduta em causa nos autos não constituía crime, sendo a pedra de toque de tal entendimento, se bem se interpreta a fundamentação do acórdão, à consideração de que a falsidade intelectual se restringe aos casos de desconformidade entre o que se declarou e o que se escreveu e à necessidade de o próprio documento ser apto para fazer prova do facto documentado:
“19. Por outro lado, a escritura pública tinha por objectivo a dissolução da sociedade, e não é a circunstância de conter uma declaração inverídica sobre a existência de um débito [pontos 3. e 6.] que abala ou anula essa sua finalidade. O elemento alterado não tem alcance suficiente para causar dano ou pôr em perigo a segurança jurídica probatória que o documento, pela sua natureza e características, está destinado a projectar. A escritura pública outorgada não serve para infirmar a existência de créditos que sobre a sociedade se venham a reclamar: não é meio de prova susceptível de ser usado para excepcionar eventuais débitos. Portanto, o bem jurídico protegido pela norma do artigo 256.º, do Código Penal [a confiança da sociedade no valor probatório dos documentos, e em particular, que os outorgantes produziram perante o notário aquelas declarações] não sofreu qualquer dano: o documento reproduz fielmente o que se passou e mantém íntegra a finalidade e o potencial probatório a que se destina … ”-  Sic.

2 - A sociedade considera-se extinta, mesmo entre os sócios e sem prejuízo do disposto nos artigos 162.º a 164.º, pelo registo do encerramento da liquidação.Ver jurisprudência1 - Os liquidatários devem requerer o registo do encerramento da liquidação.Ver jurisprudência