Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
87/12.3GASAT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: PROVA PERICIAL
INIMPUTABILIDADE
PERIGOSIDADE
Data do Acordão: 05/27/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 20.º DO CP; ART. 163.º DO CPP
Sumário: I - A percepção e avaliação da doença mental e a consequente inimputabilidade do arguido são questões que exigem especiais conhecimentos científicos, sobre as quais o perito médico emitiu um juízo técnico-científico claro e afirmativo, e nessa medida, sujeito ao disposto no art. 163.º, n.º 1 do C. Processo Penal.

II - Não seriam, nunca, as declarações da assistente ou os depoimentos de testemunhas, e muito menos, a circunstância de o arguido manobrar um tractor no amanho de terras, ou de ter invocado uma “justificação” para a sua conduta, que poderiam fundar qualquer divergência com aquele juízo.

III - Não se deve concluir e decidir pela falta de indícios suficientes da probabilidade de repetição de condutas agressivas, com fundamento no relatório pericial que afirma a presunção de não perigosidade, quando neste, tal afirmação resulta, apenas, das entrevistas feitas ao arguido e sua irmã.

IV - Nada tendo sido investigado no inquérito quanto a condutas agressivas do arguido cometidas antes e depois dos factos objecto dos autos, sendo aquele inimputável e pretendendo a assistente, além do mais, demonstrar a sua perigosidade, face ao disposto no arts. 286.º, n.º 1, 288.º, n.º 4 e 290.º, n.º 1, todos do C. Processo Penal, deve a Mma. Juíza a quo admitir os depoimentos, requeridos, das testemunhas, e deve solicitar a realização de relatório social para certificação, ou não, da existência de rede de suporte do arguido.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I. RELATÓRIO

Nos autos de instrução nº 87/12.3GASAT que correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Viseu – Instância Central – Secção de Instrução Criminal – J1 foi proferido despacho de não pronúncia do arguido A..., no termo de instrução requerida pela assistente B... – visando a pronúncia do arguido pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, praticado na pessoa do ofendido e assistente C..., entretanto falecido – face ao despacho de arquivamento proferido pela Digna Magistrada do Ministério Público.


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Inconformada com a decisão, recorreu a assistente, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

I. VEM O PRESENTE RECURSO INTERPOSTO DA DECISÃO INSTRUTÓRIA DA SR.ª JUIZ A QUO DE NÃO PRONÚNCIA DO ARGUIDO A..., PELA PRÁTICA DO CRIME DE OFENSAS À INTEGRIDADE FÍSICA DE C..., ENTRETANTO FALECIDO, MARIDO DA ASSI5TENTE, POR SUPOSTA INIMPUTABILIDADE E AUSÊNCIA DE PERIGOSIDADE;

II. O THEMA DECIDENDUM DO PRESENTE RECURSO CONSISTE, POIS, NA AFERIÇÃO DA SUFICIÊNCIA E FIDEDIGNIDADE DA PROVA PRODUZIDA NOS AUTOS (I. É, RELATÓRIO PERICIAL À PERSONALIDADE DO ARGUIDO, DE FLS. 250, QUE CONCLUIU PELA SUA INIMPUTABlLIDADE E PELA AUSÊNCIA DE PERIGOSIDADE), PARA SUSTENTAR A DECISÃO DE NÃO PRONÚNCIA, E, AINDA, A LEGALIDADE DO INDEFERIMENTO, PELA M.MA JUIZ DE INSTRUÇÃO, DE TODAS AS DILIGÊNCIAS INSTRUTÓRIAS, REQUERIDAS PELA ASSISTENTE, QUE SE DESTINAVAM, PRECISAMENTE, A PÔR EM CRISE AS CONCLUSÕES DO RELATÓRIO MÉDICO-LEGAL E A PERMITIR AO TRIBUNAL, EVENTUALMENTE, DIVERGIR, DE FORMA FUNDAMENTADA, DO JUÍZO CONTIDO NAQUELE PARECER; 

III. FOI PRODUZIDA PROVA BASTANTE, NA FASE DE INQUÉRITO, QUANTO À VERIFICAÇÃO DOS "ELEMENTOS OBJECTIVOS DO TIPO", I. É, QUE A AGRESSÃO FOI, EFECTIVAMENTE, PERPETRADA, NAS CIRCUNSTÂNCIAS DE TEMPO, LUGAR E FORMA, DESCRITAS NO AUTO DE DENÚNCIA, PELA VÍTIMA, C...;

IV. CONFORME DECORRE DOS DEPOIMENTOS DAS TESTEMUNHAS, OUVIDAS EM SEDE DE INQUÉRITO, O ARGUIDO AGREDIU VIOLENTAMENTE O SEU TIO, C..., DESFERINDO-LHE VÁRIAS PANCADAS COM UM PAU, ENQUANTO O MESMO SE ENCONTRAVA PROSTRADO NO CHÃO, NUMA ALTURA EM QUE ESTE SE ENCONTRAVA JÁ MUITO DEBILITADO PELA DOENÇA ONCOLÓGICA DE QUE PADECIA;

V. TAL AGRESSÃO NÃO RESULTOU DE QUALQUER AMEAÇA OU INJÚRIA QUE LHE TIVESSE SIDO DIRIGIDA PELO (OUTRORA) ASSISTENTE, MAS ANTES DE UMA SUPOSTA CHAMADA DE ATENÇÃO QUE TERIA DIRIGIDO AO SOBRINHO DO ARGUIDO, TENDO ESTE, POSTERIOR E RESOLUTAMENTE, IDO PEDIR "CONTAS" ÀQUELE, EM SINAL MANIFESTO E SINTOMÁTICO DA PREMEDITAÇÃO DO ARGUIDO E DA CONSCIÊNCIA, POR PARTE DO MESMO, DA ILICITUDE DO SEU ACTO QUE, DE RESTO, PROCUROU "JUSTIFICAR" NA SUA INQUIRIÇÃO;

VI. A M.MA JUIZ A QUO ENTENDEU, PORÉM, QUE, EM FACE DOS "DOIS RELATÓRIOS PERICIAIS", JUNTOS AOS PRESENTES AUTOS, REALIZADOS À PERSONALIDADE DO ARGUIDO, NÃO SE ENCONTRAVA PREENCHIDO O ELEMENTO SUBJECTIVO DO CRIME, OU SEJA, A CULPA DO AGENTE, EM VIRTUDE DAQUELES TEREM CONCLUIDO PELA INIMPUTABILIDADE DO EXAMINADO (ARGUIDO);

VII. O TRIBUNAL A QUO DECIDIU, AINDA, QUE O ARGUIDO NÃO PODERIA SER LEVADO A JULGAMENTO, COM FUNDAMENTO NA SUA PERIGOSIDADE, POR TAIS RELATÓRIOS PERICIAIS TEREM CONCLUÍDO, DE IGUAL MODO, PELA SUA AUSÊNCIA;

                VIII. O TRIBUNAL A QUO ESTEOU-SE, ASSIM, SEM MAIS, NOS RELATÓRIOS PERICIAIS JUNTOS AOS AUTOS, OLVIDANDO, DESDE LOGO, QUE APENAS O SEGUNDO É "VÁLIDO" E, AINDA, QUE TINHA (TEM) O PODER-DEVER DE APRECIAR CRITICAMENTE A SUFICIÊNCIA DOS ELEMENTOS/INFORMAÇÃO QUE ESTÃO NA BASE DAS CONCLUSÕES CONSTANTES DO RELATÓRIO E, BEM ASSIM, A SUA FIDEDIGNIDADE;

IX. IMPUNHA-SE-LHE POIS "CONCATENAÇÃO DO RELATÓRIO PERICIAL COM O QUE RESULTASSE DA PRODUÇÃO DOS ACTOS INSTRUTÓRIOS, REQUERIDOS PELA ASSISTENTE, SENDO ESTES MANIFESTAMENTE ÚTEIS, LEGAIS E ADEQUADOS PARA A BOA DECISÃO DA CAUSA E DESCOBERTA DA VERDADE MATERIAL, DESTINANDO-SE A PÔR EM CRISE AS CONCLUSÕES DE INIMPUTABILIDADE E AUSÊNCIA DE PERIGOSIDADE DO ARGUIDO;

X. NÃO OBSTANTE, O TRIBUNAL A QUO INDEFERIU TODAS AS DILIGÊNCIAS INSTRUTÓRIAS – DECLARAÇÕES DA A-SSISTENTE, INQUIRIÇAO DE TESTEMUNHAS, ESCLARECIMENTOS PRESENCIAIS DO SR. PERITO E A ELABORAÇÃO DE RELATÓRIO SOCIAL PELA DGRS – OPORTUNAMENTE REQUERIDAS PELA ASSISTENTE;

XI. É, DE RESTO, CLARAMENTE INSUFICIENTE E INCOMPREENSÍVEL QUE O RELATÓRIO CONCLUA PELA "INIMPUTABILIDADE" E, ADEMAIS, PELA "AUSÊNCIA DE PERIGOSIDADE" DO ARGUIDO, SUSTENTANDO-SE, APENAS, NO QUE É DECLARADO, EM ENTREVISTA, PELO ARGUIDO E SUA IRMÃ, QUANDO SÃO ESTES, EVIDENTEMENTE, OS BENEFICIÁRIOS DE TAIS CONCLUSÕES;

XII. ADEMAIS, A AUSÊNCIA DE PERIGOSIDADE DO ARGUIDO FOI MA-NIFESTAMENTE POSTA EM CAUSA PELO RELATÓRIO DA CLÍNICA DE S. COSME, DE FLS. 63 A 65, QUE O PRÓPRIO ARGUIDO JUNTOU AOS AUTOS E QUE CONCLUIU QUE O MESMO POSSUÍA UMA PERSONALIDADE INSTÁVEL E AGCRESSVA, SENDO "RÁPIDO A REAGIR COM IRA", HAVENDO. POR ISSO, CONTRADIÇÃO INSANÁVEL ENTRE O RELATÓRIO PERICIAL E UM ELEMENTO DOCUMENTAL (TAMBÉM ELE "PARECER TÉCNICO") CONSTANTE DOS AUTOS;

                XIII. A CONCLUSÃO DE AUSÊNCIA DE PERIGOSIDADE É, NATURALMENTE, APENAS UMA "PRESUNÇÃO" (NÃO LEGAL OU VINCULATIVA), QUE O TRIBUNAL A QUO, SALVO O DEVIDO RESPEITO, NÃO PROCUROU, NEM QUIS (AO INDEFERIR AS DILIGÊNCIAS INSTRUTÓRIAS, REQUERIDAS PELA ASSISTENTE) CONFIRMAR OU ILIDIR, COMO, SALVO O DEVIDO RESPEITO, ERA SEU DEVER.

XIV. O APONTADO VÍCIO DA INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO ORA EM CRISE DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA E O ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA DEVE-SE, EM LARGA MEDIDA E SALVO SEMPRE O DEVIDO RESPEITO, À AUSÊNCIA DE ESCRUTÍNIO CRÍTICO PELA SR.ª JUIZ A QUO ÀS CONCLUSÕES DO RELATÓRIO PERICIAL;

XV. A FACULDADE LEGAL DE QUE GOZA O TRIBUNAL DE NÃO ADMITIR E REJEITAR A PRODUÇÃO DOS ACTOS DE INSTRUÇÃO REQUERIDOS PELA DEFESA OU PELA ACUSAÇÃO, É RESTRINGIDO, NOS TERMOS DO ALUDIDO ART. 291.º DO CPP, ÀS SITUAÇÕES EM QUE OS MESMOS SÃO LEGALMENTE INADMISSÍVEIS, IRRELEVANTES OU SUPÉRFLUOS, INADEQUADOS, lNOBTENÍVEIS OU MANIFESTAMENTE DILATÓRIOS, O QUE NÃO É, MANIFESTAMENTE, O CASO DOS ACTOS REQUERIDOS PELA ASSISTENTE;

XVI. A ORA RECORRENTE NÃO PÕE EM CAUSA O VALOR PROBATÓRIO CONFERIDO, POR LEI, NO NOSSO ORDENAMENTO JURÍDICO-PENAL (CFR. ART. 163.º DO CPP), AOS "PARECERES TÉCNICOS" E QUE O RELATÓRIO PERICIAL EM CAUSA TENHA SIDO ELABORADO DE ACORDO COM A LEGES ARTIS DA PROFISSÃO, MAS ANTES A SUFICIÊNCIA E FIDEDIGNIDADE DOS ELEMENTOS E INFORMAÇÃO DE QUE O SR. PERITO SE SOCORREU (RELATÓRIO ANTERIOR, CONSIDERADO INVÁLIDO E AS ENTREVISTAS AO ARGUIDO E SUA IRMÃ), PARA EMITIR AS CONCLUSÕES DE INIMPUTABILIDADE DO ARGUIDO E, SOBRETUDO, DA AUSÊNCIA DE PERIGOSIDADE;

XVII. AS DILIGÊNCIAS INSTRUTÓRIAS REQUERIDAS PELA ASSISTENTE, QUER NO REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO, QUER A FLS. 259, TINHAM COMO ÚNICO ESCOPO DOTAR O TRIBUNAL DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA, NOS TERMOS DO N.º 2 DO ART. 163.º DO CPP, ALICERÇAR E FUNDAMENTAR A EVENTUAL DIVERGÊNCIA RELATIVAMENTE AO "JUÍZO CONTIDO NO PARECER DOS PERITOS";

XVIII. O TRIBUNAL A QUO, AO NÃO PRONUNCIAR O ARGUIDO VIOLOU, ASSIM, O DISPOSTO NAS DISPOSIÇÕES LEGAIS INVOCADAS, DESIGNADAMENTE NOS ARTS. 288.º/4, 291.º/1 E 292.º, TODOS DO C.P.P.;

XIX. TERMOS EM QUE, ATENTAS AS NORMAS LEGAIS APLICÁVEIS IN CASU, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, REVOGANDO-SE A DECISÃO INSTRUTÓRIA DE NÃO PRONÚNCIA E ORDENADA A BAIXA DOS PRESENTES AUTOS AO TRIBUNAL A QUO PARA QUE ESTE ADMITA AS DILIGÊNCIAS INSTRUTÓRIAS TEMPESTIVAMENTE REQUERIDAS PELA ASSISTENTE, TUDO COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.

JUSTIÇA.


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            Respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:

            1 – O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador.

2 – O Tribunal a quo não possuía quaisquer elementos para divergir do parecer de dois peritos distintos.

3 – O arguido não agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (ou seja que tenha agido com culpa);

4 – O arguido não é perigoso e não existe fundado receio de vir a cometer factos idênticos.

                Assim, mantendo-se a douta decisão que concluiu pela não pronúncia do arguido A..., farão, Vossas Excelências, como sempre, e mais uma vez, Justiça.


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            O arguido não respondeu ao recurso.

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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que, podendo estar viciada a informação recolhida, porque limitada à entrevista do arguido e de sua irmã, sobre a agressividade e perigosidade do primeiro, para a elaboração do relatório pericial, deveriam ser deferidas as diligências instrutórias requeridas pela assistente e, em função do seu resultado, deveria equacionar-se, ou não, a realização de nova perícia psiquiátrica, e concluiu pela procedência do recurso.

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            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

 

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Deste modo, atentas as conclusões formuladas pela recorrente, a questão a decidir é a de saber se o arguido deve ou não ser considerado inimputável e, no caso afirmativo, se existem nos autos indícios suficientes para fundarem o juízo de não perigosidade afirmado.


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Para a resolução desta questão importa desde logo ter presente o teor do despacho recorrido, que é o seguinte:

“ (…).

Iniciaram-se os presentes autos com a denúncia, por parte de C... (entretanto falecido), de que no dia 10.8.2012, pelas 21h, encontrava-se no jardim da sua residência e ao passar o seu sobrinho H... de oito anos junto da mesma, em tom de brincadeira, dirigiu-se a ele nos seguintes termos: “ anda cá meu palhacito, que me andas sempre a fazer piretes”. Que de seguida dirigiu-se a um terreno sua propriedade e no regresso verificou que o ora arguido estava à sua espera na companhia do H..., de quem também é tio, dirigindo-se a si nos seguintes termos: “o que é que você disse ao meu sobrinho”, tendo repetido a expressão que tinha dirigido ao menor, sendo que, de seguida, o denunciado pegou num pau que estava na posse do sobrinho e, com o mesmo, desferiu-lhe várias pauladas, só parando quando foi impedido de prosseguir com as agressões por terceiros.

Foram realizadas várias diligências de inquérito, nomeadamente inquirição de testemunhas presenciais que confirmaram os factos em causa.

Foram juntos elementos clínicos que confirmavam as lesões.

Contudo, por despacho de fls. 158 pela Digna Procuradora Adjunta foi determinado o arquivamento dos autos com o fundamento, não de não existirem indícios dos factos terem ocorrido, antes pelo contrário, de acordo com a mesma não existem dúvidas da ocorrência dos factos, de que o arguido é inimputável não perigoso.

Para tal, socorre-se de um exame ordenado nos autos e junto a fls. 150 onde se conclui que o arguido padece de deficiência mental moderada e, como tal, que está incapacitado de avaliar a ilicitude do facto e de se determinar de acordo com essa avaliação, parecendo improvável que venha a cometer outros factos idênticos.

Inconformada com esse despacho veio a assistente (mulher do ofendido entretanto falecido) requerer a abertura de instrução, pretendendo a pronúncia do arguido, pondo em causa, nomeadamente a sua não perigosidade.

Foi admitida a instrução.

Em sede de instrução foi ordenada nova perícia a realizar por perito diferente do subscritor da perícia de fls. 150.

Procedeu-se à realização de debate instrutório.


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O Tribunal é competente e as partes são legítimas.

Não há qualquer questão prévia ou incidental que cumpra conhecer.


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Cabe agora proferir a decisão a que alude o art. 307º do CPP.

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Tal como refere o art. 286º, nº1 do CPP “A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”.

De acordo com o artigo 308º, nº1 do mesmo diploma preceitua que: “Se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respetivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia”.

Por sua vez o art. 283º, nº 2 refere que: “Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”.

Assim, sendo este o entendimento legal em que deve assentar a prolação de despacho de pronúncia ou de não pronuncia, do mesmo resulta que o despacho de pronúncia só deve ser proferido se se poder formular um juízo de probabilidade de aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança”.

Na situação concreta pretende a assistente a pronuncia do arguido por um crime de ofensa à integridade física simples, p.p.p artigo 143º do CP.

De acordo com o mencionado artigo:

“1. Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.

Neste artigo protege-se a integridade física e a saúde da pessoa humana. Pretende-se tutelar a integridade física e a saúde de cada um.

Lesão corporal ou à saúde deve ser vista em sentido médico-legal. Segundo esta, lesão corporal é: “ uma alteração anatómica ou patológica, uma perturbação ilícita da integridade corporal morfológica ou do funcionamento normal do organismo ou das suas funções psíquicas” (Ofensas Corporais, Introdução ao seu Estudo Médico Legal, Colóquio de 83.03.01, Aula Magna da Faculdade de Medicina do Porto). Saúde é : “o estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade.

O elemento objetivo deste tipo de crime é, portanto, a ofensa ao corpo ou à saúde de outrem.

Quanto ao elemento subjetivo da infração há que referir que o crime previsto nesta norma é a ofensa à integridade física dolosa, pressupondo, portanto, uma conduta intencional. Além disso, este tipo doloso admite qualquer das formas de dolo previstas no art. 14º do CP.

Estamos perante um crime que não é próprio, podendo por isso a infração ser cometida por qualquer pessoa.

Para que se possa falar em crime de ofensa à integridade física simples é necessário que exista um nexo de causalidade entre a conduta do agente e a ofensa ao corpo ou à saúde de outrem.

Estamos perante um crime de resultado em que a conduta do agente tem de ser adequada a provocar uma lesão no corpo ou na saúde de outrem.

Cumpre apreciar:

Na situação concreta parece não restar grandes dúvidas de que se encontram verificados os elementos objetivos do tipo.

No entanto, como é sabido, o crime não é só o facto típico e ilícito. Ele terá também que ser culposo, isto é, o agente tem que ser suscetível de um juízo de censura.

Com efeito, é princípio fundamental do nosso Direito Penal, que toda a pena tem que ter por suporte axiológico-normativo, uma culpa concreta.

De facto, de acordo com o artigo 20º do CP:

“1 – É inimputável quem, por força de uma anomalia psíquica, foi incapaz no momento da prática, de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação”.

 Na situação concreta a questão que se coloca em primeiro lugar é a da inimputabilidade, ou não, do arguido.

Ora, questão da declaração de inimputabilidade não pode ser declarada sem ser precedida, de uma perícia médico-legal do foro psiquiátrico, que para este efeito não pode deixar de se ter como obrigatória, nos termos previstos no artigo 151º do CP Penal.

De facto, tal artigo preceitua que: a prova pericial tem lugar quando a perceção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos”.

Acrescentando o artigo 163º, nº1 do CPP que : O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador”.

No caso em discussão foram realizadas duas perícias, nos termos do artigo 151º do CPP, concluindo a primeira pela exclusão da imputabilidade do arguido (fls. 153) e a segunda quem “deve ser considerada a figura da inimputabilidade”.

Perante tal, concluindo as duas perícias pela inimputabilidade do arguido, parece-nos que a igual conclusão terá de chegar o Tribunal, nos termos do artigo 163º, nº1 do CPP, não possuindo o mesmo de quaisquer elementos para divergir do parecer de dois peritos distintos, o que levou, aliás, a que fossem indeferidos os esclarecimentos suscitados pela assistente.

Assim, não podemos concluir pela culpa do arguido, elemento esse necessário ao crime de ofensa à integridade física simples, p.p.p artigo 143º, nº 1 do CP.

De facto, sendo o agente inimputável, não há culpa e por isso não há crime, não podendo, pois, imputar-se ao agente a responsabilidade criminal pela prática do facto ilícito.

Contudo, a questão que se coloca é se, mesmo assim, não deve o arguido ser pronunciado, para permitir a aplicação, em julgamento de uma medida de segurança.

Dispõe o art. 91º, n.º 1 do C. Penal que «quem tiver praticado um facto ilícito típico e for considerado inimputável, nos termos do art. 20º, é mandado internar pelo Tribunal em estabelecimento de cura, tratamento ou segurança, sempre que, por virtude da anomalia psíquica e da gravidade do facto praticado, houver fundado receio de que venha a cometer outros factos da mesma espécie».

Da análise de tal preceito resulta ser necessário para o seu preenchimento, a verificação conjunta dos seguintes requisitos: 

- relativos ao agente – o agente deve ser inimputável, nos termos do art. 20º;

- relativos ao facto – só um inimputável que praticou um facto típico pode ser sujeito a uma medida de internamento; mas não basta um qualquer facto típico, pois que este tem que assumir uma gravidade tal que comprometa a segurança pública;

- relativos à perigosidade – tem que existir o fundado receio de que o inimputável, por causa da anomalia que o afeta e da natureza do facto praticado, venha a cometer novos factos típicos graves.

Veja-se, em abono de tal entendimento, o Ac. do S.T.J. de 10.07.91, in BMJ 409, 397.

Já vimos que o arguido deve ser considerado inimputável, nos termos do art. 20º do C. Penal.

Mas há indícios suficientes que existe probabilidade de praticar factos idênticos aqueles e, como tal, que deve ser pronunciado para permitir a aplicação ao mesmo de uma medida de segurança?

Tal não nos quer parecer.

O relatório de fls. 150 e seguintes conclui que parece improvável que o arguido venha a cometer outros factos idênticos.

A idêntica conclusão chega a perícia de fls. 250 e seguintes concluindo ser de presumir não existirem fundados receio de que venha a cometer factos da mesma natureza, para tal conclusão a perícia menciona nomeadamente a ausência de antecedentes prévios e posteriores. De tal relatório conclui-se ainda, que o arguido vive em ambiente protegido, com controlo da medicação e com suporte afetivo eficaz, o que lhe permite ser uma pessoa pacata.

Sem dúvida que entendendo-se que a conclusão das perícias no que tange à perigosidade traduz um juízo de mera probabilidade, não suportado num conhecimento de cariz técnico-científico do perito, é legítimo ao tribunal, concluir por a existência de indícios que apontam para a perigosidade.

Contudo, esta não é a situação dos autos, nem o Tribunal dispõe de elementos, antes pelo contrário, que lhe permita chegar a conclusão distinta.

Como já referimos a aplicação da medida de segurança pressupõe, depois de se concluir pela comissão do facto ilícito típico e pela inimputabilidade do agente, a perigosidade do agente e a gravidade do facto perpetrado.

Ora, na situação concreto tendo em conta o contexto em que os factos ocorreram e os relatórios periciais não nos parece que possamos concluir pela existência de indícios da perigosidade do arguido.

De facto, ambos os relatórios concluem ser de presumir que o arguido não cometerá factos idênticos.

Além disso, dos relatórios resulta igualmente que o arguido não tem antecedentes que permitam concluir pela perigosidade, antes pelo contrário tudo indicia que estamos perante um facto isolado surgido num contexto familiar e originado pelo episódio anteriormente surgido entre o ofendido e o menor H..., sobrinho daquele e do arguido.

A isto acresce a circunstância do arguido ter apoio familiar, que controla, nomeadamente a sua medicação, tratando-se, neste contexto, de uma pessoa “pacata” como se extrai do relatório de fls. 250 e seguintes (cfr. fls. 252, último parágrafo).

Com estes elementos não podemos concluir pela existência de indícios da perigosidade do arguido. Antes pelo contrário, “é de presumir que não existem fundados receios de que venha a cometer factos da mesma natureza”, não sendo as diligências requeridas pela assistente em sede de instrução e indeferidas (como o depoimento de testemunhas) suscetíveis de afastar tal presunção alicerçada em conhecimentos específicos dos Senhores Peritos.

Assim, e tendo em conta o requerimento de abertura de instrução e os factos alegados no mesmo temos de concluir que não se encontra suficientemente indiciado que:

 - O arguido tenha agido de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (ou seja que tenha agido com culpa);

- Que o arguido seja perigoso e que exista fundado receio de vir a cometer factos idênticos.

Pelo exposto, decide-se:

Não Pronunciar o arguido A..., pelo crime de ofensa à integridade física simples, p.p.p artigo 143º do CP, mantendo-se, assim, o despacho de arquivamento proferido pela Digna Magistrada do Ministério Público.

Custas pela assistente, fixando-se a taxa de justiça no mínimo.

Notifique.

(…)”.


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            Com relevo para a questão proposta, colhem-se ainda dos autos os seguintes elementos:

            i) Em 16 de Agosto de 2012, C... apresentou queixa contra A... por este, no dia 10 de Agosto de 2012, o ter atingido com um pau, na cabeça, no braço esquerdo e na mão esquerda, e com pontapés, nas costas, causando-lhe ferida no couro cabeludo, fractura do dedo indicador esquerdo e hematomas vários, e indicou como testemunhas I...e G...;   

            ii) O ofendido foi examinado em clínica forense em 20 de Agosto de 2012, tendo sido observadas, ferida contusa na região frontal alta do crânio, hematoma na face lateral esquerda do tórax, hematoma na face anterior do braço esquerdo e edema e impotência funcional à flexão da falange distal do segundo dedo esquerdo, constando das conclusões do relatório pericial que tais lesões determinarão vinte dias para a consolidação, sem consequências permanentes [fls. 18 a 21]; 

            iii) O ofendido requereu a inquirição das testemunhas J... e L... [fls. 28];

            iv) O ofendido, inquirido em 26 de Outubro de 2012, confirmou o conteúdo da queixa [fls. 50 a 51];

            v) A testemunha G..., inquirida em 19 de Novembro de 2012, disse encontrar-se na sua residência quando ouviu barulho na rua, foi à janela e viu o arguido a agredir o ofendido com um pau, saiu de casa para ir socorrer o ofendido e quando chegou deste, que já estava só e caído no chão, viu que sangrava abundantemente da cabeça, que chamou a família do ofendido, entretanto, chegaram os bombeiros e foi para casa [fls. 52 a 54]; a testemunha I...não foi inquirida, por se encontrar doente e incapacitado [fls. 48 e 55 e verso]; 

            vi) O arguido prestou declarações em 20 de Novembro de 2012, tendo dito que não agrediu, apenas se defendeu de uma tentativa de agressão, porque o ofendido tinha uma pedra na mão para o atingir [fls. 58 a 59];

            vii) No auto de constituição de arguido, em 20 de Novembro de 2012, foram juntos: cópia de uma declaração emitida em 10 de Outubro de 1989, pelo Centro de Educação Especial de Viseu, do Centro Regional de Segurança Social de Viseu, afirmando a frequência pelo arguido do Internato Dr. M... , em regime de internamento [fls. 63]; cópia de uma declaração médica emitida em 10 de Outubro de 1989 pelo Centro Regional de Segurança Social de Viseu, subscrita por um médico pediatra, afirmando padecer o arguido de deficiência mental congénita e de epilepsia, susceptível de melhora mas impossibilitando-o de prover à sua subsistência logo que atingida a idade de exercício de actividade profissional [fls. 64]; e cópia de um relatório psicológico de Janeiro de 2002, subscrito por psicóloga, onde se afirma que o Quociente de Inteligência Total do arguido é 43, situado na classe Deficiente, se enumeram dificuldades com a capacidade de compreensão, fluência verbal, capacidade de utilização de juízo prático e planeamento, dispersão da atenção, comportamento social inaceitável, dificuldades de memória remota e de utilização de conceitos abstractos e numéricos, e se referem comportamentos observados como, dependência, baixa tolerância à frustração, agressividade, fraco controlo comportamental, suspeitas infundadas, sendo rápido a reagir e com ira, e conclui, «(…) Há uma ineficácia em corresponder aos padrões esperados para a sua idade e grupo cultural em áreas como aptidões sociais e responsabilidade, comunicação, aptidões quotidianas, independência pessoal e auto-suficiência.» [fls. 65];

            viii) Por despacho de 29 de Novembro de 2012 foi o ofendido admitido como assistente [fls. 42];

            ix) Por despacho de 4 de Dezembro de 2012 a Digna Magistrada do Ministério Público solicitou ao INML a realização de perícia psiquiátrica com vista ao apuramento da inimputabilidade e perigosidade do arguido, com remessa de cópia da queixa e dos documentos de fls. 63 a 65 [fls. 67]; 

x) O assistente requereu a inquirição da testemunha N...[fls. 102];

xi) Inquiridas em 7 de Agosto de 2013, as testemunhas J... e L... disseram que conheciam arguido e assistente e que se encontravam na residência de seus pais e sogros, respectivamente, nada tendo presenciado [fls. 110 a 113];  

xii) Em 8 de Setembro de 2013 ocorreu o óbito do assistente [fls. 129];

xii) Em 1 de Outubro de 2013, B..., cônjuge do assistente, requereu a sua constituição nesta qualidade e o prosseguimento dos autos [fls. 118];

xiv) Inquirida em 23 de Outubro de 2013, a testemunha N... disse que ia de automóvel, na rua principal, em Touro, e viu o assistente no chão, próximo da berma, estando á sua volta o I..., a G... e o filho e a nora destes, que parou o carro e constatou que o assistente sangrava da cabeça e queixava-se de um braço, tendo-lhe sido dito que fora agredido pelo arguido com o pau que este usava com as vacas, que chegou a ambulância e levou o ferido para o hospital [fls. 133]; 

xv) Por despacho de 6 de Janeiro de 2014 foi B...admitida como assistente [fls. 142];

xvi) O Relatório de Exame Médico-Legal em Psiquiatria Forense, datado de 29 de Novembro de 2013 tem a seguinte conclusão:

1. O examinado apresenta uma Deficiência Mental Deficiência Mental Moderada, conforme rubrica F 71.0 da CID 10 (Classificação Internacional de Doenças) da OMS.

2. Parecem-nos estar presentes critérios de exclusão de imputabilidade, com incapacidade, por razão de anomalia psíquica, por parte do arguido de avaliar a ilicitude do facto e de se determinar de acordo com essa avaliação: inimputabilidade.

3. De acordo com o quadro clínico e com o percurso do arguido até à data dos factos, parece-nos improvável que venha a cometer outros factos idênticos.

4. É de grande importância para que se verifique o citado na alínea 3 desta conclusão, que se mantenha uma rede de suporte sócio-económica-cultural, com supervisão e manutenção de regras

xvii) Resulta do mesmo Relatório que o Exame Indirecto consistiu nos elementos do processo facultados pelo Ministério Público [portanto, cópia da queixa e dos documentos de fls. 63 a 65], que o Exame Directo consistiu na entrevista ao arguido [na qual referiu que o assistente o tentou agredir com uma pedra, que o assistente andava esquinado e ameaçou o garoto da irmã] e na entrevista à sua irmã, O... e que na História Pessoal do arguido este se ocupa de actividades simples sob supervisão, necessita do apoio de terceiros para estimulação e supervisão das actividades básicas de vida diária, e não lhe são conhecidas outras alterações do comportamento, com auto ou heteroagressividade;  

xviii) Em 18 de Janeiro de 2014 a Digna Magistrada do Ministério Público proferiu despacho de arquivamento do inquérito por, «(…) não obstante se terem recolhido indícios suficientes de que o arguido A... praticou um facto ilícito, típico, certo é que o mesmo não poderá ser punido com uma pena, atenta a sua inimputabilidade, nem lhe poderá ser aplicada medida de segurança, uma vez que o mesmo foi considerado socialmente não perigoso, não havendo receio fundado de que venha a cometer ilícitos semelhantes (…)»;

xix) A assistente requereu a abertura da instrução em 10 de Março de 2014 invocando: a chocante perversidade e índole violenta do arguido, demonstrada na descrição factual feita pelo assistente e pela testemunha G...; a justificação da conduta apresentada pelo arguido, reveladora da consciência da ilicitude e capacidade de autodeterminação; a presunção da responsabilidade civil e criminal do arguido por não ter sido interditado ou internado compulsivamente; a violação dos arts. 154º a 158º do C. Processo Penal [ao não ser notificada da data do exame pericial, do seu resultado, da possibilidade de formular perguntas, pedir esclarecimentos, requerer a perícia colegial, designar consultor técnico e, através deste, propor a realização de diligências e formular observações e objecções]; a insuficiência do Relatório Pericial quanto à análise da história pessoal do arguido que desconsiderou o Relatório Psicológico de fls. 65, com influência no teor do ponto 3 da conclusão que é, aliás, contraditório com o ponto 4 da mesma conclusão pois, se o arguido necessita de supervisão permanente, então é perigoso, o que aliás decorre de, anteriormente aos factos, já terem ocorrido outras agressões, contra a mãe e contra F....

Depois, a assistente deduziu uma acusação alternativa contra o arguido, imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º do C. Penal [a referência ao art. 153º do C. Penal deve-se a lapso de escrita] e requereu a sua pronúncia pelo cometimento de tal crime.

Finalmente, a assistente requereu, como provas a produzir na instrução, as suas próprias declarações, a realização de perícia colegial a designar pelo INML ou, caso assim não s entendesse, a prestação de esclarecimentos pela perita médica subscritora do Relatório Pericial já existente nos autos, a inquirição das testemunhas D...e E...aos arts. 16º, 17º e 21º do RAI e do Director do Internato Dr. M..., quando o arguido aí esteve internado, ao art. 16º do RAI.

xx) Por despacho de 25 de Março de 2014 foi declarada aberta a instrução, foi declarada a existência de uma irregularidade na realização da prova pericial efectuada no inquérito, por incumprimento do disposto no art. 155º, nº 1 do C. Processo Penal e, em consequência, determinada a realização de nova perícia às faculdades mentais do arguido, não colegial, a ser feita por distinto perito, que foi solicitada ao INML, com remessa de cópia do auto de denúncia e de fls. 63 a 65, tendo sido relegado para momento posterior o agendamento das demais diligências de prova requeridas e do debate instrutório. 

xxi) O Relatório de Exame Médico-Legal em Psiquiatria Forense, datado de 8 de Agosto de 2014 tem as seguintes conclusões:

1º – O examinado padece de Deficiência Mental Ligeira a Moderada de provável origem congénita.

2º – Devido a esta situação clínica, de insuficiência das faculdades mentais o examinado na altura da prática dos factos relatados nos Autos, do contexto emocional elevado (pretensa defesa de uma criança, sua sobrinha), não reunia as condições necessárias para uma compreensão completa dos atos e para se autodeterminar e dirigir as suas ações de forma adequada, distinguindo o certo, do errado, o lícito do ilícito e por isso deve ser considerada a figura da inimputabilidade.

3º – Atendendo à inexistência de antecedentes prévios de agressividade, impulsividade em relação a fatos semelhantes ou análogos aos relatados nos Autos, nem episódios posteriores de alterações de comportamento a esses mesmos factos é de presumir não existirem fundados receios de que venha a cometer factos da mesma natureza.

xxii) Resulta do mesmo Relatório que foram efectuadas entrevistas separadas ao arguido e à sua irmã, O..., e consultados os elementos processuais remetidos pelo tribunal nos quais se inclui um Relatório Psicológico, e dele consta a seguinte Discussão:

De acordo com os dados biográficos, história clínica e exame mental efetuado e a informação recolhida junto do examinado, irmã, consulta de Relatório Psicológico prévio anexado ao processo dos Autos com Quociente de Inteligência de 43, não restam quaisquer dúvidas que o examinado padece de Deficiência Mental Moderada, com perturbação de aprendizagem múltiplas (cálculo, leitura, escrita) com início muito provável desde o nascimento. As capacidades verbais, estão relativamente mais preservadas. Não é de descartar estarmos perante um quadro com base genética/hereditária.

Nunca adquiriu qualquer competência que lhe permitisse ser autónomo e autossuficiente, estando totalmente dependente da ajuda e supervisão de terceiros, nomeadamente de familiares para manutenção de uma qualidade de vida aceitável e digna. Será incapaz de viver sozinho, e em ambiente protegido, em que seja controlada a sua medicação e fornecido suporte afetivo eficaz, como pelos vistos tem sido o caso, será uma pessoa pacata.  

xxiii) Em 27 de Outubro de 2014 a assistente, alegando a insuficiência de elementos para suportarem a conclusão do relatório quanto à perigosidade do arguido, invocando o Relatório Psicológico e o art. 158º, nº 1, a) do C. Processo Penal, requereu que o perito médico prestasse esclarecimentos no debate instrutório, e que fosse solicitada a realização de relatório social [fls. 258 a 259].

xxiv) Por despacho de 7 de Novembro de 2014, foram consideradas desnecessárias as restantes diligências de prova requeridas no RAI e as requeridas no requerimento de 27 de Outubro de 2014, por se entenderem já suficientes os elementos colhidos no inquérito e o relatório pericial, e foi designado dia para o debate instrutório.

xxv) Em 19 de Novembro de 2014 a assistente reclamou do despacho de 7 de Novembro de 2014, alegando, no essencial, que o relatório pericial padece do mesmo defeito do relatório pericial feito o inquérito, ao ignorar o Relatório Psicológico e atender, apenas, às entrevistas do arguido e de sua irmã, pessoas obviamente interessadas na conclusão de inimputabilidade e de ausência de perigosidade. 

xxvi) Por despacho de 26 de Novembro de 2014, com o entendimento de que o relatório pericial não suscita dúvidas, foi reafirmada a desnecessidade dos esclarecimentos pretendidos e da realização dos restantes meios de prova, e indeferida a reclamação.

xxvii) Em 1 de Dezembro de 2014 realizou-se o debate instrutório e no termo do mesmo foi proferido o despacho recorrido.


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Da imputabilidade ou inimputabilidade do arguido e da suficiência ou insuficiência de indícios quanto à sua perigosidade

1. Como se sabe, a instrução é uma fase intermédia e facultativa do processo penal – na forma comum – que tem por finalidade exclusiva a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (art. 286º, nº 1, do C. Processo Penal).

A aludida comprovação judicial consiste na conjugação e ponderação dos meios de prova produzidos – em sede de inquérito e no decurso da própria instrução – em ordem a ajuizar-se da existência ou não, de indícios suficientes de estarem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança sendo, a final, formalmente explicitada na decisão instrutória. Nesta sequência, estabelece o art. 308º, nº 1 do C. Processo Penal [código a que pertencem todas as disposições legais citadas sem menção de origem] que, se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia.

Para este efeito, consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança (nº 2 do art. 283º, aplicável ex vi, nº 2 do art. 308º). E a possibilidade razoável mais não é do que a admissão como altamente provável da condenação do arguido ou, pelo menos, como sendo mais provável a condenação do que a absolvição (cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1ª Edição, Reimpressão, pág. 133) ou, dito de outra forma, quando exista uma base factual consistente que permita seriamente inferir a possibilidade da condenação (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal Anotado, Rei dos Livros, Volume I, 3ª Edição, 2008, pág. 1270).

In casu, a instrução foi requerida pela assistente, visando a comprovação judicial da decisão que ordenou o arquivamento do inquérito em procedimento não dependente de acusação particular, tendo o recurso por objecto a problemática da suficiência ou insuficiência dos indícios relativamente à inimputabilidade e perigosidade do arguido.

2. Ciente de que o inquérito havia sido arquivado, por ter o Ministério Público entendido que o arguido, não obstante a existência de indícios suficientes de ter violado a integridade física do ofendido, é inimputável não perigoso, no requerimento para abertura da instrução a assistente deduziu, como, aliás, se lhe impunha, acusação alternativa [à omitida pelo Ministério Público], imputando ao arguido a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º do C. Penal.

O crime imputado, como todo e qualquer crime, é um facto típico, ilícito, culposo e punível. Significa isto, além do mais, que o facto típico e ilícito tem que ser realizado com culpa pelo agente ou seja, este tem que ser susceptível de um juízo de censura. Como afirma Fernanda Palma, a culpa é assim, a dimensão da censurabilidade do autor do facto, que não é automaticamente uma decorrência da voluntariedade do mesmo nem da sua ilicitude. Deste modo, a culpa pressupõe a capacidade de motivação pela norma e de conter a vontade perante a realização do facto ilícito (Direito Penal, Parte Geral, A teoria geral da infracção como teoria da decisão penal, AAFDL, 2013, pág. 29).

Por isso, o art. 20º, nº 1 do C. Penal se dispõe que, é inimputável quem, por força de uma anomalia psíquica, for incapaz, no momento da prática do facto, de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação.

No decurso do inquérito foi ordenada a realização de uma perícia psiquiátrica com vista ao apuramento da inimputabilidade e perigosidade do arguido – referida em ix) e cuja conclusão e síntese da discussão se referem em xvi) e xvii), que antecedem – cuja irregularidade veio a ser reconhecida no despacho de 25 de Março de 2014 – referido em xx) que antecede – que determinou a realização de nova perícia às faculdades mentais do arguido.

Nas conclusões VI, VII e VIII do recurso alega a assistente que a Mma. Juíza a quo fundou a inimputabilidade e não perigosidade do arguido nos dois relatórios periciais, esquecendo que apenas o segundo era válido e que tinha o dever de apreciar criticamente a suficiência e fidedignidade dos elementos e informações que fundaram as conclusões do último relatório.

Vejamos.

É certo que no despacho de 25 de Março de 2014, quanto à prova pericial realizada no inquérito, se entendeu ter sido violado o art. 155º, nº 1 do C. Processo Penal e que tal violação consubstanciava, nos termos do arts. 118º, nºs 1 e 2 e 123º, nº 1 do C. Processo Penal, uma invalidade – irregularidade, tempestivamente arguida. E, aparentemente, a reparação da irregularidade consistiu na determinação de realização de nova perícia.

O despacho em referência transitou pelo que, quanto ao nele decidido, se formou caso julgado. Deve, no entanto, notar-se que, sendo a perícia em questão, inquestionavelmente, uma perícia médico-legal, solicitada por despacho da autoridade judiciária competente, ao INML, face ao disposto nos arts. 3º, nº 1 e 24º da Lei nº 45/2004, de 19 de Agosto, não lhe eram aplicáveis as disposições dos arts. 154º e 155º do C. Processo Penal.  

3. As conclusões do relatório da perícia realizada no inquérito e as conclusões do relatório da perícia realizada na instrução coincidem quanto a padecer o arguido de doença mental moderada e, por via dela, sendo inimputável [conclusões 1 e 2 de ambos os relatórios].   

O princípio geral previsto no art. 127º do C. Processo Penal segundo o qual, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, conta entre as excepções por si admitidas, a valoração probatória da prova pericial.

Há lugar à prova pericial quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos (art. 151º do C. Processo Penal). Assim, quando a percepção ou apreciação dos factos probandos suscitar dificuldades não removíveis pelos procedimentos de análise comuns, justifica-se o recurso, para o efeito, a pessoas com conhecimentos especializados sobre a matéria em análise.

Precisamente porque estas pessoas integram um grupo restrito e criteriosamente seleccionado – por ordem de preferência, estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado, perito nomeado de entre os constantes de listas de peritos existente na comarca, ou pessoa de honorabilidade e reconhecida competência na matéria (art. 152º, nº 1 do C. Processo Penal) – de colaboradores do tribunal com específicos conhecimentos, se estabelece no art. 163º, nº 1 do C. Processo Penal que, o juízo técnico, científico ou artístico, inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador.

Como se vê, não se trata de uma verdadeira presunção – com efeito, não se trata de tirar uma ilação de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (cfr. art. 349º do C. Civil) – mas antes, de impor ao julgador o parecer ou juízo técnico, científico ou artístico, salvo quando o mesmo seja susceptível de crítica da mesma natureza (cfr. Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 209 e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, Verbo, 3ª Edição, 2002, pág. 198). Por isso, quando a convicção do julgador divergir do juízo pericial, a lei permite que deste discorde – afastando o valor, presuntivamente pleno, da prova pericial – desde que fundamente a divergência, com base em argumentos da mesma natureza e valor portanto, com base em diferente juízo técnico, científico ou artístico (art. 163º, nº 2 do C. Processo Penal).

Para terminar este ponto, resta dizer que apenas ficam sujeitos à disciplina do art. 163º, nº 1 do C. Processo Penal os juízos periciais, os juízos técnicos, científicos ou artísticos propriamente ditos, e já não os dados de facto que lhes serviram de fundamento. Por outro lado, deve notar-se que o juízo pericial tem que constituir sempre uma afirmação categórica, isenta de dúvidas, sobre a questão proposta, não integrando tal categoria juízos de probabilidade ou meramente opinativos.           

Posto isto.

O juízo médico-científico ínsito no relatório pericial de 8 de Agosto de 2014 afirmou a doença mental moderada do arguido e a sua inimputabilidade, para os factos cuja prática se mostra indiciada nos autos. Aliás, como já dissemos, este mesmo juízo consta do relatório relativo à prova pericial efectuada no inquérito. 

Contrariamente ao alegado pela assistente na conclusão XI da motivação do recurso, este juízo não se baseou apenas nas declarações produzidas nas respectivas entrevistas, pelo arguido e por sua irmã. Na verdade, consta do relatório que foram consultados os elementos documentais enviados pelo tribunal, entre eles, o Relatório Psicológico [tantas vezes referido pela assistente] e o teste de inteligência que o acompanha. E, como é óbvio, a entrevista com o arguido permitiu ao perito médico realizar o exame mental que consta do relatório.

A percepção e avaliação da doença mental e a consequente inimputabilidade do arguido são questões exigem especiais conhecimentos científicos, sobre as quais o perito médico emitiu um juízo técnico-científico claro e afirmativo, e nessa medida, sujeito ao disposto no art. 163º, nº 1 do C. Processo Penal. Não seriam, portanto, nunca, as declarações da assistente ou os depoimentos de testemunhas, e muito menos, a circunstância de o arguido manobrar um tractor no amanho de terras, ou de ter invocado uma ‘justificação’ para a sua conduta, que poderiam fundar qualquer divergência com aquele juízo, sendo certo que, quanto aos aspectos visados, não se vê que existam zonas de sombra que justificassem os pretendidos esclarecimentos do perito.

Em suma, considera-se subtraído à apreciação do juiz de instrução o juízo técnico-científico de ser o arguido portador de Deficiência Mental Ligeira a Moderada e inimputável para os factos indiciados, não merecendo nesta parte censura a decisão recorrida.

            4. Em moldes distintos deve ser colocada a questão que tem por objecto a indiciação da perigosidade do arguido.

Aqui, o relatório pericial de 8 de Agosto de 2014, designadamente, a sua conclusão 3 Atendendo à inexistência de antecedentes prévios de agressividade, impulsividade em relação a fatos semelhantes ou análogos aos relatados nos Autos, nem episódios posteriores de alterações de comportamento a esses mesmos factos é de presumir não existirem fundados receios de que venha a cometer factos da mesma natureza.»], é meramente opinativo, limitando-se s estabelecer uma ‘presunção’, a de que, face ao histórico do arguido, é de presumir a inexistência de fundados receios de repetição da conduta. Por isso, e como supra se deixou dito, não está abrangido pelo regime do art. 163º, nº 1 do C. Processo Penal. 

Ora, o afirmado histórico do arguido isto é, a ausência de antecedentes de agressividade e impulsividade relativamente a factos análogos aos dos autos, bem como a ausência de relatos de episódios posteriores, só pode ter sido apreendido pelo perito médico através das declarações do arguido e da sua irmã, nas respectivas entrevistas. Com efeito, nenhuma informação que pudesse existir nos autos [e não existe] quanto à inexistência de outros episódios, foi transmitido, pela via do processo, ao perito médico [apenas lhe foram facultados o auto de queixa, o Relatório Psicológico e o teste de inteligência].

E é precisamente com o intuito de demonstrar a existência de tais episódios de agressividade do arguido que a assistente, pondo em causa a isenção das declarações prestadas ao perito médico, arrolou testemunhas que, segundo afirma, têm conhecimento de tais episódios e da identidade de quem deles terá sido vítima – como é referido em 21º do requerimento para abertura da instrução – ou têm conhecimento do comportamento do arguido enquanto esteve internado – como é referido em 16º do mesmo requerimento.

Acresce que, não obstante ter sido elaborado já em Janeiro de 2002, o Relatório Psicológico de fls. 65 refere a existência no arguido de baixa tolerância à frustração, agressividade, fraco controlo comportamental e reacções de ira, e nas conclusões do Relatório da perícia efectuada no inquérito, não deixou de ser colocado ênfase na necessidade de manutenção de uma rede de suporte sócio-económica-cultural, com supervisão e manutenção de regras, como condição do improvável cometimento de novos factos idênticos aos dos autos.

Pois bem. Perante aquelas referências e esta preocupação, impunha-se que a Mma. Juíza de instrução, atento o disposto no art. 290º, nº 1 do C. Processo Penal, porque uma das questões fundamentais a decidir na instrução era a da perigosidade do arguido e porque nos autos, quanto a ela, rareavam os elementos de facto colhidos, tivesse admitido a produção dos depoimentos das testemunhas indicadas pela assistente no requerimento para abertura da instrução – D..., E... e o director do Internato Dr. M..., no período de frequência do arguido – aos pontos 16º e 21º do mesmo requerimento [e, eventualmente, a subsequente inquirição das pessoas mencionadas neste mesmo ponto 21º], com vista à despistagem da potencial possibilidade de repetição de condutas agressivas por banda do arguido, bem como, tivesse sido solicitada a realização de relatório social a fim de ser certificada ou não a existência da necessária rede de suporte do arguido.

Aliás, estes elementos, porque necessariamente relevantes para a aferição da perigosidade do arguido, se tivessem sido colhidos, não deixariam de ter sido levados ao conhecimento do perito médico [como outros, já mencionados, foram] para que pudesse, de forma factualmente mais sustentada, afirmar ou não a, no relatório de 8 de Agosto de 2014, declarada presunção de não perigosidade. Na verdade, competia ao tribunal, e não ao perito, a colheita dos elementos de facto relevantes relativos às condutas humanas que pretende sejam objecto do juízo de perigosidade. 

Por outro lado, o que, ressalvado sempre o devido respeito por diversa opinião, nos parece não ser de aceitar, por constituir, de certa forma, petição de princípio, é que se conclua pela falta de indícios suficientes da probabilidade de repetição de condutas agressivas, com fundamento no relatório pericial que afirma a presunção de não perigosidade, quando neste, tal afirmação resulta das entrevistas feitas, ao arguido e sua irmã, e da ausência de qualquer transmissão de informação relevante, porque, e contrariamente ao requerido pela assistente, nada foi minimamente averiguado.    

5. Em síntese conclusiva do que fica dito:

- Nada tendo sido investigado no inquérito quanto a condutas agressivas do arguido cometidas antes e depois dos factos objecto dos autos, sendo aquele inimputável e pretendendo a assistente, além do mais, demonstrar a sua perigosidade, face ao disposto no arts. 286º, nº 1, 288º, nº 4 e 290º, nº 1, todos do C. Processo Penal, deve a Mma. Juíza a quo admitir os depoimentos das testemunhas D..., E... e director do Internato Dr. M..., no período de frequência do arguido, aos pontos 16º e 21º do mesmo requerimento, e deve solicitar a realização de relatório social para certificação, ou não, da existência de rede de suporte do arguido;

- Colhidos estes elementos, sem prejuízo da realização de outras diligências de prova consideradas relevantes, deles deve ser dado conhecimento ao perito médico subscritor do relatório de 8 de Agosto de 2014, com o pedido de reapreciação, confirmando ou não, a ali afirmada presunção de não perigosidade;

- Recebida a resposta do perito médico, seguir-se-ão os demais termos.


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            III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso.

Em consequência, revogam o despacho recorrido e determinam a sua substituição por outro que dê execução às diligências de prova enunciadas em II., 5., que antecede, seguindo-se depois os demais termos da instrução.


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Recurso sem tributação, atenta a sua procedência (art. 515º, nº 1, b) do C. Processo Penal).

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Coimbra, 27 de Maio de 2015


(Heitor Vasques Osório – relator)


(Fernando Chaves – adjunto)