Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2/07.6TATBU.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: OLGA MAURÍCIO
Descritores: CASO JULGADO
SENTENÇA PENAL
DECISÃO CONDENATÓRIA
PARTE CIVIL
CONEXÃO
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 11/23/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TÁBUA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 403º Nº 1 CPP
Sumário: Tendo transitado em julgado a parte penal da sentença recorrida no âmbito da qual se concluiu pela culpa do arguido na ocorrência do acidente em termos que o fizeram incorrer no crime por que foi condenado, esta decisão impõe-se a todo o processo, mesmo sobre a parte que ainda não transitou, isto é, sobre o segmento civil do processo, pelo que não se pode voltar a discutir tal matéria.
Decisão Texto Integral: RELATÓRIO

1.
Nos presentes autos foi o arguido A... condenado na pena de 85 dias de multa, à taxa diária de 7,00 €, pela prática de um crime de ofensas à integridade física por negligência, previsto e punível pelos art. 15º, nº 1, b), e 148º, nº1, ambos do Código Penal.
O pedido de indemnização civil deduzido por B... foi julgado parcialmente procedente e, em consequência, foi a demandada Companhia de Seguros X..., S.A., condenada a pagar-lhe a quantia de 10 624,24 € a título de indemnização, acrescida de juros de mora à taxa legal.
Mais foi julgado parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelos HUC, tendo a demandada civil sido condenada a pagar a este a quantia de 2 508,65 €.

2.
Inconformada, a demandada civil recorreu, retirando da motivação as seguintes conclusões:
«1. A ora recorrente não se conforma com a douta sentença, nomeadamente na condenação do arguido e consequente condenação da ora recorrente a pagar aos demandantes cíveis a quantia de 1 0.624,24€ e 2.50a,65€.
2. Considera a ora recorrente que a culpa na produção do acidente em análise dos autos é totalmente imputável ao lesado e demandante cível B..., sendo a sentença nula por oposição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do art. 668º nº 1 do CPC e do art. 410º nº 1 e nº 2 alínea b).
3. Na motivação de facto da sentença a meritíssima juiz do tribunal a quo começa por referir que a produção da prova nesta causa foi atípica, considerando que tanto as declarações do arguido, como os depoimentos testemunhais foram ilógicos e incongruentes.
4. Na esteira da meritíssima juiz, a ora recorrente considera que a produção de prova em audiência de julgamento, nomeadamente a prova testemunhal, foi toda ela eivada de incompatibilidades, incoerências e, permita-se, falta de verdade.
5. Resulta assim que da audiência de discussão e julgamento nenhuma prova testemunhal foi feita acerca da forma como o acidente ocorreu.
6. Assim sendo, não pode a ora recorrente aceitar e acatar a decisão proferida pela meritíssima juiz, que com base em prova nenhuma e sustentada nas suas regras de experiencia comum decide dar como provados os factos constantes nas alíneas C), D), K), L) e M) da douta sentença.
7. Não consegue a ora recorrente compreender de que forma e que regras da experiencia comum permitem condenar um arguido e um demandado cível, sem qualquer prova testemunhal ou outra.
8. Os factos que objectivamente se conseguiram apurar no presente processo foram os seguintes:
• existiu um acidente de viação entre um motociclo e um ligeiro de passageiros que seguiam no mesmo sentido de trânsito,
• o embate deu-se na faixa de rodagem destinada ao sentido de trânsito que ambos levavam,
• o motociclo seguia à frente do ligeiro,
• o motociclo pretendia virar à esquerda,
• o embate na roda traseira sob a lateral direita do motociclo.
9. Todos os factos supra referidos se retiram de documentos juntos aos autos, nomeadamente auto de ocorrência e fotografias do motociclo.
10. Relativamente ao acidente considera ao ora recorrente que mais nenhum facto se conseguiu apurar com rigor e certeza, ou pelo menos com um grau de probabilidade forte como exige o Código Penal, a regra do ónus da prova e sobretudo o principio do in dúbio pro reu.
11. O Código da Estrada, art. 44º, 35º nº 1 e 21º nº 1, consideram a mudança de direcção à esquerda como uma manobra perigosa, os quais, de forma a minimizar os riscos pela sua realização impõem, aos condutores, que a realizem regras imperativas de conduta.
12. Da prova produzida em julgamento, ou constante no processo, não resultou que o lesado B..., tenha cumprido nenhuma das regras.
13. Nos termos do art. 342º nº 1 do Código Civil a prova dos factos constitutivos do direito alegado incumbe àquele que invocar um direito.
14. Quod non est in actis non est in mundo.
15. O princípio do in dubio pro reo é uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não houver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.
16. Não existindo um verdadeiro ónus da prova que recaia em qualquer dos sujeitos processuais, nomeadamente o arguido e o MP, e devendo o tribunal investigar autonomamente toda a verdade, deverá este não desfavorecer o arguido sempre que não logre prova do facto para além de toda a dúvida razoável.
17. No presente caso, não existindo qualquer prova produzida nos autos que vá de molde à condenação do arguido não pode a meritíssima juiz, por regras de experiência comum, proceder à sua condenação sem que um só facto, relativo à culpa na produção do acidente, esteja alicerçado em prova produzida nos autos.
18. Pelo supra exposto, deve o arguido ser absolvido da prática do crime pelo qual vinha acusado e em consequência deve a ora recorrente ser absolvida dos pedidos cíveis contra ela deduzidos, devendo toda a culpa na produção do acidente ser imputada ao lesado, motivo pelo qual deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser a ora recorrente absolvida de todos os pedidos.
19. A sentença penal apenas pode apreciar e decidir o pedido de indemnização civil baseado em danos provocados pela prática do crime que constitui objecto da acção penal.
20. A procedência do pedido de indemnização civil restringe-se à responsabilidade civil baseada na culpa, disposta no art. 483º nº 1 do C. Civil, pelo que não tendo resultado provada a culpa do arguido na produção do acidente não pode ser aplicado o art. 506º do CC, responsabilidade pelo risco ao presente caso.
21. Sem conceder e por mero dever de patrocínio, se V. Exas. perfilharem de opinião diversa da explanada no presente recurso, e decidirem que o arguido teve cota parte de culpa na produção do acidente deverá a mesma ser reduzida para menos de 50%, uma vez que o lesado, ao não sinalizar a manobra de mudança de direcção, contribuiu em percentagem superior a 50% para a produção do acidente.
22. Por último, em relação ao montante fixado pelo douto tribunal a quo a título de danos morais para o lesado B..., considera a ora recorrente ser o mesmo extremamente exagerado.
23. Considera a ora recorrente que, a título de danos morais a atribuir ao lesado B... qualquer quantia total (a qual posteriormente terá que ser dividida pela quota-parte de responsabilidade) que ultrapasse os 7.500€ será exagerada e consubstanciará um enriquecimento do lesado».

3.
O recurso foi admitido.

4.
Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais.
Realizada a conferência cumpre decidir.
*
*

FACTOS PROVADOS

6.
Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
«A. No dia 01.09.2006, cerca das 12h10, o arguido A..., na Estrada Nacional n.º 17, próximo do Km. 56, em Catraia de Mouronho – Tábua, conduzia o veículo automóvel da marca …no sentido Moita da Serra – Gândara de Espariz.
B. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, B… conduzia, à frente do arguido, na mesma hemifaixa de rodagem, o ciclomotor de matrícula … .
C. Ao chegar ao local onde a estrada dá acesso à esquerda, atento o referido sentido de marcha, a um estabelecimento comercial, B… aproximou-se do eixo da via, com intenção de virar à esquerda.
D. No momento em que o ciclomotor de B... se preparava para entrar na hemifaixa de rodagem destinada ao trânsito que circula em sentido contrário, o arguido colidiu na roda traseira daquele ciclomotor, o qual foi projectado para o seu lado esquerdo, atento o referido sentido de marcha.
E. O veículo conduzido por B... ficou imobilizado a cerca de 20 metros do veículo conduzido pelo arguido, que este imobilizou na hemifaixa de rodagem em que seguia, a cerca de 30 metros do local do embate.
F. B... ficou caído junto à entrada de um caminho que dá acesso a uma moradia e a um estabelecimento comercial existente do lado esquerdo da estrada, atento o referido sentido de marcha.
G. No local do acidente, a Estrada Nacional n.º 17 apresenta configuração rectilínea, tem uma largura de 5,80 metros e as suas hemifaixas de rodagem encontram-se separadas por uma linha longitudinal descontínua, estando o seu piso em bom estado de conservação.
H. A recta referida tem, aproximadamente, 200 metros, situando-se a entrada para o caminho referido em F sensivelmente a meio daquela.
I. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em A, não chovia e o piso da estrada estava seco.
J. Como consequência directa e necessária do embate e posterior queda ao solo, B... sofreu as lesões descritas no relatório pericial junto a fls. 39-41, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, designadamente cicatrizes e edemas na face da perna e no joelho do membro inferior direito e encurtamento de 1 cm deste membro inferior em relação ao contralateral, que lhe determinaram 75 dias de doença, durante os quais esteve 45 dias incapacitado de forma geral e 30 dias incapacitado de forma parcial.
K. Ao colidir com o ciclomotor conduzido por B... da forma descrita em D, o arguido procedeu de forma livre e descuidada, não logrando controlar o veículo que conduzia no espaço livre e visível à sua frente, de modo a evitar o embate, omitindo assim as precauções de segurança exigidas no exercício da condução, que devia ter adoptado, como era capaz, para evitar a produção do resultado verificado.
L. O arguido podia e devia ter previsto a possibilidade de, com a sua conduta, causar ofensas na integridade física de terceiros, designadamente de B..., mas não previu, dando assim causa ao acidente supra descrito do qual resultaram as lesões também já referidas.
M. O arguido sabia que ao agir do modo descrito incorria na prática de um ilícito criminal.
N. O arguido não tem antecedentes criminais.
O. Vive com a sua mulher, em casa própria, sendo ambos reformados e auferindo, cada um, uma pensão de cerca de € 386,00, sendo que o arguido recebe ainda um complemento de cerca de € 300,00.
- Do pedido cível
P. Na sequência do embate, o demandante B... foi assistido no Centro de Saúde de Tábua, após o que foi transferido para os HUC, onde lhe foi diagnosticada uma fractura bicondiliana dos pratos da tíbia direita.
Q. O demandante foi sujeito a uma redução da fractura e imobilização com tala gessada, ficando internado nos HUC até ao dia 20.09.2006.
R. No dia 12.09.2006, o demandante foi submetido a uma intervenção cirúrgica para redução aberta da fractura e osteossintese com 3 parafusos e imobilização gessada.
S. No dia 20.09.2006, o demandante teve alta para o domicílio, com indicação médica de manter a imobilização gessada, deambular em descarga com apoio de canadianas, tendo regressado a casa pelos seus próprios meios, por cujo transporte despendeu € 50,40.
T. Entre o dia 27.09.2006 e o dia 27.11.2006, o demandante deslocou-se diversas vezes ao Centro de Saúde para fazer a mudança dos pensos e remoção dos agrafes, despendendo em transporte € 52,00.
U. Nos dias 16.10.2006 e 15.11.2006, o demandante deslocou-se aos HUC para consultas médicas, despendendo, por esse transporte € 100,80.
V. O demandante apresenta actualmente uma marcha claudicante, sofre de dores nas pernas e tem dificuldades de equilíbrio, deslocando-se diariamente com o auxílio de uma bengala.
W. Durante o período de recuperação, o demandante ficou impedido de exercer as normais actividades do seu dia-a-dia.
X. Em consequência do embate referido em D, o ciclomotor do demandante sofreu estragos.
Y. Em consequência das lesões sofridas, ofendido esteve internado durante 20 dias nos HUC, onde foi, posteriormente assistido, por duas vezes, na consulta externa, o que importou para estes serviços de saúde um custo de € 3 583,78.
Z. Na data referida em A, a responsabilidade pelos danos decorrentes da circulação do veículo conduzido pelo arguido, de matrícula … encontrava-se assumida pela demandante civil, Companhia de Seguros X..., S.A., através do contrato de seguro titulado pela apólice 90.320274.
AA. O ciclomotor conduzido pelo demandante civil não efectuou sinal de mudança de direcção à esquerda».

7.
E foram julgados não provados quaisquer outros factos com relevância para a causa, nomeadamente:
«1. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em C, B... sinalizou a intenção de virar à esquerda, levantando o seu braço esquerdo.
2. O ofendido B... proveio da berma da estrada por onde circulava, invadindo inadvertidamente a faixa de rodagem, em sentido perpendicular àquela.
3. O demandante necessita de se submeter a nova intervenção cirúrgica para extracção dos parafusos que actualmente lhe provocam dores acentuadas e se encontram quase a superfície.
4. A reparação dos estragos sofridos pelo ciclomotor do demandante importa um custo de € 296,40».

8.
O tribunal recorrido motivou a sua decisão sobre os factos provados e não provados nos seguintes termos:
«A convicção do tribunal, quanto aos factos provados alicerçou-se no conjunto da prova produzida e examinada em audiência, essencialmente numa ponderação crítica dos depoimentos testemunhais prestados, conjugada com as declarações do arguido e ainda com os elementos documentais juntos aos autos.
Antes de mais, cumpre tecer uma palavra acerca da atipicidade que caracterizou a produção de prova nesta causa, cujos meios de índole subjectivista, como os depoimentos testemunhais e as declarações do arguido, foram de tal modo ilógicos e incongruentes que deixaram o tribunal na árdua, mas porventura mais profícua, condição de ter de formar a sua convicção com base na conjugação dos poucos – mas que cremos bastantes – elementos reais e objectivos disponíveis nos autos, com as regras que nos dita a experiência comum.
Com efeito, o arguido começou, desde logo, por apresentar uma versão completamente descabida dos acontecimentos – diferente, diga-se, daquela que relatou ao militar da GNR que elaborou o auto de participação de acidente – referindo que o ofendido se encontrava parado na berma da estrada, para lá do traço contínuo e que, de repente, atravessou a faixa de rodagem, em sentido perpendicular, colocando-se na frente do seu carro. Sucede que, no sentido em que circulava o arguido, não existe qualquer cruzamento do lado direito da estrada de onde pudesse provir o ofendido, o que, ainda assim, não inibiu o arguido de se atrever a avançar a possibilidade de aquele ter vindo de um cruzamento situado cerca de 10 metros à frente do local do embate, deixando, assim, dissipadas quaisquer dúvidas acerca da razoabilidade e credibilidade das suas afirmações. Por outro lado, foi patente ao longo das suas declarações uma exacerbada preocupação em desculpar o seu comportamento (anterior, contemporâneo e posterior ao acidente), apressando-se não só a afastar qualquer responsabilidade da sua parte pelo embate, como também a justificar alguma sua eventual manifestação de desinteresse ou indiferença pelo estado físico do ofendido, apelando ao desnorte em que ficou, o que sempre revela pouca vontade de realmente esclarecer o sucedido. Igualmente estranha mostrou-se ainda a constante e desmesurada necessidade de antecipar o sentido dos depoimentos testemunhais antes de eles serem prestados, bem como de precipitar as conclusões a retirar de determinados elementos de prova, também antes da sua efectiva produção em audiência. De todo o modo, as incoerências e contradições que marcaram as declarações do arguido falam por si, ora dizendo que o ofendido estava parado, na berma da estrada, fora da linha contínua e em sentido perpendicular àquela, ora afirmando, afinal, que aquele se encontrava sobre o alcatrão, em direcção diagonal e que iniciou a marcha quando o seu carro se aproximou, não havendo qualquer margem para considerar que estas suas declarações possam ter algum sentido que não o de, a todo o custo, afastar a sua responsabilidade pela ocorrência do acidente, o que fragiliza irremediavelmente, qualquer eventual conformidade daquelas com a realidade.
Quanto ao ofendido, também o seu depoimento se revelou excessivamente confuso e contraditório, fazendo sucessivos avanços e recuos nas suas afirmações e manifestando uma excessiva preocupação em dizer que circulava junto ao eixo da via e levantou o braço esquerdo cerca de 10 metros antes, dando esta resposta invariavelmente a quase todas as questões que lhe foram feitas. Pelo que, tendo sido notória a sua incapacidade para compreender o exacto alcance das questões, bem como a sua manifesta falta de memória dos factos, ao que entendemos não ser alheia a patologia de que sofre (demência fronto-temporal), atestada a fls. 482, o seu depoimento não mereceu qualquer credibilidade ao tribunal.
Por seu lado, os depoimentos das testemunhas alegadamente presenciais dos factos, designadamente o ofendido B..., … … …, em nada contribuíram para esclarecer o tribunal acerca da real dinâmica dos acontecimentos, divergindo quer entre si, quer com alguns dados decorrentes das normas da experiência, não tendo a explicação apresentada por qualquer delas sido suficientemente clara e escorreita para nos fazer crer na realidade dos factos por si relatados. Com efeito, começando pelo depoimento de …, passageira do automóvel me que seguia o arguido, não é demais apelidá-lo de absurdo, tal foi a irracionalidade de algumas das suas afirmações, destituídas de qualquer sentido lógico, e a desfaçatez com que as proferiu, dizendo, por exemplo, numa tentativa clara e ostensiva de corroborar a versão apresentada pelo arguido, que se recorda de ter visto, pela janela lateral traseira do carro, um ciclomotor parado na berma da estrada, cujo condutor se encontrava de pé. Porém, já não consegue lembrar-se se este entretanto se sentou no veículo e entrou na estrada, tendo apenas memória de ter abraçado o seu marido, que estava sentado no banco à sua frente, mas também não sabe explicar porque o fez. E isto basta para se perceber a dimensão da desconexão do discurso desta testemunha que, aliás, durante todo o seu depoimento foi demonstrando um enorme comprometimento e um forte estado de nervosismo, repetindo sucessivamente que não tinha mais nada a dizer e acabando até por se recusar a prestar esclarecimentos aquando da deslocação ao local.
Por sua vez, as testemunhas … e … , pese embora a segurança e firmeza revelada nas suas afirmações, a falta de coerência entre elas, bem como a sua incompatibilidade com os restantes elementos de prova – de carácter mais objectivo e, por isso, menos falíveis – levam-nos a crer que o teor daqueles depoimentos quanto à dinâmica do acidente traduz o resultado de um processo de reconstituição da memória, dificultado por um lado pela rapidez com que ocorrem este tipo de acidentes, e, por outro, cremos já contaminado por factores exteriores, bem como pelo inevitável conhecimento superveniente de circunstâncias susceptíveis de influenciar a sua primitiva percepção dos factos, fenómeno que tantas vezes se verifica ocorrer, nos tribunais ou em muitas outras sedes, e a propósito do qual não faltam explicações científicas.
Com efeito, embora ambos refiram que assistiram ao embate, encontrando-se … na janela do 1º andar de sua casa e surgindo … na hemifaixa de rodagem contrária àquela em que circulava o arguido, este último não é capaz de se lembrar qual deles chegou primeiro junto do ofendido e a primeira refere ter sido ela, o que é pouco crível atendendo ao percurso que ela teve de efectuar até ao local, em comparação com a distância percorrida por alguém que assiste ao acidente da estrada, a cerca de 100 metros e estaciona o carro junto ao local onde estava o ofendido, como alegadamente aconteceu com …. .
Por outro lado, quanto à alegada sinalização da mudança de direcção à esquerda por parte do ofendido B..., que aquelas testemunhas referem ter visto com o braço levantado, também não se nos afigura minimamente verosímil que …. possa ter tido essa percepção da janela do seu quarto, à frente da qual existem árvores cuja vegetação impede uma visão totalmente límpida para a estrada, para além de que é pouco provável que nessas circunstâncias e no contexto em que a testemunha disse estar à janela – a sacudir um tapete – se dê atenção a um pormenor como esse.
Finalmente, os danos provocados no ciclomotor do ofendido não se mostram compatíveis com uma colisão completamente frontal na roda traseira, conforme aquelas testemunhas referiram ter acontecido, já que se o ciclomotor estivesse em linha paralela com o traço longitudinal do eixo da via o embate não causaria estragos nos raios laterais da roda, o que pressupõe sempre uma inclinação, ainda que ligeira, daquela.
Tudo isto para dizer que não estamos em condições de confiar nestes depoimentos testemunhais, ao ponto de neles sustentar a nossa convicção, não acolhendo, por isso, a versão dos acontecimentos apresentada por aquelas duas testemunhas, pese embora não ponhamos em causa que aquelas pudessem encontrar-se próximas do local do acidente, aquando da sua ocorrência.
Resta-nos, assim, para apreciar – para além do teor das declarações do arguido, cuja valoração se impõe prejudicial à credibilidade da versão por si apresentada – as imagens fotográficas do ciclomotor em que circulava o ofendido, juntas a fls. 7 e 8, representativas dos estragos causados, e a percepção da realidade constatada in loco, conjugando tais elementos com as regras do saber empírico.
Ora, partindo daquela primeira realidade, retratada nas fotografias do ciclomotor, são visíveis danos no segmento final da parte lateral esquerda da roda traseira, o que faz presumir a ocorrência de um embate não frontal ou em sentido linear, da perspectiva do veículo atingido. Concluímos, por isso, que o ofendido circulava em sentido diagonal, em aproximação do eixo da via, com vista a entrar no acesso existente à sua esquerda, não sendo minimamente plausível a hipótese de o ofendido circular em sentido perpendicular à estrada, já que à direita desta, no sentido em que circulava o arguido, não existe qualquer estrada ou caminho de onde o ofendido pudesse provir e ainda que, por mera conjectura, o ciclomotor tivesse estado parado na berma direita, nunca se introduziria na estrada de forma perpendicular, mas sim em sentido diagonal. Nesta conformidade, considerámos provada a matéria descrita em A a D e não provados os factos referidos em 1 e 2.
Aliás, a incongruência dos depoimentos testemunhais prestados quer pelo ofendido, quer pelas testemunhas … e …, conjugada com os restantes elementos de prova e analisando tudo isso à luz das regras da experiência, levou-nos a considerar demonstrado o contrário do que se descreve em 1, sendo nossa firme convicção que o ofendido não sinalizou a sua manobra. Com efeito, se por um lado a prova de um facto não pode bastar-se com meras afirmações quanto à sua existência, sem qualquer sustentação lógica e credível associada – como aconteceu com os referidos depoimentos – a forma como ocorreu o embate, aliada a todas as restantes circunstâncias fácticas demonstradas, designadamente quanto à boa visibilidade do arguido e às características da estrada, levam-nos a concluir que o ofendido não sinalizou, de facto, a sua manobra de mudança de direcção, razão pela qual se considerou provado o facto referido em AA, alegado pela demandada.
Por outro lado, o local do acidente constitui uma recta, tendo o embate ocorrido próximo de um cruzamento à esquerda, relativamente ao qual existe visibilidade a cerca de 100 metros das faixas de rodagem de cada um dos sentidos, sendo que o ciclomotor se encontrava em aproximação à esquerda e foi embatido na parte final da sua roda traseira. O que significa que o arguido tinha espaço e visibilidade suficiente para, numa condução atenta e a uma velocidade adequada e contida nos limites legais, avistar o ciclomotor conduzido pelo ofendido e aperceber-se da sua manobra de mudança de direcção, sem prejuízo da obrigação deste de sinalizar devidamente tal intenção. E, nessa medida, devia ter actuado com o cuidado necessário a evitar o embate, reduzindo a velocidade e mantendo uma distância de segurança relativamente àquele ciclomotor suficiente para com ele não colidir, o que manifestamente não fez. É que a forma como ocorreu o embate não permite a hipótese de o arguido ter sido subitamente surpreendido pela mudança de direcção do ciclomotor – muito menos pela sua introdução inadvertida na estrada – já que se assim fosse, o embate dar-se-ia, não no segmento final da roda traseira, mas antes numa parte anterior daquele veículo. Ou seja, conjugando as mais elementares regras da experiência com os elementos conhecidos nos autos, designadamente quanto à zona de embate no ciclomotor, à inexistência de sinais de travagem do veículo, à largura da hemifaixa de rodagem da estrada em causa e à dimensão do veículo conduzido pelo arguido, torna-se necessário concluir que, quando este colide com aquele ciclomotor, este já está, necessariamente, em vias de entrar na faixa de rodagem contrária, pelo que o arguido tinha obrigação de se aperceber da sua existência e adequar a sua condução por forma a evitar a colisão.
Não o tendo feito, o arguido agiu sem tomar as precauções exigidas no exercício da condução, não adoptando o cuidado que lhe era exigido para evitar a ocorrência do acidente de viação e, consequentemente, a produção de ofensas corporais em terceiros, neste caso no condutor do ciclomotor, o que devia ter previsto.
Entendemos, assim, que independentemente da infracção cometida pelo ofendido ao não sinalizar devidamente a sua manobra, a causa determinante do acidente foi a falta de cuidado do arguido, manifestada nos factos que acabamos de expor, já que, ao contrário daquele, este tinha todas as condições para evitar o embate no ciclomotor e não o fez, adoptando um comportamento que potenciou determinantemente o perigo concretizado no resultado que veio a verificar-se.
Nessa medida, resultou provada a factualidade descrita em K a M.
Quanto às características do local e à localização dos veículos após o acidente, descritos em E a H, foi valorado o auto de participação de fls. 90-91, cujo teor foi confirmado pelo seu autor, o militar da GNR, José Frias, bem como os elementos recolhidos através da inspecção do local efectuada pelo tribunal.
As lesões sofridas pelo ofendido, bem como as respectivas sequelas e demais consequências, encontram-se atestadas nos relatórios periciais juntos a fls. 39-41, 349-352 e 387-392, complementados com a restante documentação clínica junta aos autos, designadamente a fls. 322-325, 329-333 e 375-376, resultando assim demonstrados os factos referidos em J e P a S, estes últimos relativos ao pedido cível. A respeito das despesas de transporte (indicadas em S a U), foram considerados os recibos de fls. 175 a 183, conjugados com os registos administrativos das respectivas instituições hospitalares, de fls. 174 e 188, que atestam a frequência das consultas pelo demandante, não tendo sido valorada a este propósito a despesa contida no recibo de táxi de 10.10.2006, por não haver qualquer comprovativo acrescido de que esta deslocação tenha sido efectuada para tratamento médico, já que não resulta dos referidos registos qualquer consulta hospitalar nesta data.
Relativamente aos restantes danos relevantes para a parte cível, foram ainda valorados os depoimentos de … e …, amigos e vizinhos do demandante, que com ele convivem há muitos anos e auxiliaram o tribunal na confirmação das limitações físicas decorrentes do acidente para aquele e dos seus efeitos na sua vida diária, o que, de resto, sempre resultaria da conjugação das regras da experiência com o teor dos relatórios médicos supra referidos».
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DECISÃO

Como sabemos, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código.

Por via dessa delimitação as questões a decidir são as seguintes:
I – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
II – Desconformidade da indemnização arbitrada a título de danos não patrimoniais

*
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I – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

A recorrente pretende que a decisão recorrida seja alterada no que aos factos respeita e que seja decidido que o arguido não teve qualquer culpa na verificação do acidente, que a culpa do mesmo se deveu, por inteiro, ao ofendido, e que, por consequência, seja absolvida dos pedidos de indemnização contra si formulados.

Conforme se viu, a decisão sobre os factos provados assentou, apenas, na prova documental junta ao processo e é com recurso a esta mesma prova que a recorrente entende que a decisão deve ser alterada já que, na sua tese, daqueles documentos não se pode retirar que o ofendido cumpriu as regras estradais no que à manobra de mudança de direção respeita e que a culpa do acidente se tenha devido ao arguido ou, em exclusivo, ao arguido.
Conforme a recorrente alega, a manobra de mudança de direção é tida pela lei como manobra perigosa e, por isso, para ser devidamente efectuada tem que revestir-se de uma série de cuidados, que não resulta que tenham sido tomados no caso.
E também é verdade que o arguido não tem qualquer dever de provar a sua inocência, sendo sobre a acusação que impende todo o ónus de provar a sua responsabilidade na produção do facto ilícito. E quando, produzida a prova, existam dúvidas sobre esta responsabilidade uma tal dúvida tem, sempre, que ser ultrapassada com respeito pelo princípio in dubio pro reo: os factos favoráveis terão que ser dados como provados, sejam certos ou duvidosos, e os factos desfavoráveis terão que ser dados como não provados, pois que para se terem como provados exige a lei a certeza quanto à responsabilidade do agente.

Portanto, impugnada que está a decisão sobre a matéria de facto caberia agora, em situação normal, proceder à sindicância entre os factos assentes e a prova invocada, ou seja, indagar se dos documentos de que o tribunal recorrido se socorreu é possível concluir, como ali se concluiu, pela responsabilidade do arguido na verificação do acidente.
Isto seria assim em situação normal mas, no caso, não é possível trilharmos este caminho.

Embora estando a discutir a parte civil da sentença recorrida, a recorrente começa por reclamar a sua absolvição por, segundo diz, a culpa do acidente se ter devido exclusivamente ao comportamento do ofendido.
Ou seja, convoca para a discussão a decisão sobre a matéria de facto provada.
Ora esta matéria de facto, que serviu para a condenação da recorrente no pagamento do pedido de indemnização civil deduzido, serviu, também, para julgar procedente a acusação deduzida contra o arguido A... e para o condenar pela prática do crime de ofensa à integridade física por negligência.
Ou seja, os mesmos factos deram causa à condenação crime e à condenação civil.
E no que respeita à decisão crime todos, nomeadamente o arguido, se conformaram com o decidido. Ao invés, a demandada civil não concorda com a condenação que sofreu e pretende ser absolvida porque, diz, o crime imputado na acusação, e acolhido na sentença, não se verificou.

Como dissemos, o arguido conformou-se com a decisão pelo que esta, quanto a ele, transitou em julgado. Isto é, a vertente penal da sentença recorrida transitou em julgado. O mesmo não sucede quanto à vertente civil, já que a responsável civil pelos danos causados pelo arguido pretende discutir, de novo, a culpa da verificação do acidente.
Discutir, de novo, a dinâmica do acidente poderia levar, claro, à conclusão defendida pela recorrente, de que a culpa do acidente se deveu ao lesado. Mas a verdade é que o arguido foi condenado pela sua verificação e foi-lhe atribuída, aliás, a culpa exclusiva.
Ora, perante este quadro já se percebeu que não é passível de discutir, em sede de apreciação da decisão relativa ao pedido civil formulado pelo ofendido, os factos relativos ao crime, nomeadamente a culpa na verificação do ilícito.

Nos termos do art. 129º do Código Penal «a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil».
O pedido de indemnização civil deduzido em processo penal tem sempre, portanto, como fundamento a prática de um crime. Ou seja, a verificação de um mesmo facto gera, digamos, duas ações judiciais: o processo crime e a ação de indemnização civil.
Mas apesar de nascer da prática de um crime, a indemnização civil deduzida no processo penal tem natureza civil. Trata-se de uma consequência civil da prática do crime e não de mais uma sanção penal. Por isso é a lei civil que fixa os respectivos pressupostos.
E nos termos da lei civil, concretamente do art. 483º, nº 1, do Código Civil, os pressupostos da obrigação de indemnizar resultante da prática de acto ilícito são:
- o facto voluntário do agente;
- a ilicitude do facto;
- a imputação do facto ao lesante, a título de dolo ou mera culpa;
- a ocorrência de dano;
- a existência de um nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Quanto aos danos indemnizáveis, são-no os patrimoniais e os não patrimoniais. A indemnização pelo dano patrimonial corresponde à diferença entre a situação patrimonial actual e a que existiria se não tivesse ocorrido o evento lesivo (art. 562º e 563º, ambos do Código Civil) e abrange o dano emergente (prejuízo causado) e o lucro cessante (benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão) – art. 564º do mesmo diploma. Quanto aos danos não patrimoniais, são atendíveis para efeitos indemnizatórios aqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – art. 496º do Código Civil.
Verificados estes pressupostos nasce a obrigação de indemnizar.

Da matéria de facto provada resulta que o acidente se deveu a culpa do arguido. Resulta, também, que ele havia transferido a sua responsabilidade decorrente de danos provocados no exercício da condução para a demandada civil.
Assentando o pedido de indemnização na prática, pelo arguido, de um crime e estando, já, decidida a sua verificação, esta decisão impõe-se a todo o processo, mesmo sobre a parte que ainda não transitou, isto é, sobre a vertente civil do processo.
«O caso julgado penal projecta os seus efeitos na causa civil, de modo a impedir uma nova apreciação da culpa dos intervenientes no acidente; o tribunal cível não pode reapreciar a culpa daqueles e a medida desta … A definição do modo e circunstancialismo do acidente e atribuição de culpa integradora do crime (no processo criminal) é definitiva, não podendo ser reequacionada aquando da discussão da matéria cível. A admitir-se nesta sede a possibilidade de discussão (de uma nova discussão) da génese do acidente, com outra apreciação e discussão da verificação da culpa, ou diversa fixação de contribuição de culpa (culpa única e exclusiva, ou concursal, partilhada, em concorrência), estar-se-ia a abrir caminho para uma revisão (obviamente fora de um quadro de recurso extraordinário) e para uma redefinição de matéria factual assente (definitivamente) no processo, com base na qual inclusive o arguido foi condenado com base em responsabilidade criminal numa pena criminal … Não é possível alteração de matéria de facto e de modificação da percentagem de culpa dos intervenientes no acidente que esteve na base do processo crime e do pedido de indemnização versado nos autos …» Acórdão do S.T.J. de 10-12-2008, processo 08P3638. Vide, ainda, além de outros, o recente acórdão deste tribunal de 7-7-2010, processo 893/01.4TALSD, e do da Relação do Porto de 1-7-2009, processo 520/03.5PTPRT..

Imaginando, por um momento, que esta discussão era possível poderíamos ser confrontados, no final, com a situação de os mesmos factos terem tratamento oposto no mesmo processo, isto é, de o acidente se ter devido a culpa exclusiva do arguido e, simultaneamente, se ter devido a culpa exclusiva do ofendido.
Era o absurdo total.
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II – Desconformidade da indemnização arbitrada a título de danos não patrimoniais

Sendo certo que o recurso restrito à parte civil não pode, nunca, ferir o caso julgado que se formou em relação à questão penal – não sendo admissível, por isso, nem discutir a culpa do agente, nem o seu grau de culpa na verificação do evento -, já é passível de discussão as questões específicas do pedido de indemnização, como sejam os prejuízos reparáveis e os quantitativos fixados, já que estes extravasam os efeitos do caso julgado penal.

A recorrente põe em causa o montante fixado na decisão recorrida quanto aos danos morais sofridos pelo demandante, que entende exagerado.
Recordando, a sentença recorrida fixou em 10 642,24 € o valor dos danos não patrimoniais sofridos pelo demandante civil, na base das seguintes considerações:
«… há que atender de perto aos elementos fornecidos pelo exame médico-legal, cujos relatórios estão juntos a fls. 349-352 e 387-392, concretamente ao facto de o demandante ter sofrido 75 dias de incapacidade temporária, dos quais esteve 45 dias incapacitado de forma geral e 30 dias incapacitado de forma parcial; ter estado internado durante 20 dias, durante os quais foi submetido a uma intervenção cirúrgica; ter prolongado o tratamento das suas lesões até 27.11.2006, tendo sido fixada como data da estabilização das lesões o dia 15.11.2006; ter sofrido dores de grau 3 numa escala de 7; ter ficado com sequelas permanentes ao nível da perna direita, fixáveis em 4 pontos e, finalmente, ter sofrido um dano estético de grau 4, numa escala de 7. Por outro lado, devem temperar-se todos estes factores com outras circunstâncias concretas do caso, designadamente quanto à idade do demandante, que tinha 73 anos à data do acidente, à sua situação de reformado, à sua situação económica, que é modesta, e à pequena dimensão e fraco desenvolvimento do meio sócio-cultural onde está inserido, o que nos permitirá aferir, com maior equidade, por um lado, as repercussões psicológicas que alguns destes danos, designadamente os de nível estético, possam ter tido na sua pessoa, e, por outro, o seu grau de satisfação com a compensação a arbitrar».

Sobre o montante fixado a recorrente limita-se a dizer que é elevado e propõe, em alternativa, um valor inferior a 7.500,00 €.

Como bem se vê na fixação da indemnização devida por danos não patrimoniais não é possível fazer incidir regras de cálculo. Daí que ela tenha que ser fixada com recurso à equidade e à justiça (art. 566º, nº 3, do Código Civil).
Isto significa que o seu valor é determinado considerando a culpa do agente, a sua situação económica, bem como a situação económica do lesado, as especiais circunstâncias do caso, a gravidade do dano, etc., ou seja, todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 2003, pág. 602 e segs..
Nem podia deixar de ser assim já que relativamente a estes danos a indemnização não visa pagar, nem apagar, os danos provocados pelo facto. O que aqui se pretende é atenuar, minorar e de certo modo compensar os danos sofridos pelo lesado Idem. atribuindo-lhe uma soma em dinheiro que lhe permita um acréscimo de bem-estar que sirva de contraponto ao sofrimento moral provocado pela lesão, na medida em que lhe pode proporcionar alegrias que compensem a dor, tristeza ou sofrimento ocasionado pelo facto danoso.
Sendo essa a função a indemnização pelo dano não patrimonial, não pode ela ser meramente simbólica, a menos que seja isso mesmo o que se pretenda.
Para o ressarcimento destes danos a lei, no art. 496.º do Código Civil, atribui ao julgador a determinação do que é equitativo e justo em cada caso.
Julgar segundo a equidade é julgar com recurso às regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida, sem auxílio de norma pré estabelecida. Julgar segundo a equidade é, afinal, dar ao conflito a solução que seja a mais justa.
A equidade é a justiça do caso concreto.
Se assim é, então na apreciação dos danos não patrimoniais o que releva é não o rigor contabilístico, que preside à fixação dos danos patrimoniais, mas antes a intenção de dar alguma correspondência compensatória ou satisfatória entre uma quantia de dinheiro a arbitrar à vítima e a importância dos valores imateriais de que ela se viu privada com o facto Pessoa Jorge, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil..
E porque não presidem critérios legais inequívocos e unívocos, a decisão tomada com base na equidade é passível de alteração apenas quando afronte, manifestamente, as regras que lhe presidem, ou seja, da boa prudência, de bom sendo prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida Vide, entre outros, os acórdãos do S.T.J. de 17-6-2004, processo 2364/04, de 13-7-2006, processo 06P2046, e de 27-11-2007, processo 07P3310...

Não se vislumbrando que a decisão recorrida tenha afrontado qualquer uma destas regras entendemos não ser de alterar o quantitativo fixado a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima.

Assim, mantém-se a indemnização fixada.
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DISPOSITIVO

Pelos fundamentos expostos, e na improcedência do recurso, confirma-se na íntegra a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.



OLGA MAURÍCIO (RELATORA)
LUÍS TEIXEIRA