Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
512/13.6T4AVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DO DESPEDIMENTO
CADUCIDADE
DIREITO DE ACÇÃO
Data do Acordão: 02/13/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DO TRABALHO DE AVEIRO
1ª SECÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 98º-D E 387º, Nº 2, DO CPT.
Sumário: I – O prazo para a propositura da acção de impugnação do despedimento, mediante apresentação de requerimento em formulário próprio, é de 60 dias, contados a partir da recepção da comunicação de despedimento –artº 387º, nº 2 do CPT.

II – Para a eficácia da declaração de despedimento não é necessário provar que o trabalhador teve conhecimento efectivo do despedimento, bastando provar a entrega/recepção pelo dito da declaração de despedimento na sua morada.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. A autora instaurou contra a ré a presente acção de impugnação de despedimento, sob a forma de processo especial, apresentando formulário previsto no art. 98º-D do Código de Processo do Trabalho, onde declara opor-se ao despedimento promovido pela ré em 13-03-2013, pedindo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do mesmo, com as legais consequências.

Foi convocada audiência de partes e, nela, foi proferido despacho a notificar a ré para apresentar articulado motivador do despedimento.

A ré apresentou articulado de motivação do despedimento, invocando, para além do mais, a caducidade do direito de acção da autora.

A autora, por sua vez, veio apresentar contestação a este articulado, apresentando a sua versão, sustentando inexistir a aludida justa causa. Em reconvenção, peticionou a declaração judicial de ilicitude do seu despedimento e a condenação da ré a: a) ver reconhecida a categoria profissional de operadora de supermercado desde a data da sua admissão ocorrida em Maio de 2006; b) na reintegração seu posto de trabalho com a antiguidade e categoria que lhe pertenciam ou, opção a fazer até à data da sentença, em indemnização substitutiva dessa reintegração a calcular nos termos do art.º 391º do Código do Trabalho; c) nas prestações pecuniárias que se vencerem até à data da sentença ascendendo as já vencidas a € 532,00; d) nos salários de 15 de Março a 11 de Abril de 2013; e) no pagamento de diferenças salariais, de Maio a Dezembro/2009, incluindo subsídio de férias e de Natal [8524,00 € - 510,00 €) x 10 meses = 140,00 €], de Janeiro/2009 a Março/2010, incluindo subsídio de Férias e de Natal [(532,00 € - 510,00) x 15 meses = 330,00 €], de Abril/2010 a Agosto/2012, incluindo subsídios de férias e de Natal [(532,00 € - 520,20 €) x 34 meses = 401,20 €], de Setembro/2012 a Fevereiro/2013 [(532,00 € - 530,00 €) x 7 meses = 14,00 €]; f) a pagar-lhe € 641,47, a título de formação profissional; g) em juros de mora à taxa legal, sobre as importâncias em dívida desde a data da citação e até integral pagamento.

A ré apresentou ainda resposta, pugnando pela improcedência dos pedidos deduzidos pela autora em sede de reconvenção.

Foi proferido despacho saneador, julgando verificar-se procedente a excepção de caducidade do direito de acção da autora, quanto à impugnação do despedimento, e verificado o erro na forma do processo quanto aos pedidos formulados na reconvenção e que acresciam aos relacionados com o despedimento ilícito e seus efeitos, sendo a ré absolvida dos pedidos formulados pela autora relativos a esse despedimento e absolvida da instância relativa aos demais pedidos.

É desta decisão que, inconformada, a autora veio apelar.

Alegando, concluiu:

[…]

A ré apresentou contra-alegações ao recurso, pugnado pela manutenção do julgado.
Recebido o recurso, pronunciou-se o Exm.º Procurador-Geral Adjunto pela procedência parcial da apelação.

*
II- FUNDAMENTAÇÃO
A. É a seguinte a factualidade que a 1.ª instância considerou como provada:
1- datada de 13.03.2013 a ré proferiu decisão final do procedimento disciplinar instaurado à autora, decidindo aplicar-lhe a sanção disciplinar de despedimento com justa causa sem indemnização ou compensação.
2- por carta registada em 13.03.2013 a ré remeteu para a morada da autora (Rua ….) cópia da decisão referida no ponto anterior.
3- a carta referida no ponto anterior foi entregue no 15.03.2013, sendo assinalado no aviso de recepção que foi entregue à titular do documento de identificação nº 11190418.
4- a autora apresentou o formulário para impulsionar a presente acção no dia 31.05.2013.
*
B. Apreciação
É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação.
Decorre do exposto que as questões que importa dilucidar e resolver se podem equacionar da seguinte forma:
- se a decisão recorrida podia ter conhecido a questão da caducidade do direito de acção do modo como o fez;
- se, tendo ocorrido essa caducidade, tal situação determinava ou não o erro na forma do processo quanto aos pedidos formulados na reconvenção e que se não relacionavam com o alegado despedimento ilícito.

B.1. A questão da caducidade:
Escreveu-se a este respeito o seguinte na decisão recorrida:

“Está em causa o disposto no artº 387º, nº 2 do Código do Trabalho que dispõe: o trabalhador pode opor-se ao despedimento, mediante apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do tribunal competente, no prazo de 60 dias, contados a partir da recepção da comunicação de despedimento ou da data de cessação do contrato, se posterior.

Existe, pois, um prazo de caducidade de 60 dias, ou seja, o direito do trabalhador a opor-se ao despedimento deve ser exercido em certo tempo sob pena de ser entendido como renúncia a esse direito.

(…)

Como se vê, considerando a data da entrega da carta contendo a decisão disciplinar e a data da entrega do formulário, é manifesto que se verifica a apontada caducidade.

A questão está em saber se, questionando a autora que seja sua a assinatura a aposta no aviso de receção (fls. 80), se pode ou não aceitar-se que foi a decisão notificada nessa data à autora.

Ora, como se vê da observação do aviso de receção (fls. 80) no mesmo foi assinalado que a carta foi entregue ao destinatário, com documento de identificação com o número (…), que é o da autora (cfr. a cópia do mesmo anexa ao formulário – fls. 4).

Importa salientar que a autora não circunstancia em nada o seu conhecimento da decisão disciplinar apenas em 11.04.2013 (quem lhe entregou? foi quem assinou o aviso de receção?), não pondo em causa que o consignado pelo funcionário dos CTT de que a carta fosse entregue ao destinatário (assinalando a respetiva quadrícula e apondo o número do documento de identificação) seja falso.

Ou seja, a genuinidade do documento ou a falsidade desses dizeres não está posta em causa, pelo que não se vê como possa não se aceitar o que consta do aviso de receção no sentido de que o mesmo foi entregue ao destinatário.

O mesmo é dizer que não é o mero afirmar que a assinatura não é sua (o que conclui por ter enviado uma carta dia 12 – cfr. artigos 2 a 4 da contestação) que põe em causa o demais que consta do aviso de receção, pelo que não se justifica realizar perícia à letra.

Sendo assim, concluímos que se verifica a caducidade do direito da autora a opor-se ao despedimento promovido pela ré através do procedimento disciplinar junto ao processo.

A consequência é a absolvição da ré dos pedidos formulados nas alíneas a), b.2), b.4) e b.7) na parte em que se refere àquelas.”

Vejamos:

Conforme o disposto no n.º 2 do art. 387.º do Código do Trabalho o prazo para a propositura da acção de impugnação do despedimento, mediante apresentação de requerimento em formulário próprio, é de 60 dias, contados a partir da recepção da comunicação de despedimento.

A declaração de despedimento é uma declaração receptícia pelo que a sua eficácia depende da sua recepção pelo destinatário – o trabalhador.

Na verdade, o art. 358.º n.º 7 do mesmo Código do Trabalho dispõe que a decisão de despedimento determina a cessação do contrato logo que chega ao poder do trabalhador ou é dele conhecida ou, ainda, quando só por culpa do trabalhador não foi por ele recebida.

Disposição que reproduz o disposto no art. 224.º do Código Civil quanto à eficácia da declaração negocial.

Na decisão recorrida considerou-se como provado no facto 2., acima transcrito e não colocado em causa pela apelante, que por carta registada em 13.03.2013 a ré remeteu para a morada da autora (Rua …) cópia da decisão de despedimento. Notamos também que essa morada é a mesma que a autora indica como a sua no formulário inicial com que deu início a este processo, a mesma para onde lhe foi enviada a nota de culpa que a mesma afirma ter recebido na resposta à nota de culpa, bem como a mesma que ela indica na carta em que remeteu essa resposta, conforme se observa do processo disciplinar junto aos autos.

A autora também não impugnou o facto alegado pela ré de acordo com o qual a carta foi recebida/entregue na morada em causa no dia 15-03-2013. Nem impugna no recurso o facto 3., acima transcrito, de acordo com o qual a carta referida no ponto anterior foi entregue no 15.03.2013, sendo assinalado no aviso de recepção que foi entregue à titular do documento de identificação nº (…).

Apenas alegou na resposta à contestação que apenas no dia 11 de Abril de 2013 teve conhecimento do seu despedimento e que a assinatura constante do aviso de recepção não foi feita pelo seu punho.

Todavia, a lei não impõe que a eficácia da comunicação dependa da assinatura do destinatário num aviso de recepção. Basta que chegue ao seu poder. E no caso de comunicação postal deve entender-se que ela chega ao poder do destinatário quando é entregue na sua morada postal.

Como referem na anotação ao artigo 224.º do Código Civil Pires de Lima e Antunes Varela (in Código Civil Anotado) a lei distingue nas declarações receptícias dois critérios para a eficácia da declaração: o critério da recepção e o do conhecimento. Provado que que a declaração chegou ao poder do destinatário, o conhecimento presume-se juris et de jure. Não é já necessária a específica prova do conhecimento.

Daí que, para a eficácia da declaração, não era necessário provar que a autora teve conhecimento efectivo do despedimento em 15-03-2013. Bastava a prova da entrega/recepção da declaração na sua morada nessa data.

É assim indiferente para essa eficácia que a autora só tenha conhecido o despedimento em 11 de Abril ou que a mesma não tenha assinado o aviso de recepção, como alega.

Não alegou quaisquer factos de acordo com os quais a declaração recebida na sua morada o foi em condições de não poder ser conhecida sem culpa sua, a hipótese no n.º 3 do art. 224.º do Código Civil - a presunção de eficácia que resulta do n.º 1 desse artigo determina que o ónus de alegação e prova dos factos que suportem a hipótese do n.º 3 caberia à autora.

Por isso, tem de entender-se como ajustada a solução dada pela 1.ª instância quando declarou a caducidade do direito de acção, na medida em que seria irrelevante determinar em que data é que a autora teve efectivo conhecimento do despedimento ou se assinou não o aviso de recepção.

Improcede assim a apelação nesta parte.

B.1. A questão do erro na forma do processo:
A decisão recorrida considerou que tendo ocorrido a caducidade do direito de impugnar o despedimento, tal situação determinava o erro na forma do processo quanto aos pedidos formulados na reconvenção e que se não relacionavam com o alegado despedimento ilícito.
Nela se escreveu a esse propósito:

“Aqui chegados pergunta-se se a ação deve prosseguir para apreciação do demais pedido (os das alíneas b.1), b.3), b.5), b.6) e b.7) na parte em que se refere àquelas.

Ora, embora a apresentação desses pedidos seja tempestiva, verificando-se caducidade para impulsionar o processo especial de impugnação não pode prosseguir o processo para apreciação do demais pedido porque o mesmo deve ser apreciado em processo comum, ou seja, verifica-se erro na forma de processo pois o processo especial apenas se aplica aos casos expressamente designados na lei.

Concluindo pela inadequação da forma de processo usada para esses pedidos, é de questionar as consequências que daí advêm.

Dir-se-ía que existindo erro na forma de processo tal conduziria ao aproveitamento dos atos praticados e prosseguimento de acordo com a tramitação correta (cfr. artº 193º do Código de Processo Civil).

No entanto, como refere Abílio Neto, nesta ação, havendo erro na forma de processo – porque foi usado este processo especial, quando ao caso cabia processo comum – parece que a consequência é a anulação de todo o processado, com extinção da instância, in “Código de Processo do Trabalho Anotado”, 4ª ed., Janeiro 2010, Ediforum, pág. 217 (nota 2. ao artº 98º -B do CPT), sendo impraticável que o disposto nos artºs 193º e 547º ambos do Código de Processo Civil se aplique, uma vez que o formulário utilizado para introdução da ação não satisfaz os requisitos mínimos da indispensável petição inicial no processo comum.”

Como se sabe, a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento foi criada pelo Código de Processo do Trabalho (CPT), na versão adoptada pelo DL 295/2009, de 13/10. É uma acção especial cuja tramitação está prevista nos artigos 98º-B a 98º-P do CPT e destina-se a garantir o meio adjectivo, de natureza urgente, para impugnação do despedimento sempre que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual.
Ao optar por esta acção, tendo-lhe sido comunicado por escrito decisão de despedimento, a autora não errou no meio processual. O meio era o próprio.
O reconhecimento da caducidade do direito de impugnar o despedimento não altera supervenientemente aquela conclusão.
O processo prosseguiu os seus termos normais, com a apresentação do articulado motivador do despedimento pela empregadora e com a contestação da trabalhadora autora, na qual deduziu reconvenção onde peticionou créditos emergentes de despedimento ilícito e outros créditos, independentes daquele, emergentes do contrato de trabalho como lho permitia o disposto no art. 98.º-L do CPTrabalho. A ré respondeu a essa reconvenção.
Segue-se daqui que todos os articulados previstos na lei tiveram lugar de forma normal num processo que era o próprio.
O conhecimento parcial do mérito da acção no despacho saneador quanto à questão do despedimento, não impede assim que sejam apreciados outros pedidos regularmente deduzidos, como é o caso, e que com ele se não relacionem. Na verdade, a formulação desses pedidos era permitida pela lei nesta acção especial, por conexão, pelo que nenhuma razão existe para que a apreciação sobre o seu mérito não tenha lugar na mesma acção, mesmo depois de decair o pedido de impugnação do despedimento.
Defende a apelada nas contra-alegações do recurso que, decidida a questão do despedimento, o prosseguimento do processo quanto a pedidos com ele não relacionados contenderia com a natureza urgente da acção especial, já que em regra a esses pedidos seria ajustada uma acção comum de natureza não urgente.
Contudo, esse argumento não desfoca a análise que desenvolvemos. Quando muito conduziria a que após estar decidida a questão do despedimento, com a improcedência parcial da acção, os demais termos do processo perderiam a natureza urgente, já que a razão legal desta se prende com a apreciação do despedimento que nesta fase já ocorreu.
Deste modo, entendemos que a apelação tem de proceder nesta parte, determinando-se o prosseguimento do processo para o conhecimento dos pedidos da autora que foram objecto de absolvição da instância na decisão recorrida.


*

III- DECISÃO

Termos em que se julga parcialmente procedente a apelação e, mantendo-a no mais, revoga-se a decisão recorrida na parte em que absolveu a ré da instância dos pedidos nela referenciados, devendo o processo prosseguir para a sua apreciação.

 Custas no recurso na proporção de 80% para a autora e 20% para a ré.

*

 

 (Azevedo Mendes - Relator)

 (Felizardo Paiva)

 (Jorge Loureiro)