Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3102/02.5TALRA-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ EDUARDO MARTINS
Descritores: SUBIDA DO RECURSO
DECISÃO
PRAZO
DOCUMENTO
Data do Acordão: 04/28/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGO 407º CPP
Sumário: 1. A inutilidade tem que ser absoluta, sendo certo que esta não tem nada que ver com o risco de virem a ser anulados determinados actos, designadamente o julgamento, caso a final venha a ser julgado procedente o recurso.

2. Em bom rigor, a inutilidade só é absoluta quando a retenção do recurso tiver como resultado a completa inconsequência do futuro resultado do mesmo, ou seja, quando, mesmo a proceder o recurso, o recorrente já disso não puder retirar qualquer proveito.

3. O recurso no qual se insurge contra uma decisão, proferida em audiência de julgamento, que se limitou a conceder determinado prazo de análise de um documento que o recorrente considera insuficiente é de subida deferida.

Decisão Texto Integral: A - RELATÓRIO:
1. No âmbito dos autos de Processo Comum (tribunal colectivo) registados sob o n.º 3102/02.5TALRA, a correr termos no 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Leiria, veio o arguido L..., em 15/10/2008, interpor recurso do despacho proferido, durante a audiência de discussão e julgamento, em 22/9/2008, cujo teor é o seguinte:
Conforme consta de fls. 1641 a 1645 dos autos, foi devidamente registada na Conservatória do Registo Comercial competente certidão que registou a falência da arguida O... – Indústria e Comércio de Confecções, S.A., convertida em definitiva pela apresentação 67/200730811.
Tal certidão já havia sido notificada ao arguido e consta dos autos desde 14-10-2004.
Não se vê assim qual o seu interesse em analisar documento que já foi levado ao registo e do qual tinha conhecimento.
No entanto, atendendo ao supra exposto, e atendendo ao escasso número de folhas da certidão cuja junção foi ordenada, concede-se ao arguido Luís Almeida o período de 10 minutos para a analisar, período esse que se considera suficiente atendendo à natureza do documento em causa.
2. No seu requerimento de interposição do recurso, datado de 15/10/2008, solicitou o arguido que o mesmo subisseimediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo (artigos 406.º, n.º 1, 407.º, n.º 1, al. a), e 408.º, n.º 1, todos do CPP)”, defendendo que o despacho em crise deve ser substituído por outro que conceda o prazo requerido de 5 dias para exercício do princípio do contraditório, anulando-se os ulteriores termos do processo, e, ainda, que a norma do n.º 2 do artigo 165.º do CPP deve ser declarada inconstitucional, por ofensiva do princípio do contraditório, no entendimento oferecido pelo Tribunal, tendo apresentado as seguintes Conclusões:
A. O despacho a conceder 10 minutos ao arguido para exercer o seu direito ao contraditório em analisar 2 documentos oficiosamente juntos aos autos e dos quais notificou o arguido durante a sessão de julgamento de 22 de Setembro de 2008, sendo que um deles é uma sentença composta por 14 folhas que ainda não se encontrava junta aos autos (ao contrário de outro documento – certidão do registo comercial) viola o disposto no n.º 2 do artigo 165.º, do CPP.
B. O Tribunal recorrido, ao entender que 10 minutos são suficientes para o arguido analisar um documento composto por uma sentença de 14 folhas que não se encontrava junta aos autos e do qual foi durante a sessão de julgamento notificado, interpreta a supra referida norma processual penal contrariamente ao disposto na CRP, no seu n.º 5 do artigo 32.º, devendo aquela norma ser declarada não conforme a Constituição em face do entendimento que dela retirou o Tribunal recorrido.
3. O recurso foi admitido, em 2/3/2009, por meio do seguinte despacho:
Dado que foi apresentado em tempo (fls. 1967 e 2008), com observância dos requisitos legais, por quem tem legitimidade e sendo a decisão impugnável, decide-se admitir o recurso (com dúvidas, afigurando-se tratar-se de despacho de mero expediente ou dependente de livre resolução pelo tribunal, como tal, irrecorrível: cf. artigo 400.º-1-a)-b), sendo certo, de todo o modo, que a sua admissão não vincula o tribunal superior: cf. artigo 414.º-3, do CPP), interposto pelo arguido L... (fls. 2069 a 2075), relativamente ao despacho proferido em audiência de julgamento, de 22.09.2008, que indeferiu o prazo requerido para análise de documento (fls. 1970-1), o qual terá subida imediata, em separado e com efeito devolutivo (artigos 399º, 401º-1-b), 406º-2, 407º-2-d), 408º-2-a), 411º-1-2-3, 412º e 414º-1, do CPP).
Notifique.
4. Na resposta à motivação do recurso, datada de 6/11/2008, o Ministério Público, sem apresentar conclusões, defendeu a improcedência do recurso, referindo, em resumo, que o período de análise concedido pelo Tribunal émais do que razoável para o cumprimento do princípio do contraditório”.
5. Os autos de recurso foram, apenas em 10/3/2010, remetidos ao Tribunal da Relação de Coimbra.
6. Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu, em 22/3/2010, douto parecer no qual suscitou a questão de não se mostrar correcto o momento de subida do recurso, no sentido de quealterando-se o regime de subida do recurso, se decida que o mesmo deve subir juntamente com o recurso da decisão que tiver posto termo à causa”.
9. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não foi exercido o direito de resposta.
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B – FUNDAMENTOS:
Nos termos do artigo 414.º, n.º 3, do CPP, a decisão sobre o regime de subida do recurso não vincula o tribunal superior, pelo que pode este Tribunal da Relação de Coimbra alterar o momento de subida do mesmo e é precisamente isso que irá ser feito, nos termos do artigo 417.º, n.º 6, al. a), do CPP, por se verificar, por isso, circunstância que obsta ao conhecimento, nesta ocasião, do mérito do recurso.
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O recurso em causa insurge-se contra uma decisão, proferida em audiência de julgamento, que se limitou a conceder determinado prazo de análise de um documento que o recorrente considera insuficiente.
O despacho em crise, relembre-se, faz alusão aos artigos 406.º, n.º 2, 407.º, n.º 2, al. d) e 408.º, n.º 2, al. a), do CPP, para justificar a subida imediata, em separado e com efeito suspensivo.
No artigo 406.º, do CPP, pode ser lido o seguinte:
1. Sobem nos próprios autos os recursos interpostos de decisões que ponham termo à causa e os que com aqueles deverem subir.
2. Sobem em separado os recursos não referidos no número anterior que deverem subir imediatamente.
Por sua vez, no artigo 407.º, do CPP, consagra-se o seguinte:
1. Sobem imediatamente os recursos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis.
2. Também sobem imediatamente os recursos interpostos:
a) De decisões que ponham termo à causa;
b) De decisões posteriores às referidas na alínea anterior;
c) De decisões que apliquem ou mantenham medidas de coacção ou de garantia patrimonial, nos termos deste Código;
d) De decisões que condenem no pagamento de quaisquer importâncias, nos termos deste Código;
e) De despacho em que o juiz não reconhecer impedimento contra si deduzido;
f) De despacho que recusar ao Ministério Público legitimidade para a prossecução do processo;
g) De despacho que não admitir a constituição de assistente ou a intervenção de parte civil;
h) De despacho que indeferir o requerimento para a abertura de instrução;
i) Da decisão instrutória, sem prejuízo do disposto no artigo 310.º;
j) De despacho que indeferir requerimento de submissão de arguido suspeito de anomalia mental à perícia respectiva.
3. Quando não deverem subir imediatamente, os recursos sobem e são instruídos e julgados conjuntamente com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa.
Por sua vez, dispõe o artigo 408.º, n.º 2, al. a), do CPP:
1. (…)
2. Suspendem os efeitos da decisão recorrida:
a) Os recursos interpostos de decisões que condenarem ao pagamento de quais quer importâncias, nos termos deste Código, se o recorrente depositar o seu valor;”
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No que tange ao momento da subida de um recurso, podemos afirmar que a regra geral é a da subida diferida, excepção feita aos recursos abrangidos pela cláusula aberta do n.º 1, do acima citado artigo 407.º, ou elencados no seu n.º 2.
Todos estamos de acordo em que o despacho recorrido não se encontra previsto nas diferentes alíneas do artigo 407.º, n.º 2, do CPP, nomeadamente na al. d) a que alude o despacho que admitiu o recurso, o que só pode ser entendido como manifesto lapso. O despacho de que o recorrente recorre não condenou o arguido no pagamento de quaisquer importâncias, nos termos do CPP…
Quanto muito, e para justificar a subida imediata do recurso, poderia ser enquadrado no n.º 1, da aludida norma legal.
Mas poderá tal ser entendido, no caso em apreço?
Acontece que a expressão “absolutamente inúteis” tem um alcance muito restrito.
Na realidade, a inutilidade tem que ser absoluta, sendo certo que esta não tem nada que ver com o risco de virem a ser anulados determinados actos, designadamente o julgamento, caso a final venha a ser julgado procedente o recurso.
Em bom rigor, a inutilidade só é absoluta quando a retenção do recurso tiver como resultado a completa inconsequência do futuro resultado do mesmo, ou seja, quando, mesmo a proceder o recurso, o recorrente já disso não puder retirar qualquer proveito.
Dito de outra forma, se a apreciação diferida do recurso e a sua eventual procedência ditar que o efeito pretendido ou o direito que o recorrente pretende ver acautelado irá determinar a anulação de actos processuais, a retenção do recurso torna-o inconveniente em termos de celeridade e economia processual mas não lhe retira a utilidade em absoluto já que a anulação de actos processuais é uma das consequências normais do recurso.
Ora, é esse o caso dos autos.
Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 964/96, “a subida imediata poderia dar-lhe maior utilidade, mas não é essa a hipótese contemplada no art. 407 n.º2 do Código Processo Penal (leia-se, hoje, n.º 1), onde se estatui com clareza que a subida imediata tem em vista evitar que a retenção torne o recurso absolutamente inútil. O que o legislador pretende evitar é que o diferimento da subida inutilize por completo as potencialidades da impugnação. Não que essa subida diferida lhe retire alguma possível acutilância.
É entendimento corrente e correcto que só a inutilidade absoluta, que não a relativa, releva para efeitos de subida imediata dos recursos. Como explicita Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, Volume III, pág. 155, “a jurisprudência tem interpretado de forma exigente o requisito da absoluta inutilidade, considerando que a eventual retenção deverá ter um resultado irreversível quanto ao recurso, não se bastando uma mera inutilização de actos processuais, ainda que contrária ao princípio da economia processual”.
Por exemplo, justifica-se que o recurso interposto da decisão que indeferiu a confiança do processo deva subir imediatamente, pois, caso contrário, subindo o mesmo apenas a final e sendo procedente, já não acarreta qualquer proveito para o recorrente (ver Decisão do Vice-Presidente do TRL, de 2/11/2004, processo 7199/2004-9).
De igual modo, também será justificada a subida imediata relativamente ao recurso da decisão que mandou seguir a forma do processo comum em vez da forma abreviada (despacho do Presidente do TRL, de 10/3/2000, C.J. 2, 135).
O risco de serem anulados actos, designadamente o julgamento, é um risco inerente aos recursos com subida diferida, pois que, para se evitar esse risco, então, todos os recursos teriam que subir imediatamente, passando a ser regra geral aquilo que o legislador entendeu dever ser a excepção, a partir do momento, como é evidente, em que a situação não se enquadre no n.º 2, do artigo 407.º, do CPP (leia-se, hoje, n.º 1).
A opção do legislador foi, sem dúvida, a de aguardar pela decisão final para, então, se apreciarem todas as questões, até porque muitas delas poderão perder interesse face ao teor dessa decisão final. Não se esqueça que o recorrente, nos termos do artigo 412.º, n.º 5, do CPP, tem que indicar quais os que mantêm interesse…
Ou seja, apenas não deve aguardar-se o conhecimento do recurso, se, porque, entretanto, o conhecimento foi retardado, o recorrente não obtiver, apesar de provido, vantagem alguma. Ora, a utilidade do recurso mantém-se na íntegra, se conhecida em simultâneo com o recurso da sentença, na medida em que, nessa altura, se o recurso interlocutório for conhecido e provido, consuma-se, em absoluto, todo o seu efeito.
No sentido do entendimento aqui expresso, vejam-se, entre outros, os Acórdãos do TRE, de 30/5/2006, processo 705/06-1, e de 6/4/2006, processo 388/06-1, www.dgsi.pt/tre, e, ainda, do TRP, de 21/9/2005, processo 6143/04, C.J. 2005, Tomo 4, e do TRL, de 24/11/2005, processo 5594/05-9, C.J., 2005, Tomo 5, e, ainda, a Decisão proferida pelo Exmo. Senhor Desembargador António Piçarra, ilustre Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, em 22/1/2008, Reclamação n.º 33/05.0JBLSB-B, www.dgsi.pt/trc.
Os recursos com subida diferida sobem e são instruídos e julgados conjuntamente com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa (n.º 3, do art. 407.º, do CPP). Por isso que se impõe reparar o momento definido como o de subida do recurso, definido pelo despacho de 2/3/2009 (v.fls.2144, dos autos principais), nos termos prevenidos no art. 414.º, n.º3, do CPP, para que o mesmo suba, diferidamente, com o que vier a ser interposto pelo recorrente da decisão que ponha termo à causa e nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo, em conformidade com o disposto nos art. 406.º, n.º1, 407.º, n.º3 e 408.º n.º2 (ex adversu) do mesmo CPP. Em face do que acaba de ser dito, o conhecimento das questões suscitadas pelo recorrente fica, incontornavelmente, prejudicado, não podendo, assim, ser conhecido, neste momento, o objecto do recurso. ****
C - DECISÃO:
Face ao exposto, determina-se que o recurso em referência suba diferidamente, com o recurso da decisão que venha a por termo à causa e nos próprios autos, de harmonia com as disposições legais acima referidas, ordenando-se, em consequência, a remessa dos autos à 1ª instância.
Sem tributação.
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(Texto processado e integralmente revisto pelo signatário.)


Lisboa, 28 de Abril de 2010,

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(José Eduardo Fernandes Martins)