Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4751/15.7T8VIS-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
CREDOR
SOLIDARIEDADE
DÍVIDA
Data do Acordão: 02/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU – VISEU – INST. CENTRAL – SEC. COMÉRCIO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 95º, Nº 2, E 179º, Nº 2, AMBOS DO CIRE.
Sumário: I – Resulta do preceituado no nº 2 do artº 95º do CIRE que só na hipótese do titular do crédito com devedores solidários ou garantes não o reclamar no processo de insolvência é que estes o poderão fazer, reclamando então um crédito derivado de eventual pagamento futuro da dívida como crédito sob condição suspensiva, sendo a condição vir a ocorrer o pagamento pelo devedor ou garante.

II - Se o pagamento vier a ocorrer, uma vez demonstrado no processo o co-devedor ou garante assumirá no processo a posição do credor originário quanto à parte que houver satisfeito, nos termos do artº 47º, nº 3, encontrando-se todavia sujeito à restrição consagrada no nº 2 do art.º 179º.

III - Inversamente, se o titular do crédito sobre o insolvente o reclamou no processo, como se verificou no caso vertente, já o recorrente, atenta a sua qualidade de avalista, ficou impedido de reclamar qualquer eventual crédito futuro com origem na garantia prestada, ainda que como crédito condicional.

Decisão Texto Integral:


I. Relatório

No processo especial de revitalização instaurado pela sociedade devedora S..., Lda., veio M... reclamar os seguintes créditos:
a) €1.514.915,93 (um milhão, quinhentos e catorze mil, novecentos e quinze euros e noventa e três cêntimos) proveniente de penhor e outras garantias reais e pessoais que pelo reclamante e sua esposa foram prestados ao Banco B... e que foram chamados a honrar, atendendo ao incumprimento da devedora perante aquela instituição bancária do contrato de mútuo com ela celebrado em 9/11/2007, por cujos termos recebeu a título de empréstimo o montante de €3.500.000,00, juros vencidos no montante de €201,782 e os vincendos à taxa supletiva legal de 4%;
b) €1.549.956,87 (um milhão, quinhentos e quarenta e nove mil, novecentos e cinquenta e seis euros e oitenta e sete cêntimos), remanescente em dívida ao Banco B... proveniente do mesmo contrato e cujo pagamento está a ser exigido ao reclamante ao abrigo das garantias prestadas;
c) €1.967.760,75 (um milhão, novecentos e sessenta e sete mil, setecentos e sessenta euros e setenta e cinco cêntimos), valor reclamado pelo mesmo Banco B... em execução instaurada contra o reclamante e esposa, constituindo títulos executivos três livranças por eles avalizadas, nos montantes de €314.369,88; €1.567.360,13; €80.662,93, sobre o qual acrescem juros já vencidos no montante de €240.648,54 e juros vincendos até integral pagamento;
d) €5.465,82 (cinco mil, quatrocentos e sessenta e cinco mil e oitenta e dois euros), valor constante de livrança também emitida a favor do Banco B... e avalizada pelo reclamante e esposa, acrescida de juros vencidos, totalizando o montante de €5.502,91, execução cumulada com aquela a que se refere c);
e) €767.409,58 (setecentos e sessenta e sete mil, quatrocentos e nove euros e cinquenta e oito cêntimos), valor titulado por diversas livranças avalizadas pelo reclamante e esposa e que veio a ser reclamado pelo Banco B... na mesma execução, acrescido de juros;
f) €249.196,98 (duzentos e quarenta e nove mil, cento e noventa e seis euros e noventa e oito cêntimos), valor inscrito numa livrança em poder do Banco S..., subscrita pela devedora e avalizada pelo reclamante e esposa, acrescido de juros vencidos e despesas, reclamado em acção executiva que corre termos pelo 2.º juízo cível da comarca de ...., sobre o qual são ainda devidos os juros entretanto vencidos, os quais ascendem a €41.793,01, tendo por referência a data de 19/11/2014;
g) €749.409,58 (setecentos e quarenta e nove mil quatrocentos e nove euros e cinquenta e oito cêntimos), valor reclamado em acção executiva instaurada pela credora I..., Lda., referente a letra de câmbio no montante de €726.315,00, aceite pela devedora e avalizada pelo reclamante e esposa, sobre o qual são devidos os juros entretanto vencidos, que ascendem a €132.050,19, e os vincendos até integral pagamento;
h) €37.529,88 (trinta e sete mil quinhentos e vinte e nove euros e oitenta e oito cêntimos), reclamados em execução instaurada pelo Banco P..., SA, proveniente de livrança subscrita pela devedora e avalizada pelo reclamante e esposa e juros vencidos, sobre o qual são devidos os juros vencidos entre a data da instauração da execução e da reclamação, que ascendem a €4.875,26.

Mais alegou que os processos executivos identificados se encontram, todos eles, pendentes, não tendo o reclamante e esposa deduzido oposição a qualquer uma das execuções, dado que são verdadeiras as garantias prestadas aos exequentes. Deste modo, e porque o seu direito de crédito sobre a devedora, no que respeita às quantias discriminadas de b) a h), se tornou efectivo com o preenchimento dos títulos dados à execução, deve o crédito reclamado ser reconhecido nos seus precisos termos e graduado no lugar que lhe competir.

Juntou documentos.

O Sr. A.J.P. nomeado veio juntar aos autos relação de créditos, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do art.º 17º do CIRE e, não tendo reconhecido o crédito reclamado pelo ora apelante, invocou para tanto os seguintes fundamentos:

- o valor de €1.514.915,93 e juros pagos por conta do empréstimo concedido pelo Banco B... e juros provinha de uma transferência no montante de €1.510.000,00 feito pela devedora para a conta do reclamante;

- a quantia de €1.549.956,87, remanescente em dívida proveniente do mesmo contrato, foi reclamada pelo Banco B..., SA;

- os valores de €1.967.760,75 e € 5.502,91 e juros, relativos a duas livranças emitidas em favor do Banco B..., SA foram por este reclamados;

- o montante de €767.409,58 e juros, referente a garantias prestadas pela mesma instituição bancária, foi por esta reclamado;

- o valor de €249.196,98 e juros relativo a livrança em poder do Banco S..., SA, já foi reclamado pelo credor;

- a quantia de €749.876,32 e juros relativa a livrança emitida a favor de I..., SA foi também reclamada pela sociedade credora;

- o valor de € 37.529,88 inscrito em livrança emitida a favor do Banco P..., SA foi igualmente por este reclamado.

O reclamante deduziu impugnação e nela invocou relevantemente que o Sr. AJP reconheceu afinal que o montante de €1.514.915,00 recebido pelo Banco B... por conta do empréstimo de €3.500.000,00 foi pago pelo ora recorrente, tendo-o feito em cumprimento das garantias de penhor, hipoteca e aval por si prestadas ao banco credor.

Mais alegou que, pese embora o facto dos €1.510.000,00 terem sido efectivamente transferidos para a sua conta particular por razões e fins que, afirmou, não vinham ao caso, a verdade é que tal quantia veio a ser devolvida à devedora mediante transferências efectuadas das contas particulares por si tituladas no Banco S... e C..., a primeira em 29/1/2008, no valor de € 995.595,79, a segunda, em montante um pouco superior a € 500.000,00.

No que respeita aos valores que lhe são exigidos pelos diversos credores em acções executivas que contra si também foram instauradas, derivando dos avales prestados, obrigações com autonomia em relação à obrigação principal, e encontrando-se tais créditos vencidos, é inequívoco que se encontra obrigado a proceder ao respectivo pagamento. Daqui decorre, tal como decidido pelo STJ em aresto que identificou, que o seu direito de crédito sobre a devedora “tornou-se efectivo com o preenchimento dos títulos dados à execução, data em que nasceu e ficou a onerar o seu património a obrigação definitiva e incondicional de pagar o valor titulado”.

Acrescentou que os credores reclamantes que instauraram acções executivas contra a devedora e co-obrigados dando à execução os referidos títulos de crédito não poderiam vir reclamar os seus créditos com fundamento nos mesmos títulos, que não se encontram já em seu poder, mas antes nos tribunais de execução, não podendo vir exercer os seus direitos contra a principal obrigada no processo de insolvência, sob pena de receber duas vezes.

Concluiu pelo reconhecimento do crédito reclamado, nos seus precisos termos, requerendo fossem anulados ou dados sem efeito os valores em duplicado dos créditos parcelares que compõem o crédito global do impugnante, rectificando-se em conformidade a lista provisória elaborada pelo Sr. Administrador.

Respondeu a devedora, advogando a improcedência da impugnação apresentada pelo reclamante, dada a inexistência do crédito reclamado, uma vez que os pagamentos efectuados ao Banco B... o foram na verdade com dinheiros pertencentes à sociedade, que procedeu à transferência do montante de €1.510.000,00 para a conta bancária daquele, a fim de responder pelas garantias prestadas. 

Também o Banco S... respondeu à impugnação, pugnando pela sua improcedência.

Foi de seguida proferida decisão do seguinte exacto teor:

“Ponderando o que parece ser querido e objectivamente necessário, ou seja, a menor precisão da lista e uma maior celeridade na decisão face às regras expressas da lei, analisados os documentos untos pela devedora, restantes impugnantes, as respostas apresentadas, decide-se:

(…) julgar improcedente a impugnação apresentada pelo credor M..., aqui se aderindo, com a devida vénia, aos argumentos apresentados a fls. 762 e seguintes pela credora Banco S..., SA, entendendo-se que o crédito que aquele pretendia ver reconhecido não é exigível, uma vez que para tanto seria necessário que o mesmo tivesse pago a quantia em causa, o que não ocorreu, pelo que neste momento não passa de um crédito hipotético, conclusão que se retira dos documentos juntos pelo Banco e também pelo próprio impugnante.”

Inconformado, apelou o reclamante e, tendo desenvolvido em sede de alegações os fundamentos da sua discordância com o decidido, sintetizou-os nas seguintes conclusões:

“1.ª Na douta sentença recorrida, o Mm.º juiz confundiu o crédito reclamado pelo recorrente com o crédito do S..., pressupondo que eram o mesmo, quando manifestamente o não são, pois que o valor do crédito reclamado por aquele banco é de apenas €964.734,78, enquanto o crédito por aquele reclamado é de €7.668.981,65, mais de 8 vezes superior àquele.

2.ª- Na douta sentença recorrida, o Mm.º juiz cometeu omissão de pronúncia, geradora de nulidade, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, que assim se deixa invocada para todos os efeitos legais, no que respeita às seguintes questões, suscitadas na reclamação de créditos e na impugnação do ora recorrente:

a) quanto ao facto de o recorrente ter pago, à conta da sua conta depósito pessoal e portanto do seu património pessoal, as importâncias de €70.000,00, €1.363.357,85, e €81.558,08 (e respectivos juros), que fazem parte do crédito por si reclamado e que eram dívida da requerida sociedade que ele pagou na sua qualidade de garante, com base no contrato de penhor do seu depósito bancário de €1.500.000,00 objecto do contrato de penhor reproduzido no doc. 2 da p.i. de reclamação de créditos, como se alega de fls. 3 a 10 das precedentes alegações.

b) quanto às quantias de capital e juro cujo pagamento está a ser reclamado do recorrente, com base na hipoteca imobiliária por ele constituída, bem como nas livranças (casos do Banco B..., S... e P...) e na letra de câmbio (caso da I..., Lda.) preenchidas e há muito vencidas, subscritas pela sociedade e por ele pessoalmente avalizadas, nos processos de execução referenciados de fls. 10 a 13 das precedentes alegações;

3.ª- Existindo os €1.500.000,00 depositados na conta pessoal do recorrente em 9-11-2007, data em que os deu de penhor ao Banco B... pelo contrato de penhor junto como doc. 2 da p.i. de reclamação, como resulta desse próprio contrato, essa quantia era pertença dele, sendo absolutamente impossível que tivesse provindo da transferência dos 1.510.000,00 feita pela requerida um mês mais tarde, em 5/12/2007, razão pela qual, tendo o próprio recorrente pago a partir daquele primeiro depósito as quantias de €70 000,00; €1 363 357,85 e €81 558,08, referidas a fls. 4 e 5 das precedentes alegações, ao Banco B..., para amortização da dívida da sociedade pela qual ele ficara garante, por aquele penhor e pelas demais garantias por ele constituídas naquela primeira data, esse pagamento confere-lhe o correspondente direito de crédito sobre a sociedade, que a decisão “a quo” apenas não lhe reconheceu, salvo o devido respeito, por isso lhe ter passado completamente despercebido.

4.ª Pelas razões alegadas de fls. 5 a 10, não faz, qualquer sentido, à luz das regras da experiência geral, que a transferência de €1.510.000,00 invocada pela sociedade como tendo sido feita em 5/12/2007, tenha sido destinada a permitir ao recorrente pagar, 2, 3 e 4 anos depois dessa transferência, as quantias parcelares de €70 000,00; €1 363 357,85; e €81 558,08, falta de sentido que é ainda:

1) reforçada pelo facto de a verba de €1.363.357,85 ter sido retirada/compensada directamente pelo Banco B... a partir do depósito que foi objecto do penhor titulado pelo doc. 2 da p.i., como decorre do doc. 6 da p.i. e de a verba de €70.000,00 ter saído da mesma conta, como resulta do doc. 4 da mesma p.i., e

2) negada pelo documento 8 da mesma PI através do qual a própria requerida, em 7/1/2010, se reconhece devedora da outra verba de €81.558,08, o que não sucederia se, como defende, tivesse transferido os € 1.510.000,00 para o seu pagamento.

5.ª- Para a hipótese de se ter dúvidas no sentido de que a verba de € 1.510.000,00 transferida em 5/12/2007, depois do penhor do depósito bancário do recorrente, para a conta bancária deste a partir da conta bancária da sociedade, nada teve a ver com as quantias de € 70 000,00, € 1 363 357,85 e € 81 558,00, por ele pagas ao Banco B... em 2009, 2010 e 2011, e não se destinou ao pagamento dessas quantias, e considerando que, uma vez que a sociedade e o AP aceitam o pagamento daquelas quantias pelo próprio recorrente, deve entender-se que funciona contra a sociedade o ónus da prova, no sentido de não ter provado a relação de destino que alega para aquela quantia e por esse destino não fazer sentido, como decorre do alegado;

6.ª- Porém, para o caso de existirem essas dúvidas e não se entender que o ónus da prova funciona contra a sociedade, deveria ter-se produzido sobre essa matéria a prova testemunhal oferecida pelo recorrente, uma vez que essa prova não é inadmissível no presente processo (como se invoca a fls. 20), ordenando-se para esse efeito a baixa do processo à 1ª instância e dando-se até lá sem efeito a decisão recorrida;

7.ª- Finalmente, quanto às quantias respeitantes aos processos de execução pendentes contra o recorrente, referidos de fls. 10 a 13 das alegações, mostrando-se todos os títulos de crédito aí dados à execução -as livranças e a letra de câmbio- preenchidos e vencidos, encontra-se ele obrigado a pagar as quantias tituladas e os respectivos juros nesses processos e aos portadores desses títulos -os três referidos bancos, BanCo B..., S... e P..., e a sociedade I..., Lda., com fundamento no aval que ele deu nos títulos de crédito dados à execução;

8.ª- No que respeita às quantias aludidas, que são objecto das referidas execuções judiciais que correm contra o ora recorrente, o direito de crédito deste sobre a SBF tornou-se efectivo com o preenchimento dos títulos dados à execução, data em que nasceu e ficou a onerar o seu património a obrigação definitiva e incondicional de pagar o valor titulado e em que, por isso mesmo, ele passou a ser credor da requerida sociedade pelas quantias em causa, assistindo-lhe desde já o correspondente direito de regresso;

9.ª- Tendo em conta que os credores exequentes nos processos de execução que instauraram contra o recorrente (Banco B..., S..., P... e I...) vieram ao presente PER reclamar o pagamento dos mesmos créditos que reclamam do recorrente através daqueles processos, então, ao assim fazer, estão a pedir e a querer receber por duas vezes a mesma coisa, uma primeira vez nos processos de execução, e uma segunda com as reclamações que apresentaram neste processo, com a agravante de, no que respeita à reclamação que apresentaram neste processo, não terem já na sua posse os títulos que invocam como base dos créditos que aqui reclamam;

9.ª Deve por isso concluir-se que, se alguém esteve mal neste processo, foram os credores exequentes dos títulos de crédito e o Senhor administrador provisório:

c) aqueles, porque tendo aberto mão dos títulos de crédito a favor das execuções judiciais, não poderiam agora vir reclamar pela segunda vez contra a requerida e com base nos mesmos títulos, os seus créditos;

d) este, ou seja, o administrador, porque deveria ter-se apercebido dessa questão e não reconhecer a esses credores os créditos correspondentes aos títulos em causa em vez de o ter feito em relação ao ora impugnante.

10.ª Na pior das hipóteses, que apenas por mera cautela se admite, o crédito do recorrente respeitante aos montantes do capital e juros dele reclamados através dos referidos processos de execução, não poderia deixar de, pelo menos, ser reconhecido como condicionado, nos termos, designadamente, do disposto no art.º 91.º do CIRE.

Com os aludidos fundamentos requer que, no provimento do recurso, seja:
a) A decisão recorrida declarada nula ou anulada por omissão de pronúncia, com fundamento no art.º 615.º, n.º 1, al. d) do CPC ou;
b) Revogar-se a mesma, proferindo em seu lugar acórdão que reconheça ao recorrente a totalidade do crédito por ele reclamado e ordene a sua inclusão na lista de credores, com todos os correspondentes direitos, determinando-se a anulação de todos os actos ou deliberações que entretanto tiverem sido tomadas pelos credores sem o concurso do seu voto;
c) Na hipótese prevista na conclusão 6.ª, deverá ser proferido acórdão que determine a produção de prova e, após, a prolação de nova decisão que aprecie e decida sobre o crédito do recorrente;
d) Caso não se entenda como anteriormente, deverá reconhecer-se o crédito respeitante às referidas verbas de €70.000,00, €1.363.357,85 e €81.558,00, acrescidas dos respectivos juros, ser reconhecido como definitivo, e o crédito de capital e juros respeitantes às execuções judiciais com base nos títulos de crédito, admitido como condicional.
Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, são as seguintes as questões suscitadas pelo apelante:
i. da nulidade da decisão por omissão de pronúncia;
ii. do reconhecimento dos créditos no montante de  €70 000,00; €1 363 357,85; e €81 558,08, pagos ao Banco B... pelo apelante em 2009, 2010 e 2011;
iii. do reconhecimento dos créditos provenientes dos avales prestados e reclamados nas execuções instauradas, ainda que como créditos condicionais.
i. da nulidade da decisão
O apelante assaca à decisão proferida o vício extremo da nulidade por omissão de pronúncia, por não se ter a Mm.ª juiz pronunciado sobre todas as questões suscitadas na reclamação apresentada, confundindo o crédito do reclamante com o crédito reclamado pelo Banco S... quando, na verdade, se tratam de créditos de diferentes grandezas.

A nulidade prevista na al. d) sanciona, por seu turno, o incumprimento do preceituado no n.º 2 do art.º 608.º, preceito nos termos do qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.

Pois bem, impondo-se reconhecer a razão do recorrente, uma vez que, em rigor, a decisão apelada não se debruçou sobre nenhuma das questões por si suscitadas na reclamação que apresentou, sendo consequentemente nula por omissão de pronúncia, por via da regra da substituição consagrada no art.º 665.º do CPC daqui decorre apenas e tão-somente que o conhecimento das questões suscitadas há-de caber a este tribunal de recurso.
Questão prévia
Cumpre antes de mais assinalar que, contrariamente aquele que parece ser o entendimento perfilhado pelo apelante, afigura-se que a lei não autoriza a produção de prova testemunhal para efeitos de decisão das impugnações de que seja alvo a relação de bens apresentada. E tal entendimento, por radicar na natureza particular do processo especial de revitalização, justifica que sobre ele se introduzam breves notas.
Com a criação do abreviadamente denominado PER, introduzido no nosso ordenamento jurídico pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, visou-se, conforme expresso na exposição de motivos da Proposta de Lei 39/12, que lhe deu origem, “propiciar a revitalização do devedor em dificuldade”, assumindo-se “como um mecanismo célere e eficaz que possibilite a revitalização dos devedores que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente mas que ainda não tenham entrado em situação de insolvência actual”.
O processo especial assim criado destina-se portanto, nas palavras da lei “a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores, de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização, de acordo com o previsto nos artigos 17.º-A a 17.º-I” (vide n.º 1 do art.º 17.º-A do CIRE[1], interessando ainda o disposto no art.º 1.º, n.ºs 1 e 2).
A viabilização da empresa é suportada pelo acordo dos credores, impondo por isso a lei a respectiva aprovação por uma maioria qualificada dos créditos, em ordem a garantir a eficácia do plano aprovado que, deste modo, se torna vinculativo para os restantes.
Da análise do regime legal consagrado, resulta estarmos perante um processo de negociação entre credores e devedor, mediado e participado pelo administrador judicial provisório nomeado (cf. n.º 9 do art.º 17.º-D), cabendo ao juiz, conhecido o resultado das negociações, nas quais não interfere, proferir decisão nos termos previstos no art.º 17.º-F.
Denotando a respectiva regulamentação acentuadas preocupações de celeridade, previu-se “(…) uma tramitação bastante simplificada para a efectivação das reclamações de créditos, bem como da impugnação dos créditos reclamados, sem no entanto se fazer perigar a observância do princípio do contraditório, e definem-se prazos bastante curtos para a sedimentação dos créditos considerados definitivos, em ordem a permitir-se uma rápida tramitação deste processo especial e, assim, preservando-se a possibilidade de recuperação do devedor que se encontre envolvido no mesmo” (da exposição de motivos, sendo nosso o destaque).
Apesar da ressalva, fazendo eco das boas intenções do legislador, o que resulta da análise do regime em vigor é a consagração de um procedimento eminentemente desjudicializado, com uma tramitação processual simplificada, nela avultando a consagração de prazos curtíssimos na perseguição do proclamado objectivo de celeridade, ainda que com eventual sacrifício da segurança jurídica.
Iniciado o processo com a manifestação de vontade do devedor e de um seu credor, e comunicada ao Tribunal a pretensão de dar início às negociações subsequentes, prevê a lei que no prazo de 20 dias contados da publicação no portal Citius do despacho de nomeação do AJ provisório, a ser proferido pelo Juiz nos termos da al. a) do n.º 3 do artigo 17.º-C, sejam pelos credores do devedor reclamados os respectivos créditos, devendo as reclamações ser remetidas ao administrador nomeado que, no prazo de cinco dias, elabora uma lista provisória (cf. n.º 2 do referido art.º 17.º-D). A lista assim elaborada é, segundo o comando legal, imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias úteis, dispondo o juiz, em seguida, de idêntico prazo para decidir as impugnações; caso não haja impugnações, a lista converte-se em definitiva.
Face ao regime legal assim desenhado, coloca-se o problema de saber se é possível a indicação de meios de prova não documentais, seja no requerimento de reclamação, seja na posterior impugnação. E a resposta, face à dinâmica que emerge do texto dos n.ºs 2 e 3 do preceito que se analisa, parece que não poderá deixar de ser negativa, e isto desde logo porque nada na lei indica que possa ser oferecida prova de outra natureza que não a documental; depois, porque a realização de diligências instrutórias teria seguramente como resultado o incumprimento dos curtíssimos prazos prescritos pela lei. Tais razões induzem pois à conclusão “de que o Tribunal deve decidir exclusivamente com base nos elementos trazidos ao processo com os requerimentos, aí se incluindo a documentação com eles oferecida, devendo, além disso, levar em conta somente o que o processo já contenha, como será o caso da documentação de suporte ao requerimento inicial do credor”[2].
Não obstante tal entendimento - e por causa dele - terá agora de se entender que, dadas as restrições introduzidas ao nível do direito probatório, havendo o juiz que decidir apenas com os elementos disponíveis, não estando prevista - e parecendo mesmo vedada - uma mais larga instrução com eventual produção de provas de outra natureza, no caso de vir a ser decretada a insolvência se reabre a possibilidade de nova discussão sobre a existência, o montante, natureza e qualificação dos créditos impugnados, pois só assim o regime legal desenhado poderá salvar-se de um quase certo juízo de inconstitucionalidade por violação do direito de defesa.
Neste mesmo sentido se pronunciam Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, no “O Processo Especial de Revitalização”, Comentários aos artigos 17.º-A a 17.º-I do CIRE, Coimbra Editora, Março de 2014, pág. 79, aqui referindo a este propósito: “a decisão sobre as reclamações visa exclusivamente computar o quórum de maioria e deliberação da decisão de aprovação do plano, pelo que é meramente acessória desta. O PER não tem como finalidade dirimir litígios sobre a existência, natureza ou amplitude de créditos. A decisão sobre a reclamação de créditos é meramente incidental pelo que nos termos do n.º 2 do artigo 96.º do CPC não constitui caso julgado fora do respectivo processo. Esta é, aliás, a solução que mais se coaduna com os objectivos do PER. O PER é um processo que se quer simples, célere e ágil, o que pressupõe que as decisões sobre as reclamações de créditos sejam fundamentalmente perfunctórias e baseadas em prova documental. Se a decisão sobre a reclamação de créditos constituísse caso julgado fora do PER, as partes teriam de poder dispor de todos os meios de defesa e prova com a amplitude que lhes é reconhecida nos processos cíveis, e provavelmente a isso seriam forçadas, o que – em última análise – comprometeria os objectivos do PER ou, pelo menos, lhe traria uma complexidade desnecessária.”[3].
Atento o que vem de se expor, os factos a ponderar são aqueles que se deixarão discriminados e que resultam dos documentos juntos aos autos.

Fundamentação

De facto

Da prova documental junta aos autos resultam apurados os seguintes factos:

...
De Direito
Da existência, montante e qualificação do crédito reclamado pelo apelante:
Prima facie, impõe-se referir que na reclamação apresentada o ora apelante reclama alguns créditos em duplicado. Tal ocorre com o relacionado em b), no montante de €1.549.956,87 (um milhão, quinhentos e quarenta e nove mil, novecentos e cinquenta e seis euros e oitenta e sete cêntimos), remanescente em dívida ao Banco B... proveniente do contrato de empréstimo, valor que se encontra incluído no crédito referido em c), que ascende a €1.967.760,75 (um milhão, novecentos e sessenta e sete mil, setecentos e sessenta euros e setenta e cinco cêntimos) e que compreende a livrança no valor de €1.567.360,13, emitida em 9/11/2007 precisamente para garantia daquele empréstimo (a diferença entre o remanescente em dívida e o valor inscrito na livrança respeita naturalmente aos juros vencidos entre o apuramento daquele valor e a data aposta na livrança como sendo a do seu vencimento - 4 de Outubro de 2011).
Da documentação junta resulta que também o valor de €5.502,91 relativo à livrança emitida em 22 de Julho de 2008 e com vencimento em 30 de Novembro de 2011, identificada no ponto 11., se encontra incluído no crédito reclamado pelo Banco B... no montante de €767.409,58, pelo que aquele crédito, reclamado pelo apelante sob a al. d), terá de se ter igualmente por excluído.
Assim eliminados os créditos reclamados sob as al.s b) e d), verificamos que todos os demais, com excepção do reclamado em a), provêm de avales prestados à sociedade devedora, encontrando-se pendentes acções executivas nas quais foram dados à execução os títulos avalizados. A pendência de tais acções constituía, no entender do apelante, obstáculo a que os portadores dos títulos tivessem reclamado no âmbito deste processo os seus créditos sobre a devedora, sendo antes de reconhecer os créditos por aquele titulados e com origem na sua qualidade de garante.
No que respeita a esta argumentação, desde já se adianta, é a mesma manifestamente improcedente, dando a lei à questão suscitada uma resposta clara e em tudo adversa ao defendido pelo recorrente.
Assim, e por imposição do artigo 17.º-E, a decisão a que alude a al. a) do n.º 3 do art.º 17.º-C (nomeação pelo juiz do AJP), não só constitui obstáculo à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívida contra o devedor, como suspende as acções em curso com idêntica finalidade durante as negociações, prevendo a lei a sua extinção logo que aprovado e homologado o plano de recuperação. Se assim é, e como decorre do disposto no art.º 90.º, os credores da requerente/devedora apenas no PER poderão exercer os seus direitos, pelo que neste processo teriam de reclamar os seus créditos, conforme fizeram.
Por outro lado, e conforme resulta claro do preceituado no n.º 2 do art.º 95.º[4], só na hipótese do titular do crédito com devedores solidários ou garantes não o reclamar no processo de insolvência é que estes o poderão fazer, reclamando um crédito derivado do eventual pagamento futuro da dívida como crédito sob condição suspensiva, sendo a condição vir a ocorrer o pagamento pelo devedor ou garante. Inversamente, se o titular do crédito sobre o insolvente o reclamou no processo, já os co-obrigados e garantes ficam impedidos de reclamar qualquer eventual crédito futuro, ainda que como crédito condicional. Se o pagamento vier a ocorrer, uma vez demonstrado no processo, o co-devedor ou garante assumirá no processo a posição do credor originário quanto à parte que houver satisfeito, nos termos do art.º 47.º, n.º 3, encontrando-se todavia sujeito à restrição consagrada no n.º 2 do art.º 179.º[5].
Decorre de quanto se deixou explanado que, relativamente aos valores reclamados sob as als. c), e), f), g), h), atendendo à sua posição de garante e tendo os credores reclamado os seus créditos no âmbito deste processo, ao agora recorrente estava legalmente vedada a faculdade de os reclamar, pelo que bem andou o Sr. AJP quando não os incluiu na relação elaborada.
Finalmente, quanto aos valores de €81 558,08, €70 000,00 e €1 363 357,85 e juros a que se reportam os pontos 7., 8. e 10. da matéria de facto assente, no que respeita ao primeiro, importa ter em atenção o teor da declaração subscrita pela devedora referida no ponto 7. e cuja cópia consta de fls. 32. Tal declaração encontra-se assinada, assinatura imputada ao legal representante da devedora e que, tanto quanto resulta dos presentes autos, não foi impugnada, assim resultando reconhecida a autoria do documento nos termos do art.º 374.º, n.º 1 do CC. Uma vez determinada a autoria do documento, fica plenamente provado que o seu autor produziu a declaração dele constante e, uma vez que o facto declarado é contrário aos interesses do declarante, fica igualmente provado de forma plena (cf. art.º 376.º, n.ºs 1 e 2 do mesmo diploma legal). Deste modo, tendo-se a sociedade S..., Lda. confessado devedora a M... do assinalado montante, terá o crédito correspondente que ser reconhecido, ainda que como crédito subordinado, nos termos do art.º 48.º, al. a) e 49.º,n.ºs 1, al. b) e 2, al. d) do CIRE.
No que se reporta aos demais valores agora em causa, tendo presente que sobre o reclamante recai o encargo de fazer prova dos factos constitutivos em que fundamenta os créditos reclamados, consoante decorre do critério geral de repartição do respectivo ónus consagrado no n.º 1 do art.º 342.º do CC, a factualidade emergente da documentação constante dos autos, tal como se deixou consignada, não permite que se tenha o crédito do recorrente como reconhecido. Vejamos porquê:
Previamente cumpre precisar que, invés do pelo apelante defendido, não é rigoroso afirmar que a devedora (e com ela o Sr. AJ) reconhece ter sido aquele a efectuar os pagamentos ao Banco B.... É que a ter-se tal declaração como confessória, teria o recorrente que aceitar igualmente quanto afirmou a devedora no sentido de tais pagamentos terem sido efectuados com dinheiros que na verdade a esta pertenciam (cf. art.º 360.º do CC).
Feita tal precisão, se é verdade que o reclamante constituiu a favor do Banco B... penhor sobre a quantia de €1.500.000,00 em depósito naquela instituição, não é menos verdade -o recorrente isso mesmo reconhece- que num movimento efectuado no dia 5 de Dezembro, mas com data-valor de 9 de Novembro, coincidente com a data de celebração dos acordos de empréstimo e de penhor, a devedora transferiu para aquela conta particular o montante de €1.510.000,00, transferência efectuada “por razões e para fins” que, no dizer do reclamante, “não vinham agora ao caso”. Mas a verdade é que vinham, porquanto, dada a similitude dos montantes e a contemporaneidade dos movimentos, com destaque para o facto de à transferência ter sido atribuída uma data-valor coincidente com a da celebração dos acordos -indício mais que seguro que no referido dia 9 de Novembro na verdade a conta do recorrente não se encontrava provisionada de modo a que o penhor pudesse ser constituído- surge como verosímil ou mesmo muito provável a tese pela devedora trazida aos autos, perfilhada pelo Sr. AJP, no sentido da quantia dada em penhor ser pertença da sociedade.
Por outro lado, se é verdade que a 29 de Janeiro o recorrente efectuou transferência de uma sua conta pessoal para conta titulada pela B... L.da no valor de € 997.595,79, nada permite concluir que se trata de devolução de parte dos referidos €1.510.000,00, antes reforçando tal movimento a ideia de que não existia, como deveria, uma perfeita estanquicidade entre a conta pessoal do, ao tempo, sócio, e a conta da sociedade.
Acresce que do montante dado em penhor, à data da resolução do contrato existia apenas a quantia de €1.363.357,85, tendo a quantia de €70.000,00 saído da mesma conta, sediada no Banco B... com o n.º ... (cf. o contrato de penhor e a carta de fls. 28), argumento que reforça a tese do Sr. AJP, ao invés do que pretende o recorrente. Aliás, a ser este montante sua pertença, não se percebe por que motivo não tomou a mesma precaução que aquando do pagamento da quantia de €81.558,08, solicitando à sociedade devedora uma declaração de dívida.
Argumenta finalmente o apelante ser falha de sentido a asserção de que os €1.510.000,00 transferidos em Dezembro de 2007 se destinaram a pagar ou reembolsar importâncias que vieram a ser pagas anos mais tarde. Tal argumento, todavia, com respeito se afirma, não serve os propósitos do apelante. Com efeito, se o penhor se destinava a garantir o empréstimo, contraído por 13 anos, teria de ser constituído, como foi, e permanecer durante o tempo de vida do contrato para que, ocorrendo incumprimento, como se veio a verificar, pudesse responder perante o credor, conforme respondeu.
Mais argumenta não fazer sentido ter a devedora, que necessitava de se financiar, fornecido o dinheiro para constituir o penhor. A este respeito, relembra-se que o valor do empréstimo era de €3.500.000,00 que seguramente não seria concedido sem fortes garantias; depois, conforme evidenciam os movimentos apurados e a que se fez referência, a passagem de valores avultados das contas particulares do sócio para a conta da sociedade e vice-versa não permitem que se conclua - ainda que para os efeitos limitados deste PER- que as quantias afectadas ao pagamento de parte do crédito do Banco B... fossem pertença do ora recorrente, que assim não se desincumbiu do ónus que sobre ele recaía no que respeita aos valores em análise.
III Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes da 3.ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra em:
a) declarar nula a decisão recorrida;
b) julgar parcialmente procedente a impugnação que pelo recorrente foi dirigida à relação provisória de créditos apresentada pelo Sr. AJP, reconhecendo-lhe um crédito sobre a devedora no montante de €81.558,00 (oitenta e um mil, quinhentos e cinquenta e oito euros), acrescido de juros de mora vencidos até 19/11/2014, ascendendo a €16.141,80, e vincendos à taxa de 4%, a que cabe a qualificação de subordinado, no mais improcedendo.
Custas do recurso a cargo do recorrente e da devedora na proporção dos seus decaimentos.

Sumário:
I. Resulta do preceituado no nº 2 do artº 95º do CIRE que só na hipótese do titular do crédito com devedores solidários ou garantes não o reclamar no processo de insolvência é que estes o poderão fazer, reclamando então um crédito derivado de eventual pagamento futuro da dívida como crédito sob condição suspensiva, sendo a condição vir a ocorrer o pagamento pelo devedor ou garante.
II. Se o pagamento vier a ocorrer, uma vez demonstrado no processo, o co-devedor ou garante assumirá no processo a posição do credor originário quanto à parte que houver satisfeito, nos termos do art.º 47º, nº 3, encontrando-se todavia sujeito à restrição consagrada no nº 2 do art.º 179º.
III. Inversamente, se o titular do crédito sobre o insolvente o reclamou no processo, como se verificou no caso vertente, já o recorrente, atenta a sua qualidade de avalista, ficou impedido de reclamar qualquer eventual crédito futuro com origem na garantia prestada, ainda que como crédito condicional.

Relatora:

Maria Domingas Simões

Adjuntos:

1º - Jaime Ferreira

2º - Jorge Arcanjo


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[1] Diploma ao qual pertencerão as demais disposições legais que vierem a ser citadas sem menção da sua origem.
[2]Carvalho Fernandes/João Labareda, CIRE anotado, 2.ª edição, pág. 158. Na jurisprudência, acórdãos desta Relação de Coimbra de 20/6/2014, processo n.º 3106/13.2 TBVIS-A.C1, e da Relação do porto de 24/3/2015, processo n.º 353/14.3 TBAMT.P1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt
[3] Apontando a mesma solução, autores e ob. cit. na nota anterior, págs. 181-182.
[4] Com o seguinte teor: “O direito contra o devedor insolvente decorrente do eventual pagamento futuro da dívida por um co-devedor solidário ou por um garante só pode ser exercido no processo de insolvência, como crédito sob condição suspensiva, se o próprio credor da referida dívida não o reclamar.”
[5] Cf. Carvalho Fernandes/João Labareda, ob. citada, págs. 466 e 467.