Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
146570/14.0YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: COMPENSAÇÃO
PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
SUA ADMISSIBILIDADE
Data do Acordão: 03/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE VISEU – J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 847º E 853º DO C. CIVIL; 99º DO CIRE.
Sumário: I – A compensação é uma das várias causas de extinção das obrigações, consistindo num meio de o devedor se exonerar da obrigação, por extinção concomitante do crédito equivalente de que disponha sobre o seu credor, representando um encontro de contas justificado pela conveniência de evitar pagamentos recíprocos.

II - No concurso de credores, como em qualquer processo singular, está em causa “o direito de crédito de cada credor contra o devedor, a relação substancial existente entre cada credor e o devedor, que não se altera, por força do concurso de credores. O que pode alterar-se, sim, é o resultado prático do exercício do poder de execução: por causa do concurso, a satisfação integral do credor pode não ser viável, estando sujeita às limitações em consequência da existência, da quantidade e do valor dos direitos dos restantes credores”

III - E, por isso, o direito a compensar pode ser admitido na insolvência. A regra (par conditio creditorum) já não é nem absoluta nem inderrogável, e é sim uma norma técnica de organização do concurso; resulta de uma opção do legislador e pode, portanto, ser derrogada na medida da funcionalidade dos processos, sendo certo que, muitas vezes, estes a reduzem a mecanismos de satisfação exclusiva dos credores privilegiados ou - mais realisticamente - de algumas categorias de credores privilegiados.

IV - É admissivel a compensação de créditos após a declaração insolvência, desde que verificados os requisitos exigidos não é violadora do princípio da igualdade dos credores.

Decisão Texto Integral:



Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

A Autora intentou a presente acção contra a Ré, pedindo a condenação desta a pagar-lhe quantia de €251.876,82 (capital: €185.188,82€ + juros: €66.688,00€), acrescida de juros vencidos e vincendos.
Para fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese:
Antes da sua declaração de insolvência dedicava-se à construção geral de edifícios, engenharia civil e obras públicas, compra e venda de materiais de construção e de bens imobiliários, e revenda dos adquiridos para esse fim.
No âmbito dessa actividade celebrou com a Ré diversos contratos de subempreitada, que identifica, no caso relativas a obras de intervenção em duas escolas da cidade de ... e nos ..., comprometendo-se a executar obras, que descreve, mediante o pagamento do respectivo preço pela Ré.
 Emitiu as facturas 659 e 662, relativas a uma das obras - escola ... - após aprovação dos autos de medição nº 2 e 3, apresentadas a pagamento, que não foram devolvidas, nem objecto de reclamação, tendo ficado por pagar o valor global de €110.816,79 (€28.320,91+€82.495,88), facturas a pagar em trinta dias a contar da sua emissão, estão vencidos juros de mora à taxa comercial desde aquele vencimento.
Relativamente a trabalhos executados na obra da Escola ... emitiu as facturas 657, 663 e 664, após aprovação dos autos de medição nºs 4, 5 e 2 (este de trabalhos a mais), apresentadas a pagamento, que não foram devolvidas, nem objecto de reclamação, tendo ficado por pagar o valor global de €70.466,19 (€42.510,13+€20.386,06+ €7.570,00), facturas a pagar em trinta dias a contar da sua emissão.
No respeitante aos trabalhos no "P...", com trabalhos de betão, mediante o pagamento do respectivo preço por parte da Ré, foi emitida a factura (658) inerente a trabalhos ali executados, após aprovação do respectivo auto de medição nº 1 (de trabalhos a mais), apresentada a pagamento, que não foi devolvida, nem objecto de reclamação, tendo ficado por pagar o valor global de €3.905,84, factura a pagar em trinta dias a contar da sua emissão.

A Ré contestou, negando a realização pela Autora dos trabalhos a que alude nas facturas que emitiu com os números 662, 663 e 664, caracterizando de má-fé da Autora a alegação que os autos de medição foram aprovados e que a Ré não procedeu à devolução das referidas facturas.
Reconhecendo a realização pela Autora de obras nas ditas Escolas, diz que os últimos trabalhos executados na obra de modernização da Escola ... computaram-se no montante de €42.510,13, quantia a que alude a factura 657 e que os últimos trabalhos executados pela Autora na obra de modernização da Escola ... computaram-se no valor de €28.320,91, quantia a que alude a factura nº 659.
Relativamente aos trabalhos a mais realizados na obra do “P...” orçaram no valor de €3.905,84, quantia a que se refere a factura n.º 658 que a Autora emitiu, sendo que o total destes trabalhos computaram-se no montante global de €74.736,88, motivos porque as facturas 662, 663 e 664 foram devolvidas à Autora.
Alega ser credora da Autora do valor de €619.876,65, correspondente ao valor da factura número 84, no valor de €36.009,05, da factura número 85, no valor de €12.352,33 e das notas de débito números 10/BC09, no valor de €80.495,27  e da nota de débito 11/BC09, no valor de €491.020,00.
O Tribunal Judicial de Vouzela reconheceu esse crédito na sentença proferida em 04.04.2011, no âmbito dos autos ..., que decretaram a insolvência da Autora, em 03.12.2009, sendo que na sentença de reconhecimento e graduação dos créditos que haviam sido impugnados, ficou expressamente reconhecido e consignado o direito da Ré operar a compensação de seu crédito com os eventuais créditos que a Autora entretanto viesse a demonstrar ser titular sobre a Ré, tal como esta expressamente havia requerido nesse processo.
Todavia ficou apenas reconhecido o crédito da Ré sobre a Autora, não tendo sido possível desde logo efectivar-se a compensação de créditos invocada pela Ré, uma vez que a Autora não logrou demonstrar nos autos a alegada existência do crédito que reclamava deter sobre a Ré.
Termina pedindo a parcial procedência da acção, na parte em que reconhece dever à Autora a quantia de €74.736,88, correspondente ao valor das facturas ns.º 657, 658 e 659, sem prejuízo da compensação parcial do crédito da Ré, que se encontra reconhecido judicialmente, com o crédito da Autora, até montante equivalente, que expressamente requer.
A Autora replicou, defendendo a improcedência da excepção.
Veio a ser proferida sentença que julgou a acção nos seguintes termos:
Termos em que pelo exposto e nos sobreditos termos julgo a acção parcialmente procedente por parcialmente provados os factos que a fundamentam e consequentemente condeno a Ré E..., S.A., a pagar à Autora MASSA INSOLVENTE F..., S.A. a quantia de €74.736,88 (setenta e quatro mil, setecentos e trinta e seis euros, oitenta e oito cêntimos), acrescida de juros às taxas comerciais sucessivamente vigentes, a incidir sobre cada uma das facturas desde a sua data de vencimento, até efectivo e integral pagamento.
A Ré interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
...
A Autora apresentou resposta, pugnando pela confirmação da decisão.
1. Do objecto do recurso
Considerando que o objecto de recurso é delimitado pelas conclusões formuladas cumpre apreciar se é admissível a compensação invocada pela Ré.
2. Os factos
Os factos provados são:
1 - A Autora, antes de ser declarada insolvente, dedicava-se à construção geral de edifícios, engenharia civil e obras públicas, compra e venda de materiais de construção e de bens imobiliários, e revenda dos adquiridos para esse fim.
2 - No âmbito desta sua actividade, a Autora e Ré celebraram diversos contratos de subempreitada, entre os quais um de “modernização da Escola ...”.
3 - Segundo este contrato a Autora obrigou-se a executar, entre outros, demolições, escavações, contenções, fundações, estruturas, trabalhos de pedra, cimentagem e de betão em elevação, mediante o pagamento do respectivo preço por parte da segunda.
4 - A Autora e Ré celebraram ainda um contrato de subempreitada da modernização da Escola ...
5 - No âmbito deste contrato, a Autora obrigou-se a executar, entre outros, muros, escadas, diversas estruturas, nomeadamente em betão, mediante o pagamento do respectivo preço por parte da Ré.
6 - Também a Autora e Ré celebraram ainda um contrato de subempreitada, segundo o qual, a segunda subempreitou a execução de trabalhos á primeira, no "P...".
7 - Neste âmbito, a Autora obrigou-se a executar, entre outros, diversos trabalhos de betão, tais como fornecimento e colocação de betão em maciços de encabeçamento dos silos, nas vigas de fundação dos silos, em sapatas e estrutura da caixa de descarga, em pilares dos silos, em vigas dos silos, em muros dos silos, mediante o pagamento do respectivo preço por parte da Ré.
8 - E assim, no âmbito da execução deste contrato foi emitida a factura (658) inerente a trabalhos ali executados, após aprovação do respectivo auto de medição nº 1 (de trabalhos a mais) a qual, apresentada a pagamento, não foi devolvida, nem da mesma ocorreu qualquer reclamação, tendo ficado por pagar o respectivo valor de €3.905,84.
9 - O Tribunal Judicial da comarca de Vouzela, na sentença de graduação de créditos proferida em 04 de Abril de 2011, no âmbito do processo de insolvência ..., transitada, processo no qual foi decretada a insolvência da Autora, em 03 de Dezembro de 2009, decidiu julgar “totalmente procedente a impugnação apresentada pela reclamante E..., SA, reconhecendo-se o seu crédito no montante total de €619.876,65 (€48.362,38+€80.495,27+€491.020,00) todos de natureza comum, sem prejuízo da compensação que a massa insolvente e a reclamante poderá efectuar entre os seus créditos”.
10 - A Ré reconhece-se devedora das facturas a seguir identificadas e com os valores que se indicam: 657 (€42.510,13) e 659 (€28.320,91).
11 - A Autora emitiu as facturas nºs 659 e 662 no valor global de €110.816,79 (€28.320,91+€82.495,88), relativamente à obra de “modernização da Escola ...”, a primeira datada de 27/1/2009 e a segunda de 31/12/2009.
12 - A Autora emitiu as facturas nºs 657, 663 e 664 no valor global de €70.466,19 (€42.510,13 +€20.386,06 + €7.570,00), relativamente à obra de modernização da Escola ..., datadas respectivamente de 27/1/2009 e as duas seguintes de 31/12/2009.
13 - Os últimos trabalhos executados pela A. na obra de modernização da Escola ... computaram-se no montante de €42.510,13, quantia a que alude a factura 657 que a A emitiu.
14 - E aqueles últimos trabalhos executados pela A. na obra de modernização da Escola ... computaram-se no valor de €28.320,91, quantia a que alude a factura nº 659 que a A emitiu.
15 - As facturas 662, 663 e 664 foram devolvidas à Autora e nunca foram contabilizadas pela Ré nem pagas.
16As facturas 657, 658 e 659 venciam-se no 30º dia subsequente à data da sua emissão. – acordo das partes manifestado nos articulados.
3. O Direito aplicável
Vem o presente recurso interposto da decisão que não admitiu a compensação entre o débito da Ré e o crédito que esta detém sobre a Autora, com fundamento que a compensação após a declaração da insolvência só é admitida se, verificados os seus requisitos, não se verificar factualidade que integre a exclusão mencionada no art.º 853º, n.º 2 do C. Civil, o que no entendimento seguido não ocorre.
 Da matéria de facto provada resulta assente que Autora e Ré são reciprocamente credoras e devedoras uma da outra, não tendo sido colocada em causa neste recurso a verificação de todos os requisitos exigidos para que tais créditos sejam passíveis de compensação nos termos do art.º 847º do C. Civil.
A Autora foi declarada insolvente em 3.12.2009, tendo na sentença de verificação e graduação de créditos proferida sido reconhecido um crédito da Ré sobre si no montante de €619.876,65.
Neste processo provou-se a existência de um crédito da Autora sobre a Ré, anterior à sua declaração de insolvência no montante de €74.736,88.
A compensação é uma das várias causas de extinção das obrigações, consistindo num meio de o devedor se exonerar da obrigação, por extinção concomitante do crédito equivalente de que disponha sobre o seu credor, representando um encontro de contas justificado pela conveniência de evitar pagamentos recíprocos.
Segundo Almeida Costa [1], afigura-se equitativo não obrigar a cumprir quem seja ao mesmo tempo credor do seu credor, pois de outro modo correria o risco de não ver o respectivo crédito inteiramente satisfeito, caso se desse, entretanto, a insolvência da contraparte.
Considerando os requisitos de que depende a compensação referidos no art.º 847º do C. Civil e cuja verificação não é colocada em crise neste processo importa apurar se também se encontram reunidos os requisitos exigidos pelo CIRE, no seu art.º 99º, que dispõe:
1 - Sem prejuízo do estabelecido noutras disposições deste Código, a partir da declaração de insolvência os titulares de créditos sobre a insolvência só podem compensá-los com dívidas à massa desde que se verifique pelo menos um dos seguintes requisitos:
a) Ser o preenchimento dos pressupostos legais da compensação anterior à data da declaração da insolvência;
b) Ter o crédito sobre a insolvência preenchido antes do contra-crédito da massa os requisitos estabelecidos no artigo 847.º do Código Civil.

4 - A compensação não é admissível:
a) Se a dívida à massa se tiver constituído após a data da declaração de insolvência, designadamente em consequência da resolução de actos em benefício da massa insolvente;
b) Se o credor da insolvência tiver adquirido o seu crédito de outrem, após a data da declaração de insolvência;
c) Com dívidas do insolvente pelas quais a massa não seja responsável;
d) Entre dívidas à massa e créditos subordinados sobre a insolvência.
Da factualidade apurada resulta claro que estão preenchidos os requisitos exigidos, porquanto além do preenchimento dos mencionados no art.º 847º, n.º 1 do C. Civil os mesmos verificaram-se anteriormente à data da declaração da insolvência.
Também não resulta que se verifique qualquer uma das causas de exclusão da admissibilidade da compensação mencionadas no n.º 4 do art.º 99º do CIRE.
Como dissemos, a decisão recorrida, seguindo o expendido no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.6.2017 [2], entendeu, que só é admissível a compensação após a declaração de insolvência quando não se verifique nenhuma das causas de exclusão mencionadas no n.º 4 do art.º 99º do CIRE, quer alguma das  previstas no art.º 853º do Cód. Civil.
Nesse acórdão entendeu-se que ‘admitir a compensação impediria, em termos práticos, um conjunto significativo de credores obterem a satisfação do seu crédito (total ou parcialmente), por confronto com a entidade bancária em causa, executada, ora apelante, que obteria uma vantagem patrimonial à custa daqueles (predominantemente trabalhadores, insiste-se).
E mais à frente:
Em suma, a compensação entre créditos sobre a insolvência (art. 47º, nº 1 e 2 do CIRE) e dívidas à massa insolvente só deve ser admitida quando, para além de concretamente verificado o condicionalismo aludido no art. 99º, nº 1 do CIRE …, não ocorram quaisquer das causas de exclusão legalmente previstas, nestas se incluindo quer as hipóteses contempladas no nº 4 do art. 99 do CIRE, quer as previstas no art. 853º do Cód. Civil (regime geral) [ [13] ] [ [14] ].
A divergência doutrinal sobre a admissibilidade de compensação de créditos no processo de insolvência encontra-se descrita de forma clara, e que aqui seguimos, na Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico Empresariais [3], nos seguintes termos:
… podemos admitir que existem duas posições dominantes na doutrina acerca da admissibilidade da compensação no processo de insolvência:
 1) Uma primeira corrente de Autores, entre os quais VAZ SERRA, ANA PRATA, JORGE MORAIS CARVALHO E RUI SIMÕES, ISABEL MOUSINHO DE FIGUEIREDO, HUGO ROSA FERREIRA, GONÇALO ANDADRE E CASTRO e CATARINA SERRA, que, não analisando a compensação em bloco, distinguem as alíneas a) e b) do art. 99.º do CIRE. Relativamente à admissão da compensação nos termos previstos pela al. a) do art. 99.º n.º 1 do CIRE, a maioria da doutrina considera não existir uma violação do princípio da igualdade de credores. O tratamento diferenciado que estes credores recebem é justificado pela posição materialmente diferente em que se encontram em relação aos demais credores e pelo facto de o seu direito se ter constituído num momento anterior ao direito dos credores comuns. A admissão da compensação é, neste caso, uma concretização do princípio da igualdade de credores, pelo que o seu tratamento diferenciado é justificado; No que concerne à admissão da compensação nos termos da alínea b), esta corrente de Autores considera que essa violação não é excessiva, mas sim justificada. O tratamento diferenciado dos credores compensantes decorre da concretização da justiça e igualdade no caso concreto, e resulta de uma ponderação dos vários direitos e interesses em causa. Do ponto de vista teórico, é uma opção legislativa entre uma solução que favorece os credores da massa ou uma solução que favorece o credor-devedor. Parece-nos ser esta a corrente doutrinária maioritária.
 2) Uma segunda corrente de Autores, entre os quais LUÍS MENEZES LEITÃO, MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, LUÍS A. CARVALHO FERNANDES E JOÃO LABAREDA, consideram que existe efectivamente uma violação ao princípio da igualdade de credores decorrente da admissibilidade da compensação no processo de insolvência, e essa violação não se afigura admissível. O tratamento diferenciado destes credores não é admissível porque mais do que diferenciar ele tutela excessivamente estes credores. Tal resultado não se coaduna com o espírito concursal e paritário que caracteriza o processo insolvêncial.
De acordo com a autora citada a alínea a) do n.º 1 do art.º 99º do CIRE encontra-se em consonância com o art. 853.º n.º 2 do Código Civil, que determina que a compensação não pode operar com prejuízo de direito de terceiros constituídos antes de os créditos se tornarem compensáveis. Nascendo o princípio da igualdade de credores apenas com a declaração de insolvência, ainda que o credor compensante fique efectivamente numa situação mais vantajosa em relação aos demais credores comuns, a verdade é que o direito destes credores compensantes foi constituído num momento anterior ao direito a um tratamento igualitário dos demais credores comuns, que são, neste caso, terceiros com direitos constituídos apenas num momento posterior ao direito de compensar.
Para a mesma autora, a admissão da compensação após a declaração de insolvência nos termos do art. 99.º n.º 1 al. b) consubstancia, de certa forma, também ela uma concretização da igualdade de credores, que determina o tratamento igual para situações iguais, e diferenciado para situações diferenciadas. O que o princípio da igualdade de credores não comporta são discriminações injustificadas e infundadas, o que não é o caso, como se pode retirar das várias manifestações por parte da doutrina.
Entendemos, na esteira do defendido por Catarina Serra [4] que a admissibilidade da compensação na insolvência é justificada, nos termos que Soraia Picoito [5] o descreve:
No concurso de credores, como em qualquer processo singular, está em causa “o direito de crédito de cada credor contra o devedor, a relação substancial existente entre cada credor e o devedor, que não se altera, por força do concurso de credores. O que pode alterar-se, sim, é o resultado prático do exercício do poder de execução: por causa do concurso, a satisfação integral do credor pode não ser viável, estando sujeita às limitações em consequência da existência, da quantidade e do valor dos direitos dos restantes credores”
A autora esclarece que o conflito que ocorre no concurso de credores é um conflito económico e não jurídico. Ora, seguindo o seu raciocínio, também no processo de insolvência, enquanto processo concursal e universal (atende à realização dos direitos de todos os credores do devedor insolvente) orientado pelo princípio da igualdade dos credores, não deve ser quebrada a relação existente entre cada credor e o seu devedor. E, por isso, o direito a compensar pode ser admitido na insolvência. De acordo com a autora, “a regra (par conditio creditorum) já não é nem absoluta nem inderrogável, e é sim uma norma técnica de organização do concurso; resulta de uma opção do legislador e pode, portanto, ser derrogada na medida da funcionalidade dos processos, sendo certo que, muitas vezes, estes a reduzem a mecanismos de satisfação exclusiva dos credores privilegiados ou - mais realisticamente - de algumas categorias de credores privilegiados”
A autora parece conceber a admissibilidade da compensação da insolvência apoiada no próprio princípio da igualdade de credores: “o que é igual deve ser tratado de forma igual, o que é desigual deve ser tratado de forma desigual. Ao lado do princípio da justiça assente numa igualdade formal está o mandamento da discriminação como elemento conflituante da justiça (…). A avaliação do sistema de satisfação do direito da insolvência à luz do princípio da par conditio creditorum impõe apenas que a discriminação seja justificada em cada caso concreto”
Concordando com todos estes argumentos, concluímos pela admissibilidade da compensação do crédito do Réu sobre a Autora pois apesar de limitativa do princípio da igualdade de credores, não é totalmente excessiva, mas equilibrada: de facto, exigir ao titular de um contra-crédito que pague à massa insolvente, sujeitando-se a receber na medida das (habitualmente fracas) forças dessa massa é uma violência injustificada.[6]
Quando esse credor, antes da insolvência do devedor, sabia que se verificavam os requisitos da compensação nunca pensaria ser obrigado a pagar a sua dívida e, mesmo que a verificação dos requisitos não fosse anterior, será de proteger a posição da parte cujo crédito reuniria em primeiro lugar tais requisitos. Essa parte também teria a expectativa conferida pela possibilidade da compensação. [7]
Conclui-se, deste modo, que a admissibilidade da compensação de créditos após a declaração insolvência, desde que verificados os requisitos exigidos não é violadora do princípio da igualdade dos credores.
Como acima se disse verificados que estão todos os requisitos importa reconhecer o direito da Ré a compensar o seu débito á Autora com aquele crédito que detém sobre a mesma – sendo este manifestamente superior – e, consequentemente absolvê-la do pedido.
O montante em dívida da Ré para com a insolvente vence juros desde a data de vencimento das facturas em causa – 30.1.2010 – até à data em que a Ré fez operar a compensação  – pelo menos com a apresentação da contestação nesta acção – à taxa definida por lei.
Decisão:
Nos termos expostos julga-se improcedente a acção absolvendo-se a Ré do pedido formulado.
Custas da acção e do recurso pela Autora.
                                                           Coimbra, em 19/03/2019


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[1] In Direito das Obrigações, 12ª ed. revista e actualizada, Pág. 1099, Almedina.
[2] Relatado por Isabel Fonseca e acessível em www.dgsi.pt.

[3] Soraia Cristina Silva Picoito, Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico Empresariais, FDUL, Janeiro de 2017 acessível em http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/31908/1/ulfd133610_tese.pdf.


[4] A falência no quadro da tutela jurisdicional dos direitos de crédito - O problema da natureza do processo de liquidação aplicável à insolvência no Direito Português, ed. 2009, pág. 154-155, Coimbra Editora.

[5] Ob. citada.
[6] Vaz Serra in Compensação, B. M. J., n.º 31, 1952, pág. 125 citado por Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões no Código de Insolvência e Recuperação de Empresas Anotado, pág. 287, 2013, Almedina.

[7] Neste sentido, Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões na obra citada, pág. 287.