Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
13/16.0T8OLR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
EXAME CRÍTICO DA PROVA
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
IN DUBIO PRO REO
SUSPENSÃO DA INIBIÇÃO DE CONDUZIR
Data do Acordão: 12/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (INSTÂNCIA LOCAL DE OLEIROS)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CONTRAORDENACIONAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 127.º, 374.º, 379.º, 410.º, N.º 2, AL. C), DO CPP; ART. 32.º DO RGCOC; ART. 146.º DO CE
Sumário: I - Não basta fixar os factos, dando-os como provados ou não provados, é preciso explicar e dizer o porquê de tal opção, relativamente a cada um deles. É isto a fundamentação a que se alude no art. 374.º, n.º 2, do CPP.
II - Impõe-se que no exame crítico se indique, no mínimo, e não necessariamente por forma exaustiva, as razões de ciência e demais elementos que tenham, na perspectiva do tribunal sido relevantes, para assim se poder conhecer o processo de formação da sua convicção.

III - Há erro notório na apreciação da prova quando se dão factos como provados que, face às regras da experiência comum e a lógica normal da vida, não se poderiam ter verificado ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsidade: trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciada pela simples leitura do texto da decisão, erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, pois as provas revelam um sentido e a decisão recorrida extrai ilação contrária, incluindo quanto à matéria de facto provada.

IV - Só quando for impossível chegar a um juízo de certeza, perante uma dúvida irremovível, é que o tribunal na dúvida deve decidir a favor do arguido, em obediência à presunção de inocência de que beneficia, incumbindo à acusação a prova dos factos articulados.

V - São unânimes tanto a doutrina como a jurisprudência, no sentido de que não é admissível a suspensão da inibição de conduzir aplicada em contra-ordenações muito graves.

VI - A lei prevê expressamente a suspensão da inibição de conduzir nas contra-ordenações graves e nada disse quanto às contra-ordenações muito graves. E se o tivesse previsto tinha-o dito, como aliás o fez para as contra-ordenações graves, que fez depender da verificação de pressupostos e que em determinadas circunstâncias mais graves também não admite a suspensão.

Decisão Texto Integral:



Acordam, em conferência, os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

 

I - Relatório

No processo supra identificado, o arguido A..., casado, contribuinte fiscal n.º (...) , residente na Praceta (...) , Loures, veio ao abrigo do art. 59.º, do Regime Geral das Contra-Ordenações, aprovado pelo Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (doravante, RGCO), recurso de impugnação judicial da decisão proferida pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, constante de fls. 10 e 11, relativo ao processo de contra-ordenação n.º 912538899, que o condenou na coima de € 74,82 (setenta e quatro euros e oitenta e dois cêntimos), e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de trinta dias, pela prática da contra-ordenação p. e p. pelos art. 65.º, al. a), 76.º, al. al), do Dec. Regulamentar n.º 22-A/98, de 1 de Outubro e art. 138.º e 146.º, al. l), do Código da Estrada, por desrespeito da obrigação de parar imposta por luz circular vermelha.


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Procedeu voluntariamente ao pagamento da coima.

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O tribunal a quo julgou totalmente improcedente a impugnação judicial do arguido e manteve a decisão da entidade administrativa.

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O arguido, inconformado, interpôs o presente recurso, da sentença que manteve a condenação pela contra-ordenação acima referida pugnando pela revogação da sentença recorrida.

Formula as seguintes conclusões:

«A) - Nos termos do disposto no art. 64.°, n.º 4 do RGCO, "Em caso de manutenção ou alteração da condenação deve o juiz fundamentar a sua decisão, tanto no que concerne aos factos como ao direito aplicado e às circunstâncias que determinam a medida da sanção”. 

B) - Por outro lado, nos termos do disposto na al. d) do n.º 1 do art. 374.º do CPP, a sentença deve começar por um relatório que contenha, nomeadamente, " A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada”.

C) - Sendo que, nos termos do disposto no n.º 2 daquele art. do CPP, “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.

D) - Tal dever de fundamentação tem inclusive relevância constitucional uma vez que, nos termos do disposto no art. 205.°, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, "As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei."

E) - E constitui, nos modernos Estados de Direito, um dos pressupostos do chamado " processo e equitativo" a que aludem o Art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o Art. 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa-Cfr. Ac. TRP, de 10 de Fev. de 2016, Proc. n.º 1244/12, pg. 46, & 5.°, http://jusjornal.wolterskluwer.pt;

F) - “Factos são acontecimentos, ocorrências, situações, qualidades, preexistentes ou consequentes a um comportamento ou actividade humana, referidos à natureza, às coisas ou às pessoas, materiais ou pessoais, e que se inscrevem e apresentam na realidade externa de modo identificável; quando tais acontecimentos, situações, ou qualidades sejam juridicamente relevantes, constituem elementos de necessária conformação processual.

São ainda factos as inferências que se retiram de outros factos tanto quanto o permitem as regras da experiência que estão na base de uma presunção, isto é, quando de um conhecido se firma um facto desconhecido." - Cfr. Ac. TRP, de 10 de Fev. de 2016 supra citado,

G)- Nestes termos, conforme aliás consta da douta sentença recorrida, o Arguido/Recorrente, em sede conclusões - e não só - da impugnação da decisão administrativa, trouxe à colação vasta matéria de facto, nomeadamente a supra descrita;

H)- Acontece que o douto tribunal a quo, em sede de sentença, não enumerou os factos não provados, tendo-se limitado a referir "Não resultaram factos não provados", desconsiderando, para o referido efeito, factos que constam das conclusões apresentadas pelo Arguido em sede de impugnação da decisão administrativa, nomeadamente os supra descritos - aliás, constantes, ao menos em parte, do relatório da douta sentença recorrida e não da respectiva fundamentação;

I) - Por isso, a douta sentença recorrida violou o disposto no n.º 2 do art. 374.° do CPP, o art. 64.°, n.º 4 do RGCO, os art. 20.°, n.º 4 e 205.°, n.º 1 da CRP e o art.  .6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem - adiante abreviadamente designada CEDH -, que interpretou no sentido de não ser necessária a indicação dos factos não provados quando podia e devia tê-los interpretado em sentido absolutamente oposto, pelo que, nos termos do disposto na al. a) do n.º 1 do art. 379.° do CPP, é nula, o que se requer seja decretado.

J) - Por outro lado, conforme acima referido, além de enumerar os factos provados e não provados, "Em caso de manutenção ou alteração da condenação deve o juiz fundamentar a sua decisão, tanto no que concerne aos factos como ao direito aplicado e às circunstâncias que determinam a medida da sanção."- Cfr. art. 64.°, n.º 4 do RGCO;

K) - Bem como proceder a "... uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal." - Cfr. art. 374.°, n.º 2 do CPP e, com o mesmo sentido, os art.  20.°, n.º 4 e 205º, n.º 1 da CRP e o art. 6.º da CEDH;

L) - A certeza de que “O dever constitucional de fundamentação da sentença basta-se, assim, com a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como com o exame crítico das provas que serviram para fundar a decisão, sendo que tal exame exige não só a indicação dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, mas também os elementos, que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido, ou a que este valorasse de determinada forma os diversos, meios de prova apresentados em audiência.” - Cfr. Ac. STJ de 14-06-2007, Proc. n.º 1387/07 – 5.ª, citado in Ac. STJ de 15 de Outubro de 2008, in http://www.pgdlisboa.pt;

M) - De resto, “... a fundamentação da sentença em matéria de facto consiste na indicação e exame crítico das provas que servem para formar a convicção do tribunal, que constitui a enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pela ordem jurídica. exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido perlo tribunal e das razões da sua convicção.” Cfr. Ac. STJ de 15 de Outubro de 2008 supra referido, na senda do Ac. STJ de 0310-2007, Proc. n.º 07P1779 – 3.ª; 

N) - Ora, no modesto entender do Arguido/Recorrente, a douta sentença recorrida não observou estes requisitos, tanto que ali se refere, nomeadamente, que o depoimento de E... ,"...esteve em contradição com as declarações do arguido e com os depoimentos das testemunhas B... e C... , bem como com as fotografias de fls. 6, dos autos, conforme se demonstrará - pelo que o tribunal não o valorou.",

O) - Portanto, o tribunal a quo limitou-se a desvalorizar o depoimento da referida testemunha apenas por alegadamente estar em contradição com outras testemunhas/ depoimentos do Arguido e fotos de fls. 6,

P) - Não tendo procedido, como devia, a uma “... explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizada na indicação das razões pelas quais, e em que medida, determinado meio de prova ou determinados meios de prova, foram valorados num certo sentido e outros não o foram ou seja, a explicação dos motivos que levaram o tribunal a considerar certos meios de prova como idóneos e/ou credíveis e a considerar outros meios de prova como inidóneos e/ou não credíveis, e ainda na exposição e explicação dos critérios, lógicos e racionais, utilizados na apreciação efectuada.” - Cfr. Ac. TRP, de 10 de Fev. de 2016, Proc. n.º 1244/12, pg. 46, & 5º, supra citado;

Q) - Tanto mais que, conforme aventava o Arguido/Recorrente na al. I) das suas conclusões de recurso da decisão administrativa, ficou provado em audiência de julgamento, conforme resulta das fotografias de fls. 6 dos autos, que o único veículo que circulava imediatamente atrás do por si conduzido era o conduzido pela autoridade policial que alegadamente constatou a prática da contra-ordenação imputada àquele, e que esse veículo automóvel - o conduzido pela autoridade policial -, circulava em excesso de velocidade dentro do raio de acção do mecanismo onde se encontrava instalado o sinal de trânsito,

R) - Sendo que não ficou provado que o Arguido/Recorrente circulasse em excesso de velocidade,

S) - Que, ao contrário do considerado pelo tribunal a quo - Cfr. & 5 de fls. 9 da douta sentença recorrida -, o Arguido jamais admitiu ter visualizado o alegado facto de que havia desobedecido ao sinal vermelho, tendo apenas admitido ter visualizado as fotografias reproduzidas a fls. 6 dos autos quando, quase de imediato, foi interpelado pela autoridade policial e lhe as mostrou através do televisor referido na sentença recorrida;

T) - Fotos que apenas retractam o veículo conduzido pelo Arguido antes da passagem pelo sistema onde se encontrava instalada a sinalização luminosa, uma, e o mesmo veículo quando se encontrava bem para lá daquele sistema quando a luz vermelha se encontra activa, a outra, pelo que não se vislumbra qualquer contradição entre estes elementos de prova e o depoimento da testemunha E... ,

U) - Tanto que, quando questionadas acerca da distância que mediava entre o veículo conduzido pelo Arguido e aquele sistema nas situações retractadas nas fotografias de fls. 6 ou quando questionadas acerca do concreto local onde se encontrava aquele veículo quando a luz vermelha foi accionada e se ao Arguido ainda seria possível visiona-la, as testemunhas B... e C... responderam não saber;

V) - Pelo que ficou por demonstrar se ao Arguido era ainda possível visionar a luz vermelha quando pretensamente a desrespeitou e, portanto, o elemento subjectivo do tipo, não sendo por isso lícito concluir-se que agiu com culpa/negligência;

W) - Deste modo, por não ter, além do mais, procedido a um exame crítico das provas, a douta sentença recorrida violou de novo o disposto no n.º 2 do art. 374.º do CPP, o art. 64.°, n.º 4 do RGCQ, os art. 20.º  n.º 4 e 205.°, n.º 1 da CRP e o art. 6.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem - adiante abreviadamente designada CEDH, pelo que, nos termos do disposto na al. a) do n.º 1 do art. 379.º do CPP, padece de novo de nulidade, o que se requer seja decretado;

X) - Ademais, porque como acima referido, o Arguido jamais tenha admitido ter visualizado o alegado facto de que havia desobedecido ao sinal vermelho, tendo apenas admitido ter visualizado as fotografias reproduzidas a fls. 6 dos autos quando, quase de imediato, foi interpelado pela autoridade policial e lhe as mostrou através do televisor referido na sentença recorrida - fotos que apenas retractam o veículo conduzido pelo Arguido antes da passagem pelo sistema onde se encontrava instalada a sinalização luminosa, uma, e o mesmo veículo quando se encontrava bem para lá daquele sistema quando a luz vermelha se encontra activa, a outra -, a douta sentença recorrida incorreu em erro notório na apreciação da prova - art. 410.º, n.º 2, al. c) do CPP -, gerador novamente da respectiva nulidade, o que se requer seja decretado;

Y) - Por ultima, o Arguido/ Recorrente discorda da douta sentença recorrida quando nesta se considera que quer a autoridade administrativa, quer o próprio tribunal a quo não podiam suspender “... a execução da sanção acessória, nem suspender a mesma mediante cumprimento do dever de frequência de acções de formação, ou condicionada à prestação de caução de boa conduta, uma vez que a suspensão só é legalmente admissível estando em causa contra-ordenação grave e não no caso de contra-ordenações muito graves, como aquela que foi praticada pelo arguido recorrente.”!.

Z) - Na realidade, são diversos os casos em que tribunais portugueses e até autoridades administrativas com competência na matéria, em processos de contra-ordenação pela prática de infracção muito grave ao CE, decidiram suspender a execução da sanção acessória ou aplicação de qualquer outra medida referida no ponto anterior;

Z) - 1 - Aliás, nos termos do disposto no art. 32.º do RGCO, “Em tudo o que não for contrário à presente lei aplicar-se-ão subsidiariam ente, no que respeita à fixação do regime substantivo das contra-ordenações, as normas do Código Penal”;

Z) - 2 - Ora, nos termos do CP, é nomeadamente legítima a suspensão da execução da pena de prisão - Cfr. art.vs 50.º e sts - e da execução do internamento - Cfr. art. 98.º e sts. - sendo certo que do que ali se trata é de matéria com dignidade criminal, mais grave portanto do que a contra-ordenacional,

Z) - 3 - Pelo que, ao contrário do decidido na douta sentença recorrida, é legal e legítimo o recurso em processo de contra-ordenação o recurso à suspensão da execução da sanção acessória ou a qualquer outras das medidas supra referidas no ponto 33, sob pena de violação do art. 32.° do RGCO e do supra referido regime substantivo do CP, bem como dos art. 3.° (princípio da legalidade), 13.º (princípio da igualdade), ambos da CRP, dispositivos legais violados pela douta sentença recorrida pelo que, por esta via, se encontra eivada erro na interpretação e na determinação da norma aplicável, determinante da respectiva nulidade, o que se requer seja decretado, ou, em alternativa, que se proceda à respectiva anulação ou à respectiva alteração, em conformidade com o supra exposto;

III - DA MULTA PROCESSUAL:

Z) - 4 - O Arguido interpõe o presente recurso no 3.° dia útil seguinte ao prazo de 10 (dez) dias depois de lida a sentença recorrida na sua presença, tendo cautelarmente pago multa processual no valor de 2 UCs;

Z) - 5 - No entanto, mau grado o teor do Ac. STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 1/2009, in DR, I Série de 16-01-2009, “I- Em face da jurisprudência obrigatória fixada pelo Tribunal constitucional no Acórdão n. ° 27/2006, o n.º 1 do art. 74.º do RGCO terá de ser interpretado no sentido de que o prazo de interposição de recurso da sentença, em processo contra-ordenacional, é o previsto no Código de Processo Penal para a resposta ao recurso penal, ou seja o de 20 dias (art. 413.° n.º 1 do CPP, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007).

II - Estabelecer o prazo de dez dias, quer para o recurso quer para a respectiva resposta, como faz o STJ no Acórdão Uniformizador n.º 1/2009, quando a Lei estatui expressamente o de 20 dias para o recorrido responder ao recurso, consubstancia uma interpretação/aplicação correctiva, postergada pelo art. 8.º, n.º 2 do Código Civil.

III - Não podem ser os tribunais a definir qual é o prazo para a presentação de recurso - que se apresenta como uma garantia suprema da defesa dos cidadãos - muito menos a posteriori...”.

IV - Face aos princípios da protecção da confiança legítima e da segurança jurídica, corolários dos princípios do estado de direito (art. 2.º da CRP) o prazo aplicável à interposição do recurso, em processo de contra-ordenação, deve ser o mais favorável ao arguido, ou seja, 20 dias. - Cfr. Ac. da Relação de Guimarães, de 27-06-2011, Proc. n.º 298/10.6TBCMN- AGI, Relator, António Ribeiro;

Z) - 6- Na redacção actualmente em vigor, o art.  413.º, n.º 1 do CPP prevê como prazo para a resposta ao recurso o de 30 dias. No entanto, mantêm-se perfeitamente válidas as considerações e respectivos fundamentos tecidos no âmbito do Ac. TRG supra citado pelo que,

Z) - 7 - Em bom rigor, por força do disposto no n.º 4 do art. 74.° do RGCO, no n.º 1 do art. 413.° do CPP e dos princípios da protecção da confiança legítima e da segurança jurídica, corolários dos princípios do estado de direito - Cfr. art. 2.° da CRP - o prazo aplicável à interposição do recurso, em processo de contra-ordenação, deve actualmente ser considerado como de 30 dias;

Z) - 8 - Assim sendo, deve considerar-se como tempestivamente apresentado o presente recurso e, deste modo, decretar-se como indevida a multa processual entretanto e cautelarmente paga pelo Arguido, ordenando-se, em conformidade, a devolução do respectivo montante no valor de €204,00 (duzentos e quatro euros), sob pena de violação do disposto no n.º 4 do art. 74.º do RGCO, no n.º 1 do art. 413.° do CPP e dos princípios da protecção da confiança legítima e da segurança jurídica, corolários dos princípios do estado de direito - Cfr. art. 2.º da CRP - e de violação do princípio da igualdade, do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, das garantias do processo de contra-ordenação e do princípio da legalidade - Cfr. respectivamente, art. 13.º, 20.º, 32.º, n.º  10 e 3.º da CRP.

NESTES TERMOS,

E nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente, ser alterada a douta sentença recorrida no sentido de que o Arguido/Recorrente não praticou a contra-ordenação que lhe vem imputada - Cfr, al. a) do n.º 2 do art. 75.º do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, na redacção conferida pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro.

A não ser assim entendido, deve a douta sentença recorrida ser anulada e devolvido o processo ao tribunal recorrido – Cfr. al. b) do n.º  2 do art. 75.º do referido DL  n.º 433/82, de 27 de Outubro, na redacção supra aludida.

Mais requer a Vs. Ex.as se dignem decretar como tempestivamente apresentado o presente recurso e, consequentemente, como indevida a multa processual entretanto e cautelarmente paga pelo Arguido, ordenando-se, em conformidade, a devolução do respectivo montante no valor de € 204,00 (duzentos e quatro euros)».


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Notificado o Ministério Público apresentou resposta, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida.

Nesta instância a Exmo. Procurador-geral Adjunto, emitiu douto parecer, pisando idênticos trilhos da motivação em 1.ª instância, no sentido da improcedência total do recurso.

Cumprido que foi o disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, o arguido não respondeu.


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Colhidos os vistos legais e indo os autos à conferência, cumpre decidir.

Vejamos a factualidade apurada e respectiva fundamentação que consta da sentença recorrida.

A) Factos provados:

1) Em 20.10.2013, pelas 16:40, na E.N. 241, ao Km 38,100, Vale da Mua, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula NZ..., tendo a entidade fiscalizadora verificado que desrespeitou a obrigação de parar imposta por luz circular vermelha;

2) O arguido revelou desatenção e irreflectida inobservância das normas de direito rodoviário, actuando com manifesta falta de cuidado e prudência que o trânsito de veículos aconselha e que no momento se lhe impunham;

3) O arguido não agiu com o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz, podendo ter actuado de outra forma, parando no sinal regulador de trânsito;

4) O arguido é chefe de serviços, desempenhando funções de gestor da unidade de negócios da Banca, da empresa (...) , S.A., auferindo €1.900,00/mês;

5) Para o cumprimento das suas funções, efectua deslocações várias, perfazendo viagens de 4.500Km/mês;

6) O arguido é titular de carta de condução desde 14.07.1975, não tem antecedentes criminais conhecidos, nem tem averbado qualquer sanção acessória de inibição de conduzir por infracção ao Código da Estrada;

7) O arguido é tido por aqueles que com ele convivem como uma pessoa zelosa, e cuidadosa e atenta a conduzir;

8) O arguido vive, em habitação própria, com a sua mulher, desempregada, que aufere rendimento social de inserção de € 300,00;

9) Contraiu um crédito para pagamento de outra habitação, pagando uma prestação mensal de cerca de € 500,00;

10) Ajuda monetariamente a sua mãe, com cerca de € 500,00/mês;

11) Como habilitações literárias, tem uma licenciatura em estudos de segurança;


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B. Factos não provados

Não resultaram factos não provados.


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C. Fundamentação

O Tribunal respondeu à matéria de facto da forma supra descrita, tendo em consideração as declarações do arguido recorrente, os depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência de discussão e julgamento, a saber, B... e C... , militares da Brigada de Trânsito, da GNR, que efectuaram as acções de fiscalização e D... , irmão do arguido recorrente, que depôs nos termos e para os efeitos do disposto no art. 128.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Referiu a última testemunha, de forma objectiva e serena, tendo por isso, merecido credibilidade ao tribunal, o facto 7), o qual foi dado como provado.

A título introdutório, refira-se que o depoimento de E... , colega de trabalho do arguido recorrente, esteve em contradição com as declarações do arguido e com os depoimentos das testemunhas B... e C... , bem como com as fotografias de fls. 6, dos autos, conforme se demonstrará – pelo que o tribunal não o valorou.

Assim, quer B... , quer C... afirmaram, de forma circunstanciada e objectiva, tendo, por isso, merecido credibilidade ao tribunal, que o arguido recorrente conduzia nas condições e circunstâncias indicadas em 1), e que “passou o sinal vermelho”, tendo a primeira testemunha referido que o arguido recorrente nem abrandou a marcha do veículo, e a segunda testemunha que em causa estava um sinal de regularização de trânsito.

Tais testemunhas referiram que o arguido recorrente estava a ser filmado e que nesse filme se pode visualizar o arguido recorrente a desrespeitar o sinal vermelho. Por fim, referiram que as fotografias de fls. 6, foram extraídas desse filme.

Já o arguido recorrente referiu que não teve consciência de ter desobedecido ao sinal vermelho no momento indicado em 1), sendo que visualizou tal facto, momentos após ter ocorrido, através do televisor que os elementos da GNR lhe exibiram. Atento o ora exposto e de acordo com regras de lógica e de experiência comum, outro não podia ser o conhecimento e intenção do arguido recorrente do que ficou fixado em 2) e 3).

Com efeito, o arguido recorrente é condutor há vários anos e não tomou as medidas necessárias para evitar o desrespeito do sinal luminoso, previsão que lhe era concretamente possível e de que era pessoalmente capaz, pelo que não agiu com o cuidado e perícia que lhe eram exigíveis e a que estava obrigado.

Os factos relativos à condição sócio-económica do arguido recorrente fundaram-se nos esclarecimentos do mesmo sobre os seus elementos pessoais, prestados em audiência de discussão e julgamento, que se reputaram suficientemente credíveis, concatenado com a declaração emitida pela sociedade (...) , S.A., de fls. 26.

Para prova do facto 6), o tribunal valorou a cópia da carta de condução do arguido recorrente de fls. 28, o registo individual do condutor de fls. 8, e o certificado de registo criminal do arguido recorrente de fls.76».


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II - O Direito

As conclusões formuladas pela recorrente delimitam o âmbito do recurso, nos termos do art. 412.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal.

São apenas as questões suscitadas pela recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

Nos termos do art. 75.º, do D. L. 433/82 de 27 de Outubro, este tribunal conhece apenas da matéria de direito, pelo que se devem ter por assentes os factos apurados pelo tribunal a quo, a não ser que resultem da existência dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP.


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Questões a decidir:

a) Apreciar se a decisão está ferida de nulidade por falta de fundamentação.

b) Apreciar se a decisão sofre do vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP.

c) Suspensão da inibição de conduzir.

d) Devolução da multa, depositada cautelarmente ao 3.º dia, depois de decorridos 10 dias após a sentença, por o prazo de recurso ser de 30 dias.

Apreciando:

a) Da nulidade por falta de fundamentação

A primeira questão suscitada na motivação de recurso é apreciar se a decisão recorrida sofre de nulidade por falta de fundamentação, por omissão dos factos não provados e falta do exame crítico da prova.

Antes de mais importa sublinhar que estamos perante uma contra-ordenação p. e p. pelos art. 69.º, n.º 1, al. a), e 76.º, al. a), do Dec. Regulamentar n.º 22-A/98, de 1/10 e arts. 138.º, 146.º, al. l), e 147.º, n.º 2, do Código da Estrada.

Nos segmentos da motivação de recurso não está em causa o montante da coima aplicada, nem a sanção acessória concretamente aplicada, esta fixada no mínimo, por atenuada especialmente.

Quanto à infracção estradal em causa dispõe o art. 76.º, al. a), do Dec. Regulamentar n.º 22-A/98, de 1/10 que é sancionado com coima quem infringir as prescrições dos sinais luminosos relativamente a infracções ao disposto no art. 69.º, n.º 1, al. a), estipulando este preceito que a luza vermelha tem o significado de passagem proibida, obrigando os condutores a parar antes de atingir a zona regulada pelo sinal.

Fizemos questão em lembrar a contra-ordenação que está em causa, para melhor compreendermos a exigência de fundamentação necessária em infracções estradais.

O arguido já na impugnação judicial alegou nulidade da decisão administrativa por falta de fundamentação, que nesta face tem aplicação o art. 58.º, n.º 1, al. c), do RGCO, a qual foi decidida, com apelo a razões de maior simplicidade relativamente à fundamentação exigida para a sentença judicial.

Vejamos agora se a sentença que confirmou a decisão administrativa sofre da nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPP, aplicável ex vi art. 41.º, n.º 1, do RGCO, por falta de fundamentação.

Nos termos deste último preceito, a fundamentação deve constar da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

Porém, não devemos esquecer que estamos perante uma forma processual simplificada que é uma contra-ordenação estradal, que por regra não exige grande esforço de compreensão, limitando-se como exigência quanto aos factos imputados ao arguido os descritos no auto de notícia e depois vertidos na decisão administrativa.

E como consta do auto de notícia de fls. 5 o mesmo foi levantado por “Desrespeito da obrigação de parar imposta por luz circular vermelha”.

Portanto o que importa averiguar é saber se o arguido passou ou não sem obedecer ao sinal vermelho.

E se passou importa saber se tinha ou não motivo justificativo para tal.

Não foi o caso, pois o recorrente nada disse nesse sentido, nas conclusões da motivação de impugnação judicial.

Pelo contrário apenas negou os factos.

Por outro lado, diz na mesma peça processual que colaborou, desde logo, com as autoridades policiais, tendo pago, imediata e voluntariamente, a coima que lhe foi aplicada.

Por outro lado, em sentido contrário, refere que do auto de contra-ordenação não constam todos os elementos de a que o arguido «fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, nomeadamente as condições climatéricas, as de visibilidade, a intensidade do tráfego e o estado do piso da via, etc., as quais não foram também por isso consideradas na decisão impugnada».

Depois continua a dizer que circulava a velocidade compreendida entre os 40 e 50 Km/ hora, dentro portanto do limite de velocidade estabelecido para o local, as condições climatéricas eram boas, o piso da via encontrava-se em excelente estado de conservação, o trânsito era nulo à excepção do veículo conduzido pelo arguido e do conduzido pelos agentes policiais que levantaram o referido auto, e a via, naquele local em concreto, é constituída por uma recta de cerca de 500 metros, pelo que, também as condições de visibilidade eram óptimas.

Ora tais argumentos só afastam a existência de qualquer causa de justificação da ilicitude.

E daqui se conclui que o arguido só não parou porque não quis ou porque não conduzia com o cuidado, a que atentas as circunstâncias acima por ele descritas estava obrigado e de que era capaz, o que não condiz com o por isso alegado, de que conhecia bem o local, por ali passar frequentemente e de que o fazia de forma atenta e cuidadosa, admitindo que visualizou o sistema de duas luzes circulares onde se encontrava instalada a luz vermelha.

Diz ainda que teve o cuidado de o visualizar e constatar que se encontrava em funcionamento intermitente a luz amarela, justificando que prosseguiu a sua marcha, de forma especialmente cautelosa e a baixa velocidade, nos termos do art. 71.º, n.º 1, do DL n.º 22-A/98, de 1/10, não tendo sequer visto, por lhe ser impossível, a luz vermelha a que se referem os auto de contra-ordenação e decisão impugnada, porque, quando esta se tenha eventualmente activado, já a meia parte frontal do veículo por si conduzido havia transposto o sistema luminoso onde aquela se encontrava instalada.

Depois conclui como sendo possível que a luz vermelha tenha sido activada, e, a tê-lo sido, por eventual excesso de velocidade do veículo dos agentes policiais que atrás de si circulava, pois que o recorrente circulava dentro dos limites legais de velocidade, sendo que do auto de contra-ordenação nada consta a esse respeito.

Antes de mais importa dizer desde já que a contra-ordenação não é por excesso de velocidade, mas por infracção a um sinal regulador de trânsito, que é o desrespeito da obrigação de parar, embora a passagem do sinal para luz vermelha seja accionado pelo veículo que imediatamente se apresenta pela frente, como foi o caso, o veículo conduzido pelo arguido.

Mas vejamos se a decisão recorrida se se mostra devidamente fundamentada.

Nos termos do art. 97.º, n.º 5, do CPP “os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”.

O julgador, devendo obedecer a regras, não aprecia a prova de forma arbitrária, pois os factos dados como provados e não provados, com base neste princípio, devem ter fundamentação suficiente com referência aos elementos probatórios e os termos em que foram apreciados.

Assim, nos termos do disposto no art. 374.º n.º 2 CPP “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”.

Relativamente à redacção anterior do referido preceito legal, a revisão do CPP levada a cabo pela Lei 59/98 de 25 de Agosto, aditou a exigência do exame crítico das provas.

Na verdade o Tribunal Constitucional já havia julgado inconstitucional a norma do n.º 2, do art. 374.º, do CPP de 1987, na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se bastava com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1ª instância, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal, por entender ser violado o dever de fundamentação das decisões dos tribunais previsto no n.º 1 do art. 205.º da CRP, bem como quando conjugada com a norma das alíneas b) e c) do n.º 2 do art. 410.º do mesmo Código, por violação do direito ao recurso consagrado no n.º 1 do art. 32.º CRP (Acórdão nº 680/98, P. 456/95, 2ª Secção, de 2 de Dezembro de 1998, DR II Série, nº 54, 99.03.05, pág. 3315.).

Significa isto que, para além da indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, este tenha ainda que expressar o respectivo exame crítico das mesmas, isto é o processo lógico e racional que foi seguido na apreciação das provas e depois a justificação pela qual o tribunal optou por determinada solução de direito.

O objectivo dessa fundamentação é, no dizer do Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, 2.ª Ed., III, pág. 294 a de permitir “ a sindicância da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando, por isso como meio de autodisciplina”.

Como escreve Marques Ferreira, in Jornadas de Direito Processo Penal, pág. 229, “ Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência”.

Também a propósito da fundamentação das sentenças refere Eduardo Correia "só assim racionalizada, motivada, a decisão judicial realiza aquela altíssima função de procurar, ao menos, “convencer” as partes e a sociedade da sua justiça, função que em matéria penal a própria designação do condenado por “convencido” sugere" - Parecer da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra sobre o artigo 653º do Projecto, em 1ª Revisão Ministerial, de alteração do Código de Processo Civil, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. XXXVII (1961), pág. 184.

Não basta fixar os factos, dando-os como provados ou não provados, mas é preciso explicar e dizer o porquê de tal opção, relativamente a cada um deles.

É isto a fundamentação a que se alude no art. 374.º, n.º 2, do CPP.

Impõe-se pois, que no exame crítico se indique, no mínimo, e não necessariamente por forma exaustiva, as razões de ciência e demais elementos que tenham, na perspectiva do tribunal sido relevantes, para assim se poder conhecer o processo de formação da sua convicção.

Ora, nesta perspectiva a sentença recorrida em análise está suficientemente fundamentada, com indicação dos factos provados com relevância para a decisão da causa e constando da mesma a motivação, através da qual o tribunal explica o modo como chegou à matéria dada como assente, designadamente quanto às razões por que deu como assentes os factos integradores da contra-ordenação imputada ao arguido e razões por que não valorou ou atribuiu significado às declarações prestadas pelo arguido testemunha E... .

Quanto aos factos provados o tribunal deu como assentes os factos 1 a 3, os indispensáveis e suficientes para integrarem a contra-ordenação, a título de negligência, pela qual o arguido foi condenado e os factos 4 a11, relativamente aos factos necessários para determinação das sanções a aplicar.

Dos factos alegados e com interesse para a causa, e só estes importa considerar, foram dados como provados, considerando-se que desses nenhum ficou por provar.

Foi o que o tribunal recorrido decidiu.

Relativamente às provas que serviram de base á convicção do julgador, quanto à prática da contra-ordenação (segmento da matéria de facto que está em causa) foram determinantes as testemunhas B... e C... , que o tribunal valorou, militares da Brigada de Trânsito, da GNR, que efectuaram as acções de fiscalização.

Estas testemunhas, que dizem ter presenciado as circunstâncias em que ocorreu a contra-ordenação, descreveram de forma circunstanciada e objectiva a forma como ocorreu, que presenciaram, as quais estavam junto ao local, e ainda que o arguido foi filmado, podendo-se visualizar o veículo a passar com desrespeito pelo sinal vermelho, sendo que as fotografias de fls. 6, foram extraídas desse filme.

Tanto as testemunhas como as fotografias juntas aos autos mereceram a credibilidade do tribunal.

Por sua vez o arguido recorrente referiu que não teve consciência de ter desobedecido ao sinal vermelho, tendo visualizado tal facto, momentos depois de ter ocorrido, através do televisor que os elementos da GNR lhe exibiram.

Por sua vez, não foi atribuída qualquer credibilidade à testemunha E... , colega de trabalho do arguido, por estar em contradição com os elementos probatórios atrás referidos, que serviram para o tribunal formar a sua convicção.

Concluímos deste modo que a sentença recorrida encontra-se devidamente fundamentado, de acordo com as exigências do art. 374.º, n.º 2, do CPP, 64.º n.º 4 do RGCO, 20.º nº. 4 e 205.º n.º 1 da CRP e 6.º da CEDH,  não sofrendo assim da nulidade por falta de fundamentação, prevista no art. 379.º, n.º 1, al a), do mesmo diploma legal.


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b) Do vício de erro notório na apreciação da prova

Alega ainda o recorrente que existe erro notório na apreciação da prova, sem especificar em que termos concretos se verifica tal vício previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP.

O recorrente confunde a diferente valoração que o tribunal fez da prova, relativamente à versão do arguido, que em seu entender não existe prova bastante para lhe imputar a autoria dos factos que lhe são imputados.

Ora, de acordo com o disposto no art. 127.º, do CPP, o princípio da livre apreciação da prova, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador.

Porém, o julgador, obedecendo a estas regras, não aprecia a prova de forma arbitrária, pois os factos dados como provados e não provados, com base neste princípio, devem ter fundamentação suficiente com apoio na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção, como um dos requisitos da sentença, exigidos pelo art. 374.º, n.º 2, do CPP, como atrás referimos.

Há erro notório na apreciação da prova quando se dão factos como provados que, face às regras da experiência comum e a lógica normal da vida, não se poderiam ter verificado ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsidade: trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciada pela simples leitura do texto da decisão, erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, pois as provas revelam um sentido e a decisão recorrida extrai ilação contrária, incluindo quanto à matéria de facto provada.

Só quando for impossível chegar a um juízo de certeza, perante uma dúvida irremovível, é que o tribunal na dúvida deve decidir a favor do arguido, em obediência à presunção de inocência de que beneficia, incumbindo à acusação a prova dos factos articulados. 

O juiz enquanto julgador deve procurar a verdade material, que tem de ponderar, de forma sensata com a observância dos diversos princípios constitucionais na realização da justiça.

Os depoimentos claros e peremptórios das duas testemunhas da Brigada de Trânsito, apoiados pelas fotos juntas aos autos, extraídas do filme que registou a passagem do sinal vermelho pelo arguido, são elementos probatórios que foram interpretar de forma crítica e valorados, com respeito pelo princípio da livre apreciação da prova, nos termos do art. 127.º, do CPP, que mereceram credibilidade, de acordo com a livre apreciação do julgador e as regras da experiência comum.

Sendo o tribunal soberano na apreciação da prova, o vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, só pode servir de fundamento à motivação do recurso, desde que resulte do texto da sentença recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum.

Os contornos da figura jurídica do vício de erro notório na apreciação da prova aparecem recortados na jurisprudência dos tribunais superiores como sendo o erro segundo o qual na apreciação das provas se constata o mesmo de tal forma patente que não escapa à observação do homem de formação média, ao comum dos observadores, mas que tem de ser observado a partir do texto da sentença recorrida nos termos sobreditos.

A atribuição de credibilidade aos elementos probatórios, na qual o julgador alicerçou a sua opção, assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não tem uma justificação lógica e é inadmissível face às regras da experiência comum.

Nesta conformidade, concluímos não se verificar o vício de erro notório da apreciação da prova, a que alude o art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP e consequentemente se dá como definitivamente assente a matéria de facto nos termos da sentença recorrida.


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c) Da suspensão da inibição de conduzir.

Pretende ainda o arguido a suspensão da inibição de conduzir, sob pena de assim se não considerar ser violado o disposto no art. 32.º, do RGCO, que aponta para aplicação subsidiária das normas do Código Penal em tudo o que não for contrário ao regime geral definido naquele diploma legal.

A questão suscitada não oferece qualquer dúvida e são unânimes tanto a doutrina como a jurisprudência que não é admissível a suspensão da inibição de conduzir aplicada em contra-ordenações muito graves. 

Estatui o art. 146.º, al. l), do CE que o desrespeito da obrigação de parar imposta por sinal regulador de trânsito ou pela luz vermelha de regulação de trânsito constitui uma contra-ordenação muito grave.

A sanção acessória de inibição de conduzir pode, nos termos do art. 141.º, do CE, ser suspensa na sua execução, quando se trate de contra-ordenação grave e se verifiquem os demais pressupostos ali previstos.

A lei prevê expressamente a suspensão da inibição de conduzir nas contra-ordenações graves e nada disse quanto às contra-ordenações muito graves.

E se o tivesse previsto tinha-o dito, como aliás o fez para as contra-ordenações graves, que fez depender da verificação de pressupostos e que em determinadas circunstâncias mais graves também não admite a suspensão.

A omissão, sem grande esforço de compreender a ratio da lei, deve ser interpretada como intenção do legislador em afastar a aplicação de tal instituto relativamente às contra-ordenações muito graves.

E não faria sentido que assim não fosse, pois não se compreenderia que admitisse expressamente a suspensão para as contra-ordenações graves e nada dissesse quanto à suspensão relativamente contra-ordenações muito graves por ser lhe aplicável subsidiariamente neste segmento o regime do Código Penal, por via do art. 32.º, do RGCO.

Por outro lado também não se compreenderia que o legislador tivesse previsto a atenuação especial da inibição de conduzir para as contra-ordenações muito graves em lei especial e tivesse omitido a suspensão se tal fosse a sua intenção.

Foi com recurso à lei especial que a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, considerando os vários factores a que a lei alude nos arts. 139.º, n.º 1, e 140.º, do CE (concretamente, o facto de não ter averbado no seu registo de condutor a prática de qualquer contra-ordenação grave ou muito grave e de ter praticado a contra-ordenação sob a forma negligente), optou por aplicar ao arguido a atenuação especial da sanção acessória, reduzindo-a ao limite de trinta dias.

A existência de lei especial que prevê a suspensão e atenuação especial da inibição de conduzir, nos termos acima referidos, afasta a aplicabilidade da lei geral, não sendo aplicável por isso o regime de suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir relativamente contra-ordenações muito graves, por via do Código Penal, se o regime especial não o previu.

Pelo exposto, também aqui improcede a pretensão do recorrente, por não ser legalmente admissível a suspensão da inibição de conduzir no caso de contra-ordenações muito graves, como aquela que foi praticada pelo arguido recorrente.


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d) Da devolução da multa, paga ao 3.º dia, depois de decorridos 10 dias

Pede o arguido da, depositada cautelarmente ao 3.º dia, depois de decorridos 10 dias após a sentença, por o prazo de recurso ser de 30 dias.

Não se compreende este pedido do arguido.

Só é admissível tal posição nos autos, por o recorrente não ter a certeza de qual é prazo aplicável, se é de 10 ou se de 30 dias para a interposição do recurso.

Ora, se entende que o prazo aplicável é de 30 dias, por que razão procedeu ao depósito?

Porém, é questão que não nos compete decidir em sede de recurso, pois não faz parte das questões a decidir no âmbito do recurso.

Este Tribunal da Relação só deve pronunciar-se sobre as questões suscitadas e que oficiosamente nos cumpre conhecer, nos termos do art. 410.º, n.º 1 e 412.º, n.º 1, do CPP.

Só sobre o prazo de interposição do recurso para este Tribunal da Relação é que nos cabe decidir, designadamente sobre a sua rejeição, por intempestivo, conforme dispõe o art. 420.º, n.º 1, al. b), do CPP.

Ora, o recorrente pede a este tribunal a devolução da multa paga pela interposição de recurso de impugnação judicial da decisão administrativa para o tribunal recorrido.

É pois questão que tem de ser colocada ao tribunal recorrido.

Se não vejamos.

O recurso de impugnação judicial da decisão administrativa para o tribunal recorrido foi admitido a fls. 122, sem reservas, considerando-o recebido, sem fazer qualquer referência á multa ou prazo de interposição.

Está em causa um despacho do juiz que recebeu o recurso de impugnação judicial, não cabendo por isso a este Tribunal da Relação pronunciar-se sobre esta questão.

Não nos cabe apreciar esta questão porquê?

O recurso de impugnação judicial foi recebido, sem reservas.

O recorrente não reagiu a tal despacho, o qual transitou, e apenas reagiu, interpondo recurso da sentença do tribunal a quo.

Pelas razões expostas, improcede a pretensão do recorrente, por não competir a este Tribunal da Relação, pronunciar-se sobre a devolução da multa que, em seu entender pagou cautelarmente, de forma indevida, pela interposição de recurso, de impugnação judicial, da decisão administrativa, para o tribunal recorrido.


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III- Decisão:

Pelos fundamentos expostos, decidem os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, negar total provimento ao recurso interposto, confirmando-se integralmente a sentença recorrida.


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Custas pelo arguido, cuja taxa de justiça se fixa em 3UCs.

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NB: O acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos signatários, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do CPP. 

Coimbra, 7 de Dezembro de 2016

(Inácio Monteiro - relator)

(Alice Santos - adjunta)