Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5449/16.4T8CBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
VALOR DA CAUSA
PEDIDOS ACESSÓRIOS
Data do Acordão: 11/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JL CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.296, 302, 306 , 308 CPC, 1305 CC
Sumário: 1. Na acção de reivindicação o que interessa é o valor real da coisa; se apenas estiver em causa parte de uma coisa, ainda que se peça a declaração do direito de propriedade sobre toda ela, é o valor da parte em litígio que marca o valor processual da causa.

2. Numa tal acção, a “cumulação”, v. g., dos pedidos acessórios de demolição do muro construído no prédio da A. e de recolocação dos marcos, é meramente aparente; tais pedidos não têm autonomia entre si, estando dependentes do pedido principal de entrega da coisa/parcela de terreno, que lhes serve de suporte e sem o qual perdem o seu sentido; são meras consequências ou inerências do reconhecimento da propriedade sobre a dita parcela de terreno, não revestindo qualquer interesse ou utilidade suplementar para a A..

Decisão Texto Integral:     






       

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
           

            I. M (…)  instaurou, na Comarca de Coimbra (Juízos Cíveis), a presente acção declarativa comum contra J (…)  e M (…) , pedindo a condenação dos Réus:
            a) A reconhecerem e respeitarem o direito de propriedade e a demarcação levada a cabo pela A. no seu prédio urbano (melhor identificado nos art.ºs 1º a 3º da petição inicial/p. i.), em conformidade com a sentença proferida nos autos do Proc. n.º 3366/03.7TJCBR;
            b) A absterem-se da prática de actos que impeçam o pleno gozo do direito de propriedade nos limites consagrados na referida sentença e, em consequência, a:

            - Demolirem a obra já realizada, nomeadamente o muro construído no referido prédio da A.;

            - Cravarem os marcos no mesmo lugar de onde foram retirados;

            - Absterem-se de arrancar ou alterar os marcos que delimitam a linha divisória entre o prédio da A. e dos Réus;

            - Absterem-se de construir e de erguer qualquer tipo de edificação no identificado prédio da A..

            c) A indemnizarem a A. pelos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais causados em decorrência da extracção dos referidos marcos.[1]                      

            Alegou, em síntese:

            - É dona de um prédio urbano sito na Rua (...) , Coimbra, composto de casa de habitação com 60 m2 e logradouro com 410 m2 (que adquiriu por escritura pública de compra e venda celebrada no 1º Cartório Notarial de Coimbra, em 08.02.2002)[2], inscrito na matriz predial urbana da união das freguesias de x (...) sob o artigo 3063 (tendo origem no artigo matricial 3260) e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial (CRP) de Coimbra sob o n.º 1761.

            - Este prédio confronta do seu lado norte com o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 193 e descrito na 2ª CRP de Coimbra sob o n.º 1760, actualmente pertença dos Réus, que o adquiriram por contrato de compra e venda celebrado em 02.9.2010.[3]

            - Por sentença proferida no processo n.º 3366/03.7TJCBR, que a A. instaurou contra os anteriores proprietários deste último prédio, foi reconhecido o direito de propriedade da A. sobre o seu dito prédio e demarcada a estrema norte/sul daqueles prédios, através da linha divisória descrita na alínea b) do artigo 7º da p. i..[4]

            - Transitada em julgado a aludida sentença os proprietários confinantes efectuaram a cravação de marcos em conformidade com a linha divisória nela traçada.

            - Os Réus, em 27.4.2016, quando procediam a obras no quintal do seu prédio, arrancaram os marcos denominados “C” e “E” e, sem o conhecimento e autorização da A., ergueram um muro para lá dos limites da linha divisória, dentro do prédio da A., causando-lhe prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, pelo que devem ser condenados a pagar uma indemnização nunca inferior a três mil euros.

            Citados os Réus, no decurso da tramitação, por despacho de 20.3.2017 a Mm.ª Juíza a quo fixou o valor da causa em € 3 122,15.

Inconformada, a A. interpôs a presente apelação, formulando as seguintes conclusões:

            a) A A./recorrente instaurou uma acção declarativa de condenação, onde pede a condenação dos Réus a reconhecerem o direito de propriedade do imóvel, respeitarem a demarcação levada a cabo em conformidade com a sentença proferida no processo n.º 3366/03.7TJCBR e se absterem da prática de actos que impeçam o pleno gozo do direito de propriedade dentro dos limites consagrados nessa sentença.

            b) E, em consequência, demolirem o muro edificado dentro dos limites do prédio da A.; cravarem os marcos no mesmo lugar de onde foram retirados; absterem-se de arrancar ou alterar os marcos que delimitam a linha divisória entre os prédios da A. e dos Réus; absterem-se de construir e de erguer qualquer tipo de edificação no prédio da A.; pagarem à A. a quantia de € 3000 (três mil euros) a título de indemnização pelos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, causados em resultado da invasão da sua propriedade e da retirada dos marcos.

            c) E deu à acção o valor de € 27 960 (vinte e sete mil, novecentos e sessenta euros), que mereceu o acordo tácito dos Réus, mas a Mm.ª Juíza a quo, oficiosamente, veio alterar o valor por entender estar em causa apenas a parcela de terreno com área de 2,30 m2 ocupada com a construção do muro, determinando o valor de € 122,15 acrescido do pedido indemnizatório, fixando o valor da causa em € 3 122,15 (três mil, cento e vinte dois euros e quinze cêntimos) nos termos do disposto nos art.ºs 296º, n.º 1, 297º, n.ºs 1 e 2, 302º, n.º 1, 306º, n.º 2 e 308º, o que parece, salvo o devido respeito, ser descabido.

            d) O pedido da A. não se resume apenas à parcela de 2,30 m2 ocupada com a retirada dos marcos “C” e E” e a construção do muro pelos Réus.

            e) Está em causa o reconhecimento do direito de propriedade e a demarcação levada a cabo pela A. no seu prédio.

            f) A lei estabelece que o valor da acção é determinado pelo valor da coisa, conforme dispõe o art.º 302º, n.º 1 do CPC: «1- Se a acção tiver por fim fazer valer o direito de propriedade sobre uma coisa, o valor desta determina o valor da causa.»

            g) Razão pela qual, o valor da causa atribuído pela A. à presente acção foi calculado ao abrigo do disposto nos art.ºs 302, n.º 1 e 297º, n.º 2 do CPC, pois não podia legalmente ser efectuado de outra forma.

            Remata pedindo a revogação da decisão ´sub judice`, aceitando-se o valor acordado entre as partes, por força do art.º 305º, n.º 4 do CPC.

            Não houve resposta.

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, questiona-se, apenas, a verificação/determinação do valor da causa.


*

            II. 1. Para a decisão do recurso releva o que consta do antecedente relatório e ainda o seguinte:

            a) Consta da parte inicial do mencionado despacho de 20.3.2017:

            «(…) Citados de forma válida e regular contestaram os Réus impugnando a factualidade alegada na petição inicial e contrapondo que no local não existiam quaisquer marcos, mas apenas uma rede metálica suportada por tubos colocados na posição vertical que constituía a linha divisória entre os prédios de Autora e Réus, tendo construído o muro para lá dessa rede dentro dos limites da sua propriedade, concluindo pela improcedência da acção.[5]

            Realizou-se uma tentativa de conciliação que se frustrou por as partes persistirem na versão veiculada nos respectivos articulados sendo que, no decurso dessa diligência, a Autora foi convidada a indicar a área do seu prédio que reputa ter sido ocupada pelo muro construído entre os marcos correspondentes às letras “C” e “E”, assim como o valor da parcela de terreno ocupada, e, ainda, a explicitar os critérios que presidiram à fixação do valor da causa.[6]

            Na sequência desse convite veio a Autora esclarecer ser de 4,60 metros a distância entre os pontos “C” e “E”, onde estariam cravados os marcos arrancados, e que os Réus com a construção do muro invadiram cerca de 50 cm do seu prédio ao longo da distância entre aqueles pontos[7], o que significa que é de 2.30 m2 (…) a área alegadamente ocupada com a construção do muro…

            A respeito do valor atribuído á acção esclareceu a Autora que tendo a acção por objecto o reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio identificado nos artigos 1º a 5º da petição inicial dentro dos limites fixados na sobredita sentença e visto o disposto no n.º 1 do artigo 302º do Código de Processo Civil, atribuiu ao correspondente pedido o valor de 24 960 €, coincidente com o valor patrimonial do prédio, valor a que acresce o do pedido indemnizatório de 3 000 €, tudo totalizando a importância de 27 960 €.

            Mais requereu a realização de perícia singular visando a determinação do valor do prédio da Autora, a determinação da concreta área ocupada e do respectivo valor.

            Os Réus, apesar de notificados, não se pronunciaram.(…)»

            b) No segmento relativo à verificação e fixação do valor da causa, referiu-se no mesmo despacho:

             «O n.º 1 do artigo 296º preceitua que “a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal o qual representa a utilidade económica imediata do pedido” - o que significa que “o valor da causa é função do seu objecto, consistente no pedido deduzido pelo autor e, em reconvenção, pelo réu (…)” [Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pag. 542 e 543].

            Consistindo o pedido no efeito jurídico que se pretende obter com a demanda (cf. artigo 581º, n.º 3), “a utilidade económica do pedido, ou seja, o benefício visado com a acção ou com a reconvenção, afere-se, segundo a expressão legal, à luz do pedido que não se limita a enunciar o objecto imediato da demanda, mas também o efeito jurídico que com ela se pretende obter. No caso de não bastar, para o efeito, a análise do pedido, deve ter-se em conta o confronto dele com a causa de pedir” [Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, pag. 18].

            O artigo 302º versa sobre o valor processual das acções reais - aquelas que têm por objecto fazer valer um direito real de gozo sobre uma coisa, seja a propriedade, seja outro direito real (usufruto, uso e habitação, superfície, servidão predial, direito real de habitação periódica, acção de reivindicação da propriedade ou outro direito real de gozo, acção de divisão, acção de demarcação, acção confessória de servidão, acção de reconhecimento de propriedade ou outro direito real, etc.) – consagrando o seu n.º 1 o critério do valor da coisa ao prever que “se a acção tiver por fim fazer valer o direito de propriedade sobre uma coisa, o valor desta determina o valor da causa”.

            Assim, quando na acção se discuta ou vise exercer alguma das faculdades a que alude o artigo 1305º do Código Civil o valor processual concernente corresponde ao valor da coisa.É o valor real da coisa que está em causa, ainda que não seja pedida a sua entrega, a determinar por referência ao respectivo rendimento ou, se não o produzir, o que derivar de um juízo relativo à respectiva matéria, utilidade e estado de conservação ou de manutenção” [Salvador da Costa, in Manual dos Incidentes da Instância, pag. 39 e 40].

            Assim, à semelhança do que sucede no caso vertente, ainda que o autor peça o reconhecimento do direito de propriedade sobre a totalidade do seu prédio, a par dos pedidos acessórios de condenação dos Réus na demolição da obra feita na coisa e na reposição desta no estado em que se encontrava antes da ocupação, relevante para efeitos de fixação do valor da causa é, não o valor da totalidade do prédio, mas tão-somente o valor da parcela de terreno ocupada e cuja restituição vem peticionada (cf. acórdão da RG de 20.10.2009, dgsi).

            No caso “sub judice”, a Autora atribui o valor de 24.960 € ao pedido de reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio identificado nos artigos 1º a 5º da petição inicial (cuja titularidade os Réus não questionam), valor que se não aceita face aos critérios vindos de enunciar. Tal situação convoca o artigo 308º segundo o qual “quando as partes não tenham chegado a acordo ou o juiz o não aceite, a determinação do valor da causa faz-se em face dos elementos do processo ou, sendo estes insuficientes, mediante as diligências indispensáveis, que as partes requeiram ou o juiz ordenar”, sendo certo que os autos fornecem todos os elementos necessários para, através de uma operação aritmética simples e sem necessidade de outras diligências, determinar esse valor.

            Assim, na sequência dos esclarecimentos prestados pela Autora, apurou-se que a parcela de terreno ocupada do seu prédio, cuja titularidade os Réus não questionam, tem as dimensões de 4,60 metros de comprimento por 0,50 metros de largura, o que perfaz a área de 2,30 m2.

            Sabido que este prédio tem área de 470 m2 (sendo 60 m2 de área coberta e 410 m2 de logradouro) e que a parcela de terreno ocupada com a construção do muro tem a área de 2,30 m2, é de concluir que o valor é de 122,15 € (24 960 €:470 m2 = 53,10 € x 2,30 m2 =122,15 €), sendo, pois, esse o valor que corresponde à utilidade económica do pedido de restituição/reintegração da parcela de terreno do prédio da Autora ocupada pelos Réus – valor a que acresce o do pedido indemnizatório de 3.000 €, nos termos do n.º 2 do artigo 297º.

            Pelo exposto, fixo o valor da causa em 3.122,15 € (três mil, cento e vinte dois euros e quinze cêntimos) – art.ºs 296º, n.º1, 297º, n.ºs 1 e 2, 302º, n.º 1, 306º, n.º 2, e 308º.»

            c) No mesmo despacho foram enunciados, entre outros, os seguintes “temas da prova”:

            « (…) 2ª) se os Réus, em 27.Abril.2016 quando procediam a obras no quintal do seu prédio,  arrancaram os marcos a que, na sentença, correspondem as letras “D” e “E”; 3ª) se a distância entre esses dois marcos é de 4,60 metros; 4º) se os Réus, sem o conhecimento e autorização da Autora, ergueram um muro para lá dos limites da linha divisória obtida a partir daqueles marcos, ocupando cerca de 50 centímetros do prédio identificado na alínea a) ao longo daquele limite; (…)»

            d) Na referida escritura pública de compra e venda celebrada no 1º Cartório Notarial de Coimbra em 08.02.2002, consta que a A. adquiriu aquele seu prédio pelo preço de € 68 584,71 (sessenta e oito mil, quinhentos e oitenta e quatro euros e setenta e um cêntimos).[8]

            e) Então, o respectivo valor patrimonial (levado à matriz) era de 2 230 300$00/€ 11 124,69 (onze mil cento e vinte e quatro euros e sessenta e nove cêntimos); o valor patrimonial actual (CIMI), determinado no ano de 2015, é de € 24 960 (vinte e quatro mil novecentos e sessenta euros).[9]

            2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

               A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido (art.º 296º, n.º 1 do Código de Processo Civil/CPC[10]).

            Se pela acção se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário; se pela acção se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício (art.º 297º, n.º 1). Cumulando-se na mesma acção vários pedidos, o valor é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles (n.º 2, 1ª parte).

            Se a acção tiver por fim fazer valer o direito de propriedade sobre uma coisa, o valor desta determina o valor da causa (art.º 302º, n.º 1).

            No articulado em que deduza a sua defesa, pode o réu impugnar o valor da causa indicado na petição inicial, contanto que ofereça outro em substituição; nos articulados seguintes podem as partes acordar em qualquer valor (art.º 305º, n.º 1). A falta de impugnação por parte do réu significa que aceita o valor atribuído à causa pelo autor (n.º 4).

            Compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes (art.º 306º, n.º 1).

            Quando as partes não tenham chegado a acordo ou o juiz o não aceite, a determinação do valor da causa faz-se em face dos elementos do processo ou, sendo estes insuficientes, mediante as diligências indispensáveis, que as partes requererem ou o juiz ordenar (art.º 308º).
O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas (art.º 1305º do Código Civil/CC) e pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence (art.º 1311º, n.º 1, do CC).

            3. Para a fixação do valor da causa, o critério fundamental que a lei nos fornece é o da utilidade económica imediata que com a acção se pretende obter, ou seja, a expressão monetária do benefício que pela acção se pretende assegurar, sendo que, em rigor, o benefício a que a acção visa é dado, não pelo pedido isoladamente considerado, mas pelo pedido combinado com a causa de pedir.

            Nas acções de condenação destinadas a pedir a prestação duma coisa diversa de pagamento de quantia ou destinadas a pedir a prestação dum facto, o valor da acção determina-se pelo valor da coisa ou do facto cuja prestação se pede, devendo relacionar-se o pedido com a causa de pedir.

            Nas acções de reivindicação o que interessa é o valor real do prédio e o valor da acção corresponde ao da coisa reivindicada; estando em causa, não a totalidade da coisa/prédio, mas uma fracção ou parte dela, o valor da causa terá que ser determinado não pelo valor de toda a coisa, mas pelo da parcela ou fracção em litígio (v. g., acção de demarcação); se apenas estiver em causa parte de uma coisa, ainda que se peça a declaração do direito de propriedade sobre toda ela, é o valor da parte em litígio que marca o valor processual da causa.[11]

            4. Em regra, a causa tem o valor em que as partes houverem acordado (art.º 305º).

            Exceptua-se o caso de ao juiz parecer manifesto que a acção tem valor diverso daquele em que as partes acordaram; nesse caso, sendo o acordo das partes (sobre o valor) contrário à lei ou à realidade dos factos (ocorrendo “flagrante oposição com a realidade”), o juiz declara-o inadmissível e fixa o valor da causa (ou ordena as diligências necessárias para essa fixação) (art.º 308º).[12]

            5. Na situação em análise, não se discute a propriedade dos dois prédios confinantes, não havendo controvérsia alguma a tal respeito - o litígio versa unicamente sobre a propriedade duma determinada zona intermédia, pelo que o valor dessa faixa de terreno é que deve ser tomado em conta para se fixar o valor da acção ou do pedido correspondente.

            A A. não alude a uma incerteza de estremas face ao prédio dos Réus; não pretende a sua demarcação, de resto, objecto de anterior acção.

            6. A Mm.ª Juíza a quo atendeu ao valor da indemnização pedida (€ 3 000), conforme o disposto no art.º 297º, n.º 1, 1ª parte, e ao valor da parcela de terreno em litígio, considerados os elementos disponíveis referentes ao valor patrimonial (actualizado) inscrito na matriz predial e à área em causa, atentos os elementos indicados pela própria A./recorrente.

            7. Em 2015, a Administração Fiscal actualizara o valor patrimonial do prédio da A., que importa, sobretudo, para efeitos tributários ou fiscais e que raramente coincide com o valor real dos prédios.

            O preço (declarado) da sua aquisição, em 2002, excedeu em 145 % o dito valor patrimonial [cf. II. 1. d) e e), supra], pelo que, apesar da desvalorização verificada no sector imobiliário na sequência da crise económica iniciada em 2008/2009, será de admitir que o dito valor patrimonial estará aquém do seu valor real e, como vimos, é este que deve relevar para efeitos de determinação do valor processual da causa.

            8. Ainda que os Réus não hajam sido parte no processo n.º 3366/03.7TJCBR, dúvidas não restam de que a A. invoca a usurpação de parte do seu prédio por parte dos Réus (que fizeram recuar a linha divisória que separava os dois prédios, pondo-a em causa) e que estes não negam à A. o direito de propriedade sobre todo o seu prédio.

            Ora, na determinação do valor, tendo presente o descrito regime jurídico, cumpre verificar o objectivo real da acção, a utilidade económica imediata que com a acção se pretende obter.

            Neste entendimento das coisas, antolha-se evidente que a perspectiva da A. não poderá ser acolhida, ainda que possa evidenciar a preocupação de “ab initio” assegurar a recorribilidade até à Relação (cf. o art.º 44º, n.º 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário/Lei n.º 62/2013, de 26.8).

            9. Na verdade, ainda que admitida alguma autonomia à pretensão indemnizatória supra referida, tudo o mais respeita à questão da propriedade da parcela reivindicada e consequente restituição, sendo que a inerente cumulação dos pedidos acessórios de demolição do muro construído no prédio da A. e de recolocação dos marcos é meramente aparente; tais pedidos acessórios não têm autonomia entre si, estando dependentes do pedido principal de entrega da coisa, que lhes serve de suporte e sem o qual perdem o seu sentido. Constituem, pois, meras consequências ou inerências do reconhecimento da propriedade sobre a dita parcela de terreno, não revestindo qualquer interesse ou utilidade suplementar para a A..[13]

            10. Assim, atendendo a que o valor da parcela reivindicada (uma pequena parte da área descoberta/logradouro de 410 m2) encontrado pela Mm.ª Juíza a quo (€122,15) na base do valor patrimonial actualizado do prédio (€ 24 960 : 470 m2 x 2,30 m2) não andará longe do seu valor real e, por conseguinte, não se justificará a fixação do valor  por meio de arbitramento (art.ºs 308º e 309º)[14] - o eventual acréscimo daí resultante não excederia o dobro ou o triplo daquele valor (cf., v. g., II. 1. d) e e), supra) e, naturalmente, o total encontrado nunca ultrapassaria a alçada dos Tribunais de 1ª Instância… -, resta, pois, confirmar o despacho recorrido, que respeita os supra referidos critérios legais e o entendimento desde há muito defendido pela doutrina e a jurisprudência.

            11. Soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.


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            III. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.  

            Custas pela A./apelante, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.


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14.11.2017

Fonte Ramnos ( Relator )

Maria João Areias

Alberto Ruço


[1] Segmento do pedido assim concretizado pela Mm.ª Juíza a quo no despacho recorrido: «- pagarem à Autora a quantia de 3 000 € a título de indemnização pelos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, causados em resultado da invasão da propriedade da Autora e da retirada dos marcos.» (cf. fls. 39).
[2] Cf. o documento de fls. 16.
[3] Cf. o documento de fls. 30.
[4] Cf. a sentença de 24.4.2004, reproduzida a fls. 25 e seguinte.
[5] A contestação não foi reproduzida nos presentes autos de recurso em separado (processo electrónico ou suporte em papel).
[6] Cf. o documento de fls. 37.
[7] Desconhece-se igualmente o teor deste requerimento.
[8] Cf. o documento de fls. 16.
[9] Cf. os documentos de fls.  10 verso, 12 e 16.
[10] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem.
[11] Vide, nomeadamente, J. Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, vol. 3º, Coimbra Editora, 1946, págs. 593 e seguintes; J. Lebre de Freitas, CPC Anotado, Vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, págs. 543 e 551; E. Lopes Cardoso, Manual dos Incidentes da Instância em Processo Civil, Livraria Petrony, Lisboa, 1992, págs. 54 e seguinte e Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 5ª edição, Almedina, 2008, pág. 47, pronunciando-se, todos estes autores, sobre idênticas disposições dos Códigos de Processo Civil de 1939 e/ou de 1961.
   Cf., ainda, entre outros, os acórdãos da RP de 29.9.1998-processo 9621381 [onde se conclui: “Na acção em que se reivindica determinada parcela de terreno e se peça o reconhecimento do direito de propriedade sobre todo o prédio, porque este pedido é apenas um antecedente lógico do primeiro, o valor daquela para efeito de determinar a competência do tribunal é o que resultar da avaliação da parcela.”], da RC de 11.7.2012-processo 286/10.2TBSPS-B.C1 [com o seguinte sumário: «1. Não é pelo facto de o autor pedir o reconhecimento da propriedade de todo o seu prédio que o valor da acção passa necessariamente a ser o de todo esse prédio. Se afinal o A. apenas pretende que se reconheça que certa faixa faz parte do seu prédio por força da linha divisória que o separa de outro, há um “contraste manifesto entre o pedido formulado pelo autor e o objectivo real da acção”. 2. O interesse do autor é, tão só, a resolução do litígio e este cinge-se à porção de terreno que é negada pelo réu. Quanto ao restante - isto é, quanto à propriedade do terreno restante do prédio do autor - não há qualquer diferendo a dirimir. Daí que não haja qualquer utilidade para o autor na declaração de tal extensão.»] e da RG de 20.10.2009-processo 73/09.0TBAVV-A.G1 e 14.02.2013-processo 1226/11.7TBFAF-A.G1, publicados no “site” da dgsi.
[12] Vide, nomeadamente, J. Alberto dos Reis, ob. cit, págs. 694 e seguintes; J. Lebre de Freitas, ob. cit., págs. 555 e seguinte.

[13] Cf. os citados acórdãos da RG de 20.10.2009-processo 73/09.0TBAVV-A.G1 [assim sumariado: “1° - Na acção de reivindicação, o pedido de reconhecimento do direito de propriedade não goza de independência do pedido de restituição da coisa, sendo um mero pressuposto deste pedido. 2° - Nada impede, na acção de reivindicação, que aos dois indicados pedidos se acrescentem outros pedidos acessórios, desde que caibam neste tipo de acção, como, por exemplo, o de indemnização dos danos causados na coisa pelo demandado, ou do valor do uso que este dela fez, e o de condenação do demandado na demolição de obra por ele feita, indevidamente, na coisa reivindicada. 3° - Tratam-se, porém, de pedidos que não têm autonomia entre si, que estão dependentes do pedido de entrega da coisa e, que, por isso, não configuram uma cumulação real de pedidos. 4° - Na acção de reivindicação, não obstante os autores pedirem o reconhecimento do direito de propriedade sobre a totalidade do seu prédio bem como a condenação dos réus nos pedidos acessórios de indemnização dos danos causados na coisa ou de condenação na demolição de obra feita por eles, o valor da causa deve ser fixado em função do valor da parcela de terreno reivindicada, nos termos do disposto no art.º 305°, n.° l do C. P. Civil.”] e da RC de 11.7.2012-processo 286/10.2TBSPS-B.C1 [onde, em idêntico contexto, se refere: “(…) É este o pedido fundamental ou principal da acção, de tal sorte que todos os outros agora enunciados pelos recorrentes não passam de pedidos secundários ou acessórios do reconhecimento da propriedade dos AA. sobre aquela faixa no limite poente do seu prédio. (…)”]. 

   Vide, ainda, J. Alberto dos Reis, ob. e vol. citados, págs. 596 e seguinte, maxime, ao debruçar-se sobre casos similares apreciados pelo STJ.
[14] Cf., a propósito, de entre vários, o acórdão da RP de 31.5.2007-processo 0732912 [tendo-se concluído: “I – No incidente de verificação do valor da causa, só deve ser ordenada a produção de prova através de arbitramento quando a mesma se revelar estritamente necessária, quando se mostrarem insuficientes os elementos constantes do processo, quando os elementos da convicção judicativa ainda não constem dos autos. II – Facultando os autos tais elementos, não há que recorrer a quaisquer diligências, nomeadamente à do arbitramento.”], publicado no “site” da dgsi.