Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
564/20.2T8ANS-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: PENHORA EM EXECUÇÃO FISCAL
IMÓVEL DESTINADO A HABITAÇÃO PRÓPRIA E PERMANENTE DO EXECUTADO
IMPOSSIBILIDADE DE PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL
VENDA NO PROCESSO EXECUTIVO CÍVEL
Data do Acordão: 03/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ANSIÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 822.º, 1 DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 18.º, 1 E 62.º, 1, DA CRP
ARTIGOS 134.º; 218.º, 3; 219.º, 5; 239.º, 1; 240.º E 244.º, 2; DO CPPT
ARTIGOS 735.º 1 E 3; 751.º, 1 E 2; 786.º E 794.º 1 A 3, DO CPC
Sumário: 1. Compete ao exequente indicar quais os bens que quer ver penhorados, por entender serem os mais aptos para satisfação do seu crédito se vendidos judicialmente.

2. Inexistindo inércia da Fazenda Nacional na tramitação da execução fiscal (com penhora prioritária) mas, apenas, a consequência decorrente do regime jurídico que impede a venda, nesse processo, de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado (art.º 244º, n.º 2 do CPPT, na redação conferida pela Lei n.º 13/2016, de 23.5), e inviabilizado na execução fiscal mecanismo algum de tutela do direito do credor garantido pela penhora na execução comum (que não pode requerer o prosseguimento da execução fiscal em circunstância alguma), não resta alternativa ao levantamento da sustação da execução comum para que se providencie pela atuação conducente à realização da venda no processo executivo cível, distribuindo-se o produto da venda em conformidade com o que for determinado na sentença de graduação.

3. Entendimento contrário, postergaria os mais elementares princípios do processo executivo e afrontaria, necessariamente, o direito de propriedade privada constitucionalmente garantido e a garantia do credor à satisfação do seu crédito (art.º 62º, n.º 1 da CRP), tornando, pelo menos, desproporcionadamente mais difícil ou onerosa a satisfação do direito do exequente (com violação do art.º 18 da CRP).           

Decisão Texto Integral:
Relator: Fonte Ramos
1.º Adjunto: Alberto Ruço
2.º Adjunto: Vítor Amaral


Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

           

            I. Em 20.02.2020, AA (na qualidade de Administrador do Condomínio do Prédio Urbano correspondente ao Lote .../A da Urbanização ..., ...) instaurou, na Comarca ... (Juízo de Execução), ação executiva para pagamento de quantia certa contra BB, pretendendo obter o pagamento da quantia de € 29 259,97, correspondente ao objeto da condenação na sentença dada à execução.

            No decurso da execução e na sequência de requerimento do exequente de 09.9.2022 e da resposta do executado de 22.9.2022, a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho (de 12.10.2022):

            «(...) Efetuadas pesquisas nas bases de dados, verifiquei que o Executado é titular de vários prédios (frações) e não apenas da Fração ... do prédio descrito na ... CRP ... sob o n.º ...64 (bens próprios), nem da fração ... do prédio descrito na CRP ... sob o n.º ...34 (bem comum).

            Pelo que, ainda que a AT esteja impedida de prosseguir a execução quanto ao imóvel que constitui casa de morada de família, não está impedida de fazer prosseguir a execução com a venda dos demais prédios penhorados nessa execução fiscal, incluindo, assim, da fração ... do prédio descrito na CRP ... sob o n.º ...34.

            O mesmo se diga quanto ao Exequente.

            De facto, não sendo esta uma execução hipotecária e existindo outros bens na titularidade do Executado, impõe-se que prossigam as diligências de execução quanto a tais bens ou, em alternativa, que o Exequente impulsione a execução fiscal no que tange aos demais prédios que, necessariamente, não poderão constituir casa de morada de família.

            Inexistindo bens próprios do Executado, deverá a execução prosseguir contra bens comuns do casal composto pelo Executado.

            De referir, por fim, que o nosso sistema jurídico não prevê a penhora de meações conjugais, quando entre o executado e o seu cônjuge vigore um regime de comunhão conjugal que abranja os bens visados. Neste pressuposto e considerando que cada um dos cônjuges é proprietário da totalidade da coisa (em comunhão conjugal), haverá sempre que penhorar o bem alvo da medida na sua totalidade (e não uma sua quota ou meação sobre ele) e, ulteriormente, vendê-lo no âmbito do processo judicial em causa.»

            Inconformado, o exequente apelou formulando as seguintes conclusões:

            1ª - O despacho recorrido indefere o peticionado pelo Recorrente quanto à reversão de sustação referente ao imóvel que configura habitação própria permanente do Executado e em consequência, não ordenou, nos termos e para os efeitos do artigo 786º do Código de Processo Civil (CPC), a Citação da Autoridade Tributária para, querendo, reclamar nos presentes autos os seus créditos que detém sobre o Executado.

            2ª - No dia 12.10.2021, foi o Exequente notificado pela Exma. Sra. Agente de Execução (AE), nos termos e para os efeitos do n.º 2 do art.º 794º do CPC, da decisão de sustação elaborada nos presentes autos, para, querendo, no prazo de 15 dias reclamar os seus créditos no processo de execução fiscal n.º ...86 e apensos, do Serviço de Finanças ....

            3ª - Nos presentes autos, entre outros, havia sido penhorada a Fração autónoma designada pela letra ..., do prédio Urbano inscrito na respetiva matriz predial com o artigo ...18 e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial (CRP) de ..., sob o n.º ...64 ..., casa de morada de família do Executado, a qual já se encontrava penhorada à ordem do supra mencionado processo de execução fiscal e seus apensos.

            4ª - Em 05.11.2021, veio o supra mencionado serviço de Finanças devolver a aludida peça processual, com o argumento que (…) uma vez que, não tendo sido aberto concurso de credores, é a reclamação de créditos intempestiva”, invocando o art.º 240º, n.º 3 do CPPT.

            5ª - Tratando-se de casa de morada de família do Executado, a Autoridade Tributária (AT), por força do 244º, n.º 2 do CPPT, na redação conferida pela Lei n.º 13/2016, de 23.5, não pode proceder à “venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim.”

            6ª - Na sequência do posicionamento adotado pela AT, veio o Recorrente dirigir aos Autos requerimento, em 22.11.2021, por via do qual requeria que o Tribunal ordenasse “…reverter a decisão de sustação referente ao bem melhor identificado no artigo 2 do presente Requerimento, e em consequência, se digne ordenar, nos termos e para os efeitos do artigo 786º do Código de Processo Civil, a Citação da Autoridade Tributária para, querendo, reclamar nos presentes autos os seus créditos que detém sobre o Executado.

            7ª - No seguimento do requerido veio o Tribunal a proferir despacho por via do qual imputava ao Recorrente o ónus de demonstrar qual o fundamento pelo qual os autos de execução fiscal se encontravam sustados.

            8ª - O que veio a verificar-se com a junção, em 23.02.2022, de Certidão emitida pela AT, datada de 12.02.2022, por via da qual a AT veio confirmar que o imóvel em questão corresponde ao domicílio fiscal do Executado e que nessa data se encontravam reunidas as condições para se verificar o impedimento previsto no n.º 2 do art.º 244º do CPPT.

            9ª - Não conformado com a Certidão junta pela AT, o Tribunal veio solicitar àquela entidade que viesse esclarecer a “alegada” contradição existente naquela quando se aludia à falta de comprovação presencial da afetação do imóvel e a conclusão de que se encontravam verificados os pressupostos do preenchimento do impedimento do n.º 2 do art.º 244º do CPPT – cf. despacho de 29.3.2022.

            10ª - Em resposta veio a AT inicialmente informar que tentou efetuar diligências no sentido de verificar presencialmente a efetiva afetação do imóvel e, subsequentemente, após insistência do Recorrente, confirmar que tentou, presencialmente, estabelecer contacto sem que lhe fosse aberta a porta do prédio.

            11ª - Perante esse posicionamento, invocou o Recorrente que, nos termos do Código do IRS, no n.º 12 do seu art.º 13º, se refere que: “o domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário e, por esse facto, requereu que fosse o Executado notificado para, querendo, vir afastar essa presunção, bem como fosse a AT notificada para vir esclarecer se pretendia – ou não – vender o aludido imóvel em sede de execução fiscal.

            12ª - Pelo que do supra citado artigo se retira que não terá de ser a AT a atestar a afetação do imóvel à habitação própria permanente do Executado, face à presunção legal naquele artigo consagrada.

            13ª - O Executado, no passado dia 22 de setembro, veio aos autos assumir que o aludido imóvel configura efectivamente sua habitação própria permanente, não só não afastando a presunção legal supra, como veio cabalmente confirmar tal evidência.

            14ª - Nessa esteira, não podendo ser vendido o imóvel penhorado nos autos de execução fiscal, bem como face ao indeferimento da reclamação de créditos apresentada pelo Exequente, o mesmo ficará impossibilitado ver satisfeito o crédito que detém sobre o Executado, pela via da Execução Fiscal onde se encontra – primariamente – este imóvel penhorado.

            15ª - Não obstante veio o Tribunal, por via do despacho em crise, decorrido cerca de 1 ano desde o requerimento inicial e depois de devidamente esclarecida e clarificada a impossibilidade de venda do imóvel em sede de execução fiscal – por via do disposto no n.º 2 do art.º 244º do CPPT – a não se pronunciar sobre o levantamento da requerida sustação da execução relativamente à fração em causa (a habitação própria e permanente do executado) o que, obviamente, face ao nele constante (no despacho) configura um claro indeferimento da pretensão do recorrente.

            16ª - E, mais que isso, a selecionar e escolher os bens da titularidade do executado que o exequente / recorrente pode penhorar, sem cuidar de sequer analisar ou aferir se os mesmos se encontram (ou não) desonerados.

            17ª - Por outro lado, apesar de, durante cerca de 1 ano, se constar que a AT não pretende prosseguir os autos de Execução Fiscal – inclusivamente já recusou, no âmbito do processo de execução fiscal – uma reclamação de créditos com o fundamento de não ter sido aberto concurso de credores, o Tribunal não se abstém de convidar o exequente / recorrente a praticar atos inúteis, sugerindo que o mesmo “impulsione” a execução Fiscal!

            18ª - Ora, salvo todo o respeito por opinião diversa o Tribunal erra manifestamente na prolação da decisão da qual nesta sede se recorre, pois que, para além de dever proceder ao levantamento da sustação dos presentes autos executivos no que concerne ao imóvel em discussão como, também, deveria abster de escolher quais os bens que o exequente deverá penhorar.

            19ª - “Ao prosseguimento da execução comum, onde foi efetuada a segunda penhora, não obsta o disposto no art.º 822º do C. Civil, já que, a A.T. pode vir reclamar o seu crédito nesta outra execução, devendo para isso ser notificada ao abrigo do preceituado no art.º 786º do Código de Processo Civil, sendo o seu crédito graduado no lugar que lhe competir”.

            20ª - “Se na execução cível for penhorado imóvel que constitua casa de morada de família do executado e se sobre esse imóvel incidia já registo de penhora anteriormente efetuada em execução fiscal - execução esta que se encontra suspensa face ao art.º 244º, n.º 2 do CPPT (redação da Lei 13/2016) - não há lugar à sustação da execução cível, nos termos do art.º 794º, n.º 1 CPC, visto que o imóvel não pode ser vendido naquela execução fiscal, devendo ser vendido na execução cível mediante prévia convocação de credores incluindo a Fazenda Nacional”.

            21ª - Ora, certo é que o Executado possui outros bens imóveis que podem ser alvo de penhora, contudo, os mesmos estão onerados, não conferindo ao Exequente qualquer garantia que aquele possa vir a recuperar o seu crédito com a penhora dos referidos bens, sendo que compete ao Exequente indicar quais os bens que entende melhor possam satisfazer a cobrança do seu crédito, indicando-os à penhora.

            22ª - Por outro lado, somente esta Fração ... é que é bem próprio do Executado. Os demais bens imóveis, para além das onerações, são, ainda – é o que se extrai dos títulos registrais – bem comum do dissolvido casal, com todas as contingências – designadamente de tempo – daí decorrentes para que o exequente, rápida e celeremente, possa ver o seu crédito satisfeito.

            23ª - “O único e verdadeiro interessado no êxito da ação executiva é o próprio exequente, a ele cabendo a sua promoção, designadamente pela indicação daqueles bens penhoráveis que, em seu entender, melhor possam satisfazer o escopo da ação, até em termos de maior celeridade na cobrança coerciva do seu crédito”.

            24ª - O Tribunal não poderá limitar o direito concedido ao Exequente na escolha dos bens que aquele quer ver penhorados, por entender serem os mais aptos para satisfação do seu crédito se vendidos judicialmente.

            25ª - Não obstante o Executado possuir outros bens imóveis passíveis de penhora, certo é que na ótica do Recorrente, apenas o imóvel que configura habitação própria permanente daquele oferece a garantia necessária para satisfazer o seu crédito.

            26ª - Não poderá o Tribunal limitar o direito que o Recorrente tem em escolher quais os bens que pretende ver penhorados, pois a escolha deste concreto bem não viola nenhum preceito legal, nomeadamente o disposto nos artigos 736º e ss do CPC.

            27ª - Os outros bens imóveis pertença do Executado, que o Tribunal refere no despacho que ora se recorre, também estão onerados com penhoras no âmbito do mesmo processo de Execução Fiscal.

            28ª - Pelo que não permitindo o Tribunal ´a quo` o levantamento da sustação dos autos relativamente à Fração ... e, eventualmente, a citação da AT para vir aos presentes autos reclamar o seu crédito nos termos do 786º do Código de Processo Civil, ficaria sempre o Recorrente incapaz de ver o seu crédito satisfeito, independentemente do bem que venha indicar à penhora!

            29ª - Não podendo a Fração autónoma designada pela letra ..., do prédio Urbano inscrito na respetiva matriz predial com o artigo ...18 e descrito na ... CRP ..., sob o n.º ...64 ..., pertença do Executado, ser vendida no âmbito do processo de Execução Fiscal, porquanto se trata da habitação própria e permanente daquele, não poderá ficar o Exequente privado de pugnar pela penhora do aludido bem nos presentes autos, e com isso ver o crédito que detém sobre o Executado satisfeito.

            30ª - Pelo que nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do art.º 794º do CPC (a contrario) deverá o Tribunal ordenar o prosseguimento da execução relativamente à Fração ..., aplicando o artigo 786º do CPC, ou seja, citando a Autoridade Tributária para, querendo, reclamar nos presentes autos os seus créditos que detém sobre o Executado, para que se possa promover pela venda do aludido bem e assim ser o Recorrente ressarcido do seu crédito.

            31ª - Ao agir da forma que atuou o Tribunal viola, entre outras disposições legais, os art.ºs 794º n.º 1 e 786º do CPC.

            Remata pedindo a revogação da decisão recorrida e o levantamento da sustação do processo relativamente ao imóvel que constitui a Fração ..., com o consequente prosseguimento da execução, aplicando-se o art.º 786º do CPC (citando a Autoridade Tributária para, querendo, reclamar nos presentes autos os créditos que detém sobre o Executado, para que se possa promover pela venda do aludido bem e assim ser o Recorrente ressarcido do seu crédito).

            O executado respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, há que apreciar e decidir se importa levantar a sustação quanto ao referido imóvel com anterior penhora da Fazenda Nacional, citando-se a mesma entidade para, querendo, reclamar os seus créditos, prosseguindo a execução.


*

            II. 1. Para a decisão do recurso releva o que se descreve no antecedente relatório e o seguinte:[1]

            a) A execução baseia-se numa sentença proferida em 17.10.2017, confirmada por acórdão da Relação de Coimbra de 15.5.2018.        

            b) Consta do auto reproduzido a fls. 48 (datado de 17.3.2020) que a penhora realizada nos autos, destinada a garantir o pagamento da quantia exequenda (€ 29 259,97) e as despesas prováveis da execução (€ 2 926), tem por objeto a “Fração autónoma designada pela ´letra ...`, do prédio urbano inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ...18 e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...64, da freguesia ..., concelho e distrito ...”, com o valor patrimonial de € 94 770,55[2].

            c) A mencionada penhora foi registada em 10.3.2020.

            d) Em virtude de penhoras anteriores foi determinada a sustação da execução de harmonia com o disposto no art.º 794º do CPC.

            e) Foi indicado nos autos, inclusive pelo próprio executado, que a referida fração autónoma constitui a sua casa de morada de família / “habitação própria permanente” do executado.[3]

            f) Em 15.3.2019, a Fazenda Nacional (Serviço de Finanças ...) penhorou a referida fração autónoma, no processo de execução fiscal (n.º ...86 e apensos) que move a BB (também aqui executado) para pagamento da quantia de € 9 139,49, penhora registada nesse mesmo dia.

            g) Em 22.11.2021, o exequente veio requerer a reversão da decisão de sustação referente ao bem aludido em b) e, em consequência, a citação da Autoridade Tributária (AT), nos termos e para os efeitos do art.º 786º do CPC, para, querendo, reclamar nesta execução os seus créditos sobre o executado.

            h) A fundamentar o pedido referido em g), aduziu o exequente, nomeadamente:

            - No dia 12.10.2021, foi notificado pela AE, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do art.º 794º do CPC, da decisão de sustação elaborada nos presentes autos, para, querendo, no prazo de 15 dias reclamar os seus créditos[4] no processo de execução fiscal n.º ...86 e apensos, do Serviço de Finanças ..., atenta a penhora dita em b), sendo que a fração objeto da penhora já se encontrava penhorada à ordem daquele processo de execução fiscal e seus apensos;

            - Em 27.10.2021, o exequente reclamou os seus créditos no aludido processo fiscal;

            - Em 05.11.2021, o mencionado Serviço de Finanças devolveu aquela peça processual, argumentando que “(...) uma vez que, não tendo sido aberto concurso de credores, é a reclamação de créditos intempestiva”;

            - Tratando-se de casa de morada de família do executado, a AT, por força do art.º 244º, n.º 2 do CPPT (na redação conferida pela Lei n.º 13/2016, de 23.5) não pode proceder à “venda do imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim.”;

            - Não podendo ser vendido o imóvel penhorado nos autos de execução fiscal, bem como face ao indeferimento da reclamação de créditos apresentada pelo exequente, o mesmo ficará impossibilitado de satisfazer o crédito que detém sobre o executado, pelo que não deverá ocorrer a sustação da presente execução quanto ao bem indicado em b), devendo a AT vir reclamar os seus créditos nos presentes autos.

            i) Além do bem referido em b), bem próprio do executado, consta do registo predial que este e a sua ex-mulher são proprietários das seguintes frações autónomas:

            1 - “Rés do chão direito, para habitação com 8 divisões – 158,50 m2 – garagem na cave identificada pelas letras ... e A... – 32 m2 e arrecadação no sótão identificada pela letra ... – 27 m2”, do prédio urbano descrito na CRP ... sob o n.º ...34, da freguesia ... (...).

            2 - “Terceiro andar direito, para habitação, um local para estacionamento privativo na garagem coletiva na cave e uma arrecadação no sótão, identificados com a letra ..., fração designada pela ´letra H` do prédio urbano descrito na ... CRP ... sob o n.º ...64, da freguesia ..., concelho e distrito ..., com o valor tributável de € 10 875,29 (averbamento de 16.8.2017)

            j) Sobre a fração autónoma referida em ´i) 1` e sendo “sujeito passivo” o executado BB, recaem uma penhora da Fazenda Nacional de 24.10.2018 (processo de execução fiscal n.º ...86 – Serviço de Finanças ..., quantia de € 8 190,65) e uma penhora (da meação) de 24.6.2021 (execução dos presentes autos, quantia de € 29 259,97).

            k) Sobre a fração autónoma referida em ´i) 2` e sendo “sujeito passivo” o executado BB, recaem uma penhora a favor da Fazenda Nacional registada a 15.3.2019 (processo de execução fiscal n.º ...86 e apensos – Serviço de Finanças ..., quantia de € 9 139,49) e uma penhora a favor do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I. P. – Secção de Processo Executivo ..., de 03.11.2021 (processo de execução n.º ...97 e apensos, quantia exequenda de € 16 007,06).

            l) Da consulta ao Registo Predial realizada a 17.01.2023, verifica-se que, relativamente ao prédio ...34/fração ..., foi efetivado, a 09.02.2018, cancelamento de penhora realizada em 16.8.2017 (processo de execução 1647/16.... – quantia exequenda/€ 195 591,72); relativamente ao prédio ...64/fração ..., foram efetivados, a 09.02.2018 e 18.01.2018, cancelamentos de penhoras realizadas em 16.8.2017 e 25.10.2017 (processos de execução 1647/16....–quantia exequenda/€ 195 591,72 e 3651/17....–quantia exequenda/€ 32 465,46), respetivamente; relativamente ao prédio ...64/Fração ..., foi efetivado, a 12.01.2022, cancelamento de penhora realizada em 30.10.2019 (processo de execução 439/13....–quantia exequenda/€ 2 268,71).

            m) Quando o executado adquiriu a fração autónoma mencionada em b), fez-se constar no sequente registo da aquisição, realizado a 05.9.2017, o estado de divorciado e a residência na Rua ..., ....

            2. Cumpre apreciar e decidir.

            Estão sujeitos à execução todos os bens do devedor suscetíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda (art.º 735º, n.º 1 do CPC[5]). A penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução (n.º 3).

            A penhora começa pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostrem adequados ao montante do crédito do exequente (art.º 751º, n.º 1). O agente de execução deve respeitar as indicações do exequente sobre os bens que pretende ver prioritariamente penhorados, salvo se elas violarem norma legal imperativa, ofenderem o princípio da proporcionalidade da penhora ou infringirem manifestamente a regra estabelecida no número anterior (n.º 2). Caso o imóvel seja a habitação própria permanente do executado, só pode ser penhorado: a) Em execução de valor igual ou inferior ao dobro do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância, se a penhora de outros bens presumivelmente não permitir a satisfação integral do credor no prazo de 30 meses; b) Em execução de valor superior ao dobro do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância, se a penhora de outros bens presumivelmente não permitir a satisfação integral do credor no prazo de 12 meses (n.º 4).
            3. O ato de penhora
“não cumpre uma função sancionatória, mas uma função ´instrumental`, qual seja, a de ´salvaguardar a utilidade final do direito de execução do credor`: o pagamento da dívida através do produto da venda executiva”.[6]

            4. Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respetivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga (art.º 794º, n.º 1, sob a epígrafe “pluralidade de execuções sobre os mesmos bens”). Se o exequente ainda não tiver sido citado no processo em que a penhora seja mais antiga, pode reclamar o seu crédito no prazo de 15 dias a contar da notificação de sustação; a reclamação suspende os efeitos da graduação de créditos já fixada e, se for atendida, provoca nova sentença de graduação, na qual se inclui o crédito do reclamante (n.º 2). Na execução sustada, pode o exequente desistir da penhora relativa aos bens apreendidos no outro processo e indicar outros em sua substituição (n.º 3).

            Reza o Código de Procedimento e de Processo Tributário/CPPT (aprovado pelo DL n.º 433/99, de 26.10, na redação conferida pela Lei n.º 13/2016, de 23.5):

            - Podem ser penhorados pelo órgão da execução fiscal os bens apreendidos por qualquer tribunal, não sendo a execução, por esse motivo, sustada nem apensada (art.º 218º, n.º 3).

            - A penhora sobre o bem imóvel com finalidade de habitação própria e permanente está sujeita às condições previstas no art.º 244º (art.º 219º, n.º 5).

            - Feita a penhora e junta a certidão de ónus, serão citados os credores com garantia real, relativamente aos bens penhorados (…), sem o que a execução não prosseguirá (art.º 239º, n.º 1).

            - Podem reclamar os seus créditos no prazo de 15 dias após a citação nos termos do artigo anterior os credores que gozem de garantia real sobre os bens penhorados (art.º 240º, n.º 1). O órgão da execução fiscal só procede à convocação de credores quando dos autos conste a existência de qualquer direito real de garantia (n.º 3). O disposto no número anterior não obsta a que o credor com garantia real reclame espontaneamente o seu crédito na execução, até à transmissão dos bens penhorados (n.º 4).

            - A venda realiza-se após o termo do prazo de reclamação de créditos (art.º 244º, n.º 1). Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efectivamente afeto a esse fim (n.º 2). O disposto no número anterior não é aplicável aos imóveis cujo valor tributável se enquadre, no momento da penhora, na taxa máxima prevista para a aquisição de prédio urbano ou de fração autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação própria e permanente, em sede de imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis (n.º 3)[7]. O impedimento legal à realização da venda de imóvel afeto a habitação própria e permanente previsto no n.º 2 pode cessar a qualquer momento, a requerimento do executado (n.º 6).

            5. Salvo nos casos especialmente previstos na lei, o exequente adquire pela penhora o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior (art.º 822º, n.º 1 do Código Civil).

            À penhora anda ligada a ideia de apreensão judicial de bens: o tribunal penhora os bens, apreendendo-os, para realizar o fim a que visa a ação executiva[8]; nos termos do art.º 735º, n.º 1, estão sujeitos à execução todos os bens do devedor suscetíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda.

            Penhorados os bens e verificados os créditos quando apareçam credores concorrentes, entra a execução na fase do pagamento, que é o objetivo final (art.ºs 795º e seguintes). Na execução para pagamento de quantia certa (o exequente tem direito a determinada quantia e instaura execução para obter, coercivamente, a quantia que lhe devia ser paga pelo devedor) o órgão executivo deverá praticar os atos necessários para embolsar o exequente e os credores concorrentes das quantias a que têm direito: penhora os bens do executado e à custa desses bens realiza o dinheiro de que carece para pagar aos credores insatisfeitos.[9]

            6. A Lei n.º 13/2016, de 23.5, alterou o CPPT e a Lei Geral Tributária (aprovada pelo DL n.º 398/98, de 17.12), protegendo a casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal, estabelecendo restrições à venda executiva de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado (art.º 1º). Tais alterações aplicaram-se imediatamente em todos os processos de execução fiscal pendentes à data da sua entrada em vigor - dia seguinte ao da sua publicação (art.ºs 5º e 6º).

            Pesem embora as diferenças dos “projetos de lei” dos três partidos que formavam a maioria parlamentar[10], foi intenção do legislador impedir as famílias de ficarem sem casa por causa de dívidas ao fisco.

            7. Nos termos do art.º 794º do CPC, o exequente irá deduzir os seus direitos no processo em que os bens tiverem sido penhorados em primeiro lugar. Tem de ir à execução que fica a correr (a execução com penhora anterior) reclamar o seu crédito para conseguir que seja aí reconhecido, graduado e pago - a reclamação não tem apenas por fim desembaraçar de encargos os bens a vender ou a adjudicar; destina-se essencialmente a evitar a pendência de duas execuções simultâneas sobre os mesmos bens, pois é óbvia a inconveniência de um regime que permita a tramitação em paralelo de mais do que uma execução sobre os mesmos bens, já que dificulta o atendimento ponderado e simultâneo dos direitos dos diversos credores.[11]

            8. Por definição, uma execução está pendente enquanto não findar, ou seja, aquela que foi proposta e se mantém como tal, sem estar extinta.

            A ratio legis da norma do art.º 794º, tendo subjacente razões de certeza jurídica e de proteção tanto do devedor executado, como dos credores exequentes, postula que ambas as execuções se encontrem numa situação de dinâmica processual, ou seja, não é suficiente a mera pluralidade de execuções, exigindo-se ainda que estejam em movimento, seguindo o curso processual normal, o que não acontece, por exemplo, quando a execução mais antiga, onde o crédito deveria ser reclamado se encontra parada por inércia do exequente.

            Poderá ainda ocorrer a suspensão ditada por imperativos legais, retirando temporariamente (nos termos legais) a dinâmica processual à execução fiscal pendente [v. g., as situações decorrentes do regime legal de pagamento da dívida em prestações (art.º 806º) - quando a execução fiscal se encontre suspensa por causa de nela ter sido firmado, entre exequente e executado, um plano de pagamento em prestações da quantia exequenda - ou, no passado recente, da aplicação do denominado “Plano Mateus“/DL n.º 124/96, de 10.8], mas o crédito que é objecto da execução sustada conservará toda a proteção resultante da penhora, que será efetivada na execução fiscal se aí o bem penhorado for vendido ou quando, cessado o pagamento das prestações em execução fiscal, recomeçar a tramitação da execução sustada[12]; se assim não suceder, poder-se-á justificar o levantamento do despacho de sustação.[13]

            9. A sustação prevista no art.º 794º, n.º 1 é aplicável quando a penhora sobre o mesmo bem ocorre numa execução comum e numa execução fiscal, sendo esta a mais antiga, como aqui se verifica.

            In casu, aplicar-se-á o regime previsto no n.º 2 do art.º 244º do CPPT, estando, assim, impedida a realização da venda de imóvel penhorado nas execuções (fiscal e cível), porventura o mais significativo do executado.

            Ademais, indicia-se nos autos que o executado poderá vir a dispor, em razão da sua atual posição patrimonial, de bens igualmente aptos para neles fixar a sua residência (principal); e apontam os elementos disponíveis [cf., principalmente, II. 1. J), k) e l), supra] no sentido de que o executado tem/terá vindo a pagar as suas dívidas, com exceção da (dívida) que funda a presente execução!

            10. Nas apontadas circunstâncias, impedida a venda executiva, frustra-se o funcionamento do sistema concursal previsto na lei processual civil e na lei processual tributária - fica assim seriamente comprometido, na sua consistência prática, o direito patrimonial do credor exequente em execução não fiscal, sendo que sempre o crédito do recorrente só poderia ser satisfeito com o produto da venda do bem, pois a presente execução está sustada quanto ao imóvel e na execução fiscal há um impedimento legal à realização da venda, mantendo-se a penhora do Fisco apenas como mera garantia do crédito fiscal, sem quaisquer outras consequências processuais, pois a venda não se irá realizar.

            E não estamos perante uma simples sustação da execução comum que importe para o respetivo credor um atraso na cobrança coerciva do seu crédito, quando esta tiver que fazer-se na execução fiscal, por ter que aguardar que, aí, se vendam os bens penhorados para, então, reclamar o seu crédito - a via judiciária continuaria aberta para esse fim, embora sujeita a demora; nestas circunstâncias, a suspensão da execução comum não traz prejuízo ao, nela, exequente já que o seu direito de ser pago pelo produto da venda do bem (imóvel) penhorado está garantido, apenas faltando saber se ocorre nessa execução ou na fiscal, e quando; mas certo de que, ou numa ou noutra, haverá (sempre) de vir a ter lugar.[14]

            11. Podendo-se admitir que, contrariamente a uma lata aplicação do art.º 794º, n.º 1, seria melhor direito um regime processual que, ao invés de impor a sustação da execução comum no caso de, na execução fiscal, terem sido penhorados, com anterioridade, os mesmos bens que o foram naquela, permitisse que as execuções prosseguissem ambas os respetivos trâmites, ficando a Fazenda Nacional com o ónus de ir reclamar os seus créditos à execução comum, se quisesse prevenir a hipótese de a venda dos bens duplamente penhorados se fazer primeiro nesta última[15] - solução que não seria a única compatível com a Lei Fundamental, pois também a da sustação da execução comum (na sequência da penhora anterior em execução fiscal) cumprirá os desígnios constitucionais, se temporalmente limitada e em equilibrada ponderação dos interesses contrapostos, por não haver aí diminuição da garantia do credor à satisfação do seu crédito nem esta se tornar desproporcionalmente mais difícil ou onerosa[16] -, no caso em análise, pelas razões já aduzidas, aquela aventada possibilidade transmutar-se-á em necessidade, constituindo, em obediência à ratio legis e numa interpretação coerente e racional (que atenda aos elementos racional, sistemático e histórico), mas também restritiva (sob pena de se ultrapassar o fim visado pelo legislador, cingido às execuções fiscais)[17], a forma razoável de reparar/afastar a discrepância, a contradição e a inadequação inerentes a uma acrítica e imediata aplicação (conjugada) dos art.ºs 794º, n.º 1 do CPC e 244º, n.º 2 do CPPT, sabendo-se que “é a interpretação a via mais apropriada para adequar às circunstâncias do caso concreto os juízos valorativos consagrados na lei”, que a interpretação “é, afinal, a via mais adequada à ´realização do direito`”.[18]    

            12. Por conseguinte, tudo levando a crer que não ocorrerá inércia do exequente (Fazenda Nacional) na tramitação da dita execução fiscal mas, apenas, no apurado circunstancialismo, a consequência decorrente do regime jurídico que impede a venda, nesse processo, de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado, afigura-se que, inviabilizado na execução fiscal mecanismo algum de tutela do direito do credor garantido pela penhora na execução comum (o credor reclamante não pode requerer o prosseguimento da execução fiscal em circunstância alguma), não resta alternativa ao levantamento da sustação da execução em apreço para que o Tribunal a quo averigue do estado da execução fiscal e, mantendo-se a impossibilidade de aí efetuar a venda, providencie pela atuação conducente à sua realização no processo executivo cível[19], conforme vem preconizado pelo aqui exequente. 

            13. Entendimento contrário, cremos, postergaria os mais elementares princípios do processo executivo, mormente os indicados em II. 5. e 7., supra, e afrontaria, necessariamente, o direito de propriedade privada constitucionalmente garantido e a garantia do credor à satisfação do seu crédito (art.º 62º, n.º 1 da CRP), tornando, pelo menos, desproporcionadamente mais difícil ou onerosa a satisfação do direito do exequente (com violação do art.º 18 da CRP).

            14. Não podendo ser vendido o imóvel penhorado nos autos de execução fiscal e face ao demais apurado nos autos[20], o exequente ficará impossibilitado de ver satisfeito o crédito que detém sobre o executado, pela via da Execução Fiscal onde se encontra – primariamente – este imóvel penhorado.

            15. Na decisão recorrida aponta-se determinado “caminho” a seguir pelo exequente (quanto aos bens do executado a penhorar), mas, salvo o devido respeito por entendimento contrário, não se cuidou de ponderar o valor (patrimonial, tributário ou real) dos (demais) bens indicados em II. 1. i) a k), supra, no confronto, nomeadamente, com o valor da quantia exequenda e os “ónus/encargos” destes bens (também onerados com penhoras no âmbito do mesmo processo de Execução Fiscal), sendo certo, ainda, que compete ao exequente indicar quais os bens que quer ver penhorados, por entender serem os mais aptos para satisfação do seu crédito se vendidos judicialmente.[21]

            Acresce que os bens aludidos em II. 1. i) a k), supra, são bens comuns do dissolvido casal do executado, com todas as  (demais) contingências – designadamente de tempo – daí decorrentes para que o exequente, rápida e celeremente, possa ver o seu crédito satisfeito[22], sendo que está em causa a efetiva (e pronta) assunção de responsabilidades geradas há cerca de duas décadas![23]

            16. Assim, face aos elementos disponíveis, não vemos razão para não atender a pretensão do exequente (quanto ao prosseguimento da execução relativamente à fração autónoma em causa), pelo que importa proceder ao levantamento da sustação da execução quanto ao imóvel aludido em II. 1. b) a f), supra[24], e, eventualmente, a citação da Fazenda Nacional para, querendo, reclamar nos presentes autos os seus créditos nos termos do 786º do CPC, de modo a que também os direitos desta sejam devidamente acautelados, distribuindo-se o produto da venda em conformidade com o que for determinado na sentença de graduação [desconhece-se a natureza do crédito fiscal], com a consequente revogação do despacho recorrido.[25]

            17. Procedem, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.        


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            III. Pelo exposto, procedendo a apelação, revoga-se a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento da execução como se indica em II. 12. e 16., supra.

            Custas pelo executado/apelado.       


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28.3.2023




[1] Atendendo aos documentos e requerimentos juntos aos autos de recurso. 
[2] Valor patrimonial atual, determinado no ano de 2018 (cf. fls. 48 verso e 55 verso).
   A fração tem a seguinte composição: “Primeiro andar direito, para habitação, terraço sobre a cobertura do rés do chão, garagem individual na cave e uma arrecadação no sótão” (cf., v. g., fls. 100).
[3] Na sequência do despacho de 11.01.2022 - no qual se exarou que “Dos documentos juntos pelo Exequente não decorre que (...) a venda do prédio, esteja ´suspensa` nos termos do artigo 244º, n.º 2 do CPPT; mas apenas que a reclamação de créditos apresentada foi considerada intempestiva por não ter sido aberto concurso de credores, nos termos do artigo 240º, n.º 3 do CPPT. / Assim, convido o Exequente a provar o estado da execução fiscal.” (reafirmado no despacho de 09.02.2022) -, assim veio a ser referido no requerimento do exequente de 26.01.2022, na certidão da AT/Serviço de Finanças ... de 18.02.2022 (fls. 61 verso) e no requerimento do executado de 22.9.2022 (na sequência dos despachos de 29.3.2022 e 29.6.2022, dos “esclarecimentos” da AT de fls. 63 verso e 67 e do requerimento do exequente de 09.9.2022).
[4] Fez-se constar do documento reproduzido a fls. 48, dirigido ao Exmo. Mandatário do exequente, datado de 12.10.2021: «Fica pela presente V. Exa. notificado da informação constante da “Cota” elaborada no âmbito dos presentes autos, nos termos da qual dispõe do prazo de 15 (QUINZE) dias para reclamar créditos, querendo, em relação ao bem constante da Verba 1 do Auto de Penhora datado de 17.3.2020
[5] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem.
[6] Vide Rui Pinto, A Acção Executiva, AAFDL Editora, Lisboa, 2018, págs. 459 e seguinte.

[7] Ou seja, à data, nos casos em que o valor patrimonial tributário excedesse € 574 323.
[8] Vide J. Alberto dos Reis, Processo de Execução, vol. 2º (reimpressão), Coimbra Editora, 1985, pág. 89 e J. Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 6ª edição, Coimbra Editora, pág. 231.
[9] Vide J. Alberto dos Reis, ob. e vol. citados, págs. 293 e seguinte.

[10] O projeto de lei do “BE” garantia a impenhorabilidade e a impossibilidade de execução de hipoteca do imóvel de habitação própria e permanente por dívidas fiscais; o projeto do “PS” proibia a venda do imóvel, mas não a penhora, em processos de execução fiscal; o projeto de lei do “PCP” suspendia as penhoras e vendas de habitação própria e permanente em processos de execução fiscal e determinava a aplicação de um regime de impenhorabilidade desses imóveis.
[11] Vide J. Alberto dos Reis, ob. e vol. citados, págs. 287 e seguinte (comentando idêntica disposição do CPC de 1939) e E. Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, edição da INCM, 1987, pág. 531 (reportando-se a idêntica disposição do CPC de 1961) e, entre outros, os acórdãos do STJ de 31.3.1998, da RC de 05.4.2005-processo 154/05 e 04.4.2017-processo 1231/13.9TBCVL-A.C1 e da RL de 30.10.2006-8559/2006-8, publicados, o primeiro, no BMJ, 475º, 594 e, os restantes, no “site” da dgsi.
[12] Cf., de entre vários, os citados acórdãos do STJ de 31.3.1998 e da RC de 05.4.2005-processo 154/05 e, ainda, o acórdão da RP de 29.10.2012-processo 3536/10.1YYPRT-A.P1 (que o aqui relator subscreveu como “2º adjunto”), publicado no “site” da dgsi.
[13] Cf. o cit. acórdão da RC de 05.4.2005-processo 154/05.
[14] Cf. o citado acórdão da RP de 29.10.2012-processo 3536/10.1YYPRT-A.P1.

[15] Cf. o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 283/99, de 05.5.1999, publicado no “site” da dgsi e no DR, 2ª série, de 05.4.1999, pág. 4925.
[16] Sobre tal conformidade constitucional cf. os acórdãos do TC n.ºs 51/99, de 19.01.1999, 281/99, de 05.5.1999, e 283/99, de 05.5.1999, publicados no “site” da dgsi e no DR, 2ª série.
[17] Vide Manuel de Andrade, Ensaio sobre a teoria da interpretação das leis; e Francesco Ferrara, Interpretação e aplicação das leis, edição de Arménio Amado – Editor Sucessor, Coimbra, 1987, págs. 22, 140 e seguintes e 149 e seguintes.
[18] Vide António Pinto Monteiro, Interpretação e o protagonismo da doutrina, RLJ 145º, pág. 77.

[19] Cf., ainda, o acórdão da RL de 30.10.2006-processo 8559/2006-8, publicado no “site” da dgsi, no qual se concluiu que “sustada a execução nos termos do art.º 871º do Código de Processo Civil [de 1961], se a execução, onde houve penhora anterior e onde foi reclamado o crédito da execução sustada, vier a ficar suspensa, interrompida ou por qualquer modo ´parada`, pode prosseguir a instância na execução sustada para, assim, se evitar o impasse em ambas as execuções”.
[20] Cf., sobretudo, II. 1. f) a l), supra.
[21] Vide, nomeadamente, Rui Pinto, ob. cit., págs. 543 e seguintes e J. Lebre de Freitas, ob. cit., págs. 275 e seguintes.
[22] Como se refere na “conclusão 22ª” da alegação de recurso.
[23] É o que decorre das decisões proferidas na fase declarativa...
   E se na resposta à alegação de recurso, o executado veio dizer que não poderá o Tribunal a quo levantar a sustação da penhora do imóvel em obediência ao art.º 794º do CPC, “até o Executado/Recorrido terminar o pagamento, proveniente de um acordo de pagamento de dívida, anteriormente efetuado entre o Executado/Recorrido e a Autoridade Tributária”, pelo que terá o exequente que “esperar a ordem do registo da sua penhora”... , importa considerar, por um lado, que tal não foi comprovado nos autos de execução comum em análise por forma a merecer a eventual ponderação como se indica em II. 8., supra, e, por outro lado, sempre haveria de se atender às demais vicissitudes e à melhor solução para dar resposta a um direito de crédito que (há muito) urge satisfazer!
[24] Cf. a propósito, o acórdão da RL de 09.10.2014-processo 7048/08.5TBALM-A.L1-6, publicado no “site” da dgsi.

[25] Neste sentido, cf., ainda, de entre vários, os acórdãos da RC de 26.9.2017-processo 1420/16.4T8VIS-B.C1 [assim sumariado: «1. A ratio legis da norma do art.º 794º do CPC, tendo subjacente razões de certeza jurídica e de proteção tanto do devedor executado, como dos credores exequentes, postula que ambas as execuções se encontrem numa situação de dinâmica processual. 2. Com o estatuído no seu n.º 1 pretende-se evitar que em processos diferentes se opere a adjudicação ou a venda dos ´mesmos bens`; a liquidação tem de ser única e, em princípio, há de fazer-se no processo em que os bens foram penhorados em primeiro lugar. 3. Inexistindo inércia da Fazenda Nacional na tramitação da execução fiscal (com penhora prioritária) mas, apenas, a consequência decorrente do regime jurídico que impede a venda, nesse processo, de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado (art.º 244º, n.º 2 do CPPT, na redação conferida pela Lei n.º 13/2016, de 23.5), afigura-se que, inviabilizado na execução fiscal mecanismo algum de tutela do direito do credor garantido pela penhora na execução comum (o credor reclamante, neste caso credor hipotecário, não pode requerer o prosseguimento da execução fiscal em circunstância alguma), não resta alternativa ao levantamento da sustação da execução comum para que se providencie pela atuação conducente à realização da venda no processo executivo cível, distribuindo-se o produto da venda em conformidade com o que for determinado na sentença de graduação. 4. Entendimento contrário, cremos, postergaria os mais elementares princípios do processo executivo e afrontaria, necessariamente, o direito de propriedade privada constitucionalmente garantido e a garantia do credor à satisfação do seu crédito (art.º 62º, n.º 1 da CRP), tornando, pelo menos, desproporcionadamente mais difícil ou onerosa a satisfação do direito do exequente (com violação do art.º 18 da CRP).»] e 01.6.2021-processo 2106/20.0T8SRE-A.C1 [concluindo-se: «I - O disposto no art.º 794º do Código de Processo Civil pressupõe que as execuções se encontrem numa normal dinâmica processual. II - Forçada a paragem da execução fiscal, por força do previsto no art.º 244º, n.º 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário, na redação conferida pela Lei n.º 13/2016, impõe-se o prosseguimento da execução comum.»], da RG de 23.5.2019-processo 2132/17.7T8VCT-B.G1 [sumariando-se: «I. Não existindo inércia da Fazenda Nacional na tramitação da execução fiscal (com penhora prioritária) mas, apenas, a consequência decorrente do regime jurídico que impede a venda, nesse processo, de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado (art.º 244º, n.º 2 do CPPT, na redação conferida pela Lei n.º 13/2016, de 23.5), deve levantar-se a sustação da execução comum. II. Não será de aplicar o disposto pelo art.º 850º, n.º 2 do Código de Processo Civil à execução fiscal (que como resulta do art.º 2º al. e) do CPPT, seria aplicável subsidiariamente), pois que tal norma exige, para que o credor reclamante possa requerer a renovação da execução, que esta esteja extinta, extinção essa que não ocorreu. III. Ao prosseguimento da execução comum, onde foi efetuada a segunda penhora, não obsta o disposto no art.º 822º do C. Civil, já que, a A.T. pode vir reclamar o seu crédito nesta outra execução, devendo para isso ser notificada ao abrigo do preceituado no art.º 786º do Código de Processo Civil, sendo o seu crédito graduado no lugar que lhe competir.»] e da RP de 22.10.2019-processo 8590/18.5T8PRT-B.P1 [com o sumário: «I - Quando em execução cível for penhorado imóvel que constitua a casa de morada de família do executado e sobre ele incida penhora com registo anterior realizada em execução fiscal, não podendo o imóvel ser vendido na execução fiscal em virtude do estabelecido na Lei n.º 13/2016, não há lugar à suspensão da execução cível nos termos do artigo 794º, n.º 1, do Código de Processo Civil. II - Nessa situação, a AT deverá ser admitida, após a citação prevista no artigo 786º, n.º 1, alín. b), do Código de Processo Civil, a reclamar o seu crédito na execução comum para aí ser graduado no lugar que lhe competir para ser pago pelo produto da venda do imóvel nesta execução.»], publicados no “site” da dgsi.