Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
181/13.3GBAGD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: PENA ACESSÓRIA
DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA
CRITÉRIOS
Data do Acordão: 12/04/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA (JUÍZO DE INSTÂNCIA CRIMINAL DE ÁGUEDA - JUIZ 1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 71.º DO CP
Sumário: I - A determinação da medida da pena acessória deve operar-se de acordo com os critérios gerais utilizados para a fixação da pena principal, ou seja, mediante recurso aos ditames do art. 71º do CP, com a ressalva de que a finalidade a atingir pela pena acessória é mais restrita, na medida em que tem sobretudo em vista prevenir a perigosidade do agente, ainda que se lhe assinale também um efeito de prevenção geral.

II - Porém, não existe na Constituição nem na legislação ordinária penal qualquer preceito ou princípio que imponha que as penas acessórias correspondam, numa dimensão quantitativa, às penas principais.

Decisão Texto Integral: Acordam em conferência os Juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra


I-RELATÓRIO
No processo sumário supra referenciado, do Juízo de Instância Criminal do Baixo Vouga, foi julgado o arguido A..., solteiro, gerente de uma oficina (pertença da sociedade “B..., Unipessoal, Lda.”, com sede na (...), Águeda), filho de C...e de D..., nascido a 03-01-1971, natural da freguesia de (...), concelho de Águeda, residente na (...), Águeda, tendo ali sido proferida sentença onde foi lavrada a seguinte Decisão:
“1 - Condenar o arguido A... pela prática, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos art.ºs 292.º, n.º 1 e 69º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros), e na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos com motor, por um período de quatro meses e quinze dias.
2 - Advertir o arguido de que, decorrido o período de 30 dias necessários para se aferir do trânsito em julgado da sentença, dispõe do prazo de 10 dias para entregar na secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial, que os remeterá àquela, todos os títulos que possua e que o habilitam a conduzir tais veículos com motor, designadamente carta e licença de condução (cfr. art. 69º, nº3, do Código Penal e 500º, nº 2 do Código de Processo Penal), sob pena de, não o fazendo, incorrer na prática de um crime de desobediência, previsto e punível pelo art. 348º, nº 1, al. b), do Código Penal, e, ainda, de que durante o período de execução da pena acessória de proibição de conduzir que lhe foi imposta não pode conduzir qualquer tipo de veículos com motor, sob pena de cometer um crime de violação de proibições, previsto o punível pelo art. 353º, do Código Penal.
3 - Condenar, ainda, o arguido no pagamento das custas do processo, devendo pagar de taxa de justiça 1/2 UC, já reduzida a metade, por força da confissão.
4 - Proceda ao depósito.
5 - Remeta boletins ao registo criminal.
6 - Comunique à ANSR e ao IMTT (art.º 500, n.º 1, do Código de Processo Penal).”
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Inconformado, o arguido veio interpor recurso da referida sentença, com os fundamentos constantes da motivação, com as seguintes Conclusões (que se transcrevem).
A) A pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 4 (quatro) meses e 15 (dias) nos termos da alínea a) do n.º 1 do Artigo 69.° do Código Penal, em que o Arguido foi condenado e da qual se recorre, é manifestamente desproporcional ao valor da taxa de alcoolemia (2,07 gr./litro) que este acusava aquando da prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez na forma consumada, previsto e punido pelo n.º 1 do Artigo 292.° do Código Penal.
B) Crime este que o Arguido confessou de livre vontade, fora de qualquer coacção, integralmente e sem reservas, colaborando assim com o Tribunal a quo para a descoberta da verdade material.
C) O Arguido não tem averbado qualquer antecedente no seu registo criminal designadamente no âmbito da condução automóvel, concretamente sob influência do álcool.
D) O Arguido já tem carta de condução há cerca de 23 (vinte e três) anos.
E) O Arguido foi submetido ao teste de pesquisa de álcool no sangue, tendo acusado uma taxa de 2,07 gr./litro.
F) O Arguido foi fiscalizado numa operação Policial de rotina, não tendo causado qualquer acidente de viação.
G) O arguido trabalha na empresa B... Unipessoal Lda., onde exerce as funções de gerente.
H) A inibição de conduzir a concretizar-se irá provocar imensos prejuízos quer a título pessoal, quer a título profissional.
I) O Arguido vive sozinho, não tem quem o possa transportar para o local de trabalho e também não pode utilizar aos transportes públicos pois são raros e pouco frequentes da zona onde reside para a zona onde trabalha.
J) A nível profissional, a sanção de inibição de conduzir irá provocar a paralisação do arguido, deixando o mesmo de auferir qualquer retribuição no período de tempo fixado, visto que a condução é uma ferramenta essencial à sua profissão e sem ela torna-se impossível continuar a exercer a sua actividade.
L) Uma vez que, é o arguido que faz as cobranças, vai buscar as peças e os pneus para os automóveis, testa os automóveis e vai leva-los à Inspecção Periódica.
M) Assim, o arguido irá perder a concretização de muitos negócios que o mesmo acompanha actualmente, bem como os seus clientes irão ficar sem o acompanhamento devido e a que tanto estão habituados.
N) O Arguido pede clemência a este Venerando Tribunal da Relação e está profundamente arrependido do ilícito criminal que praticou.
O) O Arguido entende ser desproporcional a sanção acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo supra indicado prazo de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias em que foi condenado pelo Tribunal a quo.
P) Devendo por isso, a pena acessória aplicada de proibição de conduzir veículos a motor pelo prazo de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias, ser reduzida para o seu limite mínimo, ou seja 3 (três) meses, sendo suspensa na sua execução pelo período de 2 anos mediante prestação de caução de montante a fixar pelo tribunal pelas razões supra expostas.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e provado, e, em consequência deve ser revogada a douta sentença recorrida por outra que reduza a pena acessória aplicada ao Arguido de proibição de conduzir veículos a motor pelo prazo de 4 (quatro) meses e 15 (dias), para os seus limites mínimos, ou seja 3 (três) meses, sendo suspensa na sua execução pelo período de 2 anos mediante prestação de caução de montante a fixar pelo tribunal pelas razões supra expostas, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.”
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O Ex.m.º Magistrado do Ministério Público, respondeu defendendo que:
(transcreve-se).
Da medida da pena acessória e sua suspensão
O crime de condução de veículo em estado de embriaguez cometido pelo recorrente, é punido, nos termos do disposto na alínea a) do n.° 1 do artigo 69.° do Código Penal, com pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período de 3 meses a 3 anos.
Considera o recorrente que a pena acessória de 4 meses e 15 dias é manifestamente proporcional e que deveria ter sido aplicada pelo mínimo.
Mais pretende que a pena acessória seja suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, mediante prestação de caução de boa conduta.
Invoca a seu favor a taxa de alcoolemia que apresentava (2,07g/l), a confissão integral e sem reservas, a inexistência de antecedentes criminais, a titularidade de carta de condução há 23 anos, a não intervenção em acidente de viação e a imprescindibilidade da carta de condução para a sua vida profissional.
Todas as circunstâncias referidas pelo recorrente foram tomadas em consideração na decisão proferida pela Meritíssima Juíza, a qual, no nosso entendimento, não merece qualquer reparo.
Para além disso, se no que respeita ao quantum da pena acessória o recorrente pretende a aplicação de uma pena desajustada e desadequada, já quanto à suspensão da pena acessória estamos a falar de um resultado que é pura e simplesmente ilegal. Com efeito, inexiste norma no Código Penal ou Código de Processo Penal que preveja tal suspensão.
A proibição de conduzir veículos com motor tem a natureza de pena acessória, como decorre do disposto no artigo 69.° do Código Penal e da sua inserção sistemática no Capítulo III, do Título III, este sob a epígrafe «Das consequências jurídicas do facto» e aquele sob a epígrafe de «Penas acessórias e efeitos das penas».
Tal pena tem uma função preventiva, adjuvante da pena principal, que encerra uma censura adicional pelo facto praticado, visando especialmente prevenir a perigosidade do arguido.
Quer isto dizer que os objectivos de política criminal, ligados à aplicação das penas principal e acessória são distintos: enquanto os da pena principal se ligam aos fins genéricos da aplicação de qualquer pena, já os da pena acessória se dirigem mais especificamente à recuperação do comportamento estradai do condutor.

Daqui resulta que a determinação da medida da pena acessória se opera mediante recurso aos critérios gerais constantes do artigo 71.° do Código Penal, mas com a ressalva de que a finalidade a atingir é mais restrita, na medida em que a sanção em causa tem em vista tão só prevenir a perigosidade do agente, muito embora se lhe assinale também um efeito de prevenção geral.
Figueiredo Dias sintetizou bem a questão da pena acessória: “à proibição de conduzir deve assinalar-se e pedir-se um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa. Por outro lado, deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano -.Direito Penal Português, As Consequências jurídicas do Crime, Reimpressão, Coimbra Editora, 2005, p. 165
Prevendo o artigo 69.° do Código Penal uma moldura abstracta para a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor entre os 3 meses e os 3 anos, não se percebe a razão que leva o recorrente a concluir que lhe deveria ser aplicada a pena pelo mínimo legal.
Entenderá o recorrente que a um arguido que não tenha antecedentes criminais e que apresenta uma TAS de 1,2 g/l deverá ser aplicada a mesma pena acessória um arguido que apresenta uma TAS de 2,07 g/l?
Tal é o acerto da decisão recorrida e a simplicidade das questões levantadas pelo arguido, que nos limitaremos a transcrever excertos de acórdãos recentes do Tribunal da Relação de Coimbra que se debruçaram sobre as mesmas matérias em termos bastante claros, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Acórdão da Relação de Coimbra de 12 de Setembro de 2012, relator Belmiro Andrade:
“A determinação da pena acessória deve operar-se mediante recurso aos critérios gerais constantes do art. 71° do CP com a ressalva de que a finalidade a atingir é mais restrita, na medida em que a tal pena acessória tem em vista sobretudo prevenir a perigosidade do agente, revelada na gravidade do facto praticado;
O grau de ilicitude e perigosidade do agente revelam-se acima de tudo na taxa de alcoolemia de que o arguido é portador;
Consequentemente a medida aplicada em concreto, muito próxima do limite mínimo da respetiva moldura, a condutor com uma TAS de 2,07 gr./1, é desajustada. Assim, tendo em atenção a taxa concreta de alcoolemia, a intervenção em acidente de viação, a perigosidade do agente revelada no facto, as prementes necessidades de prevenção geral, a pena acessória aplicada em concreto situando-se apenas 1 mês acima do limite mínimo, revela-se desajustada à gravidade do facto e perigosidade do agente nele revelada, revelando-se outros sim proporcionada a medida proposta na motivação do recurso — 7 meses”.
Ou seja, numa situação idêntica à do ora recorrente (condutor sem antecedentes criminais e que apresentava uma TAS de 2,07g/l) o Tribunal da Relação considerou que a taxa mais adequada era de 7 meses!
Acórdão da Relação de Coimbra de 18 de Maio de 2010, relator Esteves Marques: “A pena acessória tem, além do mais, um carácter dissuasor, com vista a evitar que os condutores ingiram elevadas quantidades de álcool. Como se refere no Manual de Alcoologia para o Clínico Geral “ Na prática corrente da condução, os efeitos do álcool sobre a célula nervosa e sistema nervoso central e periférico, as “atitudes”, euforia e sobreestima da máquina e de capacidades, informação sensorial alterada, deficiente coordenação motora, atraso de reflexos, … são também factores que põem em risco a aptidão do condutor, representando o álcool a causa directa de elevada percentagem de mortes por acidentes de viação, e causa concomitante de acidentes de que apenas resultaram feridos e prejuízos materiais. Portanto o álcool desempenha um papel não somente como factor de risco de acidente, mas também na gravidade do mesmo. De acordo com o fenómeno da multiplicação de risco, de Freudenberg, verifica-se que este não cresce proporcionalmente com os valores da alcoolémia. Assim, em relação a um condutor abstinente, um outro com uma alcoolémia de 0,5 gramas/litro está sujeito ao dobro do risco, um segundo com a de 0,8 gramas/litro, ao quádruplo do risco do primeiro, e um terceiro com a de 1,5 gramas/ litro passa a estar sujeito a um risco dezasseis vezes maior. ” Como referem aqueles autores[1], a alcoolémia superior a 2 gramas por litro, caracteriza-se “por alterações muito marcadas — a nível de pensamento, da atenção, da esfera sensorial, da sensibilidade, da coordenação motora e do equilíbrio ”.
Acórdão da Relação de Coimbra de 24 de Abril de 2013, relator Orlando Gonçalves:
“É inadmissível a suspensão da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor. ”
Acórdão da Relação de Coimbra de 30 de Março de 2011, relator Paulo Guerra: “Não tem fundamento legal a suspensão da execução da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no art. 69°, do C. Penal, nem a sua substituição por prestação de caução de boa conduta (...) Não se deixará de dizer que o facto de o arguido alegar precisar da carta de condução para a sua vida diária/profissional não é razão suficiente para a suspender, podendo nós afirmar que, desta forma, ele sentirá mais na pele a falta de tal título de transporte, o que só poderá contribuir para que, doravante, pense duas ou três vezes antes de conduzir após ingestão de álcool. ”
Face ao exposto, deverá o recurso interposto por A... ser julgado improcedente, mantendo-se in totum a decisão recorrida.”
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Neste Tribunal o Ex.m.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Cumprido o disposto no artº 417º, nº2 do C.P.P., não houve resposta do arguido.
Cumpridos os vistos, procedeu-se a conferência.
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Cumpre conhecer e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. O âmbito do recurso encontra-se delimitado em função das questões sumariadas pelo recorrente nas conclusões extraídas da respectiva motivação, sem prejuízo, no entanto, das questões que sejam de conhecimento oficioso, como se extrai do disposto no artº 412º nº 1 e no artº 410 nºs 2 e 3 do Código de Processo Penal.
Neste contexto, as questões a apreciar traduzem-se em saber se:
- a pena acessória deve ser reduzida ao mínimo legal de 3 meses;
- a pena acessória deve ser suspensa na sua execução pelo período de 2 anos mediante prestação de caução.

2. Da decisão recorrida
Não foi posta em questão, nem se detectam vícios ou desvios lógicos na decisão da 1ª instância, de que cumpra conhecer, pelo que o elenco de factos a ponderar no presente recurso mostra-se fixado, nos seguintes termos[2]:
“1. O arguido no dia 24 de Fevereiro de 2013, na Rotunda do Oito, em Águeda, conduzia o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula 74-24-VC.
2. Após ter ingerido bebidas alcoólicas e apresentando uma taxa de álcool no sangue de 2,7 g/1;
3. Actuou livre, voluntária e conscientemente sabendo que a sua conduta é  proibida e punida por lei;
4 - O arguido é solteiro, vive sozinho e não tem filhos
5 - Está desempregado mas desde há cerca de 4 meses gere a empresa do pai, que adoeceu.
6 – Por sentença proferida em 12-10-2006, transitada em julgado em 24/11/2006 foi o arguido condenado pela prática em 10-12-2003 de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 140 dias de multa à taxa diária de € 6, que pagou.
7 – Por sentença proferida em 9-06-2009, transitada em julgado em 14/09/2009 foi o arguido condenado pela prática em 27-02-2006 de um crime de abuso de confiança, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de € 6, que pagou.
Inexistem factos não provados.
A convicção do tribunal sobre a factualidade dada como provada resultou da confissão integral dos factos conjugada com a prova documental - talão junto a fls. 8, e no que respeita às condições sócio económicas do arguido teve-se em conta o seu depoimento e o da testemunha de defesa.”
Relativamente aos seus antecedentes criminais foi relevante o teor do CRC.

3 - Da natureza e medida da pena acessória
Segundo o disposto no art. 69.º, n.º1, alínea a) do Código Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho, quem for punido por crime previsto nos artigos 291.º e 292.º, do CP, é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos.
Da reforma operada pelo DL 48/95 de 15.03 e pela referida Lei 77/2001 de 13.07, resulta que esta sanção inibitória tem natureza de pena acessória, tal como propunha, de lege ferenda, Figueiredo Dias, in Consequências Jurídicas do Crime, cit., §§ 205 e 793. O que aliás resulta claramente do texto do mencionado art. 69.º, da sua inserção sistemática e do elemento histórico (Actas da Comissão de Revisão do Código Penal, n.ºs 5, 8, 10 e 41), traduzindo-se numa censura adicional pelo crime praticado.
O Prof. Figueiredo Dias entende que esta pena acessória tem por pressuposto material “ a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável.” (...) “Por isso, à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa. Por fim, mas não por último, deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano.” - “Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime”, Notícias Editorial, § 205.
Ponto assente é que quer à pena principal, quer à acessória, subjaz um juízo de censura global pelo crime praticado e daí que para a determinação da medida concreta de uma e outra se imponha o recurso aos critérios estabelecidos no art. 71.º do Código Penal. Consequentemente, na graduação da sanção acessória o Tribunal deve atender à culpa do agente e às exigências de prevenção, bem como a todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra este.
O artigo 40° do Código Penal dispõe que «a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade» - n° 1, e que «em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa» - n° 2.
Esclarecedor o Ac do STJ de 12 de Setembro de 2007 em que se realça o programa político criminal sobre a função e os fins das penas: “A norma do artigo 40° condensa, assim, em três proposições fundamentais o programa político criminal sobre a função e os fins das penas: protecção de bens jurídicos e socialização do agente do crime, sendo a culpa o limite da pena mas não seu fundamento.
Neste programa de política criminal, a culpa tem uma função que não é a de modelar previamente ou de justificar a pena, numa perspectiva de retribuição, mas a de «antagonista por excelência da prevenção», em intervenção de irredutível contraposição à lógica do utilitarismo preventivo (cfr. idem, ibidem).
O modelo do Código Penal é, como acima se disse, de prevenção, em que a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do artigo 40° determina, por isso, que os critérios do artigo 71° e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição; no (actual) programa político criminal do Código Penal, e de acordo com as claras indicações normativas da referida disposição, não está pensada uma relação bilateral entre culpa e pena, em aproximação de retribuição ou expiação.” O modelo de prevenção - porque de protecção de bens jurídicos - acolhido determina, assim, que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.”
Assim sendo, dentro na moldura penal correspondente ao crime o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.
E a finalidade de reintegração do agente na sociedade há-de ser, em cada caso, prosseguida pela imposição de uma pena cuja medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades.
Na prossecução das finalidades da punição e na determinação em concreto da pena, o juiz deve orientar-se pelos critérios do artigo 71° do Código Penal que lhe fornecem módulos de vinculação na escolha da medida da pena, de forma a alcançar a medida adequada à finalidade de prevenção geral - a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores -, e o nível das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
No crime de condução de veículo em estado de embriaguez, como crime de perigo abstracto, as exigências de prevenção geral são determinantes na fixação da medida concreta da pena, para aquietação da comunidade e afirmação de valores essenciais afectados por comportamentos que, antes e para além de causarem efectivos danos, são aptos a colocar em perigo bens jurídicos essenciais, como sejam a segurança rodoviária e indirectamente bens pessoais, como seja a vida, de indiscutível valor supremo.
No caso presente a taxa por ser elevada acentua o grau de ilicitude que resulta da condução com uma T.A.S. de 2,7 g/l.
Segundo a ciência médica três fases sucessivas descrevem o estado de embriaguez: a euforia, que provoca uma sensação de desinibição total (0,7 a 1,8 gramas de álcool por litro de sangue), a descoordenação, que é a fase mais perigosa, e o coma (a partir dos 3 gramas por litro). O que aliado aos seguintes dados, explica a sucessão trágica do aumento de acidentes mortais nas estradas de Portugal:
Efeitos Psico-Fisiológicos e Taxas de Alcoolemia (em gramas por litro de sangue)
• 0,15 g/l - diminuição dos reflexos
• 0,3 g/l - perturbação dos movimentos
• 0,5 a 0,8 g/l - aumento dos tempos de reacção, percepção errada da velocidade, reacções motoras alteradas e estado de euforia
• 0,8 a 1,5 g/l - reflexos cada vez mais alterados, embriaguez mais ou menos ligeira, condução perigosa devido a possibilidades de sonolência, fadiga e problemas de visão
• 1,5 a 3 g/l - perturbação da marcha, diplopia, embriaguez nítida
• 3 a 5g/l - estado de embriaguez profunda, condução impossível
• Acima dos 5g/l - Coma que pode levar à morte
E justifica a seguinte relação entre o grau de alcoolemia e o risco agravado de acidente:
0,5 - Duas vezes mais
0,8 - Cinco vezes mais
1,2 - Vinte vezes mais
2,0 - Oitenta vezes mais
Resulta óbvio que o risco de acidentes de viação relacionados com o álcool aumenta com a taxa de alcoolemia do condutor.
Assim, não obstante o crime ser de perigo abstracto, impõe-se ponderar o efeito dramático da expressão numérica da taxa de alcoolemia - 2,7 g/l - que corresponde necessariamente a maior potenciação do perigo, pois por ser elevada a taxa, mais compromete a segurança na condução.
A determinação da medida concreta da pena acessória realiza-se em regra de acordo com os critérios gerais utilizados para a fixação da pena principal, por forma a que se verifique proporcionalidade entre a multa e a pena acessória, embora não deixe de se assinalar que a correspondência não é obrigatória. Efectivamente não é. Claro que pressupondo a pena acessória a aplicação de uma pena principal, e sendo a determinação da respectiva medida concreta efectuada de acordo com os critérios gerais utilizados para a fixação daquela, de acordo com os princípios do art. 71º do C. Penal – cfr. Germano Marques da Silva, Crimes Rodoviários, Universidade Católica, p. 28 e Maia Gonçalves, C. Penal Anotado, 15ª ed., p. 237 - a respectiva definição conduz em regra a uma certa proporcionalidade entre a pena e a sanção acessória.
Mas não existe na Constituição qualquer preceito ou princípio que imponha que as medidas da sanção principal e da sanção acessória aplicáveis a certo comportamento tenham a mesma dimensão quantitativa.
Como se decidiu no Ac. T. Constitucional n.º 667/94 de 14.12, BMJ 446º - suplemento, p. 102, “a ampla margem de discricionariedade facultada ao juiz na graduação da sanção de inibição de conduzir, permite-lhe perfeitamente fixá-la, em concreto, segundo as circunstâncias do caso, desde logo as conexionadas com o grau de culpa do agente, nada na Lei Fundamental exigindo que as penas acessórias tenham que ter, no que respeita à sua duração, correspondência com as penas principais”.
Também neste sentido o colectivo liderado por Bravo Serra defende que “ …mesmo confrontando a medida abstracta da pena principal com aqueloutra fixada para a pena acessória, ainda assim os mencionados princípios se não mostram violados, já que, e para além do mais, ainda que se tenha em mente só o seu limite máximo, e seguro, por um lado, que na Constituição inexiste qualquer normativo que aponte ou imponha que as penas acessórias tenham de ter correspondência com as penas principais e, por outro, que, tendo em conta os perigos que, notoriamente, advém da condução sob a influencia do álcool, e perfeitamente ajustada uma sanção cujos limites mínimo e máximo se postam como adequados a perigosidade demonstrada por um agente que se coloque na previsão do ilícito em apreço” - Acórdão da Relação de 21-02-95.
Não estabelecendo a lei regimes distintos para a respectiva quantificação, há então que indagar de novo a finalidade específica da pena acessória.
Concluindo, a determinação da medida da pena acessória deve operar-se mediante recurso aos critérios gerais constantes do art. 71º do CP, com a ressalva de que a finalidade a atingir pela pena acessória é mais restrita, na medida em que a sanção acessória tem em vista sobretudo prevenir a perigosidade do agente, ainda que se lhe assinale também um efeito de prevenção geral – cfr. entre outros Ac. RC de 07.11.1996, na CJ/1996, t. 5, p. 47; Ac. RC de 18.12.1996, na CJ/1996, t. 5, p. 62; e Ac. RC de 17.01.2001, CJ/2001, t. 1, p. 51.
A culpa é um juízo de reprovação pessoal feita ao agente de um facto ilícito-típico, que podendo comportar-se de acordo com o direito, optou por se comportar em sentido negativo. A conduta culposa é expressão de uma atitude interna pessoal juridicamente desaprovada e pela qual o agente tem, por isso, de responder perante as exigências do dever-ser da comunidade. A culpa tem uma função limitadora do intervencionismo estatal pois a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa, nomeadamente por razões de prevenção, que vêm enunciadas no mencionado art. 40.º, n.º 1 do Código Penal.
Segundo o Prof. Figueiredo Dias, deve esperar-se desta pena acessória, que contribua em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano (pág 165). O facto de o arguido conduzir com uma taxa de alcoolemia de 2,7 gr/l, traduz-se numa condução temerária, geradora de um risco potencial iminente não só para o próprio, como para todos os demais utentes da via pública e bens de terceiros. Para que a pena acessória deva cumprir a finalidade que o ordenamento lhe confere e que temos por adequado a sua medida deverá situar-se num plano que procure interiorizar a necessidade de conformação da conduta posterior do arguido à vigência da norma e servirá, certamente, como efeito redentor da conduta assumida, capacitando o arguido da necessidade de refrear qualquer impulso de ingestão de bebidas alcoólicas sempre que tenha que conduzir.
Na verdade, são elevadas as exigências de prevenção, quer especial quer, sobretudo geral, atenta a frequência com que as infracções relativas à condução sob o efeito do álcool vêm sendo cometidas e a sua directa influência na elevada taxa de sinistralidade rodoviária, que constitui um verdadeiro flagelo nacional, causando anualmente um número elevado de vítimas na estrada, a exigir e justificar que se punam adequadamente os seus autores.
A moldura abstracta encontra como mínimo três meses mas pode ir até três anos pelo que  em consonância com o grau de compromisso alcoolémico e de risco para si e para terceiros verificado na conduta.
Reportando-nos ao caso concreto, as exigências de prevenção especial de socialização são já algo significativas, quando considerado o percurso pessoal do arguido, com antecedentes criminais, é certo que por crimes de diferente natureza e já recuados no tempo, mas ainda assim a significar algum desrespeito pelos valores comunitários com tutela penal, revelado pelo comportamento anterior. Certo é que o arguido está integrado social e profissionalmente e confessou integralmente e sem reserva os factos (atitude natural, de valor relativo, dada a detenção em flagrante delito e a certificação da TAS).
                       Resumindo, no caso concreto importa considerar que o grau de culpa, - dolo na forma directa - é intenso – e a taxa de alcoolemia verificada (2,7 g/l) situa-se bastante acima do limite punido dentro da moldura (1,20). O que representa o elevado grau de ilicitude do facto bem como da perigosidade da conduta do agente ao decidir exercer a condução automóvel naquele estado.
                       Por outro lado, a condenação nos presentes autos não constitui a primeira condenação do arguido. Assim, a pena acessória arbitrada, ligeiramente acima do mínimo da moldura abstracta (3 meses a 3 anos) mostra-se ajustada e proporcionada à perigosidade do recorrente revelada no facto e no desrespeito pelas advertências solenes contidas nas anteriores condenações bem como às elevadas necessidades de prevenção geral.
                       De notar que os factos agora alegados pelo recorrente na motivação de recurso não constam do elenco dos factos provados da sentença recorrida.
Por outro lado, o objecto do recurso não visou o julgamento de facto.

4 - Da suspensão da execução da pena acessória, ainda que condicionada à prestação de caução económica

O D.L. nº 48/95, de 15-3, que introduziu a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, nas situações referidas no nº 1 do artigo 69º do Código Penal, alterou também o regime da suspensão da execução da pena, - previsto no artigo 48º do Código Penal, na versão de 1982, e agora previsto no artigo 50º, - limitando-a à pena de prisão.
Com efeito, dispõe o artigo 50º, nº 1, do Código Penal (na actual redacção) que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
É manifesto que a leitura desta norma não permite outra interpretação que não seja a de que, perante o regime legal vigente e desde que se trate de condenação à face do Código Penal, só é susceptível de suspensão a pena de prisão até cinco anos, e nunca a pena de multa, nem a pena acessória.
O legislador português, fundado em razões de política criminal, entendeu excluir da suspensão da execução a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, quando estava em causa o cometimento de um dos crimes referidos nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 69º do Código Penal, opção que se percebe atenta a elevada sinistralidade rodoviária em Portugal, com graves consequências, como é de conhecimento público e notório.
Nem tão pouco seria admissível, por idênticas razões, a fixação de qualquer caução económica em matéria de trânsito.
De facto, a pena acessória de proibição de conduzir (art. 69º. do Código Penal), é uma sanção de natureza penal, sujeita ao regime decorrente do Código Penal, não existindo neste qualquer norma que expressa, ou implicitamente, preveja a sua substituição por caução.
É certo que em relação a contra-ordenações graves, a prestação de caução - de boa conduta -, como condição de suspensão da execução da pena de inibição de conduzir, tem consagração legal no artigo 141º., nº.3, do Código da Estrada, verificado que seja o condicionalismo aí previsto.
Evidente é que este regime não é aplicável aos crimes, por a lei não o prever em relação a este tipo de ilícitos.
Aliás, com as alterações introduzidas ao Código da Estrada pelo DL 44/05, de 23-2, limitou-se a possibilidade da suspensão da execução da pena acessória de inibição de conduzir aos casos de contra-ordenações graves (art. 141º.).
Repare-se que ficaram excluídas da possibilidade de suspensão as contra-ordenações muito graves.
Assim, considerando à unidade do sistema jurídico, e não obstante a diversa natureza jurídica da pena e da sanção acessória, seria absurdo admitir a suspensão da execução da proibição de conduzir aplicada na sequência da prática de um crime, quando essa suspensão não é sequer admissível por contra-ordenação muito grave.
Neste sentido, vd. na jurisprudência, os seguintes arestos: Ac. do S.T.J de 26-2-1997, Col. Jur. - Acs do STJ, ano I, tomo 1, pág. 235 e BMJ n.º 464, pág. 200; Acs da Rel. do Porto de 8-3-2006, pr. nº. 0516505, Rel. Guerra Banha, in www.dgsi.pt; Acs da Rel de Coimbra de 7-11-1996, Col de Jur., XXI, tomo 5, pág. 47, de 14-6-2000, Col. Jur. ano XXV, tomo 3, pág.53, 29-11-2000, ano XXV, tomo 5, pág. 229, respectivamente e de 7-1-2004, pr. nº 3717/03, Rel. Belmiro Andrade, in www.trc.pt; Ac RC de 12/12/2012, in www.dgsi.pt , Ac. da Rel. de Lisboa de 30-10-2003, Col. Jur. XXVIII, tomo 4, pág. 140, Ac. da Rel. de Évora de 18-9-2001, pr. 67701, Rel. Pires da Graça, in www.dgsi.pt; Ac Rel Guimarães de 21-01-2013, Rel António Condesso, in www.dgsi.pt na doutrina, Germano Marques da Silva, defende que “…ainda que a pena principal seja substituída ou suspensa na sua execução, o mesmo não pode suceder relativamente à pena acessória de proibição de conduzir.”, in Crimes Rodoviários, Lisboa, 1ª ed., pág. 28, António Casebre Latas, A pena acessória da proibição de conduzir, in Sub Judice, vol. 17, Jan/Março de 2001, pág. 79-81, Pedro Soares de Albergaria e Pedro Mendes Lima, in Sub Judice, vol. 17, Jan/Março de 2001, págs. 68-69.
E a mesma posição apresenta o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque ao escrever que “ não é admissível a suspensão da pena de proibição de conduzir, nem a sua substituição por caução no processo penal, independentemente do destino da pena principal, uma vez que aquela suspensão e esta substituição só estão previstas no CE no âmbito do direito contra-ordenacional.” In Comentário do Código Penal”, Univ. Católica Editora, 2.ª edição, pág. 264.
Em conclusão: por manifesta impossibilidade legal pena acessória de proibição de conduzir aplicada nestes autos não pode ser suspensa na sua execução.

Improcede, portanto, na totalidade o presente recurso.
*
III - DISPOSITIVO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e manter a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando em 4 Ucs a taxa de justiça.

Coimbra, 4/12/2013
 (Isabel Valongo - Relatora)

 (Fernanda Ventura)

[1] Obra citada, p. 48
[2] Transcrição.