Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2704/05.2TJCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA INÊS MOURA
Descritores: INTERRUPÇÃO DA INSTÂNCIA
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
PRAZO
Data do Acordão: 12/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA - 2º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 285, 291 CPC
Sumário: 1. Verifica-se a interrupção da instância, nos termos do artº 285 do C.P.C., logo que decorre o prazo de um ano sem que as partes, por negligência, promovam os termos do processo e não com o despacho do juiz que assim o declara, tendo este natureza meramente declarativa e não constitutiva.

2. O prazo de dois anos da deserção da instância previsto no artº 291 do C.P.C. começa a correr a partir da data em que a instância ficou interrompida e não a partir da data em que foi proferido o despacho a declará-lo, havendo deserção quando a paragem do processo se prolonga por mais dois anos para além daquela data.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório
No âmbito do processo de inventário que corre termos, foi declarada interrompida a instância, ao abrigo do disposto no artº 285 do C.P.C., por despacho de 9 de Março de 2011, notificado às partes.
No dia 2 de Março de 2013 o interessado L (…) requereu o prosseguimento dos autos com a marcação da conferência de interessados.
A isso opôs-se o Recorrente alegando que a 2 de Março de 2013 já havia decorrido o prazo da deserção da instância.
Foi proferido despacho a 17 de Maio de 2013 que determinou o prosseguimento dos autos e designou data para a realização da conferência de interessados, por considerar que a interrupção da instância pressupõe um despacho judicial a partir do qual se verifica a referida situação processual, pelo que o prazo da deserção da instância só pode contar a partir da notificação às partes do despacho que declara interrompida a instância, não tendo por isso ainda decorrido o prazo da deserção quando foi requerido o prosseguimento do processo.
Não se conformando com este despacho, vem o interessado interpor recurso de agravo do mesmo, pedindo a sua revogação e apresentando as seguintes conclusões:
1.º A interpretação das disposições conjugadas dos artigos 285.º (interrupção da instância) e 291.º (deserção), ambas do Código de Processo Civil, determina que quanto à deserção da instância esta não necessita, para se verificar, de algum despacho judicial que a declare, uma vez que a lei expressamente o dispensa, operando, assim, automaticamente pelo mero decurso do prazo de dois anos a contar do momento em que a instância tenha ficado interrompida.
2.º A interrupção da instância depende de que seja proferido despacho judicial que a declare, o que se justifica por a interrupção da instância ter como pressuposto, não só o decurso de um ano e um dia, contados a partir da inercia das partes em promover o impulso processual, mas também carecer de um juízo sobre a falta de diligência das partes oneradas com a promoção do necessário impulso processual.
3.º O despacho que declara interrompida a instância apenas aprecia a verificação ou não das circunstâncias ou pressupostos previstos no artigo 285.º do Código de Processo Civil. Mas, tendo tal despacho natureza meramente declarativa, o mesmo faz retroagir os seus efeitos a partir do momento em que o processo começou a estar parado por negligência das partes em promover os seus termos.
4.º É a partir da data em que perfez um ano e um dia que o processo esteve parado por negligência das partes que se conta o prazo de dois anos previsto no artigo 291.º do Código de Processo Civil, e não, como erradamente foi considerado pelo Tribunal a quo da data de notificação desse despacho às partes, como é interpretação maioritária da jurisprudência e da doutrina.
5.º O prazo de dois anos a partir da interrupção conta-se a partir da data em que se perfaz um ano e um dia, contados a partir do momento em que o processo esteve parado por negligência das partes, nos termos do artigo 285º do CPC.
6.º O último acto processual praticado nos presentes autos (antes, evidentemente, das últimas diligências processuais determinadas na sequência do despacho ora recorrido que não considerou verificada a deserção) respeita a um despacho datado de 11 de Janeiro de 2010, notificado às partes em 15 de Janeiro de 2010, e no qual foi prorrogado o prazo de suspensão da instância (anteriormente requerido pelas partes), ficando os autos a aguardar que as partes viessem requerer o que entendessem conveniente.
7.º Tal prazo de suspensão terminou, portanto, no dia 15 de Fevereiro de 2010, tendo cessado a suspensão da instância e começado a correr no dia seguinte (16 de Fevereiro de 2010) o prazo de um ano a que alude o artigo 285.º do Código de Processo Civil (prazo de interrupção da instância).
8.º O decurso do prazo de interrupção da instância verificou-se no dia 16 de Fevereiro de 2011, isto é, um ano e um dia depois de se ter iniciado o prazo de interrupção da instância, independentemente da data em que tenha sido proferido o despacho que a declarou e cujos efeitos retroagem até àquela data.
9.º Tendo-se operado a interrupção da instância em 16 de Fevereiro de 2011, o prazo de deserção da instância verificou-se, nos termos do disposto no artigo 291.º do Código de Processo Civil, dois anos volvidos sem que nenhum impulso processual tenha sido, entretanto, requerido, isto é em 16 de Fevereiro de 2013.
10.º A deserção da instância operou-se nessa data independentemente da necessidade de qualquer despacho que a determine ou declare tal como previsto no artigo 291.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
11.º Ao ter considerado que a instância só se interrompeu aquando do despacho que a declarou, isto é, em 9 de Março de 2011 e que, portanto, só nessa data é que se iniciou o prazo de dois anos conducente à deserção da instância, concluindo em conformidade que na data em que foi requerido o prosseguimento dos autos em 2 de Março de 2013, tal prazo ainda não estava ultrapassado, o despacho recorrido fez uma incorrecta aplicação do direito, tendo violado o disposto nos artigos 285.º e 291.º n.º 1, ambos do Código de Processo Civil.
12.º Tais normas jurídicas deveriam ter sido interpretadas no sentido de que o despacho que declara interrompida a instância é meramente declarativo da verificação dos requisitos de que depende a interrupção da instância não tendo a virtualidade de dar inicio à contagem do prazo de interrupção e, posteriormente, de deserção, como erradamente considerou o despacho recorrido, pelo que, quando um dos interessados nos presentes autos de inventário veio requerer o prosseguimento dos autos em 2 de Março de 2013, já a instância estava deserta.
Normas Jurídicas Violadas: O despacho ora recorrido violou o disposto no artigo 285.º e 291.º n.º 1, ambos do Código de Processo Civil.
O interessado L (…) veio apresentar contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida, concluindo que:
1- É condição para que se verifique a interrupção da instância a existência de um despacho judicial onde tal interrupção seja decretada, sancionando dessa forma a inacção das partes.
2- Desta forma evita-se que a simples paragem do processo se transforme automaticamente em interrupção da instância, com todas as certezas que daí adviriam.
3-  É fundamental o despacho que declara a interrupção da instância e desta forma elimina quaisquer dúvidas que pudessem existir nos actores processuais, não ficando assim os mesmos sujeitos a qualquer “decisão surpresa”, à qual ficariam igualmente sujeitos no caso de o despacho de interrupção da instância ser proferido mais de três anos após a sustação da instância.
4-  Entendimento diverso abriria a porta a decisões surpresa que a lei proíbe. Artigo 3º nº 3 do C.P.C.
5- O despacho que decreta a interrupção da instância tem assim natureza constitutiva e não meramente declarativa.
6- O douto despacho recorrido não merece assim censura, pelo que deve o recurso interposto do mesmo ser julgado improcedente, com as legais consequências.
Foi proferido despacho de sustentação do despacho recorrido.
II. Questões a decidir
Tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo Recorrente nas suas conclusões (artº 684 nº 3 e 685 A nº 1 do C.P.C.), salvo questões de conhecimento oficioso- artº 660 nº 2 in fine.
- da natureza meramente declarativa do despacho de interrupção da instância proferido nos termos do artº 285 do C.P.C., fazendo o mesmo retroagir os seus efeitos ao momento em que o processo ficou parado por negligência das partes em promover os seus termos.
III. Fundamentos de Facto
Os factos relevantes para a apreciação e decisão do presente recurso são os que constam do relatório elaborado.
IV. Razões de Direito
- da natureza meramente declarativa do despacho de interrupção da instância proferido nos termos do artº 285 do C.P.C., fazendo o mesmo retroagir os seus efeitos ao momento em que o processo ficou parado por negligência das partes em promover os seus termos.
            A propósito da interrupção da instância regula o artº 285 do C.P.C. ao dispor: “A instância interrompe-se, quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente de que dependa o seu andamento.”
Por seu turno, o artº 291 nº 1 do C.P.C. diz-nos que: “Considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando esteja interrompida durante dois anos.”
Tanto a doutrina como a jurisprudência têm sido unânimes no sentido de considerar a necessidade de um despacho juiz a declarar a interrupção da instância; o contrário acontece aliás com a deserção, em que a norma que a prevê, menciona expressamente a desnecessidade de qualquer decisão judicial nesse sentido.
A questão que se põe, com importância para a decisão do presente recurso tem a ver com a natureza do despacho que declara interrompida a instância, no sentido de saber se o mesmo tem natureza constitutiva ou meramente declarativa, o que naturalmente tem relevância para a contagem do prazo da deserção.
E, sobre este assunto, a jurisprudência tem-se dividido.
No sentido de que o prazo da deserção da instância começa a correr a partir da data em que a instância é declarada interrompida pronunciaram-se, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31/01/2007 e de 28/02/2008, bem como o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27/11/2008 ou o do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/12/2010, todos in. www.dgsi.pt Esta jurisprudência invoca fundamentalmente razões de certeza e de segurança jurídica, uma vez que a interrupção tem efeitos ao nível do direito substantivo, nomeadamente da prescrição, para considerar que o prazo da deserção começa a contar a partir da data em que a instância é declarada interrompida, conferindo por isso natureza constitutiva ao despacho que declara interrompida a instância, de forma a afastar as dúvidas. Foi esta a posição seguida pelo despacho sob recurso.
Em sentido contrário pronunciaram-se, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15/06/2004, 08/06/2006, 12/02/2009 e 21/06/2011, bem como os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 05/03/2012 e 13/12/2012, também todos in. www.dgsi.pt que concluem que o despacho que declara a interrupção da instância tem natureza meramente declarativa, verificando-se a interrupção da instância decorridos um ano e um dia após o processo estar parado por falta de impulso processual, começando por isso a contar-se o prazo da deserção a partir dessa data.
E, a nosso ver, é esta última a posição que melhor se coaduna não só com a natureza do instituto, que constitui uma sanção imposta às partes, pela sua inércia em promover os termos do processo, que elas próprias impulsionaram, evitando assim que por largos períodos de tempo se mantenham nos tribunais processos parados por quem deles se desinteressou, mas também com a redacção do artº 285 do C.P.C.
O artº 285 do C.P.C. ao consagrar a expressão “a instância interrompe-se” aponta para o facto da interrupção da instância se verificar quando o processo está parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover o seu andamento. O facto que determina a interrupção da instância é esse: o processo ter estado parado mais de um ano por negligência das partes, o despacho proferido pelo juiz apenas o declara.
A necessidade de despacho do juiz compreende-se, na medida em que se torna necessário fazer uma avaliação, no sentido de saber se a paragem do processo resulta efectivamente da negligência das partes em promover o seu andamento; pretende o mesmo constatar a verificação dos pressupostos da interrupção, mas esta existe a partir do momento em que decorre um ano e um dia sobre a data em que a parte podia ter promovido o andamento do processo e não o fez por inércia ou desinteresse.
Em contrário, a deserção da instância, que constitui factor de extinção da instância, não necessita de despacho judicial a declará-lo, como se referiu em conformidade com o estabelecido no artº 291 do C.P.C., operando automaticamente com o decurso do prazo, verificando-se quando tenham decorrido dois anos a contar do momento em que a instância ficou interrompida.
E não se diga, que as partes são apanhadas desprevenidas. É que, o despacho que declara a interrupção da instância é-lhes notificado, chamando assim a sua atenção para a paragem do processo e implicitamente, para o ónus que têm em promover o seu andamento se quiserem obstar à extinção da instância por deserção.
Conclui-se por isso que se verifica a interrupção da instância logo que decorre o prazo de um ano sem que as partes, por negligência, promovam os termos do processo e não com o despacho do juiz que assim o declara, tendo este natureza meramente declarativa e não constitutiva, pelo que o prazo de dois anos da deserção da instância previsto no artº 291 do C.P.C. começa a correr a partir da data em que a instância ficou interrompida e não a partir da data em que foi proferido o despacho a declará-lo, havendo deserção quando a paragem do processo se prolonga por mais dois anos para além daquela data.
Nesta medida, revoga-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que aplique a contagem do prazo da interrupção e da deserção da instância nos termos ora definidos, daí retirando as legais consequências.
V. Sumário
1. Verifica-se a interrupção da instância, nos termos do artº 285 do C.P.C., logo que decorre o prazo de um ano sem que as partes, por negligência, promovam os termos do processo e não com o despacho do juiz que assim o declara, tendo este natureza meramente declarativa e não constitutiva.
2. O prazo de dois anos da deserção da instância previsto no artº 291 do C.P.C. começa a correr a partir da data em que a instância ficou interrompida e não a partir da data em que foi proferido o despacho a declará-lo, havendo deserção quando a paragem do processo se prolonga por mais dois anos para além daquela data.
VI. Decisão:
Em face do exposto, julga-se procedente o recurso de agravo interposto, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se a remessa dos autos à 1ª instância onde deverá ser proferido novo despacho a avaliar o prosseguimento dos autos em conformidade com o que fica exposto.
Custas pelo Recorrido.
Notifique.
                                                            *
                                               Coimbra, 10 de Dezembro de 2013


                                               Maria Inês Moura (relatora)
                                               Fernando Monteiro (1º adjunto)
                                               Luís Cravo (2º adjunto)